Melissa andava pelos corredores apressada, pois o evento começaria em breve. Mantinha sua mente muito concentrada em cada passo que deveria dar, repassava infinitas vezes o cronograma a ser seguido, pois mais uma vez, apresentaria seu trabalho para a imprensa. Era estilista de uma importante rede de lojas, uma das maiores do país, e a cada nova estação, apresentava à imprensa e ao mercado da moda, sua nova coleção.
Sentia um frio na barriga, pois naquela noite, o CEO e dono das lojas em que assinava suas coleções, estaria presente, finalmente depois de anos trabalhando naquele lugar, conheceria o homem que estava acostumada a trocar e-mails curtos e objetivos, e a tratar de negócios, mas que desconhecia a aparência.
Assim que entra em sua sala, vai direto à gaveta de sua mesa, a destranca e pega alguns papéis, e ao pegar tudo o que precisava, e trancar sua gaveta novamente, vai até o espelho que ficava no canto da sala e fica se olhando atentamente, conferia mais uma vez sua aparência.
- É o tem para hoje, espero que mais uma vez, ele avalie minha competência, e não o tamanho do meu corpo, afinal, vestir tamanho 46 não é nenhum problema! – Dizia para si mesma.
Melissa, uma mulher de 40 anos, lutara a vida toda com a balança, não que fosse extremamente gorda, mas seu corpo estava longe de estar nos padrões que a maioria das crianças e adolescentes tinham. Desde pequena ouvia piadas em relação ao seu corpo, alguém sempre comentava que sua barriga estava protuberante demais, ou que seu rosto tinha bochechas muito salientes, até mesmo em sua família era motivo de piadas e comentários maldosos, na adolescência havia sido ainda mais cruel, pois constantemente era motivo de chacota por parte de seus colegas de classe, diziam que ela era muito alta e tinha o corpo de uma adulta, pois desde cedo suas curvas ficaram aparentes.
Em festas de família, seus primos teimavam em zombar de seu corpo colocando milhares de apelidos, até mesmo sua mãe ria das piadas, e toda oportunidade que tinha, humilhava sua filha dizendo que ela deveria se esforçar mais para ficar bonita, pois segundo ela, mulheres só são bonitas, se forem extremamente magras, assim como as modelos de passarela.
Apesar de ser uma mulher que conquistara sua independência profissional e consequentemente financeira, ainda sentia que sua criança interior lutava constantemente com os traumas vividos na infância, ainda se sentia insegura em relação ao seu corpo, e o mais irônico, era que trabalhava justamente no ramo da moda, o mesmo que vivia ditando que mulheres devem ser o mais magra possível, pois de outra forma, não são consideradas bonitas, ignorando completamente o fato de que saúde e magreza, não necessariamente tem alguma relação. Melissa se olha uma última vez no espelho, e sai de sua sala, sabia que estava atrasada, mas grandes eventos, também acompanham grandes imprevistos.
Ela caminhava de volta até o salão principal, quando de repente, imagina ter ouvido a voz de Renan, seu marido, porém, ela sabia que ainda faltava pelo menos uma hora até que ele chegasse ao evento. Melissa então continua a andar pelos corredores, mas uma risada faz com que ela pare novamente e volte, ela tinha certeza que era a risada dele, afinal, já estavam juntos há dez anos, e conhecia aquele som como ninguém. Ela então dá meia volta e segue o som das risadas, e para em frente a sala de Lílian, sua chefe. Melissa percebe uma fresta, pois a porta estava entreaberta, e olha mais atentamente, mas seu coração congela ao ver a cena. Renan estava agarrado à Lilian, ele mantinha uma de suas mãos na cintura dela, e a outra mão repousava sobre o bumbum, os dois se olhavam e riam com muita intimidade.
- Não sei como você aguenta aquela gorda, Renan! Sinceramente, viu! Como você pode ser casado com uma mulher tão relaxada como ela?
- Nem eu mesmo sei, Lilian, confesso que quando a conheci não me importei com o peso dela, achava bonitinho ela ser gordinha, mas depois comecei a olhá-la com outros olhos, mas vamos concordar que ela é muito bonita de rosto, vai! Ela tem um rosto que encanta qualquer um, Melissa chega a enfeitiçar com aqueles olhos!
- Ah! Me poupe, meu bem! Ela é bonitinha só de rosto mesmo, porque como você bem disse, o resto é um verdadeiro horror, parece uma baleia! Não entendo como está há dez anos casado com ela.
