Natália levantou bem cedo, arrumou toda a casa. Lavou a roupa acumulada, estendeu tudo no varal, fez algumas compras e preparou o jantar. Sua mãe, Maria, entrou em casa sentindo o cheiro de lasanha na cozinha e notado que a casa estava brilhando.
— O que você quer, Natália? — Maria perguntou conhecendo a filha que tinha.
— Que isso, mãe! Achei que a senhora estava precisando ser mimada. Então dei uma ajudinha. — Natalia respondeu com um sorriso nervoso.
— Natalia, mulher! Tome rumo na vida. Mimar é uma massagem, cafuné ou chocolate. Já arrumar a casa, de tu não fez nada que a sua obrigação. — Maria falou indo direto para o banheiro. Estava cansada. Trabalhava o dia inteiro em uma padaria da pequena cidade onde moravam.
— Mãe! Vou colocar a comida para esquentar enquanto você toma banho e chamar os meninos para lavar as mãos. — Natália gritou antes de correr parar cozinha.
Tempos depois, já estavam todos muito bem sentados jantando. Todos falavam sobre o que fizeram durante o dia, apenas Natália se mantinha calada.
— Desembucha. O que tu aprontou, Natalia! — Maria disse já inquieta com a estranheza da filha.
— Passei na federal. — Natália disse sem graça.
— O quê? Porque você não disse antes!? Temos que comemorar. Caíque, vá comprar um refrigerante. Hoje é dia de comemorar. Parabéns, minha filha. Eu sabia que você era capaz. Eu te amo muito. Sabia que você só me daria orgulho — Maria tinha os olhos cheios de lágrimas. Enquanto abraçava sua filha. — A primeira da nossa família universitária! Aí meu deus! Não vejo a hora de contar para todos.
— Mamãe! Eu passei para moda! Na capital. — Natália disse. Maria soltou na mesma hora o abraço.
— Eu entendi errada? VOCÊ DISSE MODA NA CAPITAL, NATÁLIA? QUE DIABOS VOCÊ TEM NA CABEÇA? COMO VOCÊ VAI ESTUDAR NA CAPITAL? SABE QUANTO TEMPO É DE VIAGEM TODOS OS DIAS? O VALOR PARA ISSO, NATÁLIA? — Maria estava irritada. As duas já haviam tido essa mesma discussão, mas no fim, Natália havia prometido fazer pedagogia na cidade em que moravam.
— Eu... Vou morar lá. — Natália disse já ajoelhada no chão.
— Você vai morar onde? — Maria perguntou sem acreditar no que ouvia.
— Conversei com tia Júlia antes de fazer minha inscrição. Ela disse que poderia ficar na casa dela e trabalhar na agência de babás que ela administra. Meu curso é a noite. Posso trabalhar durante o dia para pagar os custos. — Natália já estava pronta. Tinha passado horas conversando com a tia para conseguir uma forma de fazer tudo funcionar.
— Crianças! O jantar acabou. Todas vão escovar o dentes e dormir. — Maria falou. Os filhos se levantaram e obedeceram a mãe. Sabiam que a coisa não ficaria boa para a irmã deles.
— Boa noite, meninos. — Natália se despediu.
— Boa sorte, irmã. Obrigado pela janta, a lasanha estava uma delícia. — Caíque disse beijando o rosto da irmã antes de sair da cozinha.
— Mamãe! — Natália se aproximou da mãe que estava de braços cruzados olhando para ela.
— Você se juntou com a sua tia, combinou tudo isso pelas minhas costas? Não fui eu que te ensinei isso. Tenho certeza. — Maria estava chateada. Não gostava nada da ideia da sua filha morar tão longe dela.
— Mamãezinha, você me ensinou a ser forte. Não desistir dos meus sonhos. Me disse que cada vez que uma porta se fechasse, eu mesma construísse outra saída. Foi o que fiz. Construi uma forma forma de realizar meu sonho. Por favor! Confia em mim. — Natalia disse segurando as mãos de sua mãe.
— Filha é a capital. Eu não estarei lá se você precisar de ajuda. Não posso te ajudar financeiramente também. — Maria não sabia o que fazer. Entendia o lado de Natália, mas como mãe, não era deixar a filha viver sozinha tão nova.
— Eu sei. E está tudo bem. Porque para se conquistar algo, você precisa estar disposta a abrir mão e se arriscar. Mãe, confia em mim. Não irei te decepcionar. — Natalia abraçou a mãe. Não podia ir embora sem a benção dela.
