– Ai, meu Deus!
Tum.
– Ai, meu Deus!
Tum, tum. Que diabo…
– Ai, meu Deus, está tão bom!
Acordei completamente confusa e olhei ao redor do quarto estranho. Caixas no chão. Fotografias na parede.
Meu novo quarto, em meu novo apartamento, lembrei a mim mesma, pousando as
mãos na textura luxuosa do edredom. Mesmo meio dormindo, tive noção desse
luxo.
– Hummmm… Isso, querido. Aí mesmo.
Assim… Não para, não para!
Caramba…
Sentei na cama, esfreguei os olhos e me virei para a parede atrás de mim,
começando a entender o que tinha me acordado. Minhas mãos ainda apalpavam
distraidamente o edredom, o que atraiu a atenção de Clive, meu gato de estimação.
Enfiando sua cabeça sob minha mão, ele exigia carinho. Dei-lhe uma palmadinha
enquanto olhava em volta e tentava me orientar em meu novo espaço.
Havia me mudado naquele mesmo dia, mais cedo. Era um apartamento
esplêndido, com piso de madeira, portas em arco – tinha até uma lareira! Eu não fazia a menor ideia de como acender o fogo, mas não importava. Estava realmente
ansiosa para enfeitar o parapeito da lareira. Como designer de interiores, desenvolvi o hábito mental de decorar qualquer espaço, pertencesse a mim ou não. Meus amigos ficavam loucos, porque eu sempre queria decorar as suas casas.
Tinha passado o dia fazendo a mudança e, depois de ficar de molho na minha
nova e incrível banheira até a pele parecer uma ameixa seca, me acomodei na cama
para curtir os chiados, os rangidos do meu novo lar: o semáforo da rua, uma música
suave, o som das explorações de Clive – e, por explorações, entenda-se arranhar o
chão.
Aí, às duas e trinta e sete da manhã, me encontrei encarando estupidamente o teto, tentando entender que barulheira era aquela, assustada com o movimento da
cabeceira da minha cama.
Só pode ser brincadeira! Então, escutei muito claramente:
– Oh, Simon, foi tão bom! Hummmm…
Jesus…
Pisquei algumas vezes; já me sentia mais acordada e um tanto fascinada pelo
que obviamente estava acontecendo no vizinho.
Fitei Clive, que me devolveu o olhar – se não estivesse tão cansada, poderia jurar que ele piscou um olho. Acho que alguém está se dando bem.
Eu estava sem sexo havia algum tempo. Um longo tempo. Sexo sem graça e rapidinhas com casos de uma noite inibiam meus orgasmos. O jejum já durava seis
meses. Seis compridos meses. Tentava fugir dessa crise que ameaçava se estabelecer,
mas o “O” maiúsculo era, aparentemente, um hiato definitivo. E eu não estou falando da Oprah.
Afastei o pensamento de meus “Os” desaparecidos e me virei de lado. As
coisas pareciam estar mais sossegadas agora, e comecei a adormecer novamente. Clive ronronava alegremente junto a mim. Aí, o mundo desabou.
– Isso! Isso! Ai, meu Deus… Ai, meu Deus! O quadro que eu tinha colocadona prateleira sobre a cama despencou na minha cabeça. Aquilo me ensinaria o que é viver em San Francisco sem a garantia de que tudo está devidamente montado. E por falar em montar…
Massageando a cabeça e xingando a ponto de enrubescer Clive – se gatos
fossem capazes de enrubescer –, encarei novamente a parede atrás de mim. A
cabeceira da cama literalmente batia contra a parede conforme o tumulto no apartamento vizinho continuava.
– Isso, querido, isso, isso, isso! – a tagarela entoava… e concluía com um
suspiro. Então, escutei – por tudo o que é mais sagrado – palmadas. Ninguém confunde o barulho de um belo tapa – e alguém no vizinho estava apanhando.
– Ai, meu Deus, Simon. Isso. Tenho sido uma menina má. Isso, isso!
Que ótimo… Mais tapas e, depois, o som de uma indubitável voz masculina suspirando e gemendo.
Sem tirar os olhos da parede, levantei, afastei um pouco a cama e me joguei
outra vez embaixo do edredom.
Nessa noite, antes de dormir, jurei que esmurraria a parede se ouvisse mais um pio. Ou gemido. Ou tapa.
Bem-vinda ao bairro, Caroline.
Comecei a manhã seguinte, minha primeira manhã oficial em minha nova casa,
bebericando uma xícara de café e mastigando o resto de um donut amanhecido.
Não estava tão acordada quanto tinha imaginado que estaria durante a farra do
dia anterior e silenciosamente amaldiçoei as palhaçadas do vizinho. A garota foi
comida, estapeada, depois gozou e dormiu. Simon, idem. Pelo menos eu deduzi que ele se chamava assim, já que foi o nome que a mulher que gostava de apanhar ficou repetindo. E, convenhamos, se fosse para ela inventar um nome, havia outros bem
mais excitantes do que Simon para serem gritados no momento do êxtase.
O êxtase… Deus, meus êxtases sumiram…
– Nadica de nada, hein, O? – suspirei, olhando para baixo.
Lá pelo quarto mês de jejum, desatei a falar com meus Os como se fossem uma entidade real. Bem, pareciam reais nos bons e velhos tempos, mas, infelizmente, agora que tinham me abandonado, eu já não sabia se um dia seria capaz de
reconhecê-los. É um dia muito, muito triste aquele em que uma garota deixa de
identificar seus próprios orgasmos, ruminei em pensamento enquanto contemplava melancolicamente os telhados de San Francisco através da janela aberta.