- Você sabe que ela é extremamente competente, digamos que ela me ajuda com meu trabalho, ela tem um senso estético maravilhoso, não posso ficar sem a mente brilhante dela, Melissa simplesmente consegue resolver qualquer problema, mas já te disse que não a amo, para falar a verdade, sinto até repulsa em ter que dormir ao lado dela, e a cada dia que passa preciso inventar uma desculpa para não a tocar, mas é necessário, afinal, ela faz o meu trabalho todo, e eu a tenho nas mãos, pois sei que ela é insegura com o corpo dela, então acabo usando isso a meu favor!
Em seguida, Renan e Lilian caem na risada, e logo após, começam a se beijar, Melissa não conseguia acreditar em tudo o que via e ouvia, em seus olhos já escorriam lágrimas livremente, seu coração parecia que sairia pela boca de tanto sofrimento, seus pés pareciam que estavam grudados no chão, seus joelhos não conseguiam obedecer a movimento algum, sentia uma enorme dificuldade em respirar, aquele espaço lhe parecia pequeno demais, estava sufocando. Ela então se apoia na parede, já que seus joelhos fraquejavam, e tenta se acalmar, tentava controlar sua respiração, pois seria humilhação demais ser descoberta atrás daquela porta, sem contar que lutara muito para conquistar um espaço em seu trabalho, não podia simplesmente ser ridicularizada na frente de todo mundo.
Naquele momento, razão e emoção brigavam, ela queria entrar naquela sala e bater nos dois até se sentir mais aliviada, mas sua razão a impedia, pois seu trabalho era a coisa mais importante que tinha em sua vida. No mesmo instante, acaba pegando seu telefone e tirando algumas fotos discretamente, não sabia ao certo o motivo de fazer aquelas fotos, apenas obedecia a algum instinto, parecia que suas mãos faziam tudo no automático.
Melissa tremia fortemente, sabia que Lílian, sua chefe não era flor que se cheirasse, mas ouvir o homem que dividira dez anos de sua vida, dizer que sentia repulsa dela pelo fato de ser gorda, a fazia se sentir profundamente abalada. Ela consegue finalmente correr para o mais longe possível, mas seu estômago revirava, sentia uma forte náusea, e a vontade de bater em Renan e Lilian até que suplicassem clemência somente aumentava, por pouco não cedera aos seus instintos primitivos, porém, a idade havia trazido certa maturidade, e ela não se deixaria dominar por tais instintos, iria dar o troco de forma inteligente, assim que possível.
Por mais que doesse aquela traição, por hora, engoliria todo seu ódio e executaria seu trabalho com maestria, e depois, se daria a oportunidade de chorar e recalcular sua rota. Ela caminhava pelos corredores ainda muito abalada, as lágrimas ainda escorriam livremente pelo rosto, tinha a visão embaçada, e sem perceber acaba deixando um dos papéis cair de sua mão.
- Acho que isso é seu! – Diz um homem atrás dela.
Melissa se vira sem entender o que alguém dizia a ela, tinha ainda a expressão abalada e meio tonta, não olha para o homem diretamente, pois se sentia envergonhada.
- O que disse? – Pergunta Melissa confusa.
- Eu disse, que você deixou esse papel cair.
- Ah! Obrigada, eu não percebi.
- Você está bem? Vejo que esteve chorando, está precisando de alguma coisa?
- Não se preocupe, estou ótima! Com licença.
Melissa pega o papel da mão do homem meio bruscamente, pois se começasse a falar alguma coisa, certamente desabaria ali mesmo, e sai andando o mais rápido possível, iria até o banheiro lavar o rosto, pois não podia ser vista com aquela aparência de derrota por quem quer que fosse, ainda mais pelo CEO da rede de lojas na qual trabalhava, o mesmo que finalmente teria a oportunidade de conhecer pessoalmente naquela noite.
De longe, Galvão observava a mulher se afastar apressada pelo corredor, não pode deixar de notar também o quanto era bonita, tinha uma presença marcante, e sem dúvida iluminava qualquer ambiente que ela estivesse. Ele repara em suas curvas e coo seu corpo era sensual, ela exatamente o tipo de mulher que ele gostava, e com certeza, adoraria vê-la novamente.
Seria ela, uma funcionária dele? Pôde observar também, seus olhos cheios de lágrimas, só não sabia o motivo. Ele então caminha mais um pouco, e nota uma porta entreaberta, olha para dentro da sala, e observa um homem e uma mulher se beijando. Seria aquele, o motivo daquela bela mulher ter passado por ele, chorando?
