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Lados Opostos - The Series

Prólogo

Asleepcity 2368, cinco anos depois

 

O crepúsculo escarlate lentamente tomava conta de todo o céu, a penumbra álgida aos poucos ganhava mais espaço dentro daquele quarto, cuja única iluminação vinha da janela aberta.

No chão, roupas espalhadas; na cama, o lençol bagunçado denunciava que mais uma vez, eu fui fraco, cedi aos encantos do ser mais irritante desse planeta; Eduardo Lins, meu inimigo, só que não; desde que ele apareceu em Asleepcity, Edu se especializou em fazer da minha vida um verdadeiro inferno. Com ele, não existia essa história, de cão que ladra não morde, o zangado mordia mesmo; mas sempre acabávamos na cama, sem a menor vergonha na cara. Não, não havia tempo para falsa moralidade com o moreno de olhos amendoados.

— Edu! — Tento chamar sua atenção

Ele já estava a se vestir, pronto para sair.

— Eu já falei para não me chamar assim seu merda! Nós não somos amigos. 

— Não é o que você diz, quando estou dentro de você, com força! — Sorrio de sua expressão raivosa.

— O QUE? REPETE SEU NERD INÚTIL

O moreno segura com força minha blusa, erguendo seu punho, já preparado para me bater.

— Qual é! Não está cansado de fazer sempre a mesma coisa? Admite que gosta de ser fundido por mim. 

Ele não disse nada, suspirou e esbravejou rangendo os dentes; em seguida me jogou na cama e saiu, me deixando completamente só nesta casa. E o resto da noite passou sem que eu percebesse [...]

Acordei com os raios de sol tímidos, adentrando o quarto e aquecendo a pele exposta pela falta de cobertor. Eram cerca de oito horas da manhã, quando eu levantei para fazer minha higiene, me olhando no espelho, e me arrependendo de cada segunda da noite anterior.

Hoje seria o dia da minha formatura, meu pai insistiu que eu fizesse Biotecnologia, pois mais cedo ou mais tarde, eu acabaria tendo que assumir a Tellstar. E graças a isso, consegui uma vaga na melhor empresa de ciências e tecnologia do mundo, a Tellstar Corporation, com início na área de engenharia genética já na semana que vem; cuja a mesma só foi aceita por mim, com a condição de que eu pudesse continuar na companhia de balé a qual faço parte.

Assim que terminei meu banho, saí só de toalha, em direção ao meu quarto, vestindo logo em seguida um terno preto justo, com uma blusa social branca e gravata amarela. Após arrumar meu cabelo, e tomar um café rápido, desci as escadas em direção a garagem, pegando meu carro, também preto, indo em direção a SRU logo em seguida.

Foram cerca de trinta minutos de viagem, e assim que desci, avisto Edu, bravo e sério como sempre, a conversar com sua melhor amiga Jenny; apenas o ignoro, indo direito ao anfiteatro, onde se passaria a maior parte da formatura. O resto do evento ocorreu sem maiores problemas, Edu estava sentado do outro lado do anfiteatro, e entre sorrisos e gritos, ele me olhava. 

A entrega dos diplomas já havia sido feita; todos conversavam alegres e comiam, na festa pós formatura, que ocorreu na Universidade mesmo. Eu estava sentado em uma mesa afastada, apenas a observar todos felizes, quando de longe, ouço os gritos de Edu; ao me virar para presenciar o que estava acontecendo, percebi, ser o moreno e Jenny a implicarem com um garoto chamado Igor, técnico de inteligência Artificial da Tellstar, desde que tudo acabou, e entramos na SRU, Edu pegou uma implicância boba com o menor que não se explica. Igor não faz parte desse nosso mundo, ele é um externo; mas as vezes aparece por aqui, graças a seu cargo na Tellstar, desde então, tenho que protegê-lo do cão raivoso.

— Aff! Ele não aprende mesmo — Falo levantando e indo em direção a confusão

— CALA A BOCA ANÃO DE JARDIM! Você nem deveria estar aqui, seu lixo. 

O moreno encurralava o menor no canto da parede, juntamente com seu bichinho de estimação de cabelos vermelhos. 

— Q-qual é g-gente, n-nós s-somos amigos...

— CALA A BOCA SEU MERDA, SUA VOZ ME IRRITA!

Eduardo se preparava para acertar Igor, que se escondia na parede, mas consigo segurar seu punho bem a tempo de impedi-lo de bater no menor. 

