Capítulo 1
O carro do noivo estava parado bem em frente à escola onde Sol dava aula.
“Ué, o que será que o Alberto está fazendo aqui?”, ela se perguntou ao sair do prédio. Caminhou depressa até o veículo e bateu no vidro. Ele abaixou rapidamente.
— O que faz aqui, meu amor? — perguntou, surpresa.
Eles estavam juntos há quatro anos, e faltavam menos de dois meses para o casamento.
Alberto respirou fundo antes de responder:
— Precisamos conversar. Entre no carro, Mirassol.
Ela estranhou o tom de voz. Ele nunca a chamava pelo nome completo, apenas de “Sol”. Aquilo não era um bom sinal. Tentou lembrar se tinha feito algo errado, mas nada lhe veio à mente. Entrou no carro, e ele deu partida sem dizer mais nada.
O silêncio no trajeto foi sufocante. Sol observava a expressão dele — séria, distante — e o coração apertava a cada segundo.
Alberto parou o carro em frente à casa que haviam comprado juntos.
— Vamos conversar lá dentro. — A voz dele era firme, quase fria.
Sem esperar resposta, ele desceu e entrou. Sol o seguiu em silêncio, com um nó na garganta. Dentro da sala, ele apontou para a poltrona.
— Sente-se, Mirassol. Essa conversa não vai ser fácil.
— Eu fiz alguma coisa que te deixou com raiva, Alberto? — perguntou, ajeitando os óculos.
— Você não... mas eu sim. — Ele desviou o olhar.
— O que está acontecendo? O que é tão grave que você teve que me trazer até aqui? — a voz dela vacilou.
Nos últimos dias, ela havia notado que ele estava diferente, mais distante, mas achou que fosse apenas o estresse dos preparativos do casamento.
— Mirassol... eu quero terminar.
Ela o encarou, atônita, sem acreditar no que ouvira.
— Espera... você disse que quer terminar? É isso mesmo que eu ouvi?
— Sim. Eu não quero mais te enganar. — Ele começou a andar de um lado para o outro. — Eu preciso te contar antes que outra pessoa conte.
— Contar o quê, Alberto? — o coração dela batia acelerado.
Ele respirou fundo, envergonhado.
— Eu te traí com uma colega do escritório... e agora ela...
— Está grávida. — Sol completou, sentindo o rosto queimar. O chão pareceu sumir debaixo de seus pés.
— Sim. Eu sinto muito. Eu fui um canalha, eu... — tentou se justificar.
Ela se levantou devagar.
— Bom, você já disse o que precisava. Eu vou embora.
Quando ela passou por ele, Alberto segurou seu braço.
— Não vai brigar comigo? Xingar? Me bater?
— Não. — Ela se livrou da mão dele com calma. — Você fez a sua escolha. Agora fique com a sua grávida. Vou pedir para o advogado resolver tudo o que compramos juntos. E, por favor, não me dirija mais a palavra.
— Sol, eu...
— Não me chame de Sol. Você perdeu esse direito quando saiu com aquela mulher. — Sua voz era firme, mas seus olhos começavam a marejar. — Adeus, Alberto. Espero que seja feliz.
— Espere, Mirassol!
— Esperar o quê? — ela se virou. — Não há mais nada a dizer. Acabou. E ponto final.
Sol saiu da casa de cabeça erguida, sem olhar para trás.
Chamou um táxi e, assim que entrou, deixou que as lágrimas finalmente caíssem.
Nunca imaginou que ele pudesse fazer aquilo com ela.
Capítulo 2
Sete anos depois
— Como assim, mãe? O casamento da Laisa? — Sol arregalou os olhos, achando ter ouvido errado.
— Isso mesmo que você escutou, Mirassol. Sua irmã caçula vai se casar daqui a exatamente três meses. E nada de inventar desculpas, ouviu bem? — Dona Carmelita respondeu com firmeza.
Ela conhecia a filha. Se não pressionasse, Sol arrumaria um motivo para não ir de jeito nenhum.
— Ok, vou tentar ir. Estou com muito trabalho na escola, mas prometo que vou tentar. — Sol respondeu, sabendo que, se não dissesse o que a mãe queria ouvir, ela seria capaz de aparecer na sua porta só pra puxar sua orelha.
