Fim de um ciclo e começo de outro. Se o cara barbudo lá em cima existe, obrigada. Não acredito em tudo que passei até aqui e juro que achei que iria morrer antes de acabar esse maldito curso nessa merda de faculdade.
- Bando de filhos da puta, se eu pudesse tacava fogo nesse merda. - jogo mais algumas coisas na caixa a minha frente e a fecho com fita.
Dou uma última olhada no quarto do campus no qual fiquei nos últimos quatro anos de minha maldita vida "adulta". Bem longe o sonho de faculdade lotada de festa, bebidas e pegação passou por aqui, tudo que mais tive foi choros no chuveiro, miojos como prato principal e vontade de desistir de tudo e vender minha arte na praia. Mas enfim, vamos de realmente vida adulta em um novo lugar bem longe daqui.
Pego minha bolsa e a última caixa, vou até a velha Lucinda, meu fusca conversível laranja, uma das poucas coisas boas herdadas dos meus avós maternos. Me jogo para dentro do carro, dou partida e saio acelerando Lucinda com todo meu ódio no coração e um belo dedo no meio levantado para o prédio. Liberdade enfim baby.
Passo quase oito horas dirigindo, paro algumas vezes para esticar as pernas e comer algo no caminho, ainda tenho mais de dez horas até o meu ponto final. Minha nova morada me aguardava e como Lucinda, é uma herança na qual não preciso pagar aluguel.
Dirijo mais um pouco e resolvo parar em um hotel beira de estrada para dormir, comer e seguir no dia seguinte, óbvio, rezando para não ser notícia no dia seguinte em um noticiário local. Encosto Lucinda no estacionamento do hotel, observando o lugar que era bem cuidado para um lugar isolado daquele. Ao entrar na recepção uma senhora simpática me atende sorridente e me fala do lugar e a cidade alguns minutos dali, o que explicar o lugar sem bem conservado, era sempre visitado.
Pego minhas chaves, vou na direção de meu quarto ouvindo o som da natureza e admirando o por do sol que era possível ver entre as árvores do lado oposto ao meu quarto. Pego meu celular para registrar aquele momento incrível, mas um som à longe me desconcentra, me faz procurar de onde vinha e em questão de poucos minutos aprece em minha visão meia dúzia de motos custon de todos os modelos e cores, acelerando e buzinando. Entram no estacionamento do mesmo hotel que eu estava e estacionam perto da recepção. Observo melhor suas roupas, jeans, coturnos, jaquetas de couro e o símbolo de luas e lobos nas costas. Os seis homens pulam de suas motos, sai empurrando uns aos outros rindo alto e passando pela porta um por um fazendo o sininho acima bater. Um deles fica para trás na porta, acende seu cigarro e joga a fumaça para cima passando a mão pelos cabelos meio longos e negros os jogando para trás. Ele se vira lentamente ajeitando a jaqueta e dando mais um trago no cigarro quando seu olhar se fixa no meu do outro lado do estacionamento, com o meu celular ainda aprontando para o por do sol e minha bolsa no chão.
Seu olhar faz meu corpo ter um arreio frio me trazendo de volta a mim. Pego minhas coisas no chão abro a porta e corro para dentro do meu quarto, mas antes de fechar a porta, posso jurar que aqueles olhos que antes era de um azul céu ficaram amarelos selvagem.
Tranco a porta sentindo meu coração palpitando loucamente, dou uma olhada no olho magico e não vejo mais o rapaz do outro lado. Encosto minhas costas na porta e deixo o peso do meu corpo me levar até o chão. Pego meu celular na bolsa e vejo que havia perdido algumas chamadas, tinha milhares de mensagens e a bateria estava acabando. Me levanto do chão e vou ao lado da cama para colocar meu celular para carregar e começo a ler as mensagens. Meu padrasto, meu pai, alguns amigos do curso, o professor tarado que pediu para se aposentar, ex-colega de quarto reclamando que sumiu sua escova de cabelo, meu ex pedindo perdão por ter me traído com a ex-colega de quarto com a desculpa de que estava bêbado e eu e ela somos idênticas. Sim, claro, somos idênticas mesmo, eu mulher de 1,60 de altura, negra mestiça, meio brasileira e meio estadunidense e ela, loira norueguesa, com 1,75 de perna longas e finas, com aquele sotaque de Nova York. Resolvo responder às mensagens, posso me arrepender amanha, mas quero ver o circo pegar fogo.