Estiquei as pernas e fui lavar a xícara de café. Depois de colocá-la no escorredor, prendi meu cabelo loiro-claro num rabo de cavalo malfeito e reparei no
caos que me rodeava. Havia planejado tudo com cuidado, etiquetado as caixas,
repetido inúmeras vezes ao idiota da mudança que, se estava escrito
COZINHA, não significava BANHEIRO, porém nada disso importou: o
apartamento estava uma zona. Por sorte, na noite anterior, tinha me lembrado de separar minha xícara favorita.
– O que você acha, Clive? Começamos por aqui ou pela sala de estar?
Ele estava aconchegado no peitoril da janela. Devo admitir que, quando
procurava um novo lugar para morar, eu sempre avaliava os peitoris. Clive adorava observar o mundo lá fora, e era legal avistá-lo à minha espera ao voltar para casa.
Naquele exato momento, ele me fitou e pareceu acenar em direção à sala.
– Tudo bem, pela sala, então – falei, notando que só pronunciara três coisasdesde que acordara e que todas as palavras anteriores haviam sido dirigidas à minha vagina. Puxa…
Cerca de vinte minutos mais tarde, Clive começou a mirar um pombo, e eu, que
estava organizando os DVDs, ouvi vozes na entrada do prédio. Meus vizinhos
barulhentos! Corri até a porta, quase tropeçando numa caixa, e encostei o olho no
visor para observar a porta ao fundo do corredor. Que depravada que eu sou. Mas não fiz nenhum esforço para parar de bisbilhotar.
Não conseguia enxergar claramente, mas era capaz de ouvir a conversa: a voz masculina baixa e acariciadora, seguida pelos inconfundíveis suspiros de sua
interlocutora.
– Hummmm, Simon, a noite de ontem foi fantástica.
– Acho que esta manhã também foi – ele disse, dando na mulher o que pareceu um beijaço.
Bem. Esta manhã, eles devem ter usado outro cômodo. Não ouvi nada. Me
espremi ainda mais contra o olho mágico. Depravada.
– Também foi! Você me telefona? – perguntou ela, inclinando-se para outrobeijo.
– Claro. Ligo quando voltar à cidade – ele prometeu, desferindo um tapinha nobumbum da mulher enquanto ela dava uma risadinha e se virava para ir embora.
Parecia que a garota não estava com essa bola toda. Tchauzinho, Castigada! O
ângulo não me permitia ver direito o tal Simon, que entrou em seu apartamento
antes que eu pudesse ter uma ideia precisa de sua aparência. Interessante. Então, essa
jovem não mora com ele.
Não escutei nenhum “Eu te amo” quando ela foi embora, mas os dois
pareciam muito à vontade. Masquei distraidamente a ponta do meu rabo de cavalo. Eles tinham de estar à vontade, com todas aquelas bofetadas.
Varrendo da cabeça pensamentos de tapas e de Simon, voltei à minha coleção de DVDs.
Simon, o Carrasco. Avancei à letra H nos títulos dos filmes.
Uma hora mais tarde, eu posicionava Vestida para casar e A verdade nua e crua,
quando ouvi uma batida. Alguma coisa estava sendo arrastada no corredor conforme eu me aproximava da porta; reprimi um sorriso.
– Cuidado com isso, sua idiota – uma voz xingou.
– Ah, cala essa boca. Para de ser mandona– uma segunda voz resmungou.
Revirando os olhos, abri a porta e me deparei com minhas duas melhores
amigas, Sophia e Mimi, que seguravam uma grande caixa.
– Não briguem, senhoras. Vocês duas são lindas. – Dei uma risada e arqueeiuma sobrancelha para elas.
– Ha-ha, muito engraçado – Mimi respondeu, cambaleando para dentro doapartamento.
– Que diabo é isso? Não acredito que vocês carregaram esse troço por quatrolances de escada! – Minhas amigas não faziam nenhum tipo de trabalho manual se podiam arrumar alguém para fazê-lo por elas.
– Acredite, nós ficamos esperando que alguém desse uma mãozinha, mas nãotivemos sorte. Então, o jeito foi carregarmos nós mesmas. Feliz casa nova! – disse Sophia. Elas pousaram a caixa, e Sophia se jogou na poltrona, perto da lareira.
– É, mas vê se para de ficar mudando de casa. A gente já está cansada decomprar presentes pra você! – Mimi riu, estendendo-se no sofá e cobrindo
dramaticamente o rosto com as mãos.
Cutuquei a caixa com a ponta do pé e perguntei:
– Afinal, o que tem aqui? E eu nunca falei que vocês precisavam comprar nada.O liquidificador do ano passado, por exemplo, totalmente desnecessário.
– Não seja ingrata. Abre – Sophia ordenou.
Suspirei e sentei no chão, em frente ao presente. Soube que era da Williams Sonoma por causa da fita com o logotipo e do pequeno abacaxi amarrado a ela. O que quer que a caixa contivesse, era algo pesado.
– Ah, não. O que as duas aprontaram? – perguntei, reparando numa piscada deolho de Mimi para Sophia. Ao desatar a fita e abrir o pacote, fiquei radiante com o
que encontrei. – Meninas, isso é demais!
– A gente sabe a saudade que você tem da antiga – gracejou Mimi, sorrindopara mim.
Anos atrás, eu havia herdado uma velha batedeira Kitchen Aid de uma falecida
tia-avó. A máquina tinha mais de quarenta anos, mas funcionava muitíssimo bem.
Aqueles aparelhos eram fabricados para durar, e o meu resistira até poucos meses atrás, quando finalmente se aniquilou com um estardalhaço. Uma tarde, enquanto eu batia uma fornada de pão, ela tremeu e desatou a fumegar e, por mais que tenha odiado fazer isso, joguei -a fora.