— Comporte-se cachorrinho! Estamos em público — Sussurro por trás, em seu ouvido, ainda segurando sua mão 

— Não se mete maldito Amarelinho — Ele esbraveja puxando sua mão para longe.

Devo conversar que fugi um pouco da realidade, vê-lo com esse terno preto Justo, sua camisa social branca quase transparente desabotoada, expondo seu peitoral definido; fora o suficiente para me fazer perder o fio da meada.

Nossos olhares se encontraram por alguns segundos, ver sua expressão de desagrado minutos antes dele se virar e caminhar enraivecido pelo enorme salão, me proporcionou uma satisfação exacerbada. Eduardo não era do tipo, que levava desaforo para casa, e com certeza isso me causaria alguns hematomas pelo corpo, mas dessa vez não, ele simplesmente recuou. Surpreendendo a todos.

O resto da festa passou sem maiores emoções, já estava ficando tarde, e eu já não tinha saco para aguentar toda essa chatice; então decidi ir embora mais cedo, por volta das sete e quinze da noite. Caminho lentamente, com as mãos nos bolsos, em direção a saída, desviando dos corpos alterados que dançavam ao meu redor. Quando passo pela porta, ouço uma voz familiar ecoar de atrás de mim.

— Finalmente saiu amarelinho, achou que ia se livrar dessa tão fácil, é? 

Edu estava encostado na parede, ao lado da porta, com as mãos nos bolsos, cabeça baixa, e uma voz grave e suave. 

— O que você quer agora, Eduardo Lins? Fala de uma vez, eu quero ir embora.

Mas ele não respondeu, caminhou repentinamente, sem dizer uma palavra; eu apenas o segui, rumo a parte de trás da Universidade, que quase nunca tinha gente; uma péssima decisão? Veremos.

Quando chegamos, ele parou subitamente; no segundo seguinte, estava eu, encostado na parede, com os braços de Edu, um de cada lado. Seu rosto estava tão perto do meu, que eu podia sentir sua respiração quente, bater contra minha pele gélida devido abaixa temperatura da noite. Seus olhos surfaram por cada detalhe de minha face, e com sua mão direita, ele ergueu meu rosto, apertando minhas bochechas, enquanto deslizava a outra até minha cintura.

— Quando foi que você perdeu o medo de morrer? — Ele suspirou suavemente 

— Da primeira vez que você passou a noite todinha gemendo meu nome. 

Ele sorri arrastado 

— A é? Então é assim que você quer jogar? Vai se arrepender maldito amarelinho

Ele simplesmente avançou em meus lábios, com um beijo fervoroso e repentino, sua mão direita trilhou o caminho até meu cabelo, puxando com força os fios ali presentes, enquanto a outra apertava minha cintura. Nosso beijo logo ganhou uma intensidade perigosa, como se nossas vidas dependessem daquele momento, como se fosse a primeira vez, depois de anos sem nos vermos. 

Sua mão, que antes repousava em minha cintura, logo deslizou até minha calça, apertando com força meu membro já duro, me fazendo arfar; enquanto deixava leves mordidas em meu lábio inferior; mas em seguida, nada, ele abruptamente se virou, e saiu, me deixando ali, excitado, e levemente desnorteado.

— Eu disse que ia se arrepender — Ele sorriu satisfeito, e saiu.

— Desgraçado! — Passo as mãos em meus cabelos os jogando para trás em completo desagrado.

Me agachei por uns minutos, até que eu estivesse recomposto, e logo segui na direção em que meu carro estava, indo embora em seguida. Não demorou muito para que eu chegasse em casa, ainda tentando não pensar no desgraçado gostoso de cabelos pretos. 

Resolvi tomar um banho frio, para esquecer dos problemas, já passava das dez da noite, quando me joguei na cama e permiti que esse dia acabasse de uma vez.

O resto da semana passou rapidamente, eu não fiz muita coisa, e quase não saí de casa, não voltei a ver Edu depois da formatura, mas em breve o veria, pois trabalhamos juntos a partir de amanhã. E agora deitado nessa cama, na penumbra do quarto, não consigo evitar pensar em como tudo começou...

