Algumas escolhas que fazemos podem nos levar a um caminho permeado por dificuldades que nos tolhem a visão impedindo-nos de divisar as nuanças coloridas que enganam a criação. Que dizer então da possibilidade de se permitir alcançar o sucesso?
Vez ou outra ocorre de sermos brindados com um encontro casual, nem sempre passível de explicação lógica, mas que nos envolve de modo tão intenso que se impossibilita ignorá-lo.
Talvez uma fantasia pueril ou mesmo uma viagem psicodélica, definiriam os céticos. E ainda assim a certeza de estar vivendo a maior aventura de nossas vidas nos faz ver a realidade onde todos os outros enxergam apenas sonhos.
Reunir esta tendência inata ao devaneio e a busca frenética por um mundo menos insensível gera, na maioria das vezes, uma sensação de completa insatisfação. Não encontrar eco, às aspirações que nos são tão caras, pode tornar-nos amargos e descrentes.
Se juntarmos a estas contrariedades tão comuns traumas pessoais experimentados ainda quando em formação, o resultado será ainda mais problemático. Uma bomba ambulante preste a explodir espalhando seus efeitos devastadores por um maior ou menor número de indivíduos.
Onde encontrar a tábua salvadora que possa servir de apoio para que não se cometa desatinos irreparáveis? Filosofias nos parecem palavras vãs desprovidas de sentido; conselhos soam como sons disformes e distantes, nada faz sentido. O eu anula o grupo e nada mais importa.
Ainda assim a vida nos sorri.
Podemos negar qualquer fator que não nos revele nossas próprias amarguras, mas ainda assim eles se perpetuam ante nosso torpor. Negar o nascer do sol ou o cair da noite, olvidar a sonoridade nascente do sorriso espontâneo ou desdenhar o olhar terno que nos lança a vida é um modo destrutivo de enfrentar as vicissitudes que nos golpeiam.
Não que intente vestir-me de erudição e posar de doutrinador, mas será mesmo que nos encontramos totalmente isolados de qualquer emoção mais venturosa? Devemos nos entregar a toda sorte de aflições e flagelar nossa existência com sucessivos acessos de desespero?
Uma pessoa. Não importa quem seja ou onde se encontre. Uma única pessoa pode ser o diferencial entre o abismo e as estrelas. Onde encontrá-la? Como reconhecê-la? Podemos confiar em suas manifestações?
Seria fácil poder encontrar alguém em quem pudéssemos depositar tanta confiança a ponto de nortear nossa existência seguindo as orientações que ela nos desse. Mas estaríamos, desta forma, realmente vivendo?
Talvez jamais nos encontremos com um ser etéreo e evoluído como Darkness, mas se o achamos tão sublime, por que não tentar imitá-lo? Tornar nossas as potencialidades que ele demonstra possuir? Difícil? Sim, sempre é difícil vencer nossas limitações. Só não devemos esquecer que estas limitações nos são impostas por nossas convicções revestidas de comodismo doentio. Só colhemos aquilo que plantamos.
Antes de sairmos procurando por Darkness no âmago de fulano ou sicrano, por que não torná-lo vivo em nós? Abraçar conceitos doutrinários oriundos de uma mente alheia é o maior sinal de que não estamos indo para lugar algum. Conhecer este ou aquele sistema filosófico religioso pode e deve servir como parâmetro para nossas reflexões. Mas apenas isto. Parâmetros não devem ser tomados em conta de leis indiscutíveis ou inquestionáveis.
A opção pelo modo como experimentaremos nossa existência não deve se prender a conceitos que não nos sejam inerentes, ou corremos o risco de deixarmos este mundo plenos de insatisfação. Neste sentido, somos tão normais quanto qualquer outro viajante desta imensa nave material.
As angústias são concretas assim como o são todos os fatores que nos cercam. Se cada um procurasse tornar-se uma estação de recepção, filtração, transformação e retransmissão das energias que grassam por toda criação, o mundo em que vivemos tornar-se-ia, ao menos, diferente. Talvez menos insensível e injusto.