Agora, enquanto fitava a caixa aberta e a batedeira de aço inoxidável novinha,
cintilante, que me devolvia o olhar, visões de biscoitos e tortas começaram a dançar
em minha cabeça.
– Meninas, é linda – arfei, admirando meu novo bebê. Ergui-a em reverência.Afagando-a com as mãos, deslizando os dedos para sentir suas linhas suaves, me
deliciei com o contato do metal frio contra minha pele. Suspirei levemente e até a abracei.
– Vocês querem ficar sozinhas? – perguntou Sophia.
– Não, tudo bem. Prefiro que vocês fiquem para testemunhar nosso amor.
Afinal, este é, provavelmente, o único instrumento mecânico que me dará prazer no futuro próximo. Obrigada, meninas. É muito caro, mas realmente amei.
Clive se aproximou, cheirou a batedeira e imediatamente saltou para dentro da
caixa vazia.
– Prometa que vai fazer coisas gostosas para nós, e tudo terá valido a pena,querida.
– Mimi então se levantou e olhou para mim com olhos ávidos.
– O quê? – perguntei, cautelosa.
– Caroline, já posso começar com suas gavetas, por favor? – ela perguntou,avançando rumo ao interior do apartamento com passos hesitantes.
– Pode começar o que com minhas gavetas? – falei, apertando um pouco maiso cordão da minha calça.
– Sua cozinha! Estou morrendo de vontade de arrumar tudo! – Mimi
exclamou, sapateando no lugar.
– Ah, tudo bem, que se dane. Divirta-se! Feliz Natal, sua doida – declarei, eMimi saiu correndo triunfalmente.
Mimi era organizadora profissional. Quando nós três estávamos em Berkeley,
ela deixava Sophia e a mim malucas com seus surtos de TOC e sua atenção maníaca para o detalhe. Um dia, Sophia sugeriu que Mimi fizesse daquilo uma profissão, e foi exatamente o que ela fez após se formar. Agora, atuava em toda San Francisco, ajudando famílias a organizar suas tranqueiras. A empresa de design para a qual eu
trabalhava de vez em quando se consultava com Mimi, que chegou até a aparecer na TV. Aquela carreira lhe caiu como uma luva.
Assim, deixei Mimi fazer o que ela sabia, consciente de que minhas coisas
ficariam perfeitamente arrumadas e eu, devidamente abismada. Sophia e eu permanecemos na sala, ela espiando os DVDs e dando risada dos filmes a que eu
tinha assistido nos últimos anos.
Mais tarde, naquela mesma noite, depois que minhas amigas se foram, me afundei no sofá da sala, ao lado de Clive, para assistir a reprises de Barefoot Contessa{1}, no Food Network. Enquanto sonhava com os quitutes que faria com a
minha nova batedeira – e lembrava que, um dia, desejei uma cozinha como a de Ina
Garten –, ouvi passos no corredor e duas vozes. Estreitei os olhos na direção de Clive. As palmadas estavam de volta.
Pulando do sofá, perscrutei de novo pelo olho mágico para tentar ver meu
vizinho. E de novo o perdi; só avistei suas costas quando ele entrou em seu apartamento atrás de uma mulher bastante alta e de cabelo castanho.
Interessante. Duas mulheres diferentes em dois dias. Galinha.
Vi a porta fechar e senti Clive se enroscar em minhas pernas, ronronando.
– Não, você não pode sair, tolinho – disse, me abaixando para pegá-lo. Esfreguei seu pelo sedoso em minha bochecha e sorri quando Clive se recostou em meus braços. Ele era o galinha por aqui; deitaria com qualquer uma que coçasse sua barriga.
Regressando ao sofá, assisti à Barefoot Condessa ensinar a recepcionar uma dinner party nos Hamptons com uma elegância simples – e uma conta bancária do tamanho dos Hamptons.
Poucas horas depois, com a marca da almofada do sofá impressa
profundamente em meu rosto, tomei o rumo do quarto para dormir. Mimi tinha organizado meu closet com tanta eficiência, que tudo o que me restou fazer foi pendurar umas fotografias e arrumar uma miscelânea ou outra. Bastante
deliberadamente, retirei da prateleira que ficava sobre a cama o restante dos retratos.
Não pretendia correr riscos esta noite. Parei no meio do quarto e tentei ouvir algum
ruído vindo do vizinho. Tudo calmo nessa trincheira. Até agora, tudo certo. Talvez a noite anterior não tivesse passado de um caso isolado.
Enquanto me arrumava para dormir, olhei as fotos da minha família e dos
meus amigos. Meus pais e eu esquiando no lago Tahoe. Minhas amigas e eu na Coit
Tower. Sophia adorava tirar fotografias perto de qualquer coisa fálica. Ela era
violoncelista na Orquestra Sinfônica de San Francisco e, embora tivesse estado próxima de instrumentos musicais durante toda a vida, jamais conseguia evitar uma
piada quando via uma flauta. Era perturbada.
No momento, nós três estávamos solteiras, algo raro. Geralmente, pelo menos
uma de nós namorava, mas, desde que Sophia terminara um relacionamento, alguns meses antes, amargávamos um jejum. Para sorte das minhas amigas, porém, sua privação não era tão severa quanto a minha. Até onde eu sabia, elas ainda reconheciam seus respectivos Os.
