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Romance Nacional

Leila.

Campinho, 2009.

- MÃÃÃEE... EU PASSEI - aos gritos empolgados conto uma grande novidade.

- Meus parabéns, Leilinha, agora é uma universitária - minha mãe corre e me abraça, dando-me os parabéns.

- Que horas o pai chega? - pergunto sobre meu velho ao sair do abraço.

- Só durante a noite. Conte mais como vai ser? - minha mãe quer todos os detalhes.

Então eu explico com muita empolgação que passei no curso de Filosofia da Universidade Paulo de Tarso e por conta disso terei que me mudar para a capital do estado que moramos. Claro, essa parte ela já sabia, porém precisava reforçar... deve ser difícil para ela e qualquer outra mãe ver sua filha deixando o lugar que sempre morou. Aqui no interior até tem a Primeira Universidade de Campinho (PUCa), contudo eu queria mudar de cidade, viver por conta própria, afinal já tenho dezoito anos e tenho aquele desejo jovial de conhecer mais do mundo.

Esse abençoado lugar que moro, Campinho, possui esse nome por ser em uma região bem plana e que antigamente havia muitos campos de agricultura, todavia há morros ao seu redor, o que dá um charme para o lugar, porém traz também algum calor. Em geral o calor atrapalha nos estudos, porém sempre venci essa barreira.

Eu sempre me interessei pelo estudo da Filosofia desde quando conheci a matéria três anos atrás, ainda no Ensino Médio da escola pública onde outrora estudei. Claro que o ensino universitário deve ser bem diferente do que é nas escolas e quem sabe eu possa trazer esse conhecimento extra em sala de aula, como professora. Essa é minha grande ideia do que fazer na vida.

Falar de Sócrates, Platão e Aristóteles já me deixa animada, melhor período da filosofia. O problema estar em fazer isso enquanto vivemos a loucura que é o Brasil. A vida em uma nova cidade, ainda mais uma das maiores cidades da América Latina, será certamente um desafio, contudo conto com a ajuda da minha tia Gabriela.

O tempo passa e quando meu pai chega lhe conto as novidades. O velho é o que se chama de turrão, um típico homem à moda antiga enquanto eu faço mais o estilo urbana e moderninha - imagino eu. Ele aceita bem e me ajuda com algum valor. E depois de uma longa conversa sobre a vida finalmente o coroa me libera para eu dormir.

Nada de dormir... não sem antes refletir. Fico pensando em suas palavras. Certamente será desafiador viver longe deles, embora pelo fato de ser filha única já estou um pouco que acostumada com a solidão, com exceção dos momentos que tive namorados, porém agora estou solteira - ufa!

Minha tia Gabriela também é uma solteirona, na verdade ela já foi casada, mas se separou recentemente. Minha companhia certamente lhe fará bem e para mim será um grande apoio inicial. Desde a separação de motivo comum por aqui - adultério - ela se fechou totalmente para tudo na vida, até mesmo amizades.

Eu nunca trabalhei e sei que precisarei de algum dinheiro. De um monte, talvez. Pelo que ouvi dizer Paulo de Tarso é a cidade mais cara do país, entretanto para realizar esse sonho de me formar eu terei que, nesses quatro anos, estudar e trabalhar. O horário do curso é no turno da noite já pensando nisso, só não sei o que e onde vou trabalhar, porque não tenho experiência com nenhuma atividade em si. Triste realidade dos jovens brasileiros.

O tempo passa...

Eu passo a última semana aqui em Campinho aproveitando a minha família e deixando tudo pronto. Na minha mala, além do básico necessário em vestuário e higiene pessoal, levo também meus poucos livros. Machado de Assis, José de Alencar e um que ainda não li de um autor internacional chamado George Orwell. Evitei ler para não pensar no meu último namorado que me presenteou com o livro, porém com alguns quilômetros de distância poderei ler tranquilamente. Ou não.

Apesar de eu evitá-lo, Matheus vem me vir no meu último dia aqui no interior. E conversamos na porta da minha casa apenas sobre a novidade em relação ao meu futuro.

- Pois é, estarei viajando amanhã para estudar Filosofia em Paulo de Tarso - comento escondendo minha animação, como se fosse algo normal, contudo aquilo era algo grande para qualquer um que mora no interior vindo da escola pública.

- Eu desejo tudo de bom pra você e sei que terá, porque lá é onde tem ainda alguma coisa. Eu ficarei por aqui mesmo, vivendo minha vidinha no interior - o jovem comenta em lamento. Nunca teve grandes expectativas sobre nossa cidade.