Antes que nuvens turbulentas fendam os olhos que anseiam por um panorama menos insensível, apresento o relato de uma vivência incomum, tenha acontecido ou não, mostra que quando a hora é chegada nada pode nos deter e, talvez mais capital que tudo, quando respeitamos nossa própria maturidade nunca incorremos em deslizes. Todas nossas experiências se tornam lições imprescindíveis a nosso crescimento.
Darkness pode ser um conceito ainda distante para muitos, mas Fobos, Lilith, Deimos, Pandora, Mefisto, Set, Eve e Hades podem ser encontrados em muitas ruas das muitas cidades deste nosso mundo.
Pessoas que conhecem as mazelas do mundo tendem a incorporar apenas as dores e lamentações, mas quando não se acomodam ou se acovardam o efeito é outro. Rebelam-se diante do revés e alimentam-se de energias supremas lutando aguerridamente até superar sua condição infeliz.
Convido aqueles que tiveram suas vidas corroídas por acontecimentos embalados por infortúnios ou que tenham experimentado situações que aflitivas que silenciem suas decepções e procurem ouvir a força que ainda habita, latente, seus âmagos. Utilizem-na para reverter as expectativas que criaram. Rebelem-se contra a insensibilidade do mundo e mostrem o quanto são sensíveis. Não agrilhoem seus sonhos e suas liberdades apenas por receio de serem vistos como estranhos. Somos únicos e apenas a nós nos cabe a responsabilidade pela condução que damos a nossas vidas.
Libertem-se da mesmice e vivam!
Ass: Hades!
A sombra da noite, para a maioria, se tornou o habitat ideal para acobertar muitos delitos e delinquentes. Muitos, também, nos consideram tão delinquentes quanto aqueles que praticam o mal. Tudo isto não tinha significado algum para mim e para um grupo de colegas. Mas, em determinada noite, tudo mudou.
A cidade se encontrava envolta pelas trevas. A lua havia desaparecido no escuro do espaço insensível. Após alguns dias de intenso calor, a chuva parecia corroborar nosso estado de ânimo. Nossas almas clamavam pela angústia e pela dor. Éramos oito. Cinco rapazes e três garotas. Todos com um único destino, o suicídio.
— Então, ainda em pé nosso passeio? Set perguntou olhando o céu banhado em lágrimas espectrais.
— Por que a dúvida? Interpelou-o Fobos, nosso líder.
— A chuva… tentou argumentar, Set.
— A chuva é como nossas lágrimas a verterem sobre a Terra, ou talvez nosso sangue a gotejar por nossos corpos. Quem sabe se não haverá, enfim, um fim em tudo… filosofou Fobos.
Naquela época orbitávamos entre os dezesseis e os vinte anos. Pela ordem etária estaríamos assim: Fobos, Lilith, Deimos, Set, Mefisto, Hades, Pandora e Eve. Logicamente que não se tratavam de nossos verdadeiros nomes, mas se tudo quanto abominávamos estava estreitamente relacionado ao mundo exterior, por que prolongá-lo entre nós? Não, éramos quem éramos. Nossos verdadeiros nomes não significavam nada.
Fobos era o líder. Seus vinte anos lhe conferiam a supremacia que o mantinha na liderança. Filho de um rico empresário, aderira à cultura e ao meio de vida gótico por sentir-se um estranho no complicado e hipócrita mundo em que os pais viviam. Não era nenhum rebelde, apenas procurava seu próprio caminho. Seu jeito seguro de nos liderar fazia com que se tornasse natural respeitá-lo.
O fator mais intrínseco de sua personalidade era mantido oculto sob as muitas camadas de conceitos que haviam aderido a seu caráter. Nenhum de nós, embora enfrentando situação semelhante, imaginávamos o quanto ele era discriminado pelos seus. Não podíamos sequer supor que ele já não tinha mais o amparo de qualquer um dos seus familiares. Estava só.
Lilith era uma moça linda, mas um tanto afetada. Somente quem a conhecia mais profundamente sabia que esta afetação era uma das armas que utilizava para se defender das agressões do mundo externo. Sua índole contestadora a tornara um peso para a família.