A quatro anos atrás

Especial: Um novo mundo

World channel Notice

"A mystery continent appears"

"Un continent mystérieux apparaît"

"갑자기 나타난 신비의 대륙"

"Таинственный континент возникает"

"Surge um continente misterioso no meio do Pacífico"

O ano era 2341, repentinamente o mundo parou; todos os olhares pousaram sobre o súbito continente, que apareceu do dia para noite, bem no meio do Pacífico, cuja acessibilidade era quase impossível, posicionado mais longe de qualquer civilização, do que qualquer outro lugar.

O continente, que passou a ser chamado de AsleepCity, por ter aparecido subitamente, roubou os holofotes do mundo, todos queriam saber os segredos que aquela cidade escondia; que tipo de pessoas viviam ali, quais eram suas culturas, sua língua, sua fauna, sua flora.

Até que uma certa empresa, fora designada para estudar nossos novos amigos. Mas o que a população de AsleepCity não sabia, era que a TellStar Corporation, utilizaria essa oportunidade como desculpa, para realizar seus experimentos sórdidos.

O experimento intitulado Cromossomo Z, surgiu de uma ideia da gerência, juntamente com os governantes da cidade, utilizando de pesquisas que já existiam a milhares de anos, e para mascarar tal informação, ela surgiu, como a cidade dos sonhos, SleepVill; como alvo, para dividir aqueles que não tinham as condições sociais adequadas; para dar uma falsa esperança aqueles que buscavam uma vida melhor, uma esperança que nunca aconteceria no mundo lá fora.

Os estudos de conhecimento do novo continente, mascarou para o mundo, os horrores que aconteciam na cidade dos sonhos; e sem que percebessem, o mundo financiou as torturas ocorridas aquelas pobres pessoas, e a desculpa fora dada pela TellStar com a campanha "Doe vida você também" e ganhou fama mundial; todos se compadeceram daquele pobre povo isolado do resto do mundo.

E embora o céu alaranjado pairasse sobre aquelas árvores do outro lado da rua, havia uma janela, que jamais se abria, sempre fazendo sombra e agravando mais a situação. As palavras praticamente ganhavam vida, corriam soltas de boca em boca — algo estranho acontecia ali — naquele lugar, que em sua aparência, não passava de uma mansão centenária velha e abandonada, mas que guardava segredos que nem mesmo Boru ousaria sonhar. 

Seu interior era quase tão velho e empoeirado quanto sua estrutura esterna, ostentando suas marcas que o tempo não perdoou, rangendo com o menor sopro do vento, como se a qualquer momento fosse desmoronar, mas permanecia intacta, quase inabalável. E percorrendo seus cômodos, a mesma porta, que agora esconde um segredo valiosos, pode ser encontrada, escondida sob a vista de todos, com uma tranca codificada, cujo quatro letras aleatórias são espalhadas em sua roleta, e a cima dela, um pequeno quadro leva uma charada criptografada, charada esta, que revela o código da tranca.

Oaqjkiaå_kjda_e'k(i]ojßk'aetaoaajc]j]n(lkeo]ooei_kikahalan'aq(rk_æp]i^åilan'anÝ

E se eventualmente já souberes de sua localização, talvez esta simples charada não seja nada para você, mas se acaso, pertences ao grupo daqueles que não fazem ideia do que eu estou falando, aqui vai uma pista, já contada a muito, nessa historia. 

"Eles chamam de lugar nenhum"

Lembrou? Não? Tudo bem, aqui vai sua ultima dica.

Ele já foi protagonista de livros e filmes, também já foi capitão, príncipe e um simples filho perdido, e em todas as suas vidas, em busca de algo está, e agora, basta quatro letras para encontrar.

Você já sabe a senha? Tenho certeza que sim, mas enquanto você pensa nisso, vamos seguir com a historia.

Um pouco mais distante dali, em um lugar, que eventualmente saberás, mas agora, basta imaginar. Algo que fora esquecido pelo tempo, e pelos seus próprios amigos, aquele que sempre esteve guardando a historia, agora estava lá, jogado em meio as sombras do passado, esquecido na escuridão como um sórdido e horrendo ser, ligado a aparelhos que de hora em hora, drenavam seu precioso sangue, não de forma exacerbada, apenas o suficiente para encher dez potinhos cilíndricos com cerca de trinta centímetros cada; Derek esperou por centenas e centenas de anos, achando que Teledom o salvaria, afinal, já tinha cumprido seu dever, mas não fora o que acontecera.