- Que é isso, Campinho é uma grande cidade - defendo nossa terra, embora saiba que ele possa ter uma razão no que fala.

- Sim, é grande comparada com as cidades vizinhas, mas Paulo de Tarso é diferente - ele já esteve lá e dou ouvidos ao que ele diz. Deve ser mesmo.

- Então... amanhã viajo cedinho - pensei em me despedir logo, seria ruim viver um romance e ter logo que terminar. Ainda mais com quem já vivi.

Rola um abraço amigável... eu que terminei o namoro e ele ficou arrasado, mas agora já parece bem. Matheus vai embora e me dá um embrulho no estômago em um misto de ansiedade com temor. Sou apenas uma jovenzinha do interior, posso dizer que não sei quase nada da vida, eu mal perdi a virgindade, com esse, inclusive, que está indo embora, e temo não conseguir realizar meu sonho.

Uma última conversa com meu velho pai ainda naquela noite e ele mantém os alertas e ao mesmo tempo me deixa confiante. Mesmo com tanta diferença de personalidade nos damos bem. Minha mãe também conversa a sós comigo, porém é aquela conversa íntima de mulher. Vários alertas aos quais já ouvira.

Chega o dia da viagem... em algumas horas estarei na capital paulista. Ainda é madrugada e eu mal dormi. Meus pais também já estavam acordados e me ajudam com tudo, desde o rápido café da manhã até as últimas coisinhas na bagagem. Despeço-me prometendo ligar aos finais de semana e sempre que possível vir visitá-los e digo também que, se puderem, venham me ver na capital, mesmo sabendo que é uma possibilidade remota por conta da rotina de trabalho de ambos.

Hora de partir.

Paulo.

Paulo de Tarso, 2009.

Finalmente estou na capital do estado, Paulo de Tarso. Apesar do nome de santo a cidade é pouco ou quase nada religiosa, o nome é de uma origem histórica, hoje algo como Judas Iscariotes faria mais sentido. Conforme combinado, minha tia veio ao meu encontro para que eu não me perdesse andando por aí em uma cidade tão grande e para mim desconhecida. E dá tudo certo e em mais uma hora desperdiçada por conta de trânsito e pelo fato de ser tudo longe de tudo finalmente chegamos à casa da tia Gabriela. Dizem que quando se termina um relacionamento se muda um pouco as características físicas, ou emagrecendo ou engordando, mas Gabriela continua igualzinha da última vez que a vi e isso já tinha um bom tempo.

Eu só tinha aquele dia livre antes que minha vida nova começasse e minha tia me levou para alguns lugares daquela grande cidade. Há belas áreas verdes em meio à floresta de prédios, isso me deixou estranhamente familiarizada, apesar de ser minha primeira vez ali, contudo procurei não filosofar, não agora, pelo menos.

No dia seguinte eu sou levada pela minha tia até a tal Universidade Paulo de Tarso e as coisas não começam bem. Um trote. Eu já tinha ouvido falar em trotes universitários, porém não esperava isso do meu curso. Com tinta e penas de galinha em meu corpo, fui levada para pedir dinheiro em um sinal de trânsito. É o auge da irracionalidade, promovida pelos veteranos do curso. Era como uma catástrofe e aproveitei esse péssimo momento para saber com quem eu iria me envolver. Certamente nenhum daqueles veteranos, todos idiotas, alguns claramente chapados, não sei se de erva ou de álcool, talvez uma mistura de ambos. Os novatos pareciam mais legais. Havia só mais três ou quatro meninas e o restante era de homens barbados, diferenciando-se apenas nas espessuras de suas barbas, o que denunciava parcialmente suas idades. Só havia dois garotos ali que pareciam de melhor aparência, mas não era o momento de me aproximar deles. Não fedendo a galinha e coberta de tinta - que nojo.

Também ouvi alguns babacas, veteranos e novatos, pedirem para eu “me alegrar”, “que só era aquela vez”, “que eu já poderia fazer o mesmo com os novatos do próximo semestre”, enfim... fiquei calada para não os mandar para as putas que os pariu.

Depois de um dos piores dias da minha vida, o dia seguinte - entenda-se noite - de fato é mais tranquilo, ao menos continuo com a pele limpa e o cheiro do meu perfume, porém alguns dos idiotas de antes vem me falar “está mais calma?”, “você estava estressada ontem” e “não fica assim, é só um trote”... eu esperava mais maturidade dessa galera. Mais racionalidade, sobretudo. Acham que vou me submeter nessas humilhações só para ser aceita? Pior é ver muitos novatos fazendo isso e se enturmando com alguns veteranos, achando muito legal o ocorrido. Trouxas.