Melissa era uma estilista talentosa, mas insegura, diversas vezes, antes de trabalhar naquela profissão, ouvira sua avó Mazé (Maria José) dizer que deveria deixar de trabalhar com algo que não gostava, e se dedicar à sua paixão, ela era a maior incentivadora de sua neta, pois conhecia seu potencial, mas Melissa sempre ouvia mais as críticas de sua mãe, do que seu próprio coração, havia sido um longo caminho até ela chegar ao patamar que estava, não havia sido nada fácil, mas dera certo.
Suas coleções ganhavam prêmios consecutivos para a indústria na qual trabalhava, Melissa executava seu trabalho com precisão e eficiência, olhava cada detalhe das roupas, vistoriava suas modelos, e fazia os ajustes finais, participava das campanhas de lançamento, e a cada dia que passava, se destacava ainda mais em sua carreira, faltava somente criar coragem e começar sua própria marca, ao invés de trabalhar para terceiros, mas naquele momento, não conseguia desviar seus pensamentos da cena vista horas atrás, nem ao menos sabia como estava ainda em pé.
Aquele evento havia sido uma verdadeira tortura, pois em dado momento acabara vendo Renan adentrando o salão e acenando cinicamente para ela, como se nada tivesse acontecido, e naquele mesmo instante, seu estômago ameaçara de colocar absolutamente tudo para fora, mas ela se controlara o máximo que podia, estava fazendo um esforço sobre-humano. A situação havia ficado ainda pior, no momento em que ela vira Lilian também adentrar o ambiente, e se sentar ao lado de Renan, e somente então, é que Melissa reparara nos olhares dos dois, ela se sentia uma verdadeira estúpida por nunca ter percebido nada antes.
Ao final do desfile, já não importava mais se conheceria finalmente o CEO ou não, tudo o que ela queria era pegar suas coisas e sumir daquele lugar, queria desaparecer por algum tempo, pois somente ela sabia o quanto seu coração sangrava pela traição sofrida.
A todo momento ela evitava Renan, ou Lílian, pois sempre se mantinha ocupada, e mesmo ao final do desfile, inventara alguma desculpa e saíra de perto. Melissa mais uma vez caminhava apressada pelos corredores, porém dessa vez, sabia exatamente para onde deveria ir. Ela mais uma vez entra em sua sala, pega o necessário, enfia tudo em sua grande bolsa e sai apressada, corria pelos corredores até alcançar o estacionamento, seu telefone tocava sem parar, pois desde que o desfile havia terminado Renan ligava para ela insistentemente.
Melissa finalmente chega até seu carro e entra, fica ainda uns minutos segurando o volante com força e olhando fixamente pra frente, olhava para o nada, e as lágrimas teimavam em escorrer pelo seu rosto livremente. Seus pensamentos estavam confusos, e sua vida passava diante de seus olhos, em seus pensamentos, revivia a cena de momentos antes, sentia náuseas ao se lembrar da forma em que Renan e Lílian haviam se referido a ela, e a cada minuto que passava, sua raiva crescia dentro dela, porém, precisava agir com calma, pois a única prejudicada seria ela mesma.
Ela nem ao menos havia notado que o tempo havia fechado, e agora caía uma chuva torrencial, mas nada a impediria de sair daquele lugar. Melissa finalmente liga seu carro, e sai daquele lugar, começa então, a dirigir pela rodovia o mais atentamente possível, queria que aquela forte chuva levasse embora toda a dor que sentia, queria que aquelas águas lavassem sua alma, mesmo sabendo que seria impossível.
Melissa dirige a noite e a madrugada toda, sabia muito bem quem era a única pessoa capaz de ajuda-la num momento tão difícil como aquele, sabia que sua avó a acolheria e a ouviria com amor e paciência, pois desde pequena, ela era a única pessoa de sua família que ela conseguia se sentir segura e protegida.
Às cinco da manhã, finalmente Melissa chega à frente da casa de sua avó, estaciona seu carro e vai em direção à porta, ela sabia que uma chave extra sempre ficava dentro de um vaso de violetas, ao lado da porta, ela então abre, e entra. Imediatamente suas narinas são invadidas por um cheiro maravilhoso, tinha cheiro de infância, aquele lugar a fazia lembrar de como havia sido feliz e amada naquele lugar.