Pois ele permaneceu, como o paciente zero, por era e mais eras, mantendo a família Van Hyden, imortal e no poder por milhares de anos, não havia como escapar dali, pelo menos não sozinho; mas sozinho era a unica coisa que podia estar, pois ninguém viera para lhe ajudar. Iteak passava cada segundo de sua imortalidade naquela sala branca, e quando não estava preso aos aparelhos, ele podia andar, de uma parede a outra, de canto a canto, apenas a espera da próxima cessão de drenagem; ele sonhava em poder rever seus amigos, mal sabia ele que todos estavam mortos, sonhava em rever sua tão sonhada Iteon novamente, mas suas memorias de tal lugar, eram tão longínquas e apagadas, que agora não passavam de um simples sussurro da escuridão, um devaneio que o impedia de sucumbir de vez a loucura que impregnava aquele lugar. 

O guardião rezava por ajuda todas as noites, clamava pelo perdão do Deus da vida, mesmo não sabendo onde havia errado, pois fizera tudo que o mesmo pedira, até as coisas mais reprováveis, então porquê ele ainda estava lá? Porquê era o único que nunca podia descansar? Sempre condenado a perseguir a historia e a sofrer sozinho; não, não era justo que só a ele, Teledom recusasse ajuda assim, como se o odiasse por alguma razão.

Será que o Deus havia se esquecido dele? Ou será que ele apenas fingia não o ouvir? Fosse o que fosse, Derek não via motivos para tamanho sofrimento, logo ele, que amava o Deus mais do que a ele próprio, e nunca havia ficado com raiva do mesmo, pelos seus castigos desnecessários, mas agora, algo mudava dentro de si, ele sentia seu peito queimar sempre que pensava no supremo, e quase que em um estado automático, seus punhos se cerravam, e a raiva dominava seu cansado coração, que lutara por muito tempo, para se manter puro; sua guerra interna tivera um triste fim, pois o mal dominara o que antes era a luz.

E uma história de sofrimento se iniciou, com a ajuda cega do resto do mundo.

A trajetória de ascensão e queda de AsleepCity.

Um governo guiado pela histórica família Van Hyden [...]

O que há lá fora?

SleepVill 2364, quatro anos antes

— Rápido Porra! Corre! — Eduardo grita.

— Calma! Minhas pernas são curtas! — Jenny a cacheados de cabelos vermelhos responde.

— Anda Jenny! Você que quis vir. Agora corre. Se eles nos pegarem a gente se fode você entendeu?

— Eu sei mísera!

Desesperados eles corriam, fugindo dos policiais, após tentarem ver a vida além das muralhas de SleepVill; ambos se lembravam vagamente da vida lá fora, antes de serem arrastados e obrigados a viverem em exílio, por não terem pais, nem condições alguma de se manterem em sociedade, mas por obra do destino, Eduardo se tornara experiente, já fizera isso muitas vezes, e sabia como se esconder desses policiais idiotas. Guiando Jenny, eles se escondem nas ruínas de um prédio abandonado, que alguns acreditavam ser assombrado.

— Caraí Edu, tinha que ser aqui né! Tem fantasma.

— Larga de ser idiota. Isso é conversa. Eles nunca vão nos achar aqui, graças a essas historinhas para boi dormi. Vamos esperar um pouco, depois vamos embora.

— Ta! Mas se eu ver um capeta, eu saio correndo e te deixo aqui.

— Muito obrigada — Eles riem

Foram cerca de dez minutos vagando pelo prédio abandonado, com Jenny morrendo de medo, mas se foram logo seguida. Moravam na mesma ala, o bloco C, onde ficavam os jovens recém adicionados, para facilitar as pesquisas. SleepVill era dividida em cinco alas, de A a E, tendo a ala A para os adultos homens solteiros, a B para as mulheres solteiras, a C para os adolescentes e crianças em situação de rua, e a D e E para as outras famílias com no máximo quatro membros, até mesmo aqueles que não queriam, eram jogados ali. Todos eram estudados.

O novo rei, Jorge Van Hyden, se especializou em "tratar" a pobreza que ele julgava como doença. E após ter AsleepCity emancipada da antiga Isezia, Nightmare, como era conhecida antes, se tornara uma cidade independente, e fora construída SleepVill, isolada da cidade central; em seguida ele jogou lá, todos os que ele julgava como errados, para serem tratados, com o forte argumento de que não permitiria nenhum tipo de aberração em sua nova cidade.

— Boa noite Jenny! — Eles se despedem.