Enfim, começou a primeira aula e meu sonho parecia que estava se tornando em um pesadelo. Com um grande atraso, o professor entra fumando um cigarrinho do diabo e apresentando como seria sua cadeira - ou seja, a disciplina. Olhei para o lado e, aqueles alunos que o olhavam como herói, já risquei mentalmente da lista de qualquer possibilidade de trocar um boa noite sequer. Conforme minha primeira observação, os dois mais arrumadinhos o olhavam com desprezo e havia também uma menina que claramente balançava a cabeça negativamente ao olhar para o “doutor”, nas palavras dele. Eu já encontrei minha galera.

Depois da aula, se é que dá para dizer isso, talvez aula de egocentrismo de virtudes ruins, aí realmente aquele cara é doutor, eu procurei fazer amizade com a menina que balançava a cabeça negativamente para aquilo. Seu nome é Anna Campos, inclusive é a mais bela da turma, talvez até do curso. Alguns daqueles idiotas vieram dar em cima de nós e foram prontamente desprezados. Fomos para outra sala para mais uma aula. São duas aulas todas as noites, ao menos nesse primeiro semestre.

E a aula seguinte foi bem mais promissora. “Agora sim, algo cult”, nas otimistas palavras de Anna. O professor, pelo que entendi, estava usando o método socrático para nos fazer refletir sobre algumas coisas. De repente achei estranho o fato de as respostas dos alunos serem as mesmas e o professor sempre responder que estava “estimulando o pensamento crítico”. Pensamento crítico? Sempre em concordância e pensamentos iguais? E quando um dos gatinhos do que queria como minha galera o confrontou em ideia ele claramente não gostou.

- Cult nada, amiga. Ele é só outro idiota - sussurrei em aviso.

- Pior viu, mas é menos ruim que o maconheiro - ela apontou e tive que concordar. Ao menos tinha algum conteúdo.

- Depois vamos falar com esse menino e com aquele outro?! - queria saber a opinião dela, mas dando a entender que eu iria fazer aquilo.

- Claro, mas o de olhos azuis é meu - ela respondeu com alguma malícia.

Inicialmente eu fiquei com cara de idiota, mas depois ela riu e entendi que falou brincando... certamente com fundo de verdade. Para a sorte dela, ou não, ainda não queria me envolver com ninguém. Na real, Anna é tão charmosa que eu sei que não poderia competir com ela.

Os dois meninos não eram próximos um do outro, então falamos primeiro com um e depois com o outro, isso após a aula. Ambos bem solitários e com jeitões sérios. O nome do primeiro é Victor Galvão - o de olhos azuis - e o do segundo é Bernardo Wein. Não trocamos muitas palavras por conta do horário e logo cada um foi para sua casa, porém era promissor que seria nossa galera.

No dia seguinte eu acordei levando bronca da minha mãe em uma ligação, afinal acordei tarde e nada ainda de emprego. Tiro o resto do dia para procurar alguma coisa. Até o momento nada de emprego, só algumas bobas esperanças e vou para mais uma aula de Filosofia, assim espero, ao menos. Julgando por ontem será outro dia tenso... duas novas cadeiras, quem sabe ao menos encontre alguma filosofia.

C.U.?

Paulo de Tarso, 2009.

Mais uma noite de aula e dessa vez novos professores - e inicialmente velhos péssimos costumes. A primeira era uma velha e não consigo respeitá-la e chama-la de senhora, porque é uma professora como os do dia anterior, entretanto fico mais esperançosa na segunda aula. O professor era um gringo, um típico europeu, aparência séria, dava para perceber até pelo tom da voz e realmente estava ensinando alguma coisa de filosofia. Pela primeira vez em três dias percebi que aprendi alguma coisa. Finalmente.

Ao final da aula um aluno veterano veio do corredor e pediu a palavra e o professor cedeu e ele falou sobre bolsas e projetos. Dinheiro! Logo pensei na possibilidade. Após a aula acabar eu fui me informar melhor. Sorte que não cheguei a fazer nenhuma inimizade, apenas odeio em segredo aqueles veteranos. A informação não me empolgou tanto: Era apenas um auxílio e nas palavras do tal veterano a função era apenas ficar no Centro Universitário do nosso curso. Sim, a sigla é C.U. e pelo visto devia ser como um orifício anal mesmo, pois nas palavras do veterano minha função era “não fazer nada”. Brasil...

Eu logo percebi que era o tipo de coisa que corrompe, ganhar um dinheiro estatal para não fazer nada? Não é do meu feitio aceitar algo assim, mas eu precisava de algum dinheiro que fosse ao menos para as minhas despesas e quem sabe ajudar minha tia. Aceitei entrar no cu da Filosofia, ou melhor, no “cê u” do meu curso.

