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O Aliado Da Justiça

Prólogo.

𝑶𝒔 𝒍𝒖𝒈𝒂𝒓𝒆𝒔 𝒎𝒂𝒊𝒔 𝒔𝒐𝒎𝒃𝒓𝒊𝒐𝒔 𝒅𝒐 𝒊𝒏𝒇𝒆𝒓𝒏𝒐 𝒔𝒂̃𝒐 𝒓𝒆𝒔𝒆𝒓𝒗𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒂̀𝒒𝒖𝒆𝒍𝒆𝒔 𝒒𝒖𝒆 𝒔𝒆 𝒎𝒂𝒏𝒕𝒊𝒗𝒆𝒓𝒂𝒎 𝒏𝒆𝒖𝒕𝒓𝒐𝒔 𝒆𝒎 𝒕𝒆𝒎𝒑𝒐𝒔 𝒅𝒆 𝒄𝒓𝒊𝒔𝒆 𝒎𝒐𝒓𝒂𝒍.
[FATOS DO AUTOR] {Todas as referências históricas e obras de arte, literatura e ciência citadas neste romance são reais. O consórcio é uma organização secreta com escritórios em sete países. Seu nome foi modificado por questões de segurança e privacidade. Inferno é o mundo inferior que Dante Alighieri retrata na primeira parte do poema épico A Divina Comédia como um reino de estrutura complexa povoado por entidades conhecidas como "sombras" ⏤ almas desencarnadas presas entre a vida e a morte. Boa leitura.}
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu sou a sombra.
Pela cidade atormentada, eu fujo. Pela eterna desolação, corro para escapar. Pelas margens do rio Arno, sigo desabalado, ofegante, viro à esquerda na Via dei castelanni e sigo em direção ao norte, abrigando-me nas sombras da Galleria degli Uffizi. Mesmo assim eles continuam a me perseguir. Então, à medida que me caçam com uma determinação implacável, o som de seus passos vai ficando cada vez mais alto. Há anos sou perseguido por eles. Sua persistência me manteve na clandestinidade e forçou-me a viver no Purgatório, agindo embaixo da terra qual um monstro ctônico. Eu sou a sombra.
Aqui na superfície, ergo o olhar para o Norte, mas não consigo encontrar um caminho direto para a salvação, pois os montes Apeninos bloqueiam os primeiros raios de sol da alvorada. Passo atrás do palazzo, com sua torre ornada de meias e seu relógio de um ponteiro só. Em zigue-zague, avanço por entre os comerciantes madrugadores na piazza di san firenze. Quando falam com suas vozes roucas, sinto seu hálito que recende a lampredotto e azeitonas assadas. Atravessando em frente ao Bargello, dobro novamente à esquerda em direção à torre da baldia e me jogo com força contra o portão de ferro ao pé da sacada. Aqui, toda e qualquer hesitação deve ser abandonada.
Giro a maçaneta e entro no corredor. Sei que não haverá volta. Insitigo minhas pernas pesadas como chumbo a galgaragem a escadaria estreita, com seus degraus de mármore emburracados e gastos subindo em espiral rumo ao céu. As vozez ecoam lá de baixo. Suplicantes. Eles estão atrás de mim, irredutíveis, cada vez mais perto.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Não entendem o que está por vir...tampouco o que fiz por eles! Terra ingrata.
Enquanto subo, as visões me vêm com toda força...os corpos libidosos se contorcendo sob a chuva de fogo, as almas dos glutões flutuando em excremento, os traidores infames congelados nas garras gélidas de Satanás. Venço os últimos degraus e chego ao topo cambaleando, à beira da morte; saio para o ar úmido da manhã. Corro até o muro que se ergue à altura da minha cabeça e espio pelas frestas. Lá embaixo estende-se a cidade abençoada que tornei meu santuário contra aqueles que me exilaram. As vozes me chamam, aproximando-se por trás.
...
...
O que você fez é uma loucura!
Loucura gera Loucura.
...
...
Pelo amor de deus!
[gritam eles.]
...
...
Diga-nos onde a escondeu!
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
É 𝘦𝘹𝘢𝘵𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘦 𝘱𝘦𝘭𝘰 𝘢𝘮𝘰𝘳 𝘥𝘦 𝘥𝘦𝘶𝘴 𝘲𝘶𝘦 𝘯𝘢̃𝘰 𝘰𝘴 𝘥𝘪𝘳𝘦𝘪.