A noite caiu e Eduardo se viu sozinho, em sua casinha simplória, dada pelo governo, só havia um quarto minúsculo, um banheiro e um lugarzinho onde ele podia cozinhar.

Morando na rua desde seus dez anos de idade, Edu fora jogado em SleepVill a sete anos, ele acabara de completar dezessete, e se lembrou que nunca mais sairia dali, nunca mais veria o mundo lá fora. Os trancados em SleepVill jamais deixavam a cidade, era de lá para o caixão, muitos sucumbiam por causa das torturas e das pesquisas feitas com eles. Eduardo mesmo, perdera um dedo por causa disso, o jovem amante de jazz nunca mais pudera tocar seu saxofone tão bem quanto antes.

— Da próxima vez eu vou sem a Jenny! Aquela anão de jardim só atrapalha.

Já passava das nove da noite, Eduardo não conseguia dormir, a ideia de ver o mundo além das muralhas, rondava em seus pensamentos, como um redemoinho que sugava qualquer outra vontade. Então ele se levantou em um impulso, e saiu em direção às muralhas; iria sem a Jenny dessa vez. Os arredores da muralha eram completamente vigiados, e só havia uma pequena passagem, que levava ao mundo exterior, onde ficava a saída de lixo. E Eduardo se especializou em despistar os guardas, estudara aquela região desde que entrou ali, sabia de cada centímetro e cada horário de todos os guardas, e por volta das nove e trinta e cinco da noite, haveria uma troca de turnos, só teria dois minutos no máximo para chegar até a saída de lixo, e passar rápido.

E assim foi feito, correu vertiginosamente até a saída e em um pulo, passou e caiu na caçamba de lixo do outro lado.

— Que merda! — Ele resmunga — Pelo menos consegui sair.

Quando Edu se levantou, observou AsleepCity pela primeira vez, e fora como ver o paraíso. A deferência na qualidade de vida era escandalosa, a cidade Central era tão brilhante, que parecia que estava de dia, as ruas tão limpas que davam para se deitar nelas, prédios gigantescos, letreiros neon, e lojas que ele não fazia ideia do que poderiam ser. Pessoas andavam por todos os lados, apressadas, esbarravam umas nas outras, mas sem parar; tudo era muito diferente. Não viviam em pequenas casinhas como em SleepVill, as ruas não tinham entulhos e seus prédios não eram destruídos ou largados pela metade, e acima de tudo, eram donos de suas próprias vidas.

Edu andou sem rumo, sem saber aonde ir, ele apenas seguiu a multidão. O garoto míope de cabelos pretos, com sua jaqueta de couro favorita, vagou sem parar durante cinco minutos, até parar na Rua dezesseis, onde havia um fluxo maior de pessoas, música alta tocava, e gente ia e vinha, dançavam, se abraçavam, tudo ali no meio da rua, pareciam muito felizes, e Eduardo às invejou profundamente, pois não havia esse tipo de coisa do outro lado,  ele não lembrara quando fora a última vez que ouvira uma música, nem vira gente dançando assim.

— Incrível! — Diz deslumbrado

— Se você gosta desse tipo de música — Uma voz estranha surge ao lado dele.

— E que tipo de música é essa? —Pergunta curioso.

— Você não é daqui, não é? — Ele sorri — É funk.

— Ta tão na cara assim? — Sorri de volta.

— Não exatamente! Mas se andar por ai perguntando o que é funk, vão te achar um alienígena — O estranho para e sorri terno — Então, de onde você é? Nunca te vi por aqui.

Mas Eduardo não respondeu.

— Você está certo! Eu sou um estranho, não me diga onde mora. Meu nome é Pedro, Pedro Albuquerque.

— Eduardo.

O moreno não respondera mais nada além disso, não pelo fato de ter acabado de conhecer Pedro, mas porquê não poderia, se descobrissem que ele era um Sleeper, ele estaria FERRADO.

— Espera! Para onde você vai? —Pedro grita tentando alcançar o mesmo.

— Pare de me seguir!

— Então me diz para onde vai.

— Não é da sua conta.

— Qual é!

Pedro continuou seguindo Edu, mesmo que o garoto não tivesse a mínima ideia de onde ir. O acastanhado pareceu estranho aos olhos de Eduardo, feliz demais, usando uma blusa marrom com um desenho que ele mesmo havia feito, uma calça alfaiataria mostarda, uma jaqueta jeans azul e um óculos amarelo, péssimas combinações aos olhares monocromáticos de Edu, mas que ficavam estranhamente boas nele.

