Prólogo
GABRIELA DE NÓBREGA BRYANT
Eu deveria saber que aquele acordo seria a minha ruína. Um atestado de sofrimento e feridas assinado voluntariamente contra eu mesma. Mas a ignorância da idade e meu altruísmo em má hora me fizeram crer que aquele casamento não me afetaria em nada. Não tinha calculado os desvios, contornos e sentimentos inesperados, que surgiriam no caminho. Os pormenores insignificantes de outrora. Mas que com a convivência eles se voltariam significativos. E pior, me fariam chorar... por ele.
Não tinha avaliado nada, apenas foquei em um bem maior.
Minha filha e ele.
Não eu.
Nunca eu.
Naqueles dias neutros não havia muito de mim para levar em conta, talvez por pura negligência minha mesmo, e por isso esqueci-me de refletir sobre o mais importante.
E o amanhã? Meu futuro? Como seria quando aquela tormenta passasse e minha vida estivesse de volta nos trilhos? Eu ainda iria me anular? Me manteria à margem de meus desejos e anseios, ignorando-os como fazia naqueles dias turbulentos?
Nada, exatamente nada, dura para sempre.
Tudo é mutável, o tempo faz isso.
O que não é bom hoje poderá ser amanhã e vice-versa. As mudanças são autônomas e apenas cessam com o silêncio mortal do coração.
Minhas perguntas e respostas vieram um pouco tarde, confesso. Contudo, eu ainda estava firme, de pé e tinha uma vida toda pela frente. Sem ele. Entretanto, eu nunca o tive de verdade então, não havia lamentações de perdas ilusórias.
Não se perde o que nunca se teve.
Agora meu pacote me incluía. E ante todos os dissabores enfrentados no decorrer de quase quatro longos anos de casamento, eu sabia exatamente o que fazer.
Minha decisão estava tomada.
Só faltava meu coração entender que àquela era a decisão acertada para nós dois.
TY BRYANT
"Não espere perder o quê tem em mãos para perceber o quanto àquilo é importante para você, Ty. O tempo é bom, filho, cura muitas feridas e traz sabedoria ao homem disposto a aprender, mas nem sempre ele é um amigo".
Este sempre foi o conselho do meu pai para mim desde que eu me entendi por gente, enfatizado, principalmente, quando decidi que atuar era o que eu queria fazer em minha vida e passei a ser conhecido mundialmente, após meu trabalho em Looser. Era um conselho sábio e, por isso, sempre tentei aplicá-lo em todos os âmbitos de minha vida, exceto um. O mais importante. Àquele que um dia me faria desejar retroceder no tempo e refazer cada passo para não machucá-la. Que me faria amaldiçoar a mim mesmo por não perceber o que eu tinha em mãos e, sobretudo, me faria largar tudo pelo que lutei e construí sem nem sequer piscar somente para ter uma única chance.
Em vez de abrir meus olhos e enxergar o que estava na minha frente, eu os fechei, ferindo-a gratuitamente com minha ignorância.
E agora, eu ansiava desesperado pela chance de fazê-la minha...
... de ser o seu homem de verdade.
O único que a faria feliz. Que era comigo com quem ela envelheceria. Que eu, somente eu, era merecedor de seus sorrisos, de seus sonhos e de seu prazer.
Unicamente precisava fazer Gabriela entender isso.
Deixá-la ir sem lutar antes não era uma opção.
Agora, tarde ou não, eu iria atrás da chance que sempre esperei. Custe o que custar, eu provaria que nosso enlace não era um Casamento Arranjado. Era mais, era real. Tão real como o sol que nasce todas as manhãs no horizonte.
Gabriela seria minha assim como eu era dela...
... de corpo, mente, alma e coração.
Não havia lugar para mim.
— Venha, querida, — Cora disse, pisando em minha direção com um sorriso largo quando entrei na cozinha. — Daniel foi abrir a porta para o fotógrafo. Ariel e Ty já estão na sala e só falta você.
— Eu acho melhor não, dona Cora — me desvencilhei de sua mão. — Não estou vestida apropriadamente e não quero fazê-los esperar por minha causa. Acho...
— Oras, deixe de bobagem, menina! Está linda assim.
