Dizer que minha noite havia sido boa era um verdadeiro eufemismo, minha cabeça estava latejando, doía apenas de pensar em abrir os olhos. Meus cabelos estavam esparramados pelo travesseiro, a luz do sol que entrava pela janela e atingiu meu rosto me forçando a acordar pelo calor que sentia, porém mantendo meus olhos fechados, mas meu desespero mesmo foi quando ao passar a mão na lateral da cama senti outro corpo junto ao meu.
Isso bastou para que por puro instinto pulasse da cama onde me encontrava totalmente nua, havia marcas por meus braços e quando vi meu reflexo no espelho vi as marcas em meu pescoço, minhas roupas estavam jogadas pelo chão.
Corri até mais perto do espelho para ver as marcas em minha pele, tinha medo de ter sido marcada sem nem mesmo saber. Flashes da noite anterior voltavam à minha mente acompanhados de uma tremenda enxaqueca. Na cama entregue ao mundo dos sonhos estava a figura de Harlan Vaughn, o líder da tribo rival.
Se eu acreditasse em carma ou destino, poderia dizer que ali estava o meu carma. Fiquei parada admirando seu corpo nu, as coxas grossas fora do lençol, seu tórax que subia e descia tranquilamente, seus músculos grandes e definidos, ele parecia um deus, mas toda essa admiração se foi quando batidas suaves na porta me tiraram daquele transe.
Em desespero comecei a buscar por minhas minhas roupas e sapatos, quando me vesti abri uma pequena fresta da porta e respirei fundo quando vi a figura de minha irmã ali parada com o semblante preocupado.
— Sierra! — passei pela porta segurando meus sapatos e fechei a porta, deixando para trás o homem mais bonito que já vi na vida.
— Siobhan, papai está feito louco atrás de você. Sua sorte é que a rastreadora da tribo sou eu. — Sierra, minha irmã mais nova, sempre foi a mais cuidadosa e zelosa comigo, o que deveria ser o contrário, afinal a mais velha era eu.
— Sempre cuidando de mim… Tão fofa! — afaguei suas bochechas com carinho e saí caminhando para longe daquele lugar.
Ela me entregou uma peça de roupa que havia trago consigo e suspirou.
— Disse que você havia perdido o sono e saiu para correr. Então sugiro que vá mesmo correr, assim o cheiro dele vai se misturar com o seu suor e papai não perceberá. — Sierra falou de forma calma me fazendo a olhar assustada.
— Como… mais… Cheiro de quem? Ficou maluca. — Tentei falar e gaguejei resultando na risada mais gostosa dela.
— Harlan Vaughn… é bom de cama como eles dizem? — Sierra falou quando voltamos a caminhar, meu vestido agora dentro de uma sacola. Nós duas rimos antes de atingir a rua onde ela pegou a sacola de minhas mãos e sorriu.
— Comece a correr, gata. Te vejo em casa. — ela mandou um beijo no ar o que me fez sorrir e depois resmungar em pura frustração, não era nem mesmo sete horas da manhã e já teria que correr. Que vida cruel.
O mais difícil foi chegar sem ser notada, à medida que caminhava com os cabelos molhados, assim como o conjunto de moletom que Sierra havia me dado.
— Bom dia. — Falei ao me sentar na mesa farta do café da manhã, minha mãe em silêncio, já meu pai por outro lado quase cuspiu o café ao me ver.
— Onde estava? — Sua voz saiu dura.
— Na cachoeira ao leste daqui, fui correr e resolvi nadar. — Falei ao me sentar puxando uma torrada da mesa para comer e nesse momento minha irmã entrou caminhando tranquilamente.
— Certo, não quero saber de vocês duas andando por aí até tarde. Como Sierra não me dá esse tipo de trabalho, você está proibida de pisar fora de casa. — Meu pai não era uma pessoa exatamente fácil de lidar e minha mãe por sua vez sempre abaixou a cabeça para tudo que ele dizia.
— Mas… — Não sei porque me dei ao trabalho de abrir a boca, o soco que ele deu na mesa me calou de imediato.
— Basta, Siobhan! Sou o líder dessa tribo, o seu pai e o seu alfa, portanto me obedeça como tal! — Abaixei minha cabeça enquanto terminava de mastigar a torrada, assim que terminei subi para meu quarto sendo seguida por Sierra.
— Você sabe como ele é, porque ainda tenta questionar? Ele só faz isso para nos proteger… A tribo Vaughn avança a cada dia mais sobre nossos territórios… — Sierra falou ao se encostar na porta e sorrir ao me ver tirar a roupa molhada.
— Então de que adianta sermos um Clermont? — Perguntei ao cair na cama olhando o teto, enquanto minha irmã voltava a falar minha mente se remetia a noite em que passei nos braços de Harlan Vaughn e na dúvida se ele sabia minha real identidade ou se a bebida o deixaria se lembrar.
Fechei os olhos me sentindo sonolenta, um sorriso se formou em meus lábios quando Sierra parou de falar e jogou a coberta sobre meu corpo beijando minha testa com cuidado.
