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Por Acaso O Morro Se Transformou Em Meu Lar

Uma decisão ruim

— Amor! Amor! Acorda. THANATOS! ACORDA LOGO!— Chamei Thanatos completamente desesperada, mas meu queridíssimo marido dormia feito uma pedra. — Se tu continuar fingindo que não me ouve, vou pegar meu estilete e não tenho medo de usar ele.

— Violência gratuita. Você já tá pronta para outra? Os hormônios da gravidez não são brincadeira mesmo, mas é sério, estou com muito sono. Só mais cinco minutos e levanto para dar um trato em você. Seja boazinha e espere eu recarregar um pouco minhas energias. Não seja mimada. Sabe que hoje meu dia foi cheio de B.O com aqueles milicianos de merda — Thanatos respondeu sem nem abrir o olho, com uma voz sonolenta. Minha vontade era chutar ele da cama. Maldita hora que decidi ficar no Morro mesmo no final da gravidez. O que eu estava pensando?

— Desculpe te informar, mas Ana Tereza não gosta de esperar. Em título de revolta pelo pai preguiçoso e sem futuro, ela acabou de romper a bolsa. E algo me diz pela dor absurda que estou sentindo, que ela não deve parar por aí. Quer negociar com sua filha os cinco minutos? — Expliquei. Thanatos em um movimento só se sentou na cama.

— A bolsa estourou? Ana Tereza está nascendo? O que você está sentindo? — Thanatos me perguntou, estava da cor de papel. Eu queria rir, mas as contrações estavam fortes demais, não permitia nenhuma risadinha.

— Você está assustado? Como assim? Isso não faz sentido. Seu corpo é quase uma peneira, de tanto de bala que já passou por ele. E mesmo baleado, você estava muito calmo e até fazendo piada, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como está assustado com nascimento da nossa filha? O dono do morro não deveria ter medo de nada. Deveria resolver problemas ou causar eles. Você faz isso o dia todo, desde que nos conhecemos. Não pode mudar em um dia tão importante. — Perguntei chocada, senti uma contração mais forte que antes. Agarrei os lençóis com força.

— EU NÃO SEI! O QUE EU FAÇO? EU CHAMARIA A MÉDICA DO MORRO, MAS ELA É VOCÊ E ESTÁ INDISPONÍVEL PARA ATENDIMENTO NO MOMENTO. O QUE FAZEMOS NESSAS HORAS? EU DEVERIA TER APRENDIDO A FAZER PARTOS. — Thanatos gritou claramente desesperado. Era óbvio, a ideia de ficar aqui no final da gravidez foi péssima. Não tem nenhuma estrutura ou assistência nesse momento. Descer o morro com a bolsa estourada vai ser arriscado, tanto para mim quanto para criança.

— Você vai me deixar nervosa assim! AHHHHHHHHH! ISSO DÓI! AHHHHHHHHH! Ninguém me disse que era assim. Não quero mais. Não quero mais natural, manda Marisa me drogar. Não quero — Gritei. Senti Thanatos segurando minha mão enquanto mandava áudio para alguém no celular, com um semblante totalmente diferente de antes.

— Não se preocupe. Vai ficar tudo bem. Pode apertar minha mão para... AHHHHHHHHHHHH Não quebra ela. Depois vai sentir falta de rebolar nela. Digo é nada. Melhor manter minha mão saudável. — Thanatos brincou. Queria bater nele. Porque só eu que sinto dor? Isso é injusto. A filha também é dele.

— Thanatos, vai nascer. Precisamos ir para o hospital. Deixa de brincadeira. Vamos logo. Não sei como, mas essa menina vai nascer a qualquer momento. — Reclamei. A dor era muito mais forte do que imaginei. Cometi um erro ficando aqui.

— Respira. Falei com Marisa, Gavião já está indo buscar ela. Letícia está vindo para cá te ajudar até Marisa chegar. Não deve demorar. — Thanatos explicou absurdamente calmo.

— Que? Como você fez isso? Faz nem cinco minutos que estava dormindo e acordou super surtado. — Questinei.

— Ah! Eu tinha montado um grupo no whatsapp. Para avisar quando você tivesse tendo bebê. Tínhamos plano A, B, C e F. Acabou sendo o F. — Thanatos explicava em uma paz sem igual. Porque apenas as mulheres sofrem na gravidez? Deveríamos dividir as dores. Que injusto. Vou chutar as bolas dele. Justiça poética.

— F? E porque você está tão calmo. Fique ao menos agitado. Me sinto sofrendo sozinha. Ahhhhhhhhhhh — Apertava a mão dele com toda força. Não vou sofrer sozinha.