Com um calafrio, lembrei a noite em que O e eu nos separamos. Eu havia tido uma série de primeiros encontros lastimáveis e me encontrava tão frustrada sexualmente, que me permiti ir ao apartamento de um cara que eu não tinha a
menor intenção de ver novamente. Não que fosse contra ficar por uma noite. Já
tinha feito a caminhada da vergonha em muitas manhãs. Mas aquele cara? Deveria ter pensado melhor. Cory Weinstein, blá-blá-blá. A família dele tinha uma rede de pizzarias em toda a Costa Oeste. Parece legal, certo? Só parece. Cory era simpático,
mas chato. Eu não ficava com um homem havia algum tempo, então, depois de
vários martínis e de uma conversa animada no carro, cedi e resolvi dar uma chance a ele.
Bem, até aquele ponto, eu compartilhava a velha teoria de que sexo é como
pizza: mesmo quando é ruim, é bom. Passei a odiar pizza. Por várias razões.
Foi a pior espécie de sexo. Do tipo metralhadora: rápido, rápido, rápido. Trinta
segundos nos seios, sessenta segundos em um ponto localizado a alguns centímetros do lugar certo, e lá dentro. E fora. E dentro. E fora. E dentro. E fora.
Pelo menos, acabou depressa, certo? Errado. O horror continuou por meses a
fio. Bem, não exatamente. Mas foram quase trinta minutos. De dentro. E fora. E dentro. E fora. Minha xoxota parecia ter sido fustigada por um jato de areia.
Quando ele finalmente acabou – e gritou “Bom demais!”, antes de desmaiar em
cima de mim –, eu já tinha reorganizado mentalmente todos meus temperos e catalogava os produtos de limpeza que ficavam debaixo da pia da cozinha. Me enfiei na roupa, o que não demorou muito, já que ainda estava quase toda vestida, e me
mandei.
Na noite seguinte, depois de deixar a Pequena Caroline se recobrar, decidi regalá-la com uma longa sessão de autoamor, protagonizada por seu amante imaginário favorito, George Clooney, no papel do dr. Ross. No entanto, para minha
grande consternação, O havia abandonado o recinto. Encolhi os ombros,
conjecturando que talvez ele apenas precisasse de uma pausa, ainda traumatizado pela experiência do pizzaiolo Cory.
Mas na noite seguinte? Nada de O. Nem sinal dele naquela semana, ou na próxima. Quando as semanas viraram um mês, e os meses se esticaram e esticaram, eu desenvolvi um profundo e vulcânico ódio por Cory Weinstein e sua foda
metralhadora…
Sacudi a cabeça, eliminando os pensamentos sobre O, e rastejei até a cama. Clive esperou que eu me acomodasse antes de se aninhar atrás de meus joelhos. Ainda deixou escapar um último ronrom quando apaguei a luz.
– Boa noite, senhor Clive – murmurei e caí no sono.
Tum.
– Oh, meu Deus!
Tum, tum.
– Oh, oh!
Incrível.
Despertei mais rapidamente desta vez, pois sabia o que estava ouvindo. Sentei na cama e olhei ferozmente para trás. Ela ainda se encontrava a uma distância
segura da parede, por isso não senti nenhum movimento, mas era óbvio que algo se
mexia no vizinho.
E, então, eu ouvi… um assobio?
Pousei o olhar em Clive, cujo rabo formava um verdadeiro pompom. Ele arqueou o dorso e vagueou para frente e para trás no pé da cama.
– Ei, carinha. Está tudo bem. Só temos um vizinho barulhento – apaziguei,estendendo a mão. Foi então que ouvi:
– Miau.
Estiquei o pescoço para escutar melhor. Examinei Clive, que olhou para trás como se dissesse: “Não fui eu”.
– Miau! Oh, meu Deus. Miau…
A garota no apartamento ao lado estava miando. O que diabo meu vizinho estava aprontando para conseguir isso?
A essa altura do campeonato, Clive surtou completamente e se lançou na
direção da parede. Literalmente, a escalou para tentar alcançar a fonte do ruído, acrescentando seus próprios miados ao coro.
– Oh, sim, assim mesmo, Simon! Ai… Miau! Miau, miau, miau!
Virgem Santíssima, uma gata no cio de um lado da parede, um gato
descontrolado do outro. A moça tinha sotaque, mas eu não consegui decifrá-lo.
Europa oriental, com toda a certeza. Checa? Polonesa?
Era isso mesmo? Eu me encontrava plenamente desperta à uma e dezesseis da madrugada, tentando descobrir a nacionalidade da mulher que estava sendo comida
no apartamento ao lado?
Tentei tranquilizar Clive, porém não funcionou. Ele era castrado, mas ainda um garoto – e queria aquilo que havia do outro lado da parede. Continuou miando, seus miados se misturando com os da mulher, até que, para não chorar, comecei a rir da comicidade da situação. Minha vida havia se tornado um espetáculo do absurdo, e
com um coro felino.
Ouvi Simon arquejar e tentei me recompor. Sua voz era baixa e rouca, e, embora Clive e a mulher continuassem clamando um pelo outro, escutei apenas
Simon. Ele gemeu, e as pancadas na parede começaram. Lá vinha Simon.
A mulher miava cada vez mais alto conforme indubitavelmente marchava rumo ao seu clímax. Seus miados se tornaram gritos indecifráveis, e ela finalmente berrou:
– Da! Da! Da!
Ah. Era russa. Pelo amor de São Petersburgo!
Uma pancada derradeira, um gemido derradeiro – e um miado derradeiro. Depois, um abençoado e completo silêncio. Exceto por Clive, que continuou
sofrendo por seu amor perdido até as quatro da manhã.
A guerra fria estava de volta.
Quando Clive por fim se acalmou e parou com seu histerismo felino, eu já estava completamente exausta e desperta. De qualquer jeito, precisaria levantar dentro de uma hora – e sabia que perdera todo o sono a que teria direito naquela
noite. Era melhor sair da cama e preparar o café da manhã.
