Eu nunca fui ninguém importante. Na minha escola, o que definia seu valor eram os poderes que você possuía. Manipular fogo, controlar ventos, dobrar metais… meus colegas faziam de tudo para exibir suas habilidades. Eu? Não tinha nada. Nenhum dom especial, nenhuma habilidade sobrenatural. Apenas minha mente e minha determinação de ser alguém, mesmo em um mundo que idolatrava o extraordinário.
Enquanto todos sonhavam em ser heróis ou grandes guerreiros, eu só queria ser diplomata. Sempre achei que inteligência e estratégia podiam superar força bruta. Claro, ninguém mais pensava assim. Para eles, eu era só "a garota sem graça". Sempre sozinha, alvo fácil de piadas e olhares condescendentes, até mesmo dos professores.
Naquela tarde, voltando da escola, eu só queria chegar em casa e esquecer as risadas e os cochichos que me seguiram o dia inteiro. Mas o céu mudou de cor, tingindo-se de vermelho-sangue, e o chão começou a tremer. Sabia o que aquilo significava: um Kaijuu.
Corri para um canto seguro, mas não pude evitar assistir. O herói chegou logo depois, brilhando em uma armadura impecável. A batalha foi intensa. A criatura era gigantesca, com escamas negras e olhos vermelhos que pareciam atravessar sua alma. Cada golpe do herói fazia o monstro urrar, mas ele não desistia. Quando finalmente parecia que o Kaijuu seria derrotado, ele fugiu, cambaleando e deixando um rastro de sangue.
Algo dentro de mim me empurrou a seguir o rastro. Eu deveria ter ido embora, ignorado tudo, mas meus pés me levaram até um beco escuro. E lá estava ele. O Kaijuu, antes tão aterrorizante, agora estava caído, ofegando.
Por um momento, fiquei paralisada. Ele me viu, mas não tentou me atacar. Apenas me observou, com olhos cheios de dor e... algo mais. Resignação? Era como se ele soubesse que o fim estava próximo.
“Você só quer que isso acabe, não é?” Minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
Minhas mãos tremiam enquanto tirava o estilete da mochila. Eu não sabia por que estava fazendo aquilo. Talvez fosse compaixão. Talvez fosse curiosidade. Com um movimento hesitante, mas firme, enfiei a lâmina em seu coração.
No instante em que o Kaijuu soltou seu último suspiro, fui envolvida por uma explosão de chamas negras. Elas rodopiaram ao meu redor, quentes e ferozes, mas não me machucaram. Pelo contrário, parecia que faziam parte de mim. Senti algo dentro do meu corpo despertar, algo sombrio e poderoso.
Então tudo ficou preto.
Quando abri os olhos, estava de volta à sala de aula. O som das risadas e cochichos era ensurdecedor. Eu estava gritando no meio de um pesadelo, e todos estavam olhando para mim como se eu fosse ainda mais patética do que antes.
"Mariana, controle-se!" o professor reclamou, com a mesma impaciência de sempre.
“Posso ir ao banheiro?” perguntei, tentando esconder o desespero na minha voz. Ele apenas assentiu, e eu saí correndo.
No banheiro, joguei água no rosto, tentando afastar a confusão que me dominava. Foi quando algo impossível aconteceu. Bem na frente dos meus olhos, uma notificação surgiu, como se fosse uma projeção:
"Habilidade desbloqueada: Absorção pela morte. Poder ativo: Chamas Negras de Anilanu – Nível 1."
Fiquei encarando aquilo, sem entender nada. Eu, a garota sem graça, agora tinha… poderes? E tudo por causa daquele Kaijuu?
Minha mente estava um caos. Como isso era possível? Eu deveria estar assustada, mas, no fundo, senti algo mais. Algo que nunca tinha sentido antes: poder.
Pedi para ir embora da escola, alegando estar doente. Enquanto caminhava para casa, as chamas negras ainda rodopiavam na minha visão, como se esperassem que eu as comandasse.
Naquela noite, deitada na cama, percebi uma verdade inescapável: o mundo que me desprezava acabara de me dar uma arma. E eu aprenderia a usá-la. Não importa o custo.
