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A Falsa Prometida

Parabéns, Dália

CAMINHAR EM DIREÇÃO À MORTE não deveria ser algo tão fácil. Dália sabia disso, mesmo assim seus pés se moviam com delicadeza e precisão pelo piso de mármore da capela, enquanto uma orquestra tocava a música que qualquer mulher de vinte e poucos anos adoraria ouvir um dia.

A marcha nupcial.

Mesmo assim, aos seus ouvidos, o som dos instrumentos não passava de uma cantiga fúnebre feita para enfeitar o seu último dia. Àquela altura, ela já sabia que o Grão-Duque Arion conhecia a verdade. Ele descobrira na noite anterior, quando invadiu o quarto de Dália — louco pela magia que consumia todos os descendentes do grão-ducado de Vespehlla.

Agora, o que restava à jovem era esperar que Arion a executasse antes do sacerdote perguntar por seu sim. Na frente de todos aqueles convidados, do modo mais sangrento e perverso que ele conhecia. Dália não poderia desejar por uma morte mais infeliz.

Sentindo-se sem esperança, ela ergueu os olhos verdes, que estavam fixos em seus sapatos brancos, tão diferentes da forma como estariam assim que sua cabeça fosse cortada. Parou diante do altar. Viu, com certo assombro, a beleza sombria daquele que deveria ser o marido de sua senhorita. Era encantador, mas cruel. Ele estendeu a mão para ela, sorrindo. Dália engoliu em seco.

Não havia mais volta.

SE TINHA UMA COISA QUE DÁLIA ODIAVA, eram festas do chá. Parada à soleira da porta, ela observava Penélope conversando com a filha do marquês de Estimbell. Ao lado das duas, mais três senhoritas aristocratas faziam comentários pouco delicados sobre a última polêmica que envolvia os círculos sociais do império.

Era algo sobre a última prometida do Grão-Duque de Vespehlla. Ou melhor, sobre a morte dela.

Um arrepio subiu a espinha de Dália, e ela fez uma anotação mental de nunca, em hipótese alguma, encontrar com o Grão-Duque em qualquer festa que fosse obrigada a ir.

— É apavorante saber que Vossa Alteza não irá sofrer as consequências mais uma vez — disse Penélope, tomando o cuidado de não dizer o nome do Grão-Duque, como se isso fosse capaz de invocá-lo ali, algo que nenhuma das garotas presentes duvidava ser possível.

— Nenhum dos Vespehlla ao longo da história sofreram, é burrice acreditar que Vossa Alteza irá sofrer agora — Erllia, uma das senhoritas e filha de um conde, resmungou com desdém.

— Verdade — Gregória, a filha do marquês, murmurou, com um falso pesar na voz. — Mas vocês já se perguntaram quem será a próxima?

Todas ficaram em silêncio. Ninguém queria se perguntar quem era a próxima azarada que seria mandada ao grão-ducado.

— Não vamos pensar nisso — pediu Penélope, aflita. Algo em seu olhar, Dália soube, dizia que ela desconfiava qual era a resposta para aquela pergunta.

Todas as damas assentiram. Logo, como se aquele assunto nunca tivesse sido discutido, voltaram a fofocar sobre a vida de outras senhoritas nobres, que de alguma forma haviam cometido erros bobos — mas para elas, grotescos — na última festa imperial.

Ao ver isso, Dália apenas soltou um suspiro e voltou os olhos para a janela. Lá fora chovia intensamente; o motivo de não estarem no jardim, apreciando as flores, como era costumeiro em eventos como aquele.

Ela sabia que deveria estar sentada na mesa conversando amenidades com aquelas senhoritas, mas uma inquietude dominava o seu ser e a impedia de se aproximar, como se algo estivesse lhe dizendo que uma desgraça muito grande estivesse prestes a acontecer.

Dália mordeu o lábio inferior. Alguns fios de seu cabelo castanho-claro — trançado com pequenos adereços de flores — se agitaram com uma brisa que vinha da porta, e aquela sensação se fortaleceu à medida que passos ecoaram pelo corredor.

A garota se virou a tempo de ver o mordomo chefe da casa se aproximar dela, como se quisesse lhe contar um segredo. Bastou um inclinar de cabeça para ela saber que precisava segui-lo. Silenciosa, com cautela. Dália voltou seus olhos mais uma vez para as senhoritas antes de sair dali, vendo-as ainda conversando coisas bobas e cruéis. Desejou, por um segundo, ser como elas.

Ser uma verdadeira nobre e não uma mera impostora.