— Filha, você nunca iria me decepcionar, você é uma filha maravilhosa. Só não é fácil para uma mãe concordar com algo assim. Preferia que tivesse debatido comigo as opções antes. — Maria por mais que achasse perigoso a ideia, também não queria prender a filha a ela. Sabia que Natália tinha um potencial que merecia ser desenvolvido.
— Vem cá! Senta e vou te contar todos os detalhes para que se sinta ainda mais confortável com minha mudança. — Natália sorria.
Depois de muitas perguntas e respostas, quase uma noite inteira conversando sobre o seu plano. Por fim, Maria concordou, mas colocou diversas regras. Mesmo que não estivesse mais morando com ela, continuava sendo sua filha e não queria que Natália perdesse a linha.
Uma semana se passou voando, com ajuda da sua mãe, Natália comprou algumas roupas para sua nova etapa. Na despedida, chorou até subir no ônibus. A partida era necessária, mas dolorosa.
— Mamãe! Meninos! Eu vou sentir muita falta de vocês. Eu amo vocês. Juro que vou conquistar todos os meus sonhos e levar vocês para morarem na capital comigo. Eu prometo. — Natália gritou da janela do ônibus. Olhando para sua mãe e seus três irmãos que abraçados acenavam para ela. — Cuidem da mamãe por mim!
Natália teve grande dificuldade para se acostumar à rotina de sua tia, que era totalmente diferente daquela que conviveu por anos com sua mãe, mas não tinha escolha, não podia causar problema. Não apenas isso, até mesmo o modo de vida da capital era diferente do que era habituada.
— Hoje é seu primeiro dia de aula, né? Cuidado com o horário. Lembre dos engarrafamentos. Devo dormir na casa do boy hoje. Feche bem as portas e me ligue se precisar. Tenho certeza que estarei acordada. — Júlia, tia de Natália, disse tomando só um café e saindo porta fora.
— Se minha mãe sonha que estou dormindo sozinha, capaz dela vir tirar casa pedaço de pele da tia Júlia. — Natalia falou em voz alta antes de começar a cuidar da casa. Como não haviam aparecido vagas na empresa da tia, Natália estava responsável por cuidar da casa.
Levou quase o dia todo para arrumar a casa. Por fim, chegou a hora de ir para aula. Natália saiu de casa quase duas horas antes, mas acabou pegando o engarrafamento enorme. Com medo de chegar atrasado na aula, desceu para ir a pé o resto do trajeto. O que ela não esperava era esbarrar em um senhor ao virar a esquina.
— Me desculpe! Você está bem? — O senhor perguntou estendendo a mão.
— Ah! É... Estou — Natália olhava confusa. Ao se levantar, sente o tornozelo.
— Tem certeza? Parece ter machucado o joelho. Posso te deixar em casa se quiser. — O homem usava terno, tinha cabelos pretos e um sorriso de tirar o fôlego.
— Papai! — Uma crianças gritou vindo de longe puxando uma bela mulher.
— Estou bem. Obrigada pela preocupação. — Natália disse sem graça ao perceber que o marido de outra pessoa chamou sua atenção. Já estava pensando como poderia se confessar.
— Senhorita! — O homem gritou segurando um caderno que havia caído da bolsa de Natália, mas já era tarde, ela já havia sumido de vista.
Depois de todos os contratempos daquele dia, Natália ainda conseguiu chegar no horário na faculdade. Teve alguns problemas para voltar para casa por conta do horário, mas assim que chegou se jogou na cama e enviou uma mensagem para sua mãe.
Natália: "Foi incrível, mãe. Não parece real! Eu sou mesmo uma estudante de moda! Te amo. Estou com saudades."
Maria: "Comeu alguma coisa? Tomou banho para dormir? Não esqueça de escovar os dentes e não durma de janela aberta. Se cuide, minha menina. Estou orando por você."
Natália estava tão cansada, que apenas comeu uma banana, tomou banho e se jogou na cama depois de trocar algumas mensagens com sua mãe. Era uma das regras. Contato diário. Nem que fosse apenas uma mensagem. Natália preferia contar como foi seu dia e descobrir o da sua mãe. Era sua forma de matar a saudade, além de manter ela por perto.
Os dias de Natália passaram voando. Quando se deu conta já estava no final do semestre. Totalmente habituada com a rotina da capital e de sua tia. Além de ter feito diversos amigos na faculdade e está desfrutando como pode da sua graduação.