Aqui estou, encurralado, as costas contra a pedra fria. Eles olham fundo nos meus olhos pretos e límpidos, e seus rostos ficam carregados: sua expressão, antes persuasiva, agora é ameaçadora.
...
...
Você sabe que temos nossos métodos. Podemos força-ló a nos contar onde está.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Por isso subi metade do caminho até o céu.
Sem aviso, eu me viro e ergo os braços, agarrando o parapeito alto com os dedos, içando meu corpo, ajoelhando-me às pressas em cima do muro. Depois me ponho de pé, oscilo à beira do precipício. Seja o meu guia, caro Virgílio, enquanto atravesso o vazio.
Eles disparam à frente, incrédulos, querendo agarrar meus pés, mas temendo que eu perca equilíbrio e caia. Com um desespero contido, começaram a implorar, mas eu já lhes dei as costas. Sei o que devo fazer. Lá embaixo, a uma distância vertiginosa, telhas vermelham se espalham como um mar de fogo pelo campo, iluminando a bela terra um dia povoada por gigantes. Giotto, Donatello, Brunelleschi, Michelangelo, Botticelli. Aproximo os dedos dos pés da beirada.
...
...
Desça! Ainda há tempo!
[gritam mais uma vez]
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Ó, ignorantes obstinados! Por acaso não conseguem ver o futuro?
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Não conseguem entender o esplendor da minha criação? Como ela é necessária?
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
É com prazer que faço este derradeiro sacrifício... e com ele extinguirei suas últimas esperanças de encontrar o que buscam.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Vocês jamais conseguiram localizá-la a tempo.
Centenas de metros lá embaixo, a piazza de paralelepípedos me chama como um oásis de serenidade. Como eu gostaria de ter mais tempo... Porém esse é o único bem que nem mesmo minha enorme fortuna pode comprar. Nestes últimos segundos, baixo os olhos em direção à piazza e vislumbro algo que me deixa perplexo. Vejo o seu rosto. Em meio às sombras, você tem os olhos erguidos para mim. Estão pesarosos, mas neles também percebo reverência pelo que fui capaz de fazer. Você entende que não tenho escolha. Por amor à mim mesmo, devo proteger minha obra-prima. Neste exato momento, ela cresce, à espera...fervilhando sob as águas rubras de sangue da lagoa que não reflete as estrelas.
Então tiro meus olhos dos seus e contemplo o horizonte. Muito acima deste mundo oprimido, faço minha última súplica.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Queridíssimo Deus, rogo-lhe que o mundo se lembre do meu nome, não como um pecador monstruoso, mas como o salvador glorioso que o Senhor sabe que na verdade sou.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Rogo que a humanidade entenda o presente que deixo.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Meu presente é o futuro. Meu presente é a salvação. Meu presente é o inferno.
Com essas palavras, sussurro amém... E dou o último passo para mergulhar no abismo.

As lembranças se materializam

Lentamente, como bolhas vindo à tona da escuridão de um poço sem fundo. Uma mulher com o rosto coberto por um véu. Jeon Jungkook olhava para ela do outro lado de um rio cujas águas agitadas corriam vermelhas, tingidas de sangue. De frente para ele, na margem oposta, a mulher o encarava, imóvel, solene. Trazia na mão uma faixa azul, uma tainia, que ergueu em homenagem ao mar de cadáveres aos seus pés. O cheiro da morte pairava por toda parte.
...
...
Busca.
[susurrou a mulher]
...
...
E encontrarás.
Jungkook ouviu as palavras como se ela as tivesse pronunciado dentro de sua cabeça.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Quem é você?
Perguntou ele, sem que sua voz produzisse som algum.
...
...
O tempo está se esgotando.
Murmurou ela.
...
...
Busca e encontrarás.
Jungkook deu um passo à frente, em direção ao rio, mas então viu que as águas, além de ensanguentadas, eram profundas demais para que ele as atravessasse.
Quando tornou a erguer os olhos para a mulher de véu, os corpos aos seus pés tinham se multiplicado. Eram agora centenas, milhares talvez, alguns ainda vivos, contorcendo-se de agonia, padecendo mortes inimagináveis... consumidos pelo fogo, enterrados em fezes, devorando uns aos outros, Podía ouvir os lamentos humanos ecoando acima da água.