Aderiu ao grupo ao travar conhecimento com Fobos. O jeito indolente e plangente que ele demonstrava possuir a cativara. Da mesma idade que ele, ela se enamorou e acabou aderindo ao seu estilo de vida.
Com o passar do tempo, sentiu que sua alma vibrava tal qual as manifestações de vida dos góticos. Desde então, sentia-se cada vez mais irmanada com todos os aspectos que caracterizavam o grupo.
Deimos. Este era uma incógnita. Alguns meses mais novo que Fobos e Lilith, ainda na casa dos dezenove, entrara para o grupo vindo de uma família onde todos eram góticos. Não os acompanhou por julgar faltar espaço para ele. Dizia que se sentia mais integrado ao grupo que a família. Embora não aparentasse possuir nenhum traço angustiante, também trazia as marcas que abatem aqueles que sofrem os tormentos da dor.
Set. o mais irritado de todos. Sempre pronto a atacar quem quer que fosse, só mantinha sua raiva controlada quando Fobos o enquadrava. Não sabíamos muito a seu respeito. O pouco que ele nos havia confidenciado demonstrava que em seus dezenove anos de vida, enfrentara a barra de haver vivido em um lar destruído pela violência e pelas drogas. Talvez por este detalhe, nos o aturávamos e relevávamos suas explosões.
Mefisto. Este era o retrato da adolescência. Mal havia completado dezoito anos quando viu seu restrito mundo desabar. Não era o mais novo do grupo, mas era aquele que há menos tempo fazia parte dele. Não era muito ligado ao estilo que seguíamos, só decidiu nos acompanhar por falta de opção melhor.
Pandora. O que poderia se esperar de uma menina de quinze anos que passara os últimos cinco sofrendo abusos dentro da própria casa? Não era oriunda de nenhuma família desprovida de posses, pelo contrário. Porém, sua história fazia coro àquelas tantas que se desenrolam nos meios menos abastados. Encontramo-la pronta para se jogar de uma ponte.
Ao lhe falarmos sobre as angústias tão características que nos permeavam os âmagos, ela se convenceu a desistir de pôr um fim à vida. Desde então, isto já se dera há cerca de dois anos, vivia com Fobos e Lilith numa casa que haviam alugado.
Eve. Quem a encontrasse andando pelas ruas jamais imaginaria que aquela criatura doce de ar angelical fosse uma de nós. Embora estivesse dominada por uma dor muito forte, não deixava transparecer a tortura que a consumia.
Filha caçula de um engenheiro e uma professora universitária, tinha uma vida confortável e tranquila. Mas tudo ruiu logo que completou três anos. Naquela época, descobriu-se que ela era portadora de uma doença degenerativa muito grave. Os médicos lhe prognosticaram, no mais auspicioso ensejo, cinco anos de sobrevida.
Desde então, viveu rondada pela presença constante da morte. Não era de se estranhar que se sentisse tão fascinada por ela. Apesar desta provação, ou talvez motivada por ela, nunca pensou em abreviar sua existência. Estava imbuída da determinação de aproveitar cada momento que ainda tinha para viver.
Ah, em tempo, em breve ela completará dezessete anos.
Por fim, eu, Hades. Dezessete anos de uma vida sem graça. Vitima, será que é certo definir assim? Bem, considerava-me uma vítima da timidez causada pela má formação de meu porte físico. Em outras palavras, me achava feio. Sem a menor chance de conseguir conquistar a atenção de alguma garota.
Tentei sufocar minha timidez entregando-me aos estudos. Tornei-me, quer dizer, acabei me destacando dentre os demais. Iria dizer que havia me tornado inteligente, mas creio que isto seja algo que já trazemos em nós desde o momento da concepção.
Chegou um momento em que estava estafado. Já não conseguia mais me concentrar em nada. Foi quando os “amigos” surgiram com a “solução” para tudo; as drogas. Embarquei nesta de cabeça. Estava com treze anos. Minha primeira “viagem” foi além de minhas forças e ali mesmo terminei com os embalos das drogas. Havia experimentado uma overdose.
