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Amor e Liberdade

Anjo sem asas

O breu já havia se instalado na pequena chácara no interior de São Paulo.

Ouvia-se apenas o vento brincando com as folhas das árvores e o gemido da jovem de 19 anos que entrava em trabalho de parto.

Sofia estava exausta, era pequena e carregava um bebê enorme em seu ventre, doía e muito! Mas ela reprimia o impulso de urrar, gemia baixinho, com medo de ser repreendida, aguardando o momento de conhecer a pessoinha que carregava há 9 meses.

No quarto ao lado, a sogra Carmem e o sogro Edson, um casal simpático de velhinhos, arrumavam as coisas para a maternidade. Enquanto o marido Fred andava em círculos na sala, roendo as unhas. Ele não era de falar muito, mas estava visivelmente nervoso. Um homem grande largo, com aparência truculenta, que estava em pânico.

Tudo pronto, foram todos para a maternidade. O fusca amarelo seguia pela estrada que parecia infinita. Eram 50 minutos até chegar na cidade.

Sofia suava frio apertando as mãos de Carmem, que tentava manter a nora calma. Edson tentava dirigir o mais rápido possível, mas tomando cuidado para não piorar o desconforto de Sofia. Fred resmungava alguma coisa inaudível, olhando fixamente pela janela. Finalmente avistaram a placa "Hospital e Maternidade ".

Sofia respirou fundo aliviada, estava em pânico. A sensação de estar segura durou pouco, pois viveu no hospital um verdadeiro tormento.

Na recepção, ninguém parecia se importar com Sofia se contorcendo de dor a cada contração. Só pararam para prestar atenção quando Fred já impaciente com o descaso, deu um tapa no balcão com sua carteira de oficial na mão.

Uma enfermeira praticamente tacou uma camisola no colo de Sofia.

— Você pode se trocar ali, tire tudo e vista só a camisola. Inclusive jóias e prendedor de cabelo.

Sofia obedeceu e saiu do banheiro tímida, pois a camisola a deixava bem exposta. Tinha a sensação que todos viram o seu bumbum. Entregou os seus pertences para Fred. E subiu na maca que a enfermeira apontava. Foi orientada a ficar deitada, não podia sentar. Mas como era doloroso ficar deitada, principalmente quando as contratações chegavam.

A levaram para uma sala, aonde uma enfermeira ficava sentada na sua mesa, com os olhos na tela do computador, e outras duas ficavam monitorando as gestantes, e avaliando quem iria para a sala de parto. Bianca já estava ali há pelo menos 6 horas, ignorada quando questionava se ia demorar muito.

Foram 16 horas de trabalho de parto sofridos, acompanhado de agressões desnecessárias das enfermeiras, que riam e soltavam provocações.

- Tá doendo? Na hora de fazer não estava né?

- Calma querida, o show ainda nem começou!

As enfermeiras que deveriam ser o apoio, eram rudes com as pacientes. Riam, faziam piadas, eram brutas, como se a dor do parto não fosse o suficiente.

Sofia se pegava pensando se aquelas mulheres faziam aquilo porque passaram pela mesma situação e agora descontavam, ou se eram amargas por não terem filhos, incrédula com tamanha falta de empatia com mulheres que precisavam delas. E o que elas sabiam sobre como seu bebê havia sido concebido?

A dor aumentava, Sofia já não conseguia se mexer direito, e já não se importava mais com os maus tratos, só conseguia desejar que aquilo acabasse logo.

O marido e os sogros não puderam acompanhar, ficaram na sala de espera sem saber o que acontecia.

Sofia já estava sem forças, as lágrimas pingando mudas após ouvir uma enfermeira conversando com a outra sobre uma das gestantes que fazia um escândalo, que a deixariam por último.

Uma das dedicadas enfermeiras levantou sua camisola e checou se precisava depilar a paciente. Sofia respirou aliviada por ter feito isso antes, imaginou o quão agradável seria ser depilada por elas. E sem qualquer sensibilidade, introduziu dois dedos nela para checar a dilatação, saindo sem dizer nada, sem nem sequer olhar na cara de Sofia, voltando um pouco depois acompanhada de um médico, que devia ser o mestre delas na arte de animosidade.