— Eu...
— Serão só quatro fotinhas.
— É melhor não. Não quero estragar o momento da família.
Ela cessou sua tentativa de me arrastar, o semblante sério fez-me arrepender de minhas palavras mal escolhidas.
— Primeiro, você, minha querida, faz parte da família. É uma Bryant, mesmo não possuindo nosso sobrenome. Já falamos sobre isso, não? Segundo, quando deixará de me tratar de dona e começará a me tratar por você? Sei de minha idade, mas não precisa me lembrar dela todo o momento, principalmente, na frente de Daniel.
— Desculpe, eu...
Envergonhada não sabia o que dizer.
— Estou brincando, querida. Apenas me trate por você, sim?
Em silêncio, olhei para ela pensando em como negar seu pedido, porém, no fim, tive de ceder ante seu olhar pedinte e sempre tão amável.
— Tudo bem... Cora.
O sorriso cresceu em seu rosto.
— Ótimo! Agora vamos às fotos. — Seu braço se embrenhou no meu então, ela nos encaminhou para a sala enquanto me falava. — Sabe que estes cartões já são uma tradição em nossa família? Antigamente, quando as crianças eram pequenas e vivíamos todos próximos, costumávamos a nos reunir e tirar a foto de toda a família. Não cabia de gente, mas ficava lindo. Com a loucura de hoje, isso ficou um pouco mais difícil.
— Sinto muito.
— Oh, não sinta! Isto é o que Ty quer. E, bem, se ele tem talento e há uma oportunidade de fazer dar certo, por que não apoiá-lo? Somos uma família e apoiamos uns aos outros. Se isso o faz feliz e a nós também no processo então, por que sentir?
— Tem razão.
Sem esperar, ela continuou:
— Não entramos nesta jornada às cegas, sabíamos o que iríamos enfrentar, porém optamos por apoiar nosso filho e enfrentar o que viesse. Quando tiver os próprios entenderá os sacrifícios que fazemos pelas nossas crias... E, bem, estamos aqui e felizes por ele estar realizando seu sonho, que é atuar e ter seu trabalho reconhecido.
— Não sente falta da privacidade?
— Ah, mas nós temos privacidade, apesar de não parecer. Ty sempre foi muito cuidadoso e pés no chão desde que tudo se iniciou, e nós também fazemos a nossa parte para nos manter a salvos, embora nem sempre seja possível. — Seus ombros se encolheram. — Este é o mal da profissão dele... Ele está feliz, nós também estamos.
Sorri comedida, e então, chegamos à sala.
Um tipo alto aparentando ter certa idade estava sentado no sofá conversando com o Sr. Bryant e seu filho enquanto Ariel, sentada na poltrona do canto, olhava-os com tédio, tamborilando os dedos no braço da poltrona. Dona Cora me soltou e foi até eles.
— Ei! Quase criei raízes aqui. — Ariel saltou em pé e veio até mim enquanto eu sorria sem graça por seu escândalo atrair as cabeças na minha direção. Ela me entregou um gorro vermelho. — Tome. — Enfiou na própria cabeça o que ela tinha nas mãos. — Ponha o seu, também — orquestrou quando fiquei encarando a peça em minhas mãos sem saber o que fazer. — A foto com gorro é tradição. Mamãe não te disse?
— Sim, eu... — pausei, levando meus olhos para frente e vi todos com gorros em suas cabeças então, decidi não ser a empata-foto.
— Se Kevin pudesse te ver agora, ele gozaria nas calças... O quê? Vai dizer que não percebeu que ele só falta babar como um cão faminto quando você passa?
— Não sei do que está falando.
Kevin era um amigo em comum, que sim, arrastava uma asa para mim.
Mas, francamente, não havia a mínima possibilidade de rolar algo.
— Pra quem tem 18 anos até que você é bem lerdinha, hein?
— E você bem abusada.
— Realista, minha cara. Realista.
Sacudi a cabeça, abstendo-me de qualquer resposta. Entrar numa discussão com Ariel era o mesmo que pedir a paz mundial. No final, morreria de cansaço.
Era uma mula mesmo!
— Vocês vão ficar cochichando o dia todo? — Seu irmão, o astro hollywoodiano da casa, chamou nossa atenção, com seu costumeiro tom implicante.