Meses internados em um hospital e depois o caos. Minha família simplesmente me virou as costas. Porque iam perder seu precioso tempo e desperdiçar suas energias com um derrotado? Que eu me virasse.
Rodei por muitos cantos até ser acolhido por um velho meio lelé. Que de louco não tinha absolutamente nada. Ele me abriu os olhos e evitou que me perdesse de vez. Antes de morrer, sugeriu que eu procurasse um tal de Antenor. Foi no estabelecimento que este Antenor dirigia que encontrei o grupo.
— Está pensando em que, Hades? Perguntou-me Fobos.
— Heim?
— Parece alienado.
— Não sei se devemos ir. Algo me diz que não deveríamos.
— Hei, pessoal! Nosso caçula está com medo!
O riso, embora não fosse debochado entre nós, vazou a ironia de todos. Não era por medo que desejava evitar aquele passeio, afinal já havíamos realizado tantos outros. Mas naquela noite... bem, a verdade era que minha
sensibilidade estava aguçada.
— Não é medo. Retruquei.
— Se não é medo, desafiou-me Fobos, então deixe de não me toque e vamos.
Muitas foram às vezes em que me perguntei porque aceitara participar daquele grupo. Aos dezessete anos tudo que mais queria era fazer parte de uma tribo. A mais próxima de meus anseios e objetivos era aquela. Fazer o quê?
Nossos trajes, tão escuros quanto a noite que nos acolhia, fazia-nos parecer quais camaleões a transitarem por ruas e vielas pouco movimentadas. Fobos seguia sempre à frente. A seu lado Lilith, sua namorada. Os demais iam seguindo aleatoriamente. Não tínhamos uma posição ou um posto. Apenas Fobos e Lilith estavam além de nossas frágeis participações.
À medida que caminhávamos sentíamos o odor nauseabundo que pairava no ar. A data havia sido especialmente escolhida por todos. A noite que antecedia o dia das bruxas estava povoada por criaturas sinistras. As energias que se cruzavam nada prognosticavam de bom para a noite. Tudo conspirava para que meus temores se tornassem mais e mais gritantes.
Quando finalmente chegamos a nosso destino, Fobos deteve-nos e, como um líder inquestionável, ordenou:
— Silêncio! Precisamos manter a discrição. Se alguém nos flagra, adeus reunião.
Enquanto aguardávamos que Fobos nos ordenasse a ação, ele permanecia impassível ante o portão de nosso objetivo. Nenhuma alma viva podia ser vista nas proximidades e ainda assim Fobos nos mantinha ocultos nas sombras. De repente, ele nos mirou e bradou:
— Agora!
Como se houvéssemos sido atingidos por descarga elétrica, saltamos e corremos. Sem mesmo calcular a distância e a altura, saltamos o muro que nos separava de nosso intento. Com ágeis movimentos e em poucos segundo, estávamos no interior do mortiço cemitério.
As lápides reluzentes não nos atraiam. Procurávamos por aquela que já nos havia servido de altar. A história do corpo que jazia em seu interior era tão assombrosa quanto o fato de estarmos ali. Os restos mortais de um cruel
coronel que cometeu os mais insanos crimes, era o despojo que compunha nosso espólio.
— Sejam bem vindos ao templo da morte. A voz de Fobos soava cavernosa toda vez que desejava nos impressionar.
— Esqueçam os medos que tentam dominar suas almas. Olvidem os receios que tumultuam suas razões. Acolham a dor, a angústia, o desprezo pela vida. A hora é de reverenciar a morte!
Se ainda faltava um único fator que nos conduzisse ao pandemônio de incertezas que grassavam em nossos íntimos, o estrondoso trovão que se seguiu ao término da invocação feita por Lilith, serviu como complemento. Por instantes, apenas o silêncio se fazia ouvir.
Antes que Fobos pudesse prosseguir com os ritos inerentes as nossas reuniões, um riso estridente e funesto cortou a noite. Imediatamente nos colocamos em alerta procurando pela origem de tal riso. Não precisamos procurar muito. Postado de cócoras sobre um dos túmulos, uma figura lúgubre e esquálida dardejava correntes de sensações inéditas.
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