A mulher se moveu em sua direção com as mãos esguias estendidas, como quem pede ajuda.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Quem é você?!
Gritou Jungkook dessa vez.
Em resposta, a mulher levou a mão ao rosto e ergueu lentamente o véu. Sua beleza era arrebatadora, porém ela era mais velha do que Jungkook imaginara: 60 e poucos anos talvez, altiva e forte, como uma estátua atemporal. Tinha um maxilar anguloso, de aspecto severo, olhos penetrantes e intensos e longos cabelos prateados, cujos cachos lhe caíam em cascata sobre os ombros. Um amuleto de lápis-lazúli pendia de seu pescoço - uma serpente solitária enroscada em um bastão.
Jungkook teve a sensação de que a conhecia, de que confiava nela. Mas como? Por quê?
Ela então apontou para duas pernas que brotavam da terra, se contorcendo. Aparentemente eram de alguma pobre alma enterrada até a cintura, de cabeça para baixo. Uma letra solitária escrita com lama se destacava na coxa pálida do homem: J.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
J?
Pensou Jungkook intrigado.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
J de... Jeon Jungkook? Será que esse sou eu?
O rosto da mulher nada revelava.
...
...
Busca e encontrarás.
Repetiu ela. Subitamente, ela começou a irradiar uma luz branca cada vez mais forte. Todo o seu corpo passou a vibrar com intensidade e, então, com um estrondo repentino, ela explodiu em mil faiscas.
Jeon estava sozinho no quarto iluminado. O cheiro pungente de álcool hospitalar pairava no ar.
Ali perto bipes de máquina soavam em discreta sintonia com o ritmo de seu coração. Tentou mover o braço direito, mas uma dor lancinante o impediu. Olhou para baixo e viu que um cateter intravenoso repuxava a pele de seu antebraço. Sua pulsação se acelerou e as máquinas acompanharam o ritmo, passando a emitir bipes mais rápidos.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Onde estou? O que aconteceu?
A nuca de Jungkook latejava, uma dor torturante. Com cautela, ele ergueu o braço livre e tocou o couro cabeludo, tentando localizar a origem da dor de cabeça. Sob os cabelos emaranhados, encontrou as extremidades duras de uns dez pontos incrustados de sangue seco. Fechou os olhos e tentou se lembrar de algum acidente. Nada. Branco total.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Pense... Droga.
Apenas escuridão.
Um homem com roupa cirúrgica entrou apressado, aparentemente alertado pela aceleração dos bipes do monitor cardíaco de Jungkook. Tinha barba desgrenhada, bigode cerrado e olhos bondosos que transmitiam uma calma atenciosa por baixo das sobrancelhas revoltas.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
O que... o que houve?
Jungkook conseguiu perguntar.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu sofri algum acidente?
O barbudo levou um dedo aos lábios e tornou a sair às pressas para chamar alguém no corredor.
Jungkook virou a cabeça, mas o movimento fez uma pontada de dor atravessar seu crânio. Respirou fundo várias vezes e esperou a dor passar. Então, com cuidado e de forma metódica, examinou o ambiente estéril ao seu redor.
O quarto de hospital continha uma cama só. Não havia flores. Não havia cartões. Viu as próprias roupas em cima de um balcão próximo ao leito, dobradas dentro de um saco plástico transparente. Estavam cobertas de sangue.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Céus, deve ter sido grave..
Jungkook girou a cabeça bem devagar em direção à janela ao lado da cama. Estava escuro lá fora. Era noite. A única coisa que ele conseguia ver no vidro era o próprio reflexo: um desconhecido pálido, exausto e abatido, ligado a tubos e fios, cercado por equipamentos hospitalares.
Ouviu vozes se aproximando pelo corredor e tornou a olhar para o quarto.
O médico voltou, dessa vez acompanhado por um outro homem. Ele parecia ter 20 e poucos anos. Usava roupa cirúrgica azul e tinha os cabelos louros presos em uma touca grossa que balançava ao ritmo de seus passos.
Park Jimin
Park Jimin
Sou o Dr. Park Jimin.
Apresentou-se, abrindo um sorriso para Jungkook ao entrar.
Park Jimin
Park Jimin
Vou trabalhar com o Dr. Marconi hoje à noite.
Jungkook assentiu com um débil meneio de cabeça.