– Miadora desgraçada – falei para a parede atrás de mim e caminhei até a sala.
Depois de ligar a TV, pus a máquina de café para funcionar e observei a luz da
alvorada, que apenas começava a despontar nas janelas. Clive se enroscou em
minhas pernas; revirei os olhos para ele.
– Ah, agora você quer que eu te dê amor, né? Depois de me trocar por Purina,ontem à noite? Que babaca você é, Clive – resmunguei, esticando meu pé e
acariciando-o com o salto.
Clive tombou no chão e posou para mim. Ele sabia que eu não resistia às suas poses. Sorri e me ajoelhei ao seu lado.
– Sim, sim, eu sei. Agora você me ama porque sou a pessoa que compra ração.– Suspirei e cocei sua barriga.
Antes de ir para o chuveiro, resolvi dar uma espiada no noticiário matutino.
Ouvi um barulho no corredor. Voltei para a cozinha, com Clive em meu calcanhar,
e coloquei um pouco de comida em uma tigela. Assim que meu gato teve o que
pretendia, fui rapidamente esquecida. Enquanto ia para o chuveiro, escutei uma
movimentação no corredor. Como a Caroline Bisbilhoteira em que eu estava
rapidamente me transformando, meti a cara no olho mágico para espionar Simon e Purina.
Ele se encontrava em pé, na soleira de sua porta – dentro do apartamento o bastante para impedir que eu vislumbrasse seu rosto. Purina estava no corredor, e dava para ver a mão de Simon afagando o longo cabelo dela. Praticamente ouvi o ronronar da mulher através da maldita porta.
– Hummmm, Simon, a noite de ontem foi… hummmm – ela ronronou de fato, inclinando-se para a mão dele, que agora repousava em sua face.
– Concordo. Essa é uma boa forma de descrever a noite de ontem e a manhã de hoje – ele disse calmamente, e os dois deram uma risadinha.
Lindo. Dois pelo preço de um, de novo.
– Você me liga quando voltar à cidade? – ela perguntou enquanto ele afastava ocabelo de seu rosto.
– Ah, pode contar com isso – ele falou e então a puxou para aquilo que sópude deduzir que tenha sido um beijo arrasador.
Ela levantou um pé, como se estivesse posando. Comecei a revirar os olhos,
mas isso doeu. É que meu olho direito estava muito pressionado contra o olho mágico, sabe.
– Dosvidaniya – ela sussurrou com seu sotaque exótico. Soava muito melhor
agora que não miava como uma gata no cio.
– Claro – riu ele, e, com isso, ela partiu graciosamente.
Fiz um esforço para vê-lo antes que entrasse de novo, mas nada. Perdi-o outra vez. Tinha de admitir: depois das palmadas e dos miados, estava morrendo de
vontade de saber como ele era. Genuínas proezas sexuais estavam rolando no
apartamento ao lado. Eu só não entendia por que isso tinha de afetar o meu sono.
Virei as costas à porta de entrada e fui para o chuveiro. Debaixo da ducha, ponderei o que diabo era preciso para fazer uma mulher miar.
Por volta das sete e meia, já na rua, pulei em um bonde e revisei o dia que tinha
pela frente. Ia encontrar um cliente novo, finalizar alguns detalhes de um projeto que terminara recentemente e almoçar com minha chefe. Sorri ao pensar em Jillian.
Jillian Sinclair possuía sua própria empresa de design, na qual eu tivera a sorte de estagiar em meu último ano em Berkeley. Com quase quarenta – mas com a aparência de quase trinta –, ela construiu uma reputação sólida na comunidade do design. Desafiou convenções, foi uma das primeiras a varrer do mapa o shabby chic
e a resgatar os tons neutros e serenos e os padrões geométricos do visual “moderno” que era a grande moda atual. Ela me contratou definitivamente quando o estágio acabou e agora me proporcionava a melhor experiência que uma jovem designer poderia desejar; era estimulante, criteriosa, com um instinto infalível e um olho para detalhes mais infalível ainda. Mas a melhor coisa de trabalhar para ela?
Jillian era divertida.
Quando saltei do bonde, logo avistei meu escritório. O Jillian Designs ficava no Russian Hill, uma bela área da cidade: mansões de contos de fadas, ruas sossegadas,
vista fantástica para as colinas mais altas. Algumas das maiores casas antigas haviam sido convertidas em espaços comerciais, e o nosso edifício era um dos melhores.
Soltei um suspiro ao entrar em minha sala. Jillian pedira a cada designer que desse uma cara própria ao seu espaço particular. Era uma maneira de mostrar a
potenciais clientes o que eles podiam esperar, e eu pensei muito sobre meu ambiente de trabalho. Paredes de um cinza profundo eram acentuadas por suntuosas cortinas rosa-salmão. Minha mesa era de ébano escuro, com uma cadeira
forrada de seda champanhe e dourada. A sala era discretamente distinta – com um
toque de extravagância provido pela minha coleção de anúncios das sopas Campbell’s dos anos quarenta e cinquenta. Tinha encontrado vários deles em uma
venda de garagem, todos recortados de antigas edições da revista Life e
emoldurados. Eu sorria toda vez que os olhava.
Gastei alguns minutos jogando fora as flores da semana anterior e preparando um novo buquê. Toda segunda-feira, eu parava na floricultura vizinha ao escritório para escolher flores para a semana. As flores mudavam, mas as cores tendiam a recair nas mesmas paletas. Eu era particularmente fã dos laranjas e rosas intensos,
pêssegos e dourados calorosos. Desta vez, tinha escolhido rosas híbridas de uma linda cor coral, com uma coloração framboesa nas pontas.