— Sua maluquinha. — Ela sussurrou antes de fechar a porta.
Hoje estava completando três semanas que absolutamente tudo que eu comia era jogado fora, minha mãe se preocupava por pensar ser uma doença contagiosa por isso ela pediu permissão para que fossemos a um médico.
Não queria sair de casa por nada nesse momento, mas como meus sintomas eram apenas quando comia algo, passei a viver somente de água. Era final de tarde quando cheguei com algumas sacolas nas mãos, disse que ia buscar alguns remédios na farmácia o que facilitou minha ida e volta, meu pai desconfiava até mesmo da sombra.
— Negativo, que dê negativo, por favor, por favor… — Estava sentada na tampa do vaso sanitário a vinte minutos, suplicando que minhas suspeitas fossem erradas. A porta do banheiro estava aberta, enquanto a do quarto se mantinha fechada.
Esperei por trintas minutos no total antes de pegar o teste nas mãos e ver as duas barrinhas que mudariam minha vida, em choque fiquei ali parada me olhando no espelho, o medo corria por minhas veias, e quando voltei a mim a porta do quarto estava sendo aberta com um solavanco só.
— Siobhan, o que está acontecendo? Seu cheiro é de puro… — Meu pai parou de falar quando viu o teste em minhas mãos e a embalagem em cima da pia.
— Eu… eu… posso… — Antes mesmo que terminasse a frase senti apenas o aperto em meus braços, ele havia me puxado para fora do banheiro com força enquanto me arrastava escada abaixo.
— Isobel! Leve ela agora mesmo no médico da tribo, quero todos os exames possíveis feitos! E avise a ele que quero com urgência. Você não entra nessa casa sem todos os exames em mãos, entendeu? — Meu sangue gelou quando vi o medo nos olhos de minha mãe. Sierra desceu as escadas quando ouviu os berros de meu pai, mas logo foi barrada quando ele apenas apontou indicando que a mesma voltasse para seu quarto.
(...)
Descobrir que está grávida deve ser a coisa mais feliz na vida de uma mulher, saber que carrega uma vida no ventre que está gerando e nutrindo algo dentro de si, deveria ser motivo de felicidade para todos. Deitada na maca do médico enquanto ele realizava todos os exames, mantive meus olhos fechados apenas ouvindo o choro baixo de minha mãe, talvez ela estivesse feliz por mim. Era o que pensava.
— Os resultados estão aqui, lacrei apenas para que o Jacinto Dick possa abrir. — O médico falou sério enquanto seus olhos se voltaram em minha direção e rapidamente foram ao chão. Ser filha do Alfa implicava que ninguém poderia lhe olhar por mais que três segundos, do contrário a cabeça rolaria.
Engoli seco quando o carro parou na frente de casa, não queria descer, mas a figura de Sierra na varanda com o olhar preocupado me dizia que se não entrasse tudo iria piorar.
Os minutos se tornaram horas, o silêncio deu lugar aos berros e por fim a fúria dele explodiu bem na minha cara, senti apenas a ardência do tapa em minha bochecha enquanto caia no chão da sala com minha mãe choramingava sendo abraçada por Sierra.
— Sua cadela! Como pode fazer isso? — Ele esbravejava com os resultados do exame na mão.
— Não prestou nem mesmo para ficar com as pernas fechadas? Isso não vai nascer! — Ele gritou mais uma vez avançando em minha direção, nesse momento Sierra entrou na nossa frente com os braços abertos.
— Basta! Que tipo de alfa é esse que, ao invés de proteger, bate na sua cria? — Minha irmãzinha tinha coragem, devo admitir.
— Cria? Você é a minha cria… E vai proteger essa vagabunda… — Ele cuspiu as palavras ao me olhar com nojo, as lágrimas se formavam em meu rosto porém me recusava a chorar.
— Ela é minha irmã, sua primogênita e está grávida! Já aconteceu, não tem como voltar atrás… Gritar, ofendê-la e agredi-la não vai resolver. — Sierra continuava falando enquanto apenas olhava para o chão sentindo meu rosto arder.
— Já tenho a solução, você vai até a clínica e vai tirar essa coisa. — Ele soltou as palavras e involuntariamente passei as mãos ao redor de meu ventre.
— Não serei conhecido por ter uma prostituta desonesta como filha! — Ele falou ao sair caminhando em direção a cozinha onde jogou algumas cadeiras no chão. Assim que me vi livre dele finalmente me permiti chorar, minha mãe tentou se aproximar mas recuei.
— Não! A senhora não questiona nada que ele faz, ele nos mantém presa dentro de casa e a senhora aceita! — Explodi em lágrimas enquanto falava, sabia que a culpa não era dela, quem havia saído para uma festa escondida e deveria arcar com as consequências de tudo era eu, não deveria jogar a culpa nas costas da minha mãe.
Engravidar sem um companheiro era o pior que poderia acontecer com uma loba, era o que muitos chamavam de sinal para que você não respeitava seu corpo e que qualquer lobo poderia se aproveitar, a tomando para si e a jogando fora na manhã seguinte. Deveria ter pensado nisso antes de me deixar levar pelo momento, maldito seja Harlan Vaughn, maldito seja!