Ele a examinou e viu que o bebê estava coroando mas não teria passagem, pediu que a levassem para a sala de parto, resmungando sobre uma possível cesárea, pois tinha um jantar e isso o atrasaria.

Na sala de parto ele olha pra Sofia e sem rodeio diz a ela que tinha pressa e tentaria parto normal para não perder tempo com a cesárea. E antes que ela pudesse dizer algo, o doutor já estava fazendo uma episiotomia, e retirando o bebê com a ajuda de um fórceps.

Sofia teve a sensação de ter sido cortada ao meio, mas tinha acabado, aquela dor insuportável passou, logo o choro do bebê ecoava na sala.

E assim nasceu Um anjo loiro de olhos azuis... Sofia podia jurar que viu asas e auréola! E apagou exausta, mas feliz que sua filha estava ali, saudável. E logo as duas iriam para casa.

Seu nome seria Bianca!

Na sala de espera a família era informada que tinha nascido, mãe e bebê passavam bem e era uma menina!

Os avós comemoraram com pulinhos. Carmem e Edson estavam aflitos com a demora imaginando haver complicações no parto.

O pai deu um sorriso amarelo, em seu bem escondido machismo, esperava que fosse um menino!

Assim que receberam a notícia foram para casa. Sofia só poderia receber visita no dia seguinte.

Pele de cordeiro

Finalmente estavam em casa! Sofia ainda sentia muitas dores que se misturava ao cansaço da atenção intensa que a pequena Bianca necessitava. Fred trabalhava muito, ficava pouco em casa.

Carmem e Edson moravam na casa principal, apesar de serem presentes e ajudar no que podiam, tentavam não invadir o espaço do casal, que era a casa dos fundos, ficando mais com Sofia quando Fred não estava.

Fred era delegado. Conheceu Sofia por acaso, acompanhando os pais em um almoço beneficente. Ela era órfã, e tinha sido acolhida por freiras, que de vez em quando participavam desses eventos sociais.

Ele havia se encantado pela caipirinha inocente, e desde que colocou os olhos nela, prometeu a si mesmo que ela seria dele e de mais ninguém.

Ele optou por morar com os pais, eles já tinham idade, e ele não parava em casa, a chácara comportaria todos bem.

No início Fred era só gentilezas. O modo sedutor, prestativo e protetor não demorou a conquistar a menina. Mas ele escondia um lado sombrio, que Sofia só foi conhecer depois que a filha nasceu, afinal tudo fora muito rápido.

Fred as vezes era bruto ao falar, mas Sofia justificava a si mesma, ser ossos do ofício, afinal, ela não podia reclamar de como ele a tratava.

Ela estava casada com Fred um mês depois de conhecê-lo. Ele era muito intenso, e Sofia completamente apaixonada não via em suas atitudes nada alarmante. Ele era extremamente ciumento, mas ela acreditava que não passava da insegurança inicial. Aceitou o pedido e dois meses depois estava grávida, os meses que seguiram foram tranquilos.

Fred não a procurava para intimidades, ficava pouco em casa. Nos últimos tempos andava mau humorado, ela achava que devia ser algo no trabalho, do qual ele não gostava de comentar muito, e ela respeitava.

Duas semanas depois que Bianca nasceu, Sofia estava exausta, andava descabelada, vestia moletons pela praticidade, as vezes nem banho tomava, pois aproveitava cada cochilo da filha para descansar também. As tarefas domésticas estava acumulando e ela estava sozinha, seus sogros tinham ido passar uns dias com a irmã de Carmem, Lúcia.

Foi então que Fred chegou em casa aborrecido, e deparou-se com aquele cenário. Sentou-se na mesa e chamou Sofia, que ia dar um abraço de boas-vindas no marido, mas foi impedida. Ele segurou as suas mãos e a mandou sentar.