“Querida ex-colega de quarto, não sabia que do pasto onde você vive tinha wi-fi, mas fico feliz que como sua evolução para uma quase humana a internet também evoluiu e chegou aí. Sua escova ficou no quarto do meu namorado, correção, ex namorado, junto da sua bolsa de couro falsificada e sua habilitação. Ah, antes que eu esqueça, o Tonny e eu não estávamos dormindo juntos por conta da minha cirurgia, mas vi entre as coisas dele antibiótico e exames de sangue, sem contar que ele estava reclamando de dor para urinar… você entendeu, é bem esperta. Beijos de luz e pau no seu cu”, envio a mensagem para Melissa e pulo para o próximo da lista para destilar meu veneno.
“ Tonny seu puto, não quero nunca mais te ver, espero que ter dormido com a Melissa todos esse tempo tenha compensado. Nunca mais me ligue ou me mande mensagens, seu arrombado. Espero que seu pinto caia com a doença que pegou. Sim, eu sei que esta com gonorreia e isso é a única coisa que me deixa feliz em saber. Sem mais, beijinhos.” Respondo Tonny e envio uma foto com o dedo do meio para ele e em seguida bloqueio o número para ter paz.
Vejo as outras mensagens, respondo meu pai dizendo que estou bem e que parei para descansar, bloqueio o número do professor, pois sabia que era ele me fazendo ameaças novamente e por fim mando meu padrasto tomar no cu dele.
Ele vinha me infernizando desde o velório do meu avô, inconformado de eu ter herdado tantas coisas de meus avós maternos. Querido, você casou com separação total de bens e assinou um acordo de que não teria nada dos bens, apenas um valor em dinheiro, que para o lado materno da minha família era troco de bar, mas somava seis dígitos que na minha visão era dinheiro demais.
Me jogo na cama de casal como uma estrela-do-mar, que era incrivelmente macia e com cheiro de amaciante, com toda certeza esse hotel era bem cuidado. Inclino minha cabeça para o lado e acabo sentindo o cheiro do meu sovaco, dou um pulo me sentando e conferindo se aquele cheiro de gamba em decomposição está vindo de baixo do meu braço. Sim, eu estava fedendo, fedendo muito, cruzar meio país em um carro sem ar-condicionado só podia ter esse resultado.
Procuro por minha mala para pegar uma troca de roupa e minha toalha e lembro que não desci com ela de Lucinda. Corro para a janela e posso ver minhas coisas dentro do pequeno carro e na carreta acoplada. Fico aliviada de ver que minhas coisas ainda estavam lá, mas fiquei com o cu na mão de precisar ir la fora de novo. Abro a porta e dou passos largos até o meu fusca, puxo a mala para fora e o tranco às pressas. Pego a mala no chão e dou de encontro com algo quando viro meu corpo. O encontro faz com que eu derrube minhas coisas e seja segurada de forma desajeitada por uma mão bem grande.
- Desculpa, eu não te vi…- paro de falar ao ver quem era. - Amarelo…
- Quê? - Ele ri com um sorriso de canto e ar de debochado.
- Nada, pode me soltar? - Me ajeito como posso ainda observando os olhos amarelos.
- Claro, minha deusa. - ele me responde ainda com aquele sorriso de canto. - Como desejar.
- Não me chame assim. - Foco em seus olhos e sinto aquele frio percorrer meu corpo, não percebo que estou me aproximando dele até ouvir alguém falar algo.
- Precisa de ajuda querida? - A senhora da recepção grita do lado da porta.
- Esta tudo bem, eu estava só ajudando ela a…
- Perguntei para ela Calab. - Então esse era o seu nome.
Como uma criança pega fazendo arte, ele levanta as mãos e da risada. Calab passa pela senhora, dando um beijo no topo da cabeça da mesma e sumindo recepção adentro. A senhora volta para a mim com um sorriso gentil e me ajuda a levar minhas coisas para o quarto.