A minha sorte foi quando o relógio marcou meia noite, com suas dozes badaladas. Passei tanto tempo ali ajoelhada no chão frio da sala limpando minhas lágrimas que caiam em cascata que não vi quando a figura de meu pai saiu da cozinha e voltou para a sala novamente.
— Levante-se, vamos agora mesmo para a Clínica. — A voz de meu pai soou pela sala inteira, minha mãe estava sentada no sofá em silêncio apenas como uma mera telespectadora enquanto minha irmã se mantinha vigilante.
Com um pouco de dificuldade devido a dormência de minhas pernas me coloquei de pé olhando fixamente para o homem à minha frente. Havia repulsa em meu olhar, podia sentir o medo exalando de minha mãe e a ansiedade de Sierra, até o momento havia sido a boa filha, a submissa, claro tirando o fato que estava grávida sem um companheiro. A questão é que sempre fiz o que ele pediu e ainda sim ele se achava no direito de me tratar como um objeto?
— Eu não vou! Levarei essa gravidez até o fim. — A princípio minha voz saiu como um sussurro, não sabia se ele tinha me ouvido, porém tive a certeza quando ele jogou um casaco qualquer em minha direção.
O casaco grosso bateu contra meu peito e caiu no chão.
— Eu disse que não vou. — Dessa vez minha voz ficou mais firme, senti os olhos dele queimar em minha pele e endireitei minha coluna, nunca pensei que poderia fazer jus ao título de filha alfa, mas ali estava eu na minha perfeita pose de autoridade, sendo dona de mim com o olhar tão sério e firme que me fez arrepiar.
— Ótimo, se não vai até a clínica o médico virá até você. — Meu pai estava sério, assim que ele terminou de falar já buscava o telefone para discar o número.
— Levarei a gravidez até o final, pode me prender ou até mesmo me bater, mas o meu filho, o seu neto. Vai nascer, pelos céus pai, essa criança é um Clermont! — Podia até mesmo tocar a raiva que meu pai sentia naquele momento.
Sierra assistiu a tudo sem mesmo respirar e quando meu pai deu dois passos para trás subindo as escadas logo em seguida batendo as portas e jogando as coisas pelo chão, minha irmã se aproximou de onde estava passando as mãos por meus ombros.
Tremia igual um pedaço de vara verde, tentando não quebrar com o vento forte. O som dos carros começaram a ser ouvidos de dentro de casa, carros e motos. Não demorou e logo a porta da frente se abriu passando por ali os lobos de confiança de meu pai, sendo seguidos pelos demais membros da tribo, logo a sala de casa ficou pequena.
— Chamei todos vocês aqui nesta noite, para fazer um comunicado. — Meu pai descia as escadas abotoando sua jaqueta preta enquanto os olhos se mantinham fixos em mim.
— Quero que a notícia se espalhe entre nossa tribo e vizinhas, Siobhan Clermont não é mais a filha Alfa. Todos os benefícios e regalias que vêem com esse título não pertencem mais a ela. — Os murmúrios começaram a circular pela sala e nesse momento senti meu coração doer, para os lobos o que valia era o status e não o laço sanguíneo.
— Sendo assim, quero você e esse feto fora de minhas vistas, fora dessa casa! Saía apenas com a roupa do corpo. — Ele gritou por fim me fazendo abraçar meu ventre com força. Um soluço escapou de meus lábios indicando que a qualquer momento iria desmoronar, mas me recusava a fazer isso na frente de toda a alcateia.
No segundo em que dei dois passos em direção a porta principal, todos abriram caminho para minha passagem. Olhares totalmente indecifráveis me seguiam até atingir a calçada onde meu carro estava parado.
Assim que fechei a porta do carro, tombei minha cabeça no volante e deixei as lágrimas rolarem, o gosto da derrota em minha boca era maior que tudo. Não sei por quanto tempo fiquei ali, mas confesso que me assustei quando Sierra abriu a porta.
— Vem, mamãe convenceu ele a lhe deixar morar conosco. — A rua estava vazia novamente, os visitantes haviam ido embora. Por alguns minutos pensei que fosse uma brincadeira de mau gosto, mas minha irmã não mentiria de forma tão cruel assim.
— Sabe que as coisas vão ser mais difíceis agora… Papai pode ser jogo duro, mas ele sempre pensa no melhor para nós. — Sierra, a filha mais nova perfeita que sempre tentava justificar os atos do nosso pai e ainda sim me apoiar.
No momento em que atingimos a varanda da casa, ele surgiu a porta me olhando com indiferença.
— Não falará comigo a menos que eu lhe pergunte algo, e já sabe tudo poderá voltar ao normal caso mude de ideia. — Ele era frio e cruel com as palavras. Estava sem forças para revidar, por isso apenas abaixei a cabeça e segui porta adentro em direção a meu quarto no andar de cima no final do corredor.
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