Alto e gracioso, o Dr. Park se movia com a desenvoltura assertiva de um atleta. Mesmo com aquela roupa folgada, conservava uma elegância esguia.
Por mais que Jungkook não percebesse nenhum traço de maquiagem, sua pele tinha uma suavidade incomum, a única mácula era uma pinta minúscula logo acima dos lábios. Os olhos, de um tom castanho suave, pareciam estranhamente penetrantes, como se houvessem testemunhado experiências de rara profundidade para alguém tão jovem.
Park Jimin
Park Jimin
O Dr. Marconi não fala inglês muito bem, então me pediu que preenchesse sua ficha de admissão.
disse ele, sentando-se ao lado de Jeon. Voltou a sorrir.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Obrigado..
Park Jimin
Park Jimin
Certo.
Começou ele, assumindo um tom de voz sério.
Park Jimin
Park Jimin
Qual é o seu nome?
Ele precisou de alguns instantes.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Jeon... Jungkook.
Ele apontou uma lanterninha para seus olhos.
Park Jimin
Park Jimin
Profissão?
Ele respondeu ainda mais devagar.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Professor universitário. História da Arte... e Simbologia.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Em Harvard.
O Dr. Park baixou a lanterna, mostrando-se surpreso. O médico de sobrancelhas revoltas pareceu igualmente espantado.
Park Jimin
Park Jimin
O senhor é americano?
Jungkook o encarou com um olhar intrigado.
Park Jimin
Park Jimin
É só que...
Ele hesitou.
Park Jimin
Park Jimin
O senhor não tinha documento nenhum quando chegou.
Park Jimin
Park Jimin
Como estava de paletó Harris Tweed e sapatos sociais, imaginamos que fosse britânico.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu sou americano.
Assegurou-lhe Jungkook, exausto demais para explicar sua preferência por alfaiataria de qualidade.
Park Jimin
Park Jimin
Está sentindo alguma dor?
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Na cabeça.
Respondeu Jungkook.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
O latejar em meu crânio agravado pelo brilho forte da lanterna causou isso.
Felizmente, o médico a guardou no bolso e pegou seu pulso, para medir os batimentos.
Park Jimin
Park Jimin
O senhor acordou gritando. Consegue se lembrar por quê?
Jungkook voltou a ter um lampejo da estranha visão da mulher de véu, cercada de corpos em agonia. Busca e encontrarás.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu..
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Tive um pesadelo.
Park Jimin
Park Jimin
Sobre o quê?
Jungkook lhe contou.
O Dr. Park manteve uma expressão neutra enquanto fazia anotações numa prancheta.
Park Jimin
Park Jimin
Alguma ideia do que possa ter provocado uma visão tão apavorante?
Jungkook vasculhou a memória e então balançou a cabeça, que latejou em protesto.
Park Jimin
Park Jimin
Muito bem, Sr. Jeon.
Disse ele, sem parar de escrever.
Park Jimin
Park Jimin
Agora vou fazer algumas perguntas de rotina.
Park Jimin
Park Jimin
Que dia da semana é hoje?
Jungkook pensou por alguns instantes.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Sábado.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu me lembro de estar andando pelo campus hoje mais cedo... de participar de um congresso à tarde e depois...
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Acho que essa é a última coisa de que me lembro. Eu levei um tombo?
Park Jimin
Park Jimin
Já vamos falar sobre isso. O senhor sabe onde está?
Jungkook deu seu melhor palpite:
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
No Hospital Geral de Massachusetts?
O Dr. Park fez outra anotação.
Park Jimin
Park Jimin
Existe alguém para quem devamos telefonar avisando? Mulher? Filhos?
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Ninguém.
Respondeu Jungkook sem precisar pensar. Sempre gostara da solidão e da independência que sua vida de solteiro lhe proporcionava, embora precisasse admitir que, nas condições em que se encontrava, preferiria ter um rosto conhecido ao seu lado.
Jeon Jungkook
Jeon Jungkook
Eu poderia telefonar para alguns colegas, mas não vejo necessidade.
Quando o Dr. Park terminou de verificar o pulso de Jungkook, o médico mais velho se aproximou. Alisando as sobrancelhas revoltas, sacou um pequeno gravador do bolso e o mostrou ao colega.
Jimin assentiu, indicando que entendera e voltou a encarar o paciente.