Ela sobe direto para seu antigo quarto, e se joga na cama, estava acostumada a chegar à casa de sua avó nos horários mais improváveis, já era um costume dela, e sua avó adorava suas visitas surpresa, mas naquele momento, não queria ter que dar explicação nenhuma, precisava descansar, pois se sentia exausta física e mentalmente, e assim que fosse possível, explicaria tudo à sua avó. Melissa acaba adormecendo quase que imediatamente, e em seus sonhos, revivia o dia em que havia conhecido Renan, ainda na faculdade, lembrava exatamente o dia em que seu lindo castelinho de areia havia começado a desmoronar...
Anos atrás...
Apenas mais um dia comum. Melissa já contava seus 26 anos, trabalhava nos negócios de sua família havia algum tempo desde que se formara, mas exercia aquela profissão por pura obrigação. Ela acordava todos os dias no mesmo horário, e saía para sua costumeira caminhada, andava livremente pelo entorno do condomínio de onde morava, era um de seus momentos preferidos do dia, podia relaxar a mente e se sentir livre, aliás, se tinha uma coisa que ela gostava, era de sua liberdade, já que o tempo todo se sentia pressionada e oprimida por sua mãe, em todos os sentidos.
Gláucia vivia a pressionando para que ela emagrecesse e que se tornasse uma mulher “normal” e “bonita”, e devido a essa pressão, ela havia desenvolvido gosto por se exercitar, gostava de caminhar pelo condomínio, estava longe de ser uma atleta, mas se exercitava com frequência. Depois que chegava em seu apartamento, começava a se arrumar de forma impecável para o trabalho, e assim, concluir mais uma etapa de sua agitada rotina.
Era evidente que não se sentia feliz em trabalhar em um escritório de contabilidade, mas por insistência e pressão de sua mãe, havia assumido os negócios da família muito cedo, pois desde que seu querido pai havia falecido, ela se tornara a única capaz de estar à frente dos negócios, já que sua mãe era uma completa inútil, gostava da boa vida, sua irmã mais nova era uma mulher detestável e de caráter duvidoso, seguia fielmente os passos de sua mãe, com a única diferença que trocava de namorado, como quem trocava de calcinha.
Ela e Melissa nunca haviam tido uma boa relação, pois enquanto Melissa se sacrificava pela família e trabalhava arduamente, sua irmã, Beatrice, não queria saber de absolutamente nada. Melissa não queria ver sua irmã à sua frente nem pintada de ouro, mas por sorte, Beatrice havia desaparecido no mundo, havia algum tempo.
Seu irmão mais velho havia saído de casa ainda muito jovem, ainda enquanto seu pai era vivo, havia optado por estudar numa universidade e fazer carreira fora do país, tinha uma carreira internacional consolidada numa grande empresa automobilística, e com toda certeza não abandonaria tantos anos de estudo e carreira para assumir um escritório de contabilidade. Por esse motivo, Melissa se sentira obrigada a assumir a responsabilidade de tudo, ainda muito jovem, e enquanto fazia faculdade, já comandava os negócios, pois assim juntava teoria com prática.
Com o passar do tempo, Melissa começou a se sentir cada vez mais desanimada, e apesar de fazer seu trabalho de forma eficiente, não era exatamente o que queria, ela tinha mesmo era talento para desenhar, passava horas desenhando roupas e modelos diferentes, em seu tempo livre, mas nunca recebera apoio de sua mãe, e ouvia de Gláucia sempre o mesmo comentário.
- Você acha mesmo que uma estilista gorda, vai fazer sucesso? Como você sendo gorda, ousa criar roupas para modelos com corpos perfeitos? Absolutamente ninguém vai te levar à sério, nem mesmo você se leva! Você vestindo 46 não tem a menor chance. O melhor que você tem a fazer, é continuar a trabalhar no escritório que seu pai tanto lutou para transformar num dos maiores deste país, afinal, você sabe muito bem que eu não levo jeito para trabalhar, e sua irmã também não, e seu irmão não tem que abdicar de sua vida para fazer uma coisa que você pode fazer perfeitamente, é só deixar de frescura e ir trabalhar! E enquanto isso, você deveria se preocupar em emagrecer, pois está precisando!
Toda vez que Melissa ouvia sua mãe se referir a ela de forma tão agressiva, seu coração sangrava, pois sabia que Gláucia tinha vergonha dela, porém, com o passar do tempo, acabara se acostumando e já não se importava tanto como no começo, não que não doesse, mas ela simplesmente estava anestesiada.