— Natália, espera! Preciso falar com você. — Júlia disse ao ver Natália sair do banho.
— Oi, tia. Aconteceu alguma coisa? — Natália perguntou preocupada. Às vezes até esquecia que morava com a tia, a maior parte do tempo estava sozinha.
— Surgiu uma vaga na empresa para cuidar de três crianças. É um viúvo gatíssimo e super rico. As crianças são umas pestes, mas paga super bem. Precisamos de alguém jovem para eles. Vamos dizer que as babás mais velhas não conseguem ter pique para cuidar daqueles três. O que acha? Quer tentar? — Julia explicou a sobrinha.
— Sério? Não terá problema eu não ter experiência? Um homem tão rico não deve querer deixar seus filhos nas mãos de uma inexperiente como eu. — Natália disse fazendo careta.
— Você? Inexperiente? Natália, mulher, tu criou praticamente os seus irmãos enquanto sua mãe trabalhava para manter a casa. E também eram três. Você tem experiência como ninguém. Tenho certeza que dará conta. E esse cliente não é do tipo que pergunta muito, também não pede experiência. Ele exige apenas que tenham ensino médio, consigam ajudar nas atividades das crianças, tenha noção básica de primeiros socorros e seja boa em seguir regras. Ou seja, você é perfeita. A única adolescente que não mora com a mãe, mas segue todas as regras dela, mesmo sabendo que ela não vai saber nunca se quebrar. Essa vaga nasceu para você. — Julia explicou respondeu.
— Se você diz, vou adorar tentar, tia. Onde eu preciso ir? — Natália estava animada. Sentia falta de ter algum dinheiro para conseguir sair com seus amigos.
— Vou mandar as informações para seu celular. A entrevista é amanhã a tarde. Não se atrase. Ele não permite atrasos. — Julia frisou.
— Combinado. Vou chegar cedo para não ter nem risco. E tia, sobre seguir as regras da minha mãe, eu faço isso não por medo dela descobrir, mas por ela confiar em mim. Só tenho essa confiança, se eu fizer por onde. Além do mais, ela tem muitos problemas para eu me tornar nessa idade mais um. Já basta os meninos tirando o juízo dela. — Natália respondeu com um sorriso. Sua tia vinha alfinetando em relação às regras há algum tempo.
— A função dos pais é se preocuparem. Apenas acho que você deveria aproveitar um poucos mais sua vida e não ser tão certinha. Quando estiver mais velha, não poderá aprontar. — Júlia disse batendo na cabeça da sua sobrinha devagar com o jornal — É só uma dica. Exija menos de você. Ninguém é perfeito.
— Obrigada, tia! Pensarei com cuidado no que disse. — Natália falou e Julia teve uma crise de riso.
— Acho que você é um caso perdido, minha irmã te criou muito bem. Que tal uma caipirinha para comemorar sua primeira entrevista? — Júlia sugeriu.
— Mas... — Natália ia negar, mas a tia foi mais rápida.
— Sem desculpas. Vai beber comigo! Vamos. — Júlia disse puxando Natália para a cozinha.
Não demorou muito, em poucos copos, Natália que nunca havia bebido antes, já estava completamente bêbada.
Natália acordou com seu telefone tocando, levantou desnorteada tropeçando em tudo, até perceber que era apenas o alarme. Olhar para o telefone aumentou ainda mais a dor de cabeça que ela sentia por conta da ressaca, a luz estava incomodando como nunca na vida.
— Aí Meu Deus! Estou atrasada para entrevista! — Natália gritou ao ver a hora.
Sem piscar, correu para o banheiro, tomou um banho mega rápido. Colocou uma calça jeans, uma blusa de renda branca, jogou jaqueta de couro preta por cima e saiu correndo de casa. Queria pedir um Uber, mas só tinha dois reais na carteira e uma conta do banco zerada.
Por sorte, não houve engarrafamento. Na hora que estava entrando na cafeteria que a tia havia indicado para ela, Natália acaba dando de frente com três crianças brigando na área kids do lugar. Eram dois meninos e uma menina, a garota chorava muito, a ponto de ecoar na cafeteria, enquanto os outros dois se batiam como se estivessem em um ringue. A monitora tentava intervir, mas era totalmente ignorada. O caos estava reinando.