— Qual é o seu problema? Por que não consegue cumprir o seu papel de mulher nessa casa como todas as mães de família? Eu trabalho duro para dar boa vida para você e a nossa filha, o mínimo que espero ao chegar é ver a casa limpa, não esse chiqueiro! É ter comida pronta! Já não basta não poder te usar para saciar as minhas vontades? Ter mulher em casa e ter que usar outras pra aliviar? Ter mulher e ter que pagar marmita pra poder comer? Para que raios você serve? Está na hora de você aprender que eu sou seu dono, e você vive para me agradar, entendeu? A partir de hoje eu a castigarei por cada falha sua! Vamos contar! Agora vire-se de bruços e abaixe as calças, vai ter a sua primeira lição!

Aquelas palavras foram como socos no estômago de Sofia. Ela ficou olhando pra ele, acreditando que só podia ser uma brincadeira de mau gosto. Mas Fred a virou e empurrou, e ainda completou que se ela resistisse seria pior.

Dizendo isso tirou o cinto, que encontrou a bunda de Sofia 8 vezes, levantando a pele, que ardia.

Ela estava atônita, não podia acreditar que era seu Fred. Quem era esse homem com quem estava casada? E se deu conta, de fato ela não o conhecia muito bem.

Segurava os gritos para não acordar Bianca. As lágrimas rolavam desenfreadas e suplicava para que ele parasse, em vão.

Acabou de aplicar o corretivo na esposa, guardou o cinto como se nada tivesse acontecido.

— Venha aqui querida! Eu não gosto de fazer isso com você, mas você precisa colaborar ok? Me dê um abraço, já passou! Agora vai aproveitar que a bebê está dormindo, tome um bom banho, pois você está fedendo a queijo e prepare uma comidinha pro seu maridinho, que está faminto! Não se demore, pois preciso voltar ao trabalho! Quando eu voltar a noite te direi as regras da casa para que eu não precise mais te castigar!

Fred sentou no sofá e ligou a televisão.

Sofia trêmula, obedeceu. Tomou banho e foi preparar alguma coisa, ela ainda não sabia como agir ou o que pensar. Abriu a geladeira e os armários, estavam vazios! Se deu conta que Fred não veio almoçar a semana toda, e ela passou a semana comendo miojo. Sem opção, fez miojo para ele.

Fred quando viu o miojo ficou vermelho de raiva, lançou o prato na parede e levantou a mão para acertar Sofia, mas o choro de Bianca o impediu.

— Limpe essa bagunça! Vou tirar o dia de folga e vou ao mercado, quando eu voltar, conversamos! E faça essa menina calar a boca!

Bateu a porta.

Quando Sofia ouviu o motor do carro ligar, agachou no chão desesperada, não sabia o que fazer. Correu acalmar a filha, que mamou e voltou a dormir. E foi limpar a sujeira da cozinha.

Queria acreditar que o marido estava fora de si, possuído, qualquer coisa... Mas que ele não era assim! Se iludiu achando que quando ele retornasse, estaria mais calmo e pediria seu perdão...

Amor bruto

Fred entrou em casa com as compras do mercado, deixando no chão da cozinha.

— Sofia! Vem aqui!

Sofia parou na porta sem dizer uma palavra. Ainda estava dolorida para sentar, ficou de pé.

— Me escute com atenção, vou lhe dizer exatamente o que você tem que fazer e como tem que agir para não ser castigada! E nem preciso falar que o que acontece se falar para alguém de nossa vida conjugal não é?

E começou a listar coisas infinitas. Era muito para processar. Sofia olhava para Fred ainda sem acreditar que aquilo estava acontecendo. Basicamente ele pedia que ela fosse um robô escravo. E a lista de castigos por não cumprir algo a deixou horrorizada. Pensava em Bianca... Como ela iria crescer assim? Não podia permitir! Precisava descobrir alguma maneira, mas enquanto não conseguia, precisava seguir as regras...

Felizmente, ele saiu após ditar o seu “show” de horror. Sofia foi dormir com Bianca, precisava reunir forças.