Park Jimin
Park Jimin
Sr. Jungkook, quando chegou hoje mais cedo, o senhor estava murmurando repetidamente uma coisa.
Ele lançou um olhar ao Dr. Marconi, que ergueu o gravador digital e apertou um botão. Uma gravação começou a tocar e Jungkook ouviu a própria voz grogue balgrogue balbuciar repetidas vezes a mesma frase: "Ve... sorry Ve... surry"
Park Jimin
Park Jimin
Me parece..
Continuou o doutor.
Park Jimin
Park Jimin
Que o senhor estava dizendo "Very sorry. Very sorry"
Jungkook concordou com a cabeça, embora não se lembrasse de nada daquilo.
O Dr. Park o fitou com um olhar tão intenso que chegava a ser perturbador.
Park Jimin
Park Jimin
Tem alguma ideia de por que diria isso? O que o senhor lamenta tanto?
Enquanto se esforçava para tentar lembrar, Jungkook tornou a ver a mulher de rosto velado parada à margem de um rio vermelho-sangue, cercada de corpos: Sentiu outra vez o fedor da morte.
Foi invadido pela sensação repentina, instintiva, de que estava correndo perigo... não só ele como todos os demais. Os bipes do monitor cardíaco se aceleraram na mesma hora. Seus músculos se retesaram e ele tentou se sentar.
O Dr. Park se apressou em pousar a mão com firmeza sobre seu peito, forçando-o a permanecer deitado. Então lançou um olhar rápido para o médico barbudo, que foi até um dos cantos do quarto e começou a preparar alguma coisa.
Em pé ao lado de Jungkook, o doutor voltou a falar com um sussurro:
Park Jimin
Park Jimin
Sr. Jungkook, ansiedade é uma reação comum a traumatismos cranianos, mas o senhor precisa manter sua pulsação baixa.
Park Jimin
Park Jimin
Não deve se mexer nem se agitar, apenas fique deitado e descanse. Vai ficar tudo bem. Aos poucos, vai recuperar a memória.
O outro médico voltou com uma seringa, que entregou à Dr. Park. Ele injetou o conteúdo no acesso intravenoso de Jungkook.
Park Jimin
Park Jimin
É só um sedativo leve para acalmá-lo e para aliviar a dor.
Ele se levantou para ir embora.
Park Jimin
Park Jimin
Vai ficar tudo bem, Sr. Jungkook. Agora durma. Se precisar de alguma coisa, aperte o botão ao lado da cama.
Ele apagou a luz e se retirou junto com o médico barbudo.
No escuro, Jungkook sentiu o efeito quase imediato da medicação em seu organismo, arrastando-o de volta para as profundezas do poço do qual havia emergido.
Combateu a sensação, forçando os olhos a permanecerem abertos na escuridão do quarto. Tentou se sentar, mas seu corpo parecia feito de concreto.
Ao mudar de posição na cama, Jungkook se viu outra vez de frente para a janela. As luzes estavam apagadas e, no vidro escuro, seu próprio reflexo havia desaparecido, substituído por um horizonte distante e iluminado. Em meio às silhuetas de torres e domos, uma fachada em especial se destacava em seu campo de visão. A construção era uma imponente fortaleza de pedra, com ameias no parapeito e uma torre de mais de 90 metros, que ficava mais larga perto do topo projetado para fora, também com ameias munidas de balestreiros.
Jungkook se sentou na cama com as costas eretas, fazendo com que a cabeça quase explodisse de dor. Lutou contra o latejar violento e fixou o olhar na torre. Conhecia bem aquela estrutura medieval. Era única no mundo. Infelizmente, porém, ficava a quase 6.500 quilômetros de Massachusetts. Do lado de fora, escondido nas sombras da Via Torregalli, um homem robusto desceu com agilidade de uma moto BMW e avançou com o andar decidido como uma pantera que persegue a presa. Tinha um olhar feroz. Os cabelos curtos e espetados se destacavam contra a gola levantada do macacão preto de couro. Ele verificou a arma equipada com silenciador que trazia nas mãos e ergueu os olhos para a janela do quarto de Jeon Jungkook, onde a luz acabara de se apagar.
Mais cedo naquela noite, sua missão original dera terrivelmente errado. O arrulho de uma simples pomba havia mudado tudo. Agora ele estava lá para consertar o estrago.

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