— Desculpa pelo meu neto, ele sempre fica assim quando está perto de uma moça bonita.
Dou um sorriso sem graça para aquela senhora. Ela olha em volta se certificando que esta tudo certo e sai prometendo trazer algo para comer por conta da casa. Corro para o banheiro e tomo um banho longo, me permitindo sentir a água quente batendo em meu corpo e relaxar os músculos. Ao voltar para o quarto, vou direto para minha mala, apenas enrolada na toalha, mas minha visão periférica pega um movimento no canto esquerdo da porta e lá estava ele, no meu quarto, com uma bandeja nas mãos me olhando em choque e os olhos amarelos brilhando.
No reflexo do susto jogo nele a primeiro coisa que estava perto de mim, meu celular. O mesmo desvia com velocidade e olhando em choque como se o que eu tivesse acabado de fazer fosse a coisa mais caótica que ele tivesse visto na vida.
— Você é louca?
— Você não sabe bater na porta?
— Eu estou com uma bandeja nas mãos, sua cega.
— Então como abriu a porta se eu tranquei antes de entrar no banho?
Ele abre e fecha a boca como um peixe procurando as palavras certas. Desistindo de tentar se justificar, Calab coloca a bandeja na mesinha, pega meu celular do chão, dá uma olha e o joga na cama. Ele cruza os braços, deixando mais visível o tamanho de seus bracos e as tatuagens de uma escrita não inglesa ou portuguesa. Ao perceber que eu o observava, ele sorri de canto novamente e dá uns passos para frente, em minha direção.
— Gosta do que vê, deusa?
— Logico que não, meu celular quebrou e eu tô nua com um desconhecido em meu quarto.
Me agarro mais em minha toalha sentindo um fogo tomar conta do meu corpo, seu sorriso fica mais visível, mas seus olhos amarelos de mais cedo, agora eram negros como a noite. Levo alguns segundos para voltar a mim e como um lobo atrás de sua presa, Calab já estava do meu lado.
— NÃO - falo quase como um grito, ele para, mas não sai do lugar.
— Você quer também, eu sei que quer, eu consigo sent…
— Cala a boca. - Ele se cala e fica me observando sem perder o sorriso de canto.
Fico um tempo olhando ele parado, apenas uns centímetros de mim. O olho de cima a baixo e era visível o que ele queria de mim pelo seu volume marcando a calça jeans desbotada. Volto meu olhar para sua cara, fazendo ele ampliar o sorriso com minha cara de panico.
— Para fora, AGORA!
Calab pega um cigarro do bolso, passa a mão pelos cabelos e começa a caminhar em direção a porta. Passa pelo batente e acende o cigarro, ajeitando a roupa e jogando a fumaça para cima. Desacreditada de mim, só consigo sussurrar para mim mesma, “fecha a porta, porra”, como se me ouvisse, Calab dá um passo para trás de volta à porta e a fecha sem nem olhar para dentro do quarto novamente.
Já havia se passado algumas horas desde minha quase transa com um desconhecido motoqueiro. Fico me revirando na cama por um bom tempo pensando naquele cara. Quando finalmente o sono chega, sou tomada pelo sonho mais vivido que tive em tempos…
“Eu estou em meio a uma clareira na floresta, era possível ver o céu noturno estrelado e a lua crescente entre as árvores enormes. O cheiro de grama, musgo e pinho se fazia presente de alguma forma.
— Minha deusa, esperei tanto por você.
Me viro e vejo Calab, com aqueles jeans desbotado, sem camisa, deixando visível suas tatuagens e descalço andando em minha direção.
— Você demorou para vir para mim.
Os olhos azuis me fitavam, esperando alguma resposta minha, uma palavra.
— Onde estou?
— Em casa, finalmente!
— Essa não é minha casa.
— Costumava ser minha deusa. - Os olhos azuis perdem lugar para os amarelos.
Ele anda em volta de mim, me observando, avaliando, como se esperasse a oportunidade para me atacar. Com certeza ele parecia um lobo preste a me devorar.
— O que você quer?
— Você
— Eu não sou nada sua
— Não, eu sou seu, de lua a lua, de corpo e alma.”
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