Enquanto se arrumava para o trabalho, se olhava no espelho, terminava de abotoar sua camisa branca de corte impecável, em seus olhos, observava uma tristeza que somente ela sabia, pois para as pessoas à sua volta, era indestrutível e inabalável, fama essa, que ela mesma havia feito questão de endossar ao longo dos anos, porém, dentro de seu quarto, no seu “esconderijo”, sabia que tudo não passava de um mecanismo de defesa, havia construído uma muralha em torno de seu coração, pelo menos para relacionamentos amorosos, pois era insegura, e não estava disposta a se magoar mais do que sua mãe já a magoava, seu trabalho ocupava seu tempo quase que totalmente e não tinha tempo para se relacionar.
Melissa termina de se arrumar, coloca seu sapato de salto, pega sua bolsa, e sai de seu quarto. Ela então liga seu Ford Maverick GT 1974 preto e sai, por onde passava, os olhares eram atraídos para ela e seu carro, o barulho do motor ecoava a quarteirões de distância, e a atenção que recebia, a fazia se sentir cada vez mais envaidecida, pois também sentia orgulho de dirigir o carro que era de seu amado avô, era uma relíquia que ela cuidava com muito carinho, e sempre que entrava nele, se lembrava dos passeios animados que fazia com ele aos domingos de manhã. Melissa para em uma famosa cafeteria, e pede seu costumeiro café forte sem açúcar, e segue para o trabalho.
Assim que entra em seu escritório, já tinha plena consciência dos compromissos daquele dia, pois sempre estava preparada para absolutamente tudo, ou quase tudo, encontra sua secretária mexendo em sua gaveta, e em cima da mesa, dezenas de papéis estavam espalhados, ela para na porta, cruza os braços, e fica observando por um tempo, pois a moça não havia se dado conta que ela tinha entrado.
- Posso ajudar em alguma coisa, Laura? – Pergunta de surpresa.
- Hã? E-eu...Me desculpe senhora Melissa, eu não vi que estava aí.
- O que está procurando?
- Estou procurando pelo contrato do senhor Jonas.
- Ah, sim! Eu havia me esquecido que ele virá hoje buscar, e eu achando que sabia exatamente o que tinha em minha agenda hoje!
- Não quero parecer intrometida, eu sei que sou apenas sua secretária, mas já tem algum tempo que sinto você meio desanimada, acho que desde que eu entrei aqui, não vejo você feliz.
- Você sabe muito bem que você não é apenas minha secretária, inúmeras vezes desabafei com você, sem contar que você já teve o “prazer” de conhecer minha mãe, sabe muito bem o que houve com minha irmã, e está a par sobre meu irmão, ou seja, você sabe tudo a meu respeito, não é?
- Acho que sim! – Responde sem jeito.
- Laura, você trabalha ao meu lado há um bom tempo, e eu sei muito bem de seu empenho e eficiência, até aqui estou muito satisfeita com seu trabalho, mas você sabe muito bem, que não gosto de trabalhar em algo que não me motiva, já comentei que queria muito fazer outra faculdade e começar uma carreira de estilista, mas você sabe também que minha mãe não aprova nada disso!
- E quem disse que sua mãe tem que permitir alguma coisa? Você carrega sua mãe nas costas, você é maior de idade, independente, não precisa da aprovação de ninguém, se eu fosse você, faria faculdade de moda, e ela não precisa saber, aliás, sua mãe não está nem aí para você, o único que se importa é seu irmão e sua avó, aliás, acho que já passou da hora de pedir ajuda para ele, Cássio não negará ajuda!
- Infelizmente é verdade, se não fosse minha avó e meu irmão, acho que eu já teria desistido de tudo, mesmo meu irmão morando em outro país, sempre conversamos e ele me apoia. Você acha mesmo que daria certo? Afinal, quando eu terminar a faculdade já estarei com 30 anos. Eu me sinto tão insegura, não sei se dou conta!
- Eu acho que você se subestima demais, já tive a oportunidade de ver seus desenhos, e você é incrível, sem contar que 30 anos hoje em dia não representa absolutamente nada, conheço jovens de 18 que já estão mortos por dentro, e idosos de 80 que ainda se sentem muito dispostos, idade são apenas números, o que importa é como nos portarmos diante das situações.