---
O prédio onde moro é um reflexo da minha vida: decadente, esquecido e sem perspectivas de melhora. Subi os degraus rangentes até o sexto andar, o meu andar. A pintura descascada nas paredes e o cheiro de umidade já nem me incomodavam mais. Quando entrei no meu apartamento, o cenário era ainda mais desolador. Móveis quebrados, paredes manchadas e uma cama improvisada com panos no chão. Um lar que gritava minha insignificância para o mundo.
Suspirei, largando minha mochila no canto, e me joguei na cama. Aquele dia tinha sido um turbilhão, e minha mente ainda girava com o que havia acontecido. O Kaijuu, as chamas negras, e aquela notificação que apareceu do nada. O que significava aquilo?
De olhos fechados, tentei forçar minha visão, esperando que a notificação surgisse novamente. Concentrei-me o máximo que pude, mas tudo o que consegui foi uma dor de cabeça insuportável.
"Que perda de tempo", murmurei para mim mesma, frustrada.
Exausta, deitei-me e deixei meu corpo afundar na cama improvisada. Não demorou para que o sono me envolvesse.
E foi aí que o sonho começou.
Eu estava no mesmo beco escuro onde havia encontrado o Kaijuu. Ele ainda estava lá, sangrando e ofegante, mas dessa vez, em vez de eu me aproximar com o estilete, ele falou comigo. Não em palavras humanas, mas eu podia entendê-lo.
"Você me libertou... mas quem vai libertar você?"
Antes que eu pudesse responder, algo mudou. De repente, eu estava de frente para uma versão de mim mesma, mas diferente. Seus olhos brilhavam com chamas negras, e havia uma expressão fria e calculista em seu rosto.
“Você não está pronta”, ela disse, com uma voz que parecia um eco distante.
“Pronta para o quê?” perguntei, confusa.
Ela não respondeu. Em vez disso, tirou uma lâmina fina de suas roupas e avançou. Tentei fugir, mas minhas pernas não respondiam. Senti a lâmina atravessar meu coração, e uma dor indescritível me consumiu.
Acordei com um grito preso na garganta. Minhas mãos foram ao peito, buscando qualquer sinal da ferida. Nada. Era só um sonho.
Ou pelo menos eu pensava.
Ainda tentando me recompor, outra notificação apareceu diante dos meus olhos:
"Habilidade desbloqueada: Memórias dos mortos - Conexão com vítimas - Nível 1."
Fiquei parada, encarando aquelas palavras. Memórias dos mortos? Então o sonho... era algo que eu absorvi do Kaijuu? Era uma lembrança dele, ou talvez uma advertência?
Meu peito se apertou. Essas habilidades estavam ficando mais estranhas a cada minuto, e eu não fazia ideia do que fazer com elas. Tudo o que sabia era que aquilo tinha mudado alguma coisa dentro de mim.
Enquanto ainda processava o que havia acontecido, meu celular vibrou. Era uma mensagem do meu namorado.
"Oi, Mari. Preciso te encontrar no shopping. Tem algo importante que precisamos conversar sobre."
Uma parte de mim hesitou. Mas, no fundo, eu queria acreditar que ele traria algo bom. Talvez ele estivesse pensando em um futuro juntos, quem sabe até algo sério.
Levantei-me, ansiosa, e fui até o meu guarda-roupa sem portas. Revirei as poucas roupas que tinha, mas todas estavam gastas ou manchadas. Nenhuma parecia adequada.
"Não posso ir assim", pensei, mordendo o lábio.
Com o dinheiro contado, corri até uma loja no bairro e comprei uma camisa simples, uma saia e uma sandália barata. Quando terminei, só me sobraram 13 kirius. Eu sabia que talvez não fosse suficiente para a volta, mas arriscaria.
No shopping, sentei-me em uma cadeira elegante, tentando ignorar o olhar curioso das pessoas ao meu redor. Quando ele chegou, meu coração acelerou. A garçonete se aproximou para anotar o pedido, mas ele a dispensou com um gesto.
"Não vamos demorar", ele disse, sem sequer olhar para mim.
“Sobre o que você queria falar?” perguntei, tentando disfarçar minha ansiedade.
Ele respirou fundo antes de soltar as palavras como facas:
"Mariana, acho que não vai dar certo entre nós. Minha família e meus amigos esperam algo mais... e eu conheci alguém. Amanda. Ela é mais adequada para o meu futuro."
Meu coração parou.
Ele não esperou pela minha resposta. Levantou-se e saiu, deixando-me sozinha com as palavras ainda ecoando na minha mente.