...***...

O papel de Dália era simples. Viver e fazer tudo por outra pessoa, por Penélope. Se a garota rejeitasse qualquer coisa, Dália deveria assumir essa responsabilidade. Gerenciar propriedades? Responder cartas? Aparecer em festas requintadas que não eram do interesse de Penélope ou participar de festas do chá junto de sua senhorita? Sim, ela deveria, querendo ou não.

Havia sido criada para isso. Uma garota moribunda, filha de um cavalariço com uma servente de pousada, jamais teria a chance de experimentar o luxo que Dália usufruía todos os malditos dias.

Ela tinha noção disso. Tinha noção que sua existência servia apenas para complementar a da preciosa e gentil filha do Duque. Mesmo assim, seria bobagem não dizer que ela desgostava dessa situação; não dizer que, a cada dia, temia o momento que fosse descoberto sua fraude e todos os poucos com quem haviam formado laço a enxotasse como se ela fosse um cão nojento e sem salvação.

No momento, para todos que a conheciam mais intimamente, ela era a filha de um barão. Prima distante de Penélope. Para aqueles que só a viam de relance, e pouco tentavam uma aproximação, ela era a filha mais velha do Duque. Alguém com classe, forte. Tudo que muitos cavaleiros e jovens herdeiros estariam dispostos a tudo para cortejar.

Que irônico isso era. Dália não conseguia acreditar que apenas por morar a vida inteira com alguém com título e honra, vivendo como se fosse mesmo de sangue puro, conseguia ter tamanha atenção sobre si. Se descobrissem a verdade… Eles ainda a olhariam com cobiça? Com desejo? Não. Era certo que não.

Um suspiro esganiçado saiu dos lábios de Dália. Sozinha no escritório do Duque Diord, com as mãos suadas e com o coração acelerado, ela aguardava a chegada do nobre para conversar sobre a maior tarefa — segundo o mordomo — que ela iria executar durante toda sua vida.

Deveria ser mesmo algo muito importante.

Nunca vira o mordomo com um ar tão ansioso desde sua chegada ali, quando tinha apenas sete anos. Naquela época, ela já sabia sua verdadeira origem; já havia treinado etiqueta, ouvido e obedecido ordens. Mesmo que seu nascimento — e posterior abandono — tivesse sido, talvez, a pior infelicidade de sua vida, fora o encontro com Diord que mudara tudo.

Um bebê adoentado. Um nobre sem alma. Dália ainda se perguntava como essa mistura fora dar tão certo.

Um pequeno sorriso amargo surgiu em seu rosto, asfaltando um pouco a tensão. Por um mero segundo, seus ombros relaxaram e ela pode até apreciar o som da chuva lá fora, mesmo que trovões ecoassem hora ou outra. Não demoraria muito para que as damas nobres juntos de Penélope partissem dali.

Uma batida na porta lhe causou um sobressalto. Dália se pôs de pé, as mãos à frente do corpo e a cabeça baixa. Ouviu o som dos sapatos ecoando no piso de madeira, elegantes e determinados, e sentiu um novo calafrio subir a espinha.

Algo estava muito errado.

— Então, Dália, como foi a festa do chá? — Diord perguntou, sentando-se na cadeira de madeira do escritório, sem nem mesmo se dar o trabalho de olhar para ela.

— Foi… tranquilo. — Dália sorriu, cordial, e ergueu a cabeça para olhar o homem de meia-idade à sua frente. Esperou para que ele dissesse algo, mas, ao não ouvir, acrescentou: — E soube que a última prometida do Grão-Duque Arion teve um fim trágico.

Diord parou de mexer nos papéis sobre a mesa e ergueu os olhos cinzentos para Dália. Uma onda de terror tomou o corpo da garota, fazendo suas pernas fraquejarem.

— E isso seria tranquilo?

— Não, senhor... — admitiu, baixinho. Sua garganta ficou seca, e ela teve vontade de correr para bem longe dali.

— Então use uma palavra mais adequada na próxima vez. — Dália assentiu. Não havia muito o que dizer. — Alzzefre falou com você sobre o motivo de tê-la chamado aqui? 

— Não, Vossa Graça. Ele apenas me guiou até seu escritório e pediu que esperasse pelo senhor.

— Realmente um incompetente — resmungou o Duque, bagunçando os fios do cabelo grisalho. — De qualquer forma, irei direto ao ponto. Você irá substituir Penélope em seu noivado.

— O quê? — Os olhos de Dália se arregalaram. — Penélope não está noiva.