Reprimi um bocejo e sentei à mesa para me preparar para o dia. Vislumbrei Jillian quando ela passou pela minha porta e acenei. Sempre impecável, ela era alta, esguia e adorável. Hoje, vestida de preto da cabeça aos pés, exceto pelo peep toe
fúcsia, estava arrasando, poderosa.
– E aí, gata! Que tal o apartamento? – Jillian perguntou, sentando-se na cadeirado outro lado da mesa.
– Fantástico. De novo, muitíssimo obrigada. Nunca vou conseguir te pagar.Você é a melhor.
O meu novo apartamento era propriedade de Jillian, ela o havia comprado
assim que se mudara para a cidade, anos atrás. Agora, estava reformando uma casa em Sausalito. Tendo em vista o que eram os aluguéis em San Francisco, foi um achado. Eu já me preparava para continuar com as bajulações, quando ela me deteve
com um aceno de mão.
– Psiu, não é nada. Sei que devia ter me livrado disso, mas foi o primeiro
apartamento em que morei sozinha e não gostaria de me desfazer dele. Gosto da
ideia dele estar sendo habitado de novo. É um bairro tão bom… – Ela sorriu, eu
sufoquei outro bocejo. – Caroline, é manhã de segunda-feira. Como você já pode
estar bocejando?
Dei uma risada.
– Quando foi a última vez que você dormiu lá, Jillian? – Fitei-a por cima deminha xícara de café. Era a terceira.
– Nossa, já faz algum tempo. Um ano, talvez? Benjamin estava fora da cidade, eeu ainda tinha uma cama por lá. Às vezes, quando trabalhava até tarde, acabava dormindo no apartamento. Por quê?
Benjamin era o seu noivo. Milionário que conquistou tudo sozinho, capitalista de risco e estonteantemente bonito. Minhas amigas e eu tínhamos uma paixãozinha
platônica por ele.
– Você ouviu algo vindo do apartamento vizinho? – perguntei.
– Não, não. Acho que não. Tipo o quê?
– Hum, barulhos. Barulhos tarde da noite.
– Não, não quando eu estava lá. Não sei quem vive lá agora, mas acho quealguém se mudou no ano passado. Ou há dois anos? Nunca conheci. Por quê? O que você escutou?
Corei furiosamente e dei um gole no café.
– Espera aí. Barulhos tarde da noite? Caroline? Sério? Você ouviu o vizinho
transando? – ela indagou.
Bati a cabeça na mesa. Ai, meu Deus. Flashbacks. Nada de pancadas. Dei uma espiadinha em Jillian, que lançou a cabeça para trás numa gargalhada.
– Jesus, Caroline! Não fazia ideia! O último vizinho, pelo que me lembro tinhauns oitenta anos, e o único ruído que vinha daquele quarto era das reprises de Gunsmoke. Mas, pensando bem, eu realmente conseguia ouvir os episódios muitíssimo
bem…
– Céus, não é Gunsmoke o que vem daquelas paredes agora. É sexo, pura e
simplesmente. E não é sexo cheio de frescura, ou monótono. Estamos falando de sexo… interessante. – Abri um sorriso.
– O que exatamente você escutou? – Jillian perguntou, os olhos brilhando.
Não importa sua idade, nem de onde você é, existem duas verdades universais: sempre damos risada de… gases na hora errada e sempre queremos saber sobre o que acontece na cama alheia.
– Jillian, sério: nunca escutei nada assim antes! Na primeira noite, eles estavambatendo na parede com tanta força, que um quadro caiu na minha cabeça!
Os olhos de Jillian se arregalaram, e ela se inclinou sobre a mesa.
– Mentira!
– Não é mentira, não! Depois ouvi… Cruzes, ouvi tapas. – Eu estava conversando com a minha chefe sobre espancamento erótico. Entende por que adoro minha vida?
– Nãããão! – Jillian falou, e rimos como duas colegiais.
– Siiiiiim. E ele fez a minha cabeceira se mexer, Jillian. Se mexer! Vi a Castigadana manhã seguinte, quando ela estava saindo.
– Você a chama de Castigada?
– Claro! E, então, ontem…
– Duas noites seguidas! A Castigada foi castigada de novo?
– Que nada, ontem fui presenteada com uma aberração da natureza que batizeide Purina.
– Purina? Não entendi. – Ela franziu as sobrancelhas.
– A russa que ele fez miar.
Ela riu outra vez, o que fez Steve, da contabilidade, enfiar a cabeça no vão da
porta.
– O que vocês estão tagarelando, hein? – ele perguntou e então começou a rirenquanto se afastava, ainda balançando a cabeça.
– Nada! – respondemos em uníssono, para cairmos na gargalhada novamente.
– Duas mulheres em duas noites, é impressionante – Jillian suspirou.
– Impressionante? Não, não. Galinha? Sim, sim.
– Uau. Você sabe o nome dele?
– Pior que sei. É Simon. Sei, porque Castigada e Purina ficaram gritando semparar. Não foi difícil deduzir. Trepador de paredes maldito – bufei.
Jillian permaneceu calada por um momento e, então, abriu um largo sorriso.
– Simon Trepador de Paredes: adoro!
– É, você adora. Não foi o seu gato que tentou acasalar com uma russa quemiava através da parede, de madrugada. – Soltei um riso pesaroso e bati novamente a cabeça na mesa; nós continuamos dando risada.
– Muito bem, vamos trabalhar – disse Jillian por fim, enxugando as lágrimasdos olhos. – Preciso que você fisgue esses clientes de hoje. Que horas eles vêm?