— F de Fud3u. Se a bolsa estourasse, Marisa disse que poderia ser perigoso você descer o Morro e talvez não desse tempo de chegar no hospital, já que é uma cota de distância. Para evitar te deixar agitada, Marisa bolou um plano para cada probabilidade de parto que você teria. Deixamos cada um do grupo responsável por algo e foi isso. — Thanatos contou fazendo careta — Vai quebrar meus dedos, mulher. Preciso deles para te fazer gritar.

— Thanatos! Ahhhhh — Gritei desesperada. Mesmo sendo médica, nessa situação, eu não conseguia pensar em nada além de gritar e me xingar mentalmente pela ideia ruim de ficar no morro, mesmo sabendo da falta de estrutura do lugar. Acho que acabei me viciando na adrenalina, deve ser uma das consequências de ser esposa do dono do morro.

Uma entrada dramática

As contrações estavam cada vez mais forte. Eu já fiz alguns partos na minha vida e assisti diversos, mas mesmo assim, naquele momento, naquela cama. Eu não fazia ideia do que deveria fazer Além de gritar de dor.

— Para de piada. Isso é sério. Estão demorando muito. O bebê já está vindo. AHHHHHH! — gritei.

Me assustei com a porta sendo aberta com muita força. Letícia entrou com Thelma no quarto com tudo. Pareciam ofegantes. Será que vieram correndo?

— Como estão as coisas? E as contrações? Você conseguiu contar? Marisa chega em seis minutos, pelo menos é o que diz o localizador que ela mandou. Preciso avaliar seus sinais e o estado para informar como você está. Ela quer saber de tudo que está acontecendo — Letícia disse se aproximando da cama onde eu estava, mas na cara dela podia se ver a insegurança.

— Não fica nessa posição, faz mal ao bebê. Você vai sentir ainda mais dor. Se deita direitinho. Tenha relaxar. — Thelma me orientou. Ela estava certa. A posição que eu estava dificultava a saída do bebê. Onde anda minha cabeça?

— As contrações estão de 3 em 3 minutos, com duração de 40 a 50 segundos cada contração. Ele está se preparando para nascer, não deve demorar muito, mas credito que dará tempo de Marisa chegar. — Expliquei. Sentia meu corpo chegando no limite. Estava não apenas fraca, mas com dificuldade de respirar. Isso não era bom. A pior parte nem havia começado ainda. Eu não deveria me sentir dessa forma nessa etapa. Não, não é isso. Tem algo de errado. O que é?

— Você está pálida! O que está sentindo? — Letícia perguntou preocupada enquanto verificava minha pressão. Senti meus olhos lacrimejando. Meu coração estava acelerado. As minhas unhas estavam roxas. Não pode ser. Isso não pode está acontecendo. Estamos em perigo.

— Thanatos, avisa a Marisa, eu estou com uma possível embolia com líquido amniótico. — Falar estava exigindo cada vez mais de mim. O ar parecia ter fugido. Já começava a me sentir tonta.

— Quê? Isso é impossível. Você vai morrer se ficar aqui. Temos que te levar para o hospital urgente. O que fazemo, Thanatos? Se ela tiver certa, tanto ela como o bebê estão em risco. É perigoso descer com ela do morro nesse estado e aqui não tem qualquer estrutura ou mesmo alguém que possa ajudar ela . — Letícia estava agitada. Não ajudou em nada manter minha calma.

— Avisei a Marisa. Letícia, você trouxe tudo que Marisa listou? — Thanatos parecia calmo enquando olhava para o celular. Me tranquilizou um pouco.

— Sim. Está aqui. — Letícia empurrou um carrinho imenso para dentro do quarto.

— Ela enviou as instruções do que deveria fazer. Primeiro, devemos fazer uma transfusão de sangue e colocar ela no oxigênio. Assim ganharemos tempo até Marisa chegar e confirmar a suspeita. — Thanatos orientou com cuidado. Letícia rapidamente começou a organizar tudo. Thanatos se deitou do meu lado, levantou nossas mãos juntas em direção ao céu. — Parece que nossa filha puxou a gente, adora uma entrada dramática.

— Sim. — Respondi me sentindo ainda mais tonta. Parecia que tudo estava em câmera lenta.

— Não se preocupe. Estou aqui. Não permitiria que nada acontecesse com nenhuma de vocês. Está tudo sob controle. Certo? Confie em mim. Como você disse mais cedo, eu nasci para fazer e resolver B.O — Thanatos tentava me acalmar.

— Eu estou com medo. — Confessei antes de Letícia colocar a máscara de oxigênio em mim, podia sentir minhas lágrimas caindo por baixo da máscara. Enquanto isso, Thelma estava ajoelhada no chão orando algo tão rápido que não conseguia compreender.

— Eu também estou, mas sei que vocês duas são fortes. Não vão desistir tão fácil. — Thanatos sorriu para mim.

— Sim... Ana Tereza lutou muito para ficar conosco. — Sentia cada vez minha mente ficando mais e mais distante. Não posso desistir.