- Você tem toda razão...mas, você sabe que eu não estou nos padrões...quer dizer...hoje em dia uma mulher que vista 46 já é mal vista, nos rotulam como desleixadas, imagina então, no ramo da moda onde muitas modelos chegam a vestir 34. Sei que nesse meio as pessoas iam fazer muitas piadinhas, pois desde criança ouço comentários maldosos a respeito do meu corpo, já basta minha mãe me pressionando o tempo todo para me adequar ao padrão que ela quer, mesmo minha saúde estando ótima ela vê somente a aparência.
- Acho que sua mãe conseguiu te desestimular, e você acaba arrumando uma desculpa para cada solução, me desculpe falar assim com você, mas você tem dinheiro e talento, só precisa acreditar mais em si, e sua mãe não vai parar, mas saiba que nem todo mundo é como ela, você precisa entender que seu corpo não determina seus limites, e sim você mesma, se sua saúde está em dia, não tem motivo algum para ouvir o que quer que seja que te digam.
Aquelas palavras entraram no coração de Melissa, pois ela precisava apenas de alguém a incentivando, já que em seu dia a dia, só encontrava o oposto. Laura, sua secretária sai da sala e Melissa a observava de cenho franzido a moça era de confiança, sabia que era muito boa no que fazia, sabia também que se precisasse de ajuda em seu escritório, poderia contar com ela a qualquer momento.
Melissa sai de sua sala minutos depois pisando duro, tinha os passos determinados, seu rosto estava sério, não demonstrava reação alguma, mas em contrapartida, a determinação estava estampada em seus olhos.
Ela se matricula na faculdade de moda momentos depois que saíra de seu escritório, como Laura mesmo havia dito, não precisava prestar contas à sua mãe, faria o que precisasse para fazer tudo no mais completo silêncio, contara a novidade apenas para sua avó, que a apoiava em tudo, e para Laura, pois se não fosse o empurrão que ela havia dado, talvez demorasse ainda um tempo mais para que ela realizasse seu sonho.
*Sábado, seis e vinte e sete da manhã, mais um final de semana chegava, Melissa olha pela janela de seu apartamento e vê que o dia começava, e como de costume, sempre no mesmo horário levantava, tomava um banho, vestia uma roupa confortável, algumas vezes tomava um rápido café, pegava suas coisas e saía para sua caminhada.
Havia seis meses que tinha começado a faculdade, e parecia estar vivendo um sonho, seus colegas de sala eram muito receptivos, e em momento algum se sentia rejeitada pelo seu corpo, aliás, Melissa não era a única mulher gorda da turma, e ali, naquele ambiente de “perfeição” aprendera que o respeito às diferenças, é fundamental*.
*Ela caminhava tranquilamente até um parque próximo onde mora, resolve então se sentar num banco e ficar observando as pessoas caminharem, gostava de olhar o comportamento alheio, sabia que dentro de cada ser humano, haviam dúvidas, traumas, sonhos e desejos jamais expressados, e isso fazia com que se sentisse mais humana, já que havia construído um muro em volta de si, desde o ocorrido anos atrás... Enquanto observava as pessoas, nota um rosto familiar, já tinha visto aquele homem em algum lugar, mas não tinha certeza se tinha sido na faculdade ou no escritório de contabilidade.
Ele a olhava como se tivesse dúvidas se deveria se aproximar ou não, até que depois de certa relutância, ele acaba se aproximando*.
- Oi, eu acho que já nos vimos, você se lembra? – Pergunta o rapaz.
- Para falar a verdade, acho que sim, mas não sei ao certo de onde.
- Você faz faculdade de moda, não faz?
- Sim!
- Então acho que nos conhecemos da faculdade, já te vi por lá, a propósito me chamo Renan.
- Muito prazer em conhece-lo, me chamo Melissa.
- É um nome bonito! Não quero parecer atrevido, mas você aceita sair comigo esta noite? Sei que não nos conhecemos, mas podemos mudar isso, o que acha?
- Bem, eu... por que não? Eu aceito!
- Ótimo! Me passe seu endereço, pois a buscarei para irmos a algum lugar bem descontraído.
Desde aquele dia, Melissa não havia mais desgrudado de Renan, os dois haviam iniciado uma amizade, e com o tempo, havia evoluído para um namoro, e em nenhum momento ele havia demonstrado vergonha dela, muito pelo contrário, Renan a elogiava constantemente, e pela primeira vez, Melissa se sentira em paz. Nem mesmo seu medo e insegurança de se relacionar a atrapalhou, pois Renan parecia mesmo gostar dela.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!