O horário que eu deveria ficar era no turno da tarde, então eu fiz o plano de simplesmente chegar cedo à Universidade, perder meu tempo lá no tal C.U. e depois iria assistir as aulas. Nada mal e ainda teria a manhã livre para, quem sabe, conseguir mais alguma coisa de meio período. Por sorte fui aceita e já comecei no dia seguinte. O primeiro dia no Centro Universitário foi um dia que aproveitei para aprender e não é que seja realmente “não fazer nada”, mas em noventa por cento do tempo é isso. Os outros dez por cento é ajudar os estudantes que viriam com alguma dúvida sobre o curso, inscrever e divulgar eventos estudantis, carteirinha estudantil, torneios esportivos, esse tipo de coisa. Já comecei a levar meu livro do George Orwell para aproveitar o tempo e ler, afinal era muito tediante não fazer nada e tinha aquela leitura pendente e nisso aconteceu algo que eu jamais sequer imaginaria que poderia acontecer: Eu fui censurada! Sim, em uma universidade, e pior, no curso de Filosofia, simplesmente me falaram que eu não poderia estar com aquele livro ali, porque era “reacionário”. Eu nunca sequer tinha ouvido falar no termo. E um diálogo se iniciou.

- O que é reacionário? - perguntei demonstrando ingenuidade e fechando o livro, como quem aceitando a censura, entretanto por dentro estava irritada com aquela situação perturbadora.

- É melhor você nem saber. É algo ruim, que não presta - foi a resposta da aluna veterana que me censurou.

Então eu vi que entrei em uma enorme roubada! Justamente no curso de Filosofia eles não querem que eu saiba de alguma coisa e ainda mostram uma simples visão de bem ou mal. Eu decidi só ficar na minha e guardei o livro na mochila. Não queria inimizade e gostaria de continuar ali para receber o valor da bolsa. É pouco, mas é o que há no momento.

Sem nada para ler, só me restou pensar - aproveitando que ninguém ia saber, afinal não queria ser censurada - sobre o que fazer. Ainda bem que ainda não conseguem censurar o pensamento, desde que não seja exposto, obviamente. Uma parte de mim dizia para correr de volta para Campinho e outra mais orgulhosa e otimista me dizia para que eu continuasse, afinal em um mês já estaria ganhando algum.

De todas as opções eu optei por esperar. Nada contra voltar para o interior, porém eu já estava gostando da sensação de liberdade dessa nova rotina. Só precisava de dinheiro e entrei no tal C.U. para isso mesmo. Fiquei sabendo de festas que aconteceriam no final do mês e fiquei animada com a situação. É o tal diferente que eu esperava.

Durante a noite eu conversei com meu grupo de amigos, que parecia cada vez mais distante dos outros grupos da nossa sala. Tinha o grupo que não queria nada de estudo, só estavam lá pelas drogas. Tinha um grupo que bebia e estudava, tentando balancear o álcool com o conhecimento, esse o maior grupo. E tinha o meu grupo que estava sendo visto como nerds. Nerds? Victor Galvão tem um porte atlético que não há quem diga que seja um mero estudante, ainda mais de Filosofia. Bernardo Wein fala pelos cotovelos, não é nada tímido. Anna Campos é praticamente uma modelo e eu estou no C.U., afinal, onde andam os mais descolados do curso. Ironicamente estamos sendo considerados nerds por querer algum conhecimento com seriedade. Todos deveriam, não? Pelo visto, não - infelizmente.

Comentei em segredo sobre a censura apenas com Anna, não que eu não confiasse nos meninos, mas queria ir devagar.

- Mulher, hoje tô devagar, mas amanhã prometo pensar melhor sobre isso - e mudou de assunto - e aí me conta do tal cu - e riu escandalosamente com a palavra.

- O C.U. é um cu mesmo. Fiquei sabendo de uma festa no final do mês, nós vamos? - queria a companhia dela, porém mesmo que ela não fosse eu iria só - estava decidida.

- Ah, agora sim, estamos parecendo universitárias - ela brincou - vamos... se eu não estiver namorando daqui pra lá - e falou com suspense.

Conversamos sobre seu envolvimento romântico com o Victor. Já imaginava, os dois combinam, com exceção dos olhos azuis. Só espero que não me empurrem para o Bernardo. Não quero nada.

Terminamos o papo e só voltamos a nos falar no dia seguinte e dessa vez nada de papo de cu ou badalação e namoro, pela primeira vez tive uma conversa filosófica.

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