— Por favor, filha, faça um esforço. Você está tão longe… Eu morro de saudade. Se não vier pela sua irmã, venha por mim — a mãe implorou com doçura. — E não se esqueça: eu te amo muito. Se eu pudesse voltar ao passado, nunca teria deixado aquilo acontecer com você.
O tom triste na voz de Dona Carmelita a fez suspirar. Sete anos se passaram desde o rompimento com Alberto, mas a ferida ainda existia.
— Eu sei, mãe… Mas o passado não dá pra mudar. Eu também te amo. Vou me esforçar pra ir ao casamento da Laisa, eu prometo. Tchau.
— Tchau, minha querida. E me liga de vez em quando! Quero saber se está bem.
— Pode deixar, mãe. Tchau.
Sol desligou o celular e se jogou na cama, cobrindo o rosto com o travesseiro.
— Não pode ser... Minha irmã mais nova vai se casar! — murmurou, meio rindo, meio incrédula. — Ela acabou de fazer dezoito anos!
Logo imaginou a tia Sônia dizendo com aquela voz irritante:
“Tá vendo, Mirassol? A Laisa já vai casar, e você aí, solteirona!”
Sol pegou o travesseiro e enfiou no rosto, soltando um grito abafado — um grito de raiva e alívio ao mesmo tempo.
Sete anos ouvindo piadinhas nas festas de família, sete anos sendo “a que ficou pra titia”. Enquanto os outros exibiam filhos, maridos e carreiras, ela levava uma vida tranquila — e solitária — na pequena cidade de Riacho Rosa.
O celular tocou de novo. Sol pegou o aparelho e viu o nome da amiga piscando na tela.
Greasy Hana.
— Oi, Grazy! Tá com algum problema? — perguntou rindo.
— Minha nossa! Até parece que eu só te procuro quando tô com problema! — reclamou a amiga, bufando do outro lado.
Sol gargalhou. Grazy era uma ótima pessoa, mas juízo não era exatamente o ponto forte dela.
— Tá bom, desculpa! O que houve?
— Nada, eu só quero te chamar pra sair hoje.
— Hoje? — Sol arqueou a sobrancelha. — Grazy, é quarta-feira! Amanhã eu tenho que levantar cedo pra dar aula.
— Ah, para, Sol! — insistiu a amiga. — O Breno tá aqui em casa e trouxe um amigo. Ele quer conhecer um pouco da vida noturna da cidade.
Sol lembrou de Breno, o irmão de Grazy. Lindo, simpático… e metido. Um verdadeiro mauricinho.
Se o amigo dele estava com eles, provavelmente era bonito também — Grazy nunca chamava Sol pra sair quando o convidado não valia a pena.
— Tá bom, eu vou — cedeu, rindo. — Mas fala pro seu irmão não me deixar segurando vela, igual da última vez.
Ela lembrou da cena: Grazy sumindo com o namorado, Breno desaparecendo, e ela… sentada num canto, bebendo sozinha até a madrugada.
— Ah, eu prometo! — disse Grazy, rindo. — O Breno não vai sumir dessa vez, juro!
Sol suspirou, já se arrependendo de ter aceitado.
— Assim espero. Vou me arrumar e te encontro lá no barzinho.
— Perfeito! Te adoro, amiga! Beijos! — E desligou antes que Sol respondesse.
Sol riu sozinha.
— O que eu não faço por você, sua doida…
Levantou-se e foi até o espelho.
Ajeitou os cachos, ainda um pouco rebeldes, e suspirou.
Grazy e Breno eram filhos de um brasileiro com uma sul-coreana — uma mistura que deu certo. Ambos tinham olhos verdes intensos herdados do pai, e Sol achava os dois simplesmente lindos.
Mal sabia ela que aquela noite mudaria mais do que apenas sua rotina pacata em Riacho Rosa.
Capítulo 3
Sol se olhou no espelho e suspirou.
— Bem… não tem muito o que fazer — murmurou.
Ela não se achava feia, mas também não se considerava uma musa de novela. E, sem os óculos, mal conseguia distinguir a própria sombra. Passou uma maquiagem leve, fez uma trança nos longos cabelos cacheados e vestiu um jeans básico com uma blusa branca. Olhou o resultado final e deu um sorriso satisfeito.
— Pronto. No máximo, pareço uma professora que saiu de casa por engano — brincou, rindo sozinha.
Pegou a bolsa, saiu e subiu na moto. O motor roncou e ela acelerou pelas ruas iluminadas de Riacho Rosa.