— Eu entendo a frustração de vocês , mas assim nenhum de vocês vai conseguir se divertir. — Natália disse se agachado próximo as crianças, tentando acalmar os ânimos — Sabia que é bem mais divertido a brincadeira se todos participarem? Vocês conhecem a brincadeira pedra, papel e tesoura?
— Não! — As três crianças responderam juntas curiosas como funcionava a brincadeira.
— É fácil. Assim é o papel, o papel ganha da pedra e perde da tesoura. Já a tesoura ganha do papel e perde para pedra. Entenderam? Então, cada um coloca uma dessas formas e quem ganhar é o próximo. — Natália explicou mostrando com a mão como fazia cada um dos elementos.
— Muito difícil. — A menina disse fazendo os formatos ensinados por Natália com a mão.
— Então, que tal isso? — Natália disse tirando um dado de dentro da bolsa. — Cada um joga, quem for tirando o número maior ganha.. Vamos tentar?
— Certo! — Um dos meninos disse jogando o dado.
Rapidamente eles entenderam como funcionava a brincadeira, em vez de brincar com o escorrego ou voltar para guerra, começaram a brincar com o dado.
— Você é uma encantadora de crianças? Esses três só vivem para brigar e destruir tudo. Não sei como você conseguiu isso, mas agradeço. — A monitora que cuidava do espaço kids agradeceu.
— Não mesmo, mas acho que cuidar dos meus irmãos mais novos me fizeram aprender alguns macetes para conseguir ligar com o furacão que pode ser uma criança. — Natália explicou.
— Leila, obrigado por ficar com eles, mas acabei de receber uma mensagem urgente do trabalho, tenho que levar eles comigo. — Ulisses, pai das crianças disse se aproximando da área kids — Que surpreende. Eles estão quietos brincando sem destruir nada, será que preciso levar eles para o médico? Eles tossiram?
— Ah! sobre isso, também fiquei surpresa. Nunca tinha visto eles tão calmos, mas não fui eu que consegui essa façanha, foi essa garota aqui. Ela viu o caos se formando e decidiu interferir. Pensei que eles atacariam ela, mas pelo contrário, ouviram e até brincaram. — Leila, a monitora explicou.
— Meus filhos? — Ulisses estava surpreso. As crianças não costumavam sequer retribuir qualquer contato que alguém fizesse. Nenhuma babá aguentava na casa deles dois, por os três sempre ignorarem totalmente a existência de quem fosse.
— Foi o que mais me deixou surpreso, normalmente eles não respondem ninguém, mas na hora que ela chegou, eles prestaram atenção nela. Deve ser intervenção divina! Não tem outra explicação. — Leila brincou. Nunca tinham conseguido acabar com uma briga daqueles três.
— Fico lisonjeada, mas foi apenas sorte. Não tenho nada disso, na verdade, as crianças pareceram bem comunicativas na verdade. — Natália explicou um pouco envergonhada com os elogios.
— Não, você não conhece esses três, eles sequer me ouvem, quanto mais uma desconhecida. De qualquer forma, qual seu nome? — Ulisses perguntou.
— Ah! Entendi. Eu me chamo Natália. — Natália respondeu um pouco confusa com a situação. Só então olhou para o relógio da cateria e percebeu que já está a atrasada uma hora. Depois do que a tia dela havia dito, era certo que ela tinha perdido aquela oportunidade pela falta de pontualidade.
— Você tem mais de dezoito anos? — Ulisses questionou, tanto a monitora como Natália olharam confusas para o homem.
— Sim, eu tenho 18 anos. Se me der licença, estou um pouco atrasada. Tenho um compromisso. Pode ficar com o dado para vocês. Espero que não briguem mais. — Natália alertou os garotos que sorriram para ela animados com a carícia que receberam na cabeça.
Natália acenou para todos e estava se afastando quando Ulisses segurou a mão dela, fazendo ela voltar o olhar para ele novamente.
— Algo mais, senhor? — Natalia perguntou confusa. Toda a cafeteira estava olhando para eles dois.
— Não posso te deixar ir. Seria inaceitável para mim não te levar para minha casa. — Ulisses gritou. A cafeteria inteira voltou a atenção para eles dois.
— Quê!!! Tem crianças aqui, sabia? Como você fala algo assim dessa forma! E o que o senhor pensa que eu sou para ter esse tipo de intimidade. Quer que eu chame a polícia? — Natália não podia acreditar no que estava ouvindo. Que tipo de pessoa age dessa forma na frente de seus filhos?
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