No dia seguinte, levantou em silêncio e percebeu que Fred ainda não estava em casa. Como ele tinha feito questão de dizer, imaginou que devia estar se "aliviando" em algum puteiro.

Enquanto Bianca dormia, tratou de fazer como ele havia mandado. Limpou a casa, fez comida, cuidou da filha, tomou banho e vestiu sua camisola.

Quando ouviu o carro entrando na garagem, correu para a porta para recebê-lo.

Ele entrou, sorriu ao ver a esposa do jeito que tinha mandado. Deu um beijo em sua testa e sentou no sofá. Ela se ajoelhou e tirou seus sapatos e meias e massageou seus pés. Então se levantou sem abrir a boca e foi até a cozinha servir o marido. Fez dois pratos, como pedia o menu preso na geladeira. Um com salada e o outro com estrogonofe. Um copo e uma jarra de água gelada ao lado dos pratos e o chamou para comer. Fred se dirigiu à mesa satisfeito com o esforço da esposa, e tudo corria bem, até experimentar a comida que estava extremamente salgada. Quando ele se levantou largando o prato sem terminar, Sofia arregalou os olhos. Já sabia o que a aguardava.

— O que foi? Está ruim?

— Ruim? Isso está intragável! Você não faz nada direito mesmo! Coma!

Sofia levou a primeira garfada à boca, de fato, estava muito salgado.

— Me desculpe. Quer que eu faça outra coisa?

— Não, quero que aprenda a não jogar o meu dinheiro no lixo! Coma!

— Mas... eu...

Plaft!

— Cala a boca se não quiser outro tapa, e come! Vai comer a panela toda! Assim aprende!

Ele fazia questão de fazer Sofia se sentir um lixo, péssima esposa, pessoa mãe, péssima dona de casa, ela não fazia nada direito. O ataque diário do marido, fez com que ela mesma acreditasse nisso.

— Sofia, essa menina está fedendo, que péssima mãe!

— Sofia, essa chão está limpo? Se meu pé ficar sujo vou fazer lamber o chão!

— Sofia, preciso esfregar sua cara na roupa para que enxergue a mancha?

Com o tempo, o modo como ele a tratava foi piorando! Não se passava mais um dia, sem que ela recebesse um castigo, e a lista de insultos crescia descabidamente.

Fred além de tirano, era sádico.

Sofia estava visivelmente abatida física e emocionalmente com o rumo que tomou sua vida, mas seguia em frente, por Bianca, esperando o momento de sumir das garras do marido.

Sofia se esforçava para manter a pose perto da família, tinha medo das consequências caso descobrissem tudo, tinha medo que não acreditassem nela, ou pior, que apoiassem Fred. Dona Carmem era a típica mãe louca pelo filho, que não enxergava defeito algum nele, nunca! E seu Edson era tão doce, ela não queria ser a culpada por ele ter um infarto ou coisa parecida.

Estava sozinha nessa, teria que aguentar firme, por Bianca. E sonhava que um dia estaria livre vivendo feliz com a filha em algum lugar que não precisasse ter medo.

Mas quando estava sozinha, desabava. Ela era romântica, se guardou para o homem que seria seu marido, queria um lar, uma família, e realmente acreditou que tinha conseguido tudo isso, e por mais que Fred a maltratasse, ela deseja agradá-lo, amava seu marido, queria que tudo voltasse a ser como era antes.

Fred parecia cada vez mais insatisfeito com tudo, com o trabalho, com a esposa, com a filha. Chegou a um ponto em que ele esqueceu como era sorrir, e ele mesmo nunca soube o porque ser assim, foi bem criado e amado, era bem posicionado profissionalmente, a esposa era linda, a filha encantadora, ele as vezes falava para si mesmo, que iria tentar mudar, mas de repente, lá estava ele, naquele ciclo brutal e destruidor, e se odiava por sentir um certo prazer naquilo tudo, mesmo que não admitisse, humilhar a esposa, lhe dava uma sensação de poder que mexia com ele.

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