Antes mesmo de chegar ao barzinho, já avistou o grupo. E, misericórdia... Breno estava ainda mais bonito do que da última vez que o vira. E o amigo dele? Bonito também. Bonito de um jeito perigoso, daqueles que fazem a gente esquecer o próprio nome.
Sol estacionou, tirou o capacete e respirou fundo.
“Vamos lá, mulher. Só um encontro inocente com amigos... e possíveis tentações.”
Aproximou-se e acenou.
— Boa noite!
— Oie, Sol! — exclamou Grazy, radiante. — Deixa eu te apresentar: esse é o Alison Barreto, amigo do meu irmão.
— Prazer, Alison — disse Sol, estendendo a mão com um sorriso. — Tudo bem?
— Tudo ótimo. O prazer é meu, ouvi falar muito de você — respondeu ele, simpático.
Sol arqueou uma sobrancelha.
— Espero que só coisas boas.
— Claro! — Ele riu. — A Grazy falou que você é a melhor professora da cidade.
Sol sorriu, meio sem graça, e notou Breno encostado na cadeira, vidrado no celular, como se o resto do mundo não existisse.
— Oi, Breno. Tudo bem? — perguntou, tentando puxar assunto.
Ele levantou uma das mãos, num cumprimento automático, sem nem olhar pra ela.
Grazy revirou os olhos e sussurrou no ouvido da amiga:
— Nem liga. Ele tá enrolado com uma moça da cidade. Tá tentando dar um fora nela faz dias.
Sol deu de ombros.
— Já estou acostumada. Ele sempre me trata assim mesmo.
— Então tá — disse Grazy, animada —, quero sentar bem pertinho dele, tá? Só se você não se importar.
— Não me importo... mas essa vai pra conta — respondeu Sol, rindo.
Grazy fez uma careta divertida. Sabia que a amiga cobraria o favor mais cedo ou mais tarde — e com juros.
Eles se sentaram. Sol puxou a cadeira e ficou ao lado de Breno, enquanto Grazy, toda empolgada, já ria das piadas do amigo.
— Faz tempo que não vem pra cidade, né? — perguntou Sol, tentando quebrar o gelo.
— Faz sim. Tenho trabalhado muito. A empresa cresceu, e o serviço triplicou. — Ele respondeu sem levantar os olhos do celular.
Sol mordeu o lábio. “Uau, que simpatia”, pensou.
Mas, de repente, Breno parou de digitar. Os olhos verdes se arregalaram e, num movimento rápido, ele largou o celular na mesa. Sol o encarou, confusa.
— Que foi?
Sem responder, ele simplesmente a segurou pelo rosto e beijou.
Sol ficou paralisada. O mundo parou. A música do bar sumiu. O tempo desacelerou. E ela só conseguiu pensar:
“O que tá acontecendo?!”
Quando ela finalmente piscou, o beijo já tinha acabado.
— O que foi isso, Breno?! — ela perguntou, com o rosto em chamas.
Grazy e Alison olhavam, boquiabertos.
— A... a Fabiana tava aqui — gaguejou ele. — Eu tentei terminar com ela, mas ela não aceita. Disse que vinha me procurar, e eu falei que tava com a minha namorada. Quando a vi chegando, entrei em pânico... e... bom, te beijei pra ela acreditar.
Sol arregalou os olhos.
— Você podia ter me avisado, né? Eu quase morri do coração!
Ela tentava manter a compostura, mas sentia o rosto queimando mais que churrasqueira em domingo.
— Desculpa, eu não tive tempo pra pensar! — disse ele, envergonhado. — Prometo que não vai acontecer de novo.
— Ótimo — respondeu, respirando fundo. — Mas você me deve essa, tá ouvindo, Breno Hana Santos? E eu cobro caro!
Breno riu, aliviado.
— Tudo bem, eu pago. Quer uma rodada de chope? É por minha conta.
— Agora sim está começando a melhorar! — disse Sol, pegando o cardápio e piscando pra Grazy. — Só não garanto que você vai sair ileso dessa dívida.
Grazy caiu na risada, e até Alison soltou um sorriso divertido.
A noite seguiu leve, animada e, pra Sol, surpreendentemente divertida.
Ela só não sabia que aquele “beijo de emergência” seria o primeiro de muitos desastres — e risadas — que estavam por vir.
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