— Você não sabe para onde ir, né?

— Por que você ainda está aqui?

— Eu não quero que você se perca, porquê está na cara que não conhece nada aqui.

— Eu não preciso de um guia turístico, ta? Volta para o seu tunk.

— Funk! — Ele corrige.

— Tanto faz.

— O que pretende fazer? Vagar sem rumo e depois ir cara casa? Você é tão solitário assim?

Mais uma vez Eduardo saí sem responder, deixando Pedro a falar sozinho.

— Ok! Eu fui estúpido, me desculpa! Só me deixa te ajudar.

— Se eu deixar, você vai parar de me incomodar?

Pedro concorda com um sorriso e ambos saem. O externo leva Edu para conhecer a cidade, embora seja tarde da noite, não se sentem sonolentos, então ambos seguem em direção a Praça StarLight, que ficava frente ao prédio de luxo em que Pedro morava, onde antigamente, ficava a cede dos guardiões, conhecida até hoje com o manto verde. Lá, eles sentaram, e conversaram por um longo tempo.

— Você não vai mesmo me dizer onde mora? — Pedro pergunta.

— Você não precisa saber!

— Como eu poderei te levar para casa, se eu não sei onde mora?

— Eu tenho perna, posso ir sozinho.

— Não seja tão chato!

A conversa até que fora divertida. Ambos fizeram perguntas e se conheceram melhorar, é claro que algumas mentirinhas foram contadas, mas Eduardo se sentia em paz, AsleepCity era barulhenta e tumultuada, mas ainda sim, era um lugar ótimo para se estar. E observando os arredores iluminados e cheio de curiosidade, Edu vira a cabeça para olhar o que está a sua traseira, mas se depara com o Doutor Nero Carvalho, responsável por arrancar o seu polegar.

— Puta que pariu! — Ele grita e se vira rapidamente.

Abruptamente, ele saí correndo, sem dar uma única explicação, Pedro se assusta e vai atrás dele, ambos se escondem em uma viela, que ficava ao lado de um dos prédios. Enquanto Edu tentava se esconder, Pedro não parava de falar, o doutor Carvalho e seus guarda costas passavam bem na hora.

— Xiu! Fecha a boca.

O moreno o encosta na parede, e tapa sua boca, fazendo um gesto para o garoto se manter em silêncio; por sorte o Doutor não ouvira nada, e seguiu seu caminho. E la eles ficaram, a se olhar, apesar de não estarem mais em perigo, se mantiveram assim por longos  segundos.

— Você está fugindo de alguém? Por isso não quer me contar onde mora? — Pedro pergunta assim que Edu se afasta.

— Olha, Pedro né? Se não quiser se ferrar também, é melhor ir para casa, e esquecer que me viu aqui.

— Você é um criminoso? Um assassino? Um estuprador? — Diz assustado.

— Idiota! — Edu balança a cabeça em negação — Vá para casa.

Antes de sair dali, Edu se certifica de que não há mais nenhuma surpresa por perto, e logo vai embora, deixando Pedro ainda surpreso no mesmo lugar.

— Espera! Eu disse que ia te ajudar e vou. Afinal você não tem para onde ir.

— Qual é o seu problema? E se eu for mesmo um assassino, um estuprador, como você disse?

— E você é?

— Não — Ele responde baixo.

— Então cale à boca. Vamos. Pode ficar na minha casa hoje. É logo ali.

Edu titubeou, mas acabou aceitando, e ambos foram para o apartamento de Pedro, que ficava no décimo segundo andar. O apartamento dado por seus pais era gigante para Edu, cabiam pelo menos quatro casinhas de SleepVill ali dentro.

— Uau! — Ele se impressiona — É enorme.

— Você acha? Eu queria um maior, mas meus pais disseram que esse ta de bom tamanho para eu morar sozinho.

— Eu acho que você devia agradecer a seus pais por isso. Minha casa inteira caberia no seu banheiro.

Um silêncio constrangedor pairou

— Ih! Climão! Me desculpa, eu não quis parecer mesquinho.

— Tanto faz! Eu não tenho nada com a sua vida — Fala se dirigindo ao sofá

— Aff! — Ele sorri.

— Então vai contar porquê está fugindo? — Diz sentando ao lado de Edu.