– Ah, os Nicholson vêm à uma. Os projetos e a apresentação estão prontinhos.Acho que eles vão gostar bastante do que fiz com o quarto. Vamos oferecer uma
saleta anexa à suíte e um banheiro novinho em folha. Ficou sensacional.
– Não duvido. Você me fala quais são suas ideias durante o almoço?
– Claro, sem problemas – respondi enquanto Jillian se encaminhava à porta.
– Sabe, Caroline, se você conseguir fechar esse negócio, será ótimo para a empresa – disse ela, me fitando através de seus óculos com aro de tartaruga.
– Espere só até ver o que preparei para o novo home theater dos Nicholson.
– Mas eles não têm um home theater.
– Ainda não – falei, arqueando as sobrancelhas e sorrindo astuciosamente.
– Gostei – ela aprovou e saiu para começar o seu dia.
Definitivamente, os Nicholson eram o tipo de casal que eu queria ser. Mimi
havia feito alguns serviços para Natalie Nicholson, endinheirada e de sangue azul, quando Natalie remodelou seu escritório, no ano passado. Ela me indicou para o
design do interior, e eu imediatamente comecei a planejar a transformação do
quarto do casal.
Trepador de Paredes. Céus!
– Fantástico, Caroline. Simplesmente fantástico – Natalie delirou enquanto euacompanhava ela e o marido até a porta da frente. Tínhamos passado quase duas horas revisando o projeto, e, tendo nos acertado quanto a uns poucos detalhes, não tive dúvida de que seria um trabalho excitante.
– Então, você acha que é a designer certa para nós? – Sam perguntou, piscandoos profundos olhos castanhos, envolvendo a cintura da esposa com o braço e brincando com o rabo de cavalo dela.
– É você quem me diz – provoquei-o, sorrindo para ambos.
– Adoraríamos trabalhar com você neste projeto – Natalie disse ao apertarmosas mãos.
Eu me cumprimentei mentalmente, mas mantive o rosto impassível.
– Excelente. Entro em contato em breve, e podemos começar a planejar umcronograma – falei enquanto segurava a porta do escritório para os dois.
Permaneci no vão e dei um tchauzinho; depois, entrei, deixando a porta bater
atrás de mim. Dei uma olhadinha para Ashley, nossa recepcionista. Ela ergueu uma
sobrancelha para mim, e eu retribuí o gesto.
– E aí? – perguntou ela.
– Na mosca! – Suspirei, e ambas soltamos gritinhos histéricos.
Jillian desceu a escada enquanto fazíamos uma dancinha e se deteve.
– O que aconteceu aqui embaixo? – perguntou, sorridente.
– Caroline fechou com os Nicholson! – Ashley exclamou.
– Boa! – Jillian me deu um abraço rápido. – Orgulhosa de você, gata – elasussurrou, e eu brilhei. Sério, brilhei mesmo.
Saltitei até o meu gabinete, dando gritinhos e estalidos com a língua ao
contornar a mesa. Sentei, rodopiei na cadeira e observei a baía.
Boa jogada, Caroline. Boa jogada.
Naquela noite, ao sair com Mimi e Sophia para comemorar meu sucesso, posso
ter virado mais do que algumas margaritas. Segui em frente com shots de tequila e
ainda lambia o sal que já não existia no meu pulso enquanto elas me ajudavam a
subir a escada.
– Sophia, você é linda! Sabe disso, não sabe? – falei, me inclinando para elaenquanto rastejávamos pelos degraus.
– Sim, Caroline, sou linda. Bela observação do óbvio – ela disse. Com quaseum metro e oitenta e um flamejante cabelo ruivo, Sophia tinha total consciência da sua aparência.
Mimi riu, e me virei para ela.
– E você, Mimi, é a minha melhor amiga. E é tão minúscula! Aposto que eupoderia te carregar no bolso.
Soltei uma risada enquanto tentava encontrar meu bolso. Mimi era uma filipina
nanica com pele cor de caramelo e cabelo negro retinto.
– Devíamos tê-la proibido de beber depois que o guacamole acabou – Mimiresmungou para Sophia. – Não vamos mais deixá-la beber sem comida por perto. –
Ela me arrastou pelos últimos degraus.
– Não fale de mim como se eu não eu não estivesse aqui – reclamei, tirandominha jaqueta e começando a fazer o mesmo com a blusa.
– Ei, nada de ficar pelada no corredor, ok? – Sophia me repreendeu, retirando achave da minha bolsa e abrindo a porta. Tentei beijá-la na bochecha, mas ela se esquivou.
– Caroline, você está fedendo a tequila e repressão sexual. Sai de perto de mim.– Ela soltou uma risada e me ajudou a passar pela porta. A caminho do quarto, avistei Clive no peitoril.
– Oi, Clive. Como vai o meu garotão?
Ele me encarou e saiu. Clive desaprovava meu consumo de álcool. Mostrei a
língua para ele. Desabei na cama e fitei minhas amigas no umbral da porta. Elas sorriram afetadamente, com aquela expressão de “você está de porre e nós não, por
isso, estamos te julgando”.
– Desçam do salto, senhoras. Já vi as duas em porres muito piores do que este– comentei, minha calça seguindo o mesmo caminho da blusa, que jazia no chão. Se
você me perguntar por que eu continuava calçando meus sapatos, não saberei
responder.
As duas abriram o edredom, e eu rastejei para debaixo dele, encantada. Elas me aconchegaram tão bem, que as únicas coisas que ficaram de fora foram meu nariz, meus olhos e meu cabelo desarrumado.
– Por que o quarto está girando? Que diabo vocês duas fizeram com o
apartamento da Jillian? Ela me mata! – gemi enquanto observava o quarto se mover.