— Sim, tem razão, pois você está no lugar dela. Aliás, se prepare para partir daqui a seis dias.

— Como? — A surpresa presente no rosto de Dália parecia deliciar o Duque. — Para onde?

Um sorriso cruel brilhou no rosto de Diord. Dália temeu o que escutaria a seguir.

— Para o grão-ducado de Vespehlla. — A cor sumiu do rosto de Dália e suas pernas cederam a gravidade, que a puxou com tudo para baixo, fazendo-a ficar de joelhos diante do homem que a criou. — Parabéns, Dália, você é a nova (e falsa) prometida do Grão-Duque.

O Passado

— VOSSA GRAÇA SÓ PODE TER FICADO LOUCO! — A voz de Dália verberou por todo o cômodo abafado, mas logo foi suprimida por um trovão que ecoou ao longe.

Isso a faz despertar de seu pudor.

— Louco? — O Duque riu, cruel. — Quem você pensa que é para afirmar isso?

Dália ficou em silêncio. Ela não era ninguém, não ali. Como Alzzefre havia lhe dito, aquela seria sua maior tarefa — provavelmente a última. Morreria antes que o Grão-Duque descobrisse que fora enganado, e caso tivesse sorte — algo que ela tivera, se considerasse sua existência luxuosa, superficial e sem propósito — duraria o suficiente para exercer uma vida só para ela.

Finalmente poderia tomar as rédeas da situação. Viver para si, lutar por si.

Que sonho mais utópico.

— Como eu poderia? — A voz de Dália falhou. Mesmo que tentasse pensar pelo lado positivo, tudo soava uma desculpa esfarrapada em seus ouvidos. — Eu não posso assumir um noivado que não é meu. Principalmente com alguém tão importante como o Grão-Duque.

— É aí que está. — Ele sorriu, um sorriso gélido e sem piedade ou amor. — Esse é o seu destino. A prova final.

— Como assim?

Diord se levantou, ficando em pé, e deu a volta na mesa para ficar de frente para a jovem ainda no chão.

— A vida toda você foi treinada para este momento. Não, bem antes do seu nascimento, você já era requisitada para substituir minha filha em uma morte certa.

— O senhor nem conhecia meus pais, como pode dizer isso? — Dália esbravejou, sentindo ódio pingar de sua voz pela primeira vez desde seu aniversário de quinze anos. As lembranças que vieram, do que o Duque lhe fez naquele dia, afogou o sentimento bem fundo em seu coração e ela estremeceu.

— Você que se engana, Dália. — A voz de Diord ecoou com tanta certeza, que por um segundo a jovem pensou mesmo que estava enganada. Mas logo lembrou que fora um acaso do destino que a reuniu com aquele homem. Um mero capricho. Ou será que…?

— Vossa Graça… — A boca de Dália secou, e ela engoliu em seco. Sua voz fina e perturbada. — Vossa Graça conheceu meus pais.

Não foi uma pergunta. E nem precisava. Só foi preciso encarar aqueles olhos cinza que Dália soube a verdade. Aquilo que ninguém ousara contar a ela durante todos os anos que viveu ali.

— Seu pai, para ser mais exato — corrigiu o Duque, satisfeito pela inteligência demonstrada pela garota. — Ele era o meu melhor cavalariço. Homem bom, mas muito ambicioso. Não foi difícil usar isso ao meu favor.

— O que fez?

— Nada muito mirabolante. Ele já tinha tudo que eu precisava, era estranhamente parecido comigo. Para um plebeu, poderia afirmar que era encantador.

“Você tem ideia de como foi difícil criar um plano para evitar ter que enviar minha futura filha para um grão-ducado de loucos? Eu nunca quis esse pacto que meus antepassados fizeram com os Vespehlla. Não, nenhuma das famílias nobres da elite, aqueles covardes, quiseram. Mesmo assim, durante décadas, eles, como bom cachorrinhos, obedeceram aos Vespehlla como seus donos. Aqueles porcos imundos!

“Então eu precisava de uma saída. E aí surgiu seu pai. Tão parecido comigo na aparência. Era inevitável que eu me perguntasse: o que aconteceria se este homem tivesse uma filha com uma mulher parecida com a minha? Quais as chances do fruto dessa união ser comparável com uma filha minha aos olhos de qualquer um que a visse?