Ariel correu para perto de sua família, e eu me limitei a olhá-los enquanto mais uma discussão boba entre irmãos estava prestes a explodir, como sempre.
— Estou bonita, pai?
— Uma princesa! — O Sr. Bryant gracejou, colocando o braço ao redor dela.
— Eu sei.
— Convencida. — Ty cutucou.
Ariel olhou com desdém. — Só porque você está com ciúmes por eu ter herdado todos os genes de beleza da família — respondeu, cheia de si.
— Diga isso as minhas fãs.
— Elas não contam, bobão. São cegas pela ilusão.
— Suas amigas também?
Contive minha vontade de colocar os olhos em brancos.
— Mãe, olha o Ty me descabelando!
— Bebezinha da mamãe — zombou, apertando suas bochechas da forma que ela odiava e a faria soltar uns bons palavrões.
— Pelo menos não fui achada no lixo, adotado.
— Sua pirralhinha de...
— Chega! — Dona Cora bradou num tom que ninguém ousava a dar um pio, nem mesmo o Sr. Bryant. — Vocês dois parem já com isso. Santo Deus, parecem que tem 5 anos. — Olhou para o fotógrafo. — Perdoe-me pela traquinagem desses dois, Hudson. Como vê, estão crescidos, ainda assim se comportam como crianças.
O homem sorriu gentil.
Cora olhou ao redor. — Todos calmos e bonitos para tirar as fotos?
Um coral de vozes animadas ecoou com um sonoro “sim”.
O espetáculo havia acabado.
Hora das fotos!
E eu não sabia o que fazer, nem onde me encaixar no meio de toda aquela felicidade e amor intensificados pelo clima natalino.
— Ótimo! Podemos começar então — demandou a matriarca.
Todos tomaram seus lugares na frente da lareira decorada.
E eu só pensei em como faria para fugir dali sem parecer grosseira, mas antes que o pensamento se firmasse em minha cabeça, dona Cora falou novamente.
— Gabriela, querida, se aproxime e fique ao lado de Ty.
Eu quase gemi com suas palavras. Não por causa de seu filho. Ty, para mim, não fedia nem cheirava, embora ele me cutucasse, às vezes, com indiretas irônicas, que eu fazia questão de abstrair e fingir demência.
— Venha, Gabriela. Eu não mordo — ele zombou.
Tentei não fazer uma careta e, relutante, fui para o lado dele. E, no outro instante, o olhei espantada ao sentir sua mão em minha cintura.
— Vamos acabar logo com isso — resmungou.
Ele não fez caso da minha reação, olhou para frente e os flashes começaram...
— Você tá pronta pra ir?
A voz indiferente, soando da porta do quarto de Violet, me puxou de minhas memórias.
Sacudi a cabeça e fechei o zíper da bolsa-mala, que sempre levava quando saíamos com Violet por um tempo relativamente longo.
— Então?
Lancei meu olhar para ele, flagrando seus olhos em mim de uma forma...
diferente, não sei. Não tive tempo para decifrar, nem mesmo para ter certeza se o que vi era real, pois eles rapidamente se voltaram como sempre estavam: isentos de calor.
— Estou pronta.
— Já coloquei os presentes no carro e meus pais ligaram, também. Só falta nós três. — Entrou no quarto e apontou para bolsa-mala. –– Quer que coloque no carro?
— Obrigada. Eu levo.
Ty se aproximou do berço, e eu me afastei enquanto ele tomava nossa filha de três anos nos braços. — Meu Deus, como minha princesa está linda! Quase me dói o coração, querida, de tão linda que você está. — Encheu-a de beijos enquanto ela ria.
— Vou pegar minha bolsa e encontro vocês no carro — murmurei seca, engolindo minha irritação e a decepção súbita e, em seguida, deixei o quarto.
Não deveria sentir-me zangada, muito menos ciumenta da minha filha por não ter ouvido um elogio dele, mesmo que fosse um "ei, você está legal". Deveria estar acostumada a sua falta de tato comigo, afinal de contas, desde que me descobri grávida tinha sido assim. Mas, droga, um elogio não mataria, nem cairia sua língua.
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