– O quarto não está girando, Caroline. Relaxa. – Mimi deu uma risadinha abafada, sentou ao meu lado e deu tapinhas em meu ombro.
– E essas pancadas, que merda são essas pancadas? – murmurei para as axilasde Mimi, que em seguida cheirei para aprovar sua escolha de desodorante.
– Caroline, não tem pancada nenhuma. Céus, você deve ter bebido mais do quea gente pensou! – Sophia exclamou, sentando no pé da cama.
– Não, Sophia. Eu também ouvi. Você não está ouvindo? – Mimi falou numavoz sussurrada.
Sophia se imobilizou, e todas nós ficamos atentas. Uma pancada distinta
ressoou, e, depois, um inconfundível gemido.
– Gatinhas, relaxem. Vocês estão prestes a trepar pelas paredes – declarei.
Sophia e Mimi arregalaram os olhos, mas permaneceram imóveis.
Seria a Castigada? Ou Purina? Contando com esta última, Clive entrou no quarto, pulou na cama e encarou a parede com atenção arrebatada.
Nós quatro nos sentamos e aguardamos. Mal consigo descrever a que fomos
submetidos desta vez.
– Oh, meu Deus!
Tum.
– Oh, meu Deus!
Tum, tum.
Mimi e Sophia se viraram para mim e para Clive. Apenas anuímos com a cabeça – nós dois, juro. Um sorriso se espalhou lentamente pelo rosto de Sophia. Já eu me concentrei na voz que vinha da parede. Era diferente… O tom era mais baixo, e, enfim, eu não conseguia distinguir o que ela falava. Mas não era Castigada nem Purina.
– Hummmm, Simon… hi-hi… isso… hi-hi… aí… hi-hi… mesmo… hi-hi, hi-hi.
Hã?
– Isso, isso… snif… isso! Fode, fode… hi-hi, snif… fode, isso!
Ela estava dando risadinhas e fungadas. Era uma risadinha muito, muito esquisita.
Nós três rimos junto com ela durante sua trajetória ao que soou como um clímax fenomenal. Clive, tendo percebido que sua amada não apareceria, se retirou
intempestivamente para a cozinha.
– Que merda é essa? – Mimi sussurrou, seus olhos arregalados.
– Essa é a tortura sexual que tenho escutado nas duas últimas noites. Vocês nãofazem ideia – resmunguei, sentindo os efeitos da tequila.
– A Risadinha fez essa apresentação nas duas últimas noites? – Sophia gritou,levando a mão à boca quando mais gemidos e risadinhas atravessaram a parede.
– Até parece. Esta é a primeira noite que tive o prazer de conhecê-la. Antes, foia Castigada. Era uma garota muito safadinha e precisava ser punida. E, ontem, Clive conheceu o amor de sua vida quando Purina fez sua estreia…
– Por que Purina? – Sophia interrompeu.
– Por que ela mia na hora H – falei, me escondendo debaixo da coberta. Aeuforia etílica estava começando a se dissipar e a dar lugar ao óbvio déficit de sono que eu experimentava desde que me mudara para aquele antro de devassidão.
Sophia e Mimi puxaram a coberta do meu rosto no exato momento em que a
moça gritou:
– Ai, meu Deus, isso é… ha-ha-ha-ha… tão bom!
– O cara do apartamento ao lado consegue fazer uma mulher miar? – Sophiaindagou, com uma sobrancelha erguida.
– Aparentemente, sim – cacarejei, sentindo a primeira onda de náusea me fustigar.
– Por que ela está rindo? Por que alguém riria ao ser comida desse jeito? –perguntou Mimi.
– Sei lá, mas é bacana ouvi-la se divertindo – disse Sophia, rindo ela própriadepois de uma gargalhada particularmente retumbante. Gargalhada, minha gente… – Você já viu esse cara? – Mimi perguntou, o olhar ainda fixo na parede.
– Não. Mas o meu olho mágico tem trabalhado bastante.
– Bom, pelo menos um buraco tem estado ocupado nesta casa – Sophia murmurou.
Eu a encarei.
– Que desagradável, Sophia. Só vi a nuca dele, mais nada – respondi, me endireitando.
– Uau, três garotas em três noites. Isso é que é energia! – disse Mimi, aindacontemplando a parede, boquiaberta.
– É repugnante, isso sim. Já nem posso dormir à noite. Minha pobre parede! –choraminguei, e um gemido profundo veio dele.
– Sua parede… O que sua parede tem a ver com… – Sophia começou, mas eu agarrei sua mão.
– Só espere, por favor – falei. Ele estava chegando lá.
A parede desatou a tremer ao ritmo das pancadas, e os risos da mulher ficaram cada vez mais altos. Sophia e Mimi arregalaram os olhos, atônitas, enquanto eu me limitei a balançar a cabeça.
Podia ouvir Simon gemendo e sabia que ele estava perto do clímax. Mas seus ruídos foram rapidamente abafados pelos da sua parceira daquela noite.
– Oh… hi-hi… é isso… hi-hi… aí… hi-hi… não… hi-hi… para… oh… hi-hi… meu Deus… hi-hi… não… hi-hi… para!
Por favor. Por favor. Pare.
Hi-hiiiiiii…
E, com uma risada e um gemido derradeiros, o silêncio caiu sobre o ambiente.
Sophia e Mimi se entreolharam, e Sophia disse:
– Oh…
– Meu… – acrescentou Mimi.
– Deus – ambas disseram em coro.– E é por isso que eu não consigo dormir
– suspirei.
Enquanto nos recuperávamos da Risadinha, Clive voltou ao quarto para brincar
com uma bolinha de algodão.
Risadinha, acho que te odeio mais do que todas…
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