“Eu não hesitei em conversar com ele. E a ganância do homem, um mero moribundo sem esperanças, pareceu se tornar o dobro na minha frente. Logo começou o que carinhosamente apelidei de “caça a felizarda”. Depois de várias tentativas, vários filhos homens com mulheres distintas, então, o cavalariço conheceu alguém em uma estalagem à beira de estrada. Uma mulher, quase idêntica à minha. Era a mais parecida até então.

“Acho que ele se apaixonou por ela durante os dias que ficou ali, rondando-a, cortejando-a. Afinal, diferente das outras que estavam mais de olho em suas roupas bem-vestidas e no saco de moedas de ouro que ele guardava (presentes meus para facilitar sua tarefa), sua mãe apenas queria um sentimento verdadeiro. E seu pai deu a ela. Durante aqueles meses de conquista, durante sua gravidez, tudo foi lindo. Mas, como tudo tem fim, chegou a hora de você nascer.”

— E o senhor me tomou deles? — Como se a fúria fosse uma inimiga brutal e amarga, quase desconhecida, que a impressionava para cima, Dália se levantou.

Diord observou-a por alguns instantes. Calmo, tranquilo. A frieza presente ali era como água sendo jogada na brasa que queimava o peito de Dália. Não demorou muito para esta começasse a se extinguir. 

— Não. Acredite se quiser, Dália, mas os dois pombinhos a abandonaram. 

Havia uma firmeza na voz do Duque, uma certeza, que a garota se sentiu tola por um segundo ao pensar que seus pais a quiseram em algum momento de sua vida. Ela cresceu acreditando que não, então, por mais que quisesse, isso não mudaria agora. Nem se a resposta de Diord fosse outra.

— Então, o que aconteceu? Como me achou?

— Calma, eu te explico. — Ele sorriu. Novamente a garota se sentiu ameaçada por esse pequeno ato. — Após seu pai pegar a recompensa comigo, ele fugiu com sua mãe, te deixando em uma lata de lixo. Uma cria abandonada.

— Por… Por quê?

A surpresa e o espanto que vieram com as palavras de Dália pareceu surpreender o Duque. Ela logo se tocou que não havia espaço para isso. Querendo ou não, era a única verdade que conhecia até aquele momento.

— Eu já não te disse antes? Você nasceu doente. Foi um milagre dos Deuses você ter sobrevivido.

Dália ficou em silêncio mais uma vez. Era muita informação para processar de uma vez só. 

Lá fora, outro estrondo cortou o céu e ela tremeu. Desviou os olhos para a mobília do escritório, todo entalhado em mogno, carvalho e qualquer outra madeira nobre que a garota não reconhecia.

Mesmo a beleza do cômodo, à meia luz, não foi o suficiente para ajudá-la a organizar os pensamentos. A mente de Dália era um turbilhão. Ela só conseguia repetir para si mesma, com enorme pesar, que sua vida realmente só servia ao propósito que fora criada para ser.

Nascer, crescer, viver e morrer por outra pessoa. Por Penélope.

Ela quis chorar.

— Você está dispensada — falou Diord, atraindo os olhos verdes de Dália para si. Naquele momento, a garota pôde jurar que toda a piedade que o homem possuía para com outras pessoas que não fosse sua família foi usada ali. Tudo de uma só vez.

Dália assentiu. Não havia o que fazer. Com os pés arrastados, mas ainda com toda a elegância incrustada nos ossos durante todos os seus vinte e dois anos, ela saiu do escritório, em direção ao seu quarto.

Mas, antes da porta bater, outro trovão ecoou. E Dália pode jurar que os céus estavam rindo dela.

Dália Não Vive

SENTADA EM UMA POLTRONA DE VELUDO, em frente a janela, Dália observava com os olhos vazios Penélope se despedir de suas amigas. Os cabelos castanhos, alguns tons mais escuros que o dela, reluziam em meio a luz vinda dos relâmpagos que cortavam o céu.

A pele pálida parecia mais viva sob a proteção do guarda-chuva. Os olhos cinzentos — única diferença física e estrondosa entre as duas — pareciam encantadores, vivos. Tudo o que Dália desejava para si e não tinha a oportunidade de ter.

Dália sentiu uma pontada no coração.

Inveja, era isso que se instalava em seu peito toda vez que observava, a sós, a filha do Duque. Ela odiava a si mesma por se sentir assim, mas era inevitável. Tudo de bom no mundo estava reservado para aquela garota, desde a realização de seus sonhos a uma vida tranquila e feliz com quem tivesse a chance de conquistar seu coração.