— Sarah, se você morrer sem me dar esse caneco, eu vou no céu te buscar. Estou te dizendo. Mantenha seus olhos abertos e confiantes. Temos muito o que viver com nossas filhas ainda. Está entendendo? Você não pode me deixar — Thanatos me gritou. Isso era novidade.

— Eu não vou desis... — Não consegui terminar a frase. Senti todo meu corpo gelado antes de perder totalmente a consciência. Eu perdi essa luta?

Uma vida regada com emoção

Perdi completamente a consciência antes de dizer que não iria desistir, mas tinha total certeza que Thanatos sabia disso bem melhor do que eu. Aquele homem acreditava em mim. E por mais absurdo que possa parecer, eu acreditava no dono do morro. Que loucura, né?

Eu apenas despertei muito tempo depois , estava em uma cama de hospital desconhecido. Estava me sentindo grogue, minha mente estava em câmera lenta. Até mesmo meus olhos demoraram mais do que o normal para se acostumar com a luz do lugar.

— Olha, Ana Tereza, quem acordou. A nossa bela adormecida! — Thanatos disse segurando uma bebê tão pequenininha em seus braços, mas não precisava nem perguntar, o sorriso dele gritava quem era aquele pequeno ser tão amado que ele carregava com tanto cuidado — Como está a braba da minha esposa?

— Drogada. — Respondi sentindo minha língua pesada e a mente lutando para voltar ao normal, mas falhando miseravelmente. Queria mesmo era voltar a dormir.

— Ao menos dessa vez não foi Jade que fez só por brincadeira. — Thanatos brincou sentando na cama ao meu lado com a bebê em seus braços. — Você também não ficou caçando galinhas e pintinhos por aí.

— Sim, dessa vez não estou vendo pintinhos ou galinhas, mas nossa filha parece um rato ou eu estou drogada demais? — Perguntei olhando para o bebê ao meu lado.

— Viu, Ana Tereza, mamãe já acordou dizendo que você era feia. Tadinha. Papai acha você linda. Mamãe só pode tá drogada para falar um absurdo dessa de uma princesa — Thanatos olhava para o bebê com um sorriso tão lindo, que apoiei minha cabeça nele. Queria aproveitar aquele momento ao máximo.

— Custa muito acreditar que esse pai babão é o assustador dono do morro, mas vamos admitir, ela é feinha, mas acho que melhora depois. — Falei rindo alisando o rosto dela

— Vou dizer isso a ela, viu? Ela vai me amar mais, porque eu nunca admitirei que fiz uma filha feia. Eu sou muito lindo para fazer filho feio. Se toca. Tudo que o pai aqui faz é perfeito. — Thanatos brincou. Eu gargalhei, mas acabei sentindo uma dor forte e levantei o lençol. Subi a camisola do hospital que eu estava usando e vi a cicatriz enorme de um lado a outro da minha barriga.

— Onde está Marisa? — perguntei preocupada. Esqueci totalmente por um segundo que suspeitava que a gravidez estava em risco. Algo aconteceu, isso é certo, o meu parto deveria ter sido normal. E pela cicatriz enorme na minha barriga, os planos devem ter mudado. Olhei mais atentamente para Ana, ela estava com a cor estranha. Quanto tempo fazia que eu tinha acordado?

— O que foi? — Thanatos perguntou sério. Vendo que eu olhava preocupada para menina.

— Quanto tempo faz que ela nasceu? — Questionei agitada.

— Algumas horas. Marisa deixou ela aqui, disse que você deveria acordar em pouco tempo e deveria tentar amamentar a Aninha. — Thanatos explicou. Enquanto eu examinava as mãos e os pés da bebê que estava adormecida no braço do pai. — Você está me assustando, Sarah!

— Leva ela para o berçário. Sempre tem uma pediatra lá. Explica a ela que tem algumas horas que a bebê acordou, ela tem o tom amarelado e as mãos estão um pouco roxas. Vai precisar de banho de luz e talvez oxigênio. Se apresse! Eu não posso fazer nada na situação que estou. — Eu orientei com calma, mas o desespero atingiu ele na mesma hora.

— Nossa bebê está morrendo? — Thanatos olhava para Ana com desespero. Os olhos dele foram de alegria para terror em segundos.

— Quem vai morrer? — Marisa perguntou entrando calmante no quarto — Você acordou? Como se sente? Dormiu bem mais do que eu imaginei, mas parece bem para quem teve complicação.

— Marisa, deixa para me avaliar depois, Ana Tereza está com uma cor estranha. Suas mãos estão roxas e tem uma coloração amarela. Você precisa levar ela logo para a Neonatal. Ela pode estar em risco sem demorar demais. — Expliquei tentando acalmar meu coração que acelerava.

— Quê? Não! — Marisa correu na direção de Thanatos, colocando a menina em seus braços.

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