"Mais adequada."
Caminhei de volta para o ônibus, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não me importava com os olhares dos outros passageiros. Desci algumas paradas antes de casa e comecei a andar sem rumo pelas ruas.
Eu estava perdida, quebrada. Tudo o que queria era entender.
Foi quando outra notificação apareceu.
"Nova habilidade desbloqueada: Rastreamento emocional - Nível 1."
Parei na calçada, encarando aquelas palavras. Meu coração batia forte, e uma nova determinação cresceu dentro de mim.
Se ninguém ia me dar as respostas que eu precisava, então eu mesma as encontraria. Não importa o que fosse preciso.
Passei a noite tentando organizar as informações que o sistema despejou em minha mente. Meu caderno estava cheio de anotações confusas, mas parecia que faltava algo. Cada regra, cada detalhe... eu sentia que precisava testar, experimentar, para realmente entender.
No dia seguinte, fui para a escola, mas não consegui me concentrar. Minha mente girava em torno da ideia de ter um poder, algo que finalmente me tiraria da sombra de ser "ninguém".
Quando as aulas finalmente terminaram, segui para um beco isolado. Minhas mãos tremiam, mas a determinação era maior do que o medo. Eu precisava saber o que aquelas chamas podiam fazer.
Levantei minha mão direita e sussurrei para mim mesma:
— Chama Negra do Dragão Adormecido.
De repente, minha mão foi envolvida por uma chama negra, densa e hipnotizante, que dançava como uma extensão da minha alma. O calor era intenso, mas não imediatamente insuportável.
— Isso é... incrível — murmurei, maravilhada.
Eu observava as chamas, fascinada com o poder que parecia tão irreal. Decidi testar tocando a lateral de uma lata velha de lixo que estava no chão. A chama deixou um rastro de queimadura profunda no metal, como se tivesse corroído a superfície.
— Isso é muito mais forte do que eu imaginei... — sussurrei, um sorriso escapando sem querer.
Mas, enquanto eu admirava o que acabara de fazer, algo mudou. Uma dor ardente começou a se espalhar pela palma da minha mão. Primeiro, foi apenas um incômodo, mas logo se transformou em um sofrimento latejante.
— Ai... droga, está queimando!
Desesperada, tentei apagar as chamas balançando a mão, mas elas pareciam grudadas em mim, como parte do meu próprio corpo. Só depois de alguns segundos de concentração consegui fazê-las desaparecer.
Quando olhei para minha mão, fiquei horrorizada. A pele estava avermelhada, com pequenas bolhas surgindo aqui e ali.
— Não acredito... eu... me queimei?
A dor era tão real quanto o poder. Sentei-me no chão, pressionando a mão contra a roupa, tentando aliviar a sensação.
— Então é isso... o poder é incrível, mas tem um custo. Eu não sou imune a ele...
Voltei para casa com a mão queimada, tentando não chorar de frustração. O que eu esperava? Que fosse algo fácil? Claro que não. Nada nunca foi fácil para mim.
Quando cheguei ao meu apartamento, procurei desesperadamente algo para tratar a queimadura. Encontrei uma pomada velha no fundo de uma gaveta e enfaixei a mão com cuidado.
Enquanto olhava para minha mão enfaixada, senti uma mistura de emoções. Por um lado, estava fascinada com o poder que agora possuía. Por outro, havia uma sensação de vulnerabilidade.
— Se até meu próprio poder pode me machucar, o que mais pode acontecer?
A pergunta ecoou na minha mente, mas logo a afastei. Eu não tinha tempo para dúvidas.
Voltei ao caderno onde havia anotado tudo sobre o sistema e comecei a escrever mais. Adicionei uma nota sobre as chamas negras: "Efeito colateral: queimaduras na mão. Preciso encontrar uma maneira de usar sem me machucar."
A dor me lembrava que o poder não era algo simples ou indulgente. Era algo que eu precisaria dominar com cuidado.
Eu sabia que o caminho à minha frente seria difícil, mas cada passo parecia trazer um propósito que nunca tive antes.
— Não importa o quanto doa... eu vou fazer isso funcionar.
Naquele momento, percebi que o poder não era apenas uma dádiva, mas uma responsabilidade. E eu estava determinada a encontrar um equilíbrio entre a força que ele me dava e os riscos que trazia.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!