Em vez disso, para Dália, o destino havia sido mais cruel. Como uma criança birrenta, ele havia lhe reservado dor e sofrimento. Uma vida com um propósito que mal a mantinha respirando. E agora uma morte dolorosa — se tivesse o azar de acabar como a última prometida do Grão-Duque, ao qual perdera a cabeça após ter sua barriga perfurada por uma espada, em frente ao sacerdote, no altar.

E o pior disso tudo era aquela parte dela, submissa e já conformada, que rejeitava sua inveja e lhe dizia que morrer por Penélope não deveria ser algo tão ruim. Ela fora criada para isso, não é? Não tinha outra motivação. Não tinha outro destino. Aceitar parecia melhor do que lutar contra o impossível.

Um riso amargo e cruel saiu de sua garganta, e ela sentiu cada pelo do corpo se arrepiar. Poderia jurar que ouvira a voz de Diord saindo de seus lábios, o mesmo som que a deixava com as mãos suadas e os olhos baixos; trêmula e com um gosto amargo na boca.

Dália balançou sua cabeça. Pensar nisso não mudaria nada. Ao desviar os olhos da janela, quase não notou o olhar que Penélope lhe lançou da entrada da mansão. Ela parecia aliviada, vitoriosa. Quase como se soubesse que a notícia da troca de destinos já tivesse chegado aos ouvidos de Dália e agora ela sofria intensamente.

Não seria surpresa nenhuma se fosse isso.

Antes que Dália pensasse na verdadeira personalidade de Penélope, ouviu a porta do quarto bater. E ali estava a filha do Duque, como se o percurso até ali não passasse de um pequeno salto, fácil e simples, nada que alguém como ela não pudesse executar.

Magia. De um cinza denso, como nuvens carregadas de chuva e toques esverdeados como a luz dos raios que cortavam o céu naquele momento. O verde dos olhos de Dália. O verde do jardim. O verde que provavelmente teria a bile insistente que subia de sua garganta.

— Parece que papai já lhe contou — Penélope constatou, observando a expressão que Dália fez ao vê-la ali. Era provável que não fosse algo muito acolhedor.

— O suficiente — Dália murmurou, atônita, sem saber se ficava impressionada pela aura de magia, que pouco a pouco se dissolvia no ambiente, ou pela expressão deliciada de sua querida senhorita.

— Sua expressão diz tudo, o que me deixa bastante curiosa. Achou mesmo que viveria no conforto, como algo que não é, por toda sua miserável vida?

— Se suas palavras são para me ofender, senhorita, saiba que já estou cansada demais para algo tão… mínimo surtir efeito.

— Você e sua etiqueta impecável — Penélope grunhiu. Não parecia muito feliz. — Não se cansa de ser tão… 

— Odiosa? Repulsiva? Estraga prazeres? — Dália sugeriu, a interrompendo. Uma de suas sobrancelhas se ergueu, mas isso não foi o suficiente para esconder o cansaço em sua voz. — Você já me chamou disso e de coisa muito pior, senhorita Penélope. Não acho que haja algo capaz de me ofender a essa altura.

— Tem certeza? — Penélope sorriu, fria. Havia algo ali, um lampejo, que fez Dália estremecer. — Talvez o melhor a se dizer é morta. Não se cansa de parecer tão sem vida assim?

Um silêncio pesado recaiu no quarto. Dália não soube o que responder; Penélope havia tocado na ferida. Aquela mulher, com rosto angelical e dois anos mais nova, sabia ser cruel quando lhe convinha, e isso era na maior parte do tempo. Mas até naquela tarde, com o som da chuva e trovões como plano de fundo, nunca havia ousado falar da lamúria presente nos olhos verdes de Dália. De sua morbidez.

Aquilo fora uma gota d'água em uma tigela pronta para transbordar.

Silenciosa e sem pressa, uma lágrima salgada escorreu pela pele clara de Dália. Logo outras irromperam, uma após a outra, e a garota se sentiu tão inútil, tão pequena, tão… só, que não pôde acreditar no sentimento que invadiu seu peito.

Ela sempre estava vazia. Sua vida era vazia. Viver, de verdade, era um sonho inalcançável. E agora estava prestes a morrer, por Penélope. Poderia haver no mundo pior castigo do que este?

Dália não sabia. Não queria saber. Ela estava tão cansada, tão infeliz, tão quebrada, que nem se importou com o sorriso vitorioso que surgiu no rosto de sua senhorita. Apenas fechou os olhos, deixando as lágrimas correrem, deixando seu peito afundar, lento e constante. Não parecia haver nada que pudesse curar ou mudar isso.

Apenas, e inutilmente, aguardar.

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