Após muito, muito pensar, Eduardo decide que seria melhor não envolver o garoto em seus problemas, então decide não contar nada a ele. E para o passar das horas, ambos decidem assistir TV por um tempo, mas logo vão dormi; o quarto que Pedro dera a Edu ficava bem ao lado do seu.

— Não se preocupe, eu não vou te matar durante a noite! — Edu brinca.

— Engraçadinho. Eu não estava com medo.

— Ahamm! Claro que não

Pela primeira vez em sete anos, Edu passava uma noite confortável, sem medo de acordar e ser submetido a testes e mais teste. Espera?

— Merda! E se amanhã for meu dia?

Já passavam das três, e Edu mais uma vez se viu em um dilema, passava a noite ali? Ou voltaria agora mesmo para SleepVill? Se fosse assim, teria que voltar correndo, pois à próxima troca de turno estava próxima.

— Que se dane! é melhor eu voltar.

Decidindo voltar, ele para e escreve em bilhete a Pedro, agradecendo pela ajuda, e pedindo para que o garoto esqueça sobre hoje. Rapidamente ele saí correndo em direção a muralha, que não era nenhum pouco difícil de de ver, e graças a suas habilidades, entrar não fora complicado.

Minutos depois já estava em sua casinha, desmaiando com a roupa que estava logo em seguida.

A manhã chegou cinzenta, o frio tomava conta do apartamento de Pedro, graças a janela que ele esquecera aberta em seu quarto. O garoto se levanta com dificuldade para fechá-la; então decide checar se Edu estava bem, entretanto, só vê a cama vazia e um bilhete grudado na cabeceira da cama.

Tive que voltar para não te colocar em perigo também. Esqueça que me conheceu e obrigada por me ajudar.

— Ele meteu o pé no meio da noite, da pra acreditar — Ele sorri.

Já em SleepVill, Edu foi acordado com o alarme da inspeção semanal. Eram cinco horas da amanhã, quando foram arrastados para fora da cama e colocados em fila única no pátio central.

A inspeção era feita ala por ala separadamente, seus números de identificação eram chamados e um por um, verificados. A identificação continha a letra correspondente a ala que ficaria, e seu número de entrada, tatuados na lateral do pescoço. Quando chegara a vez de Eduardo e o número C355 fora chamado, ele se apresentou ao inspetor, junto do doutor Carvalho e se lembrou da noite passada.

— C355, braços e pernas abertos por favor! — Diz o inspetor Augusto Reis

Após ser cuidadosamente revistado, ele fora submetido a exames rápidos, como medir a pressão, checar as vistas e ouvir os batimentos cardíacos. E essa era única parte simples do tratamento.

— Leve o 355 para o laboratório. Hoje é o dia do seu tratamento.

Os tratamentos eram agendados sem quaisquer aviso prévio, eram decididos sem que eles tivessem a mínima oportunidade de questionar. O laboratório ficava a leste da ala C, próximo a ala E.

Lá, Edu fora preso ao leito, com eletrodos cardíacos para monitoração. A terapia consistia em uma série de experimentos de remédios em fase de testes; testados sem consentimento, nos pacientes de SleepVill, além de uma série de perguntas e questionamentos sobre suas sexualidades, tudo afim de buscar o receptáculo perfeito.

— 355...

— Eduardo — Ele o interrompe.

— O que?

— Meu nome é Eduardo.

— Irrelevante! Não precisamos saber seu nome, precisamos que colabore hoje, está bem? Não quer repetir o que aconteceu na terapia anterior. Quer?

— Não senhor!

— Exatamente. Você já conhece o procedimento então vamos pular esta etapa. Apenas tente colaborar, sim? Você teve algum tipo de desejo, ou pensamento sexual, com alguém do mesmo sexo recentemente?

Edu demora para responder, pensando no que deveria dizer, deveria mentir para agradá-lo? ou seria sincero consigo mesmo?

— Tive sim, ontem mesmo! — Ele debocha.

Eduardo optou pela sinceridade, não apenas por ter achado ser o certo, mas também para provocá-lo, jamais colaboraria com aquela maluquice.

— Edu, não está ajudando — Disse já pegando a seringa.

Para puni-ló, o doutor Carvalho, injetou em suas veias um remédio experimental, para tratamento de doenças cardiovasculares. Fazendo Edu se contorcer e logo amolecer com o efeito.

— Pode classificar de um a dez a frequência que tem tais pensamentos?

— Vai a merda! — Diz com dificuldade.

— Você não aprende mesmo, não é? Será preciso arrancar sua mão inteira para você colaborar? — Pergunta retoricamente.

A rebeldia de Eduardo sempre lhe rendia torturas a mais, e por mais que apanhasse ou arrancassem seus dedos, Edu jamais negaria quem era. Era gay assumido sim, e com muito orgulho.

— Levem ele.

Mas o garoto pagaria por sua rebeldia, o Doutor Carvalho conhecia todas as suas fraquezas, seus medos, e estava na hora de usá-los contra ele, para que se tornasse um pouco mais receptivo ao tratamento.

— Você é um garoto forte Edu! — Ele enfatiza — Meu paciente mais problemático. Então estou disposto a lhe dar um tratamento especial por isso. Eu sei que gosta de histórias medievais, então, o que acha de usarmos um método antigo como punição?

Edu fora arrastado a força até a praça central e amarrado a um dos postes de luz do local. O sinal de inspeção fora tocado, para que todos comparecessem ao local, e a cena que viram não era nada agradável, Edu sem camisa amarrado ao poste.

— Não, Edu! — Jenny grita.

Desde a criação de SleepVill, nada assim fora visto antes. Nunca ninguém havia desafiado tanto o governo, como Edu desafiava. E agora ele serviria de exemplos aos outro.

— Isso é para vocês aprenderem, que se não colaborarem com o tratamento, pagaram, como ele.

Todos estavam chocados, olhos arregalados e comentários viam de todas as partes, e antes que qualquer um pudesse pensar em alguma coisa, a primeira chicotada fora dada, fazendo Edu gritar com a dor. Mesmo que quisessem interferir, haviam soldados com armas, prontos para atirar, não havia nada a se fazer, além de fechar os olhos e rezar para que acabasse logo.

O clima em SleepVill pesou, somente os choros, os gritos de Edu e o barulho das chicotadas eram ouvidas. Sangue escorria por suas costas, e quando ele já estava quase perdendo os sentidos, a chuva começara cair, após a décima sétima chicotada, salvando Edu de sofrer por mais tempo.

A chuva que caía, lavava o sangue de suas costas, e rapidamente todos entraram, deixando ele ali, amarrado, sozinho e sangrando. Algumas pessoas até tentaram o ajudar, mas foram barradas pelos soldados, Eduardo ficaria preso, sangrando e na chuva, até segunda ordem.

Depois de trinta minutos, ele fora retirado e arrastado de volta ao laboratório, Jenny gritava e se perguntava o que fariam com ele, mas fora terrivelmente ignorada; o garoto deixado desacordado sobre o mesmo leito, recebeu os devidos cuidados, e após limparem e infaixarem todo seu tronco, o carregaram de volta a sua casa, onde Jenny ficou até que ele acordasse.

— Seu idiota! — Ela grita — Quantas vezes eu vou ter que te falar, para parar de fazer besteiras — Jenny chora ao ver Edu acordando — E se eles te matassem? — Ela o batia incessantemente.

— Aí! E mais fácil você me matar! — Ele brinca.

— Desculpa, desculpa, desculpa!

Os dias foram passando, e por toda SleepVill comentavam sobres os feitos de Eduardo, o garoto que desafiava o governo. Opiniões divergentes surgiam, enquanto alguns o achavam um idiota, outro o viam como um herói, um modelo que os inspiravam a lutar por seus direitos, e graças a condenação em Praça pública de Edu, fora a gota d'água para alguns. E durante toda a semana, aquele assunto foi discutido.

E mesmo uma semana depois, ainda falavam do ocorrido, Edu se recuperava bem, sua costa não doía tanto quanto antes, mais ainda estava muito machucada. Mas o garoto não pensava em parar por ali, queria voltar a AsleepCity, e quem sabe, com um pouco de sorte, rever Pedro.

Dessa vez ele não esperou a noite, assim que a tarde caiu, e o horário do almoço chegou, mais da metade dos guardas saíram, então Edu aproveitou para passar pela passagem de lixo, com muita dificuldade dessa vez.

Os movimentos abruptos, fizeram seus machucados voltarem a sagrar, mas ele não parou, já que estava do lado de fora, caminhou mesmo com dor, refez o mesmo caminho de antes, e por sorte, se lembrava do prédio onde Pedro morava, e lá, encostado na Praça, rodeado de amigos, estava ele.

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