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Lua

Capítulo 1 . Pobreza.

A vida é muitas vezes ingrata, a pobreza judia, maltrata e doe. Sim doe, doe ver seus filhos reclamarem de fome e não ter o que fazer para os alimentar, doe dia após dia ir perdendo a esperança de melhorar, doe ver seu companheiro chegar abatido depois de um dia todo debaixo de Sol escaldante sem nada nas mãos a não ser calos, doe perceber que a única coisa que juntaram foi a pobreza, juntaram e a aumentaram, agora já não são duas bocas pra alimentar e sim sete. A pobreza trás também a ignorância, a acomodação, sim, há meios de se evitar filhos, mais o pensamento de que '' pior que está não pode ficar'' e que '' seja o que Deus quiser '' e a falta de assistência médica bem como acompanhamento e remédios, faz a prole crescer rápido. Judite já não se importa se tomou banho ou não, se estão descalços, se não tem um vestido novo há anos.... apenas levam a vida, vivendo um dia de cada vez como der, a preocupação única é se terão o que comer no dia de hoje.

Quem vê Judite acha que ela já beira uns quarenta anos e mal passou dos vinte cinco, com cinco filhos sendo sempre um no peito e outro na barriga, a mais velha Lurdes, com quase dez anos, ajuda a cuidar dos irmãos menores e dos afazeres da casa, é uma menina bonita, apesar da magreza e dos descuidos tem um olhar marcante, é esperta, mais teve que sair da escola para ajudar em casa, mal aprendeu a ler e escrever. José marido de Judite, também parece ter muito mais idade que tem, trabalha de Sol a Sol em tudo que aparece, corte de cana, carregar caminhões de lenha, mais o trabalho está cada vez mais difícil, e não é fácil por comida na mesa, alimentar sua família, trabalha muito e ganha pouco.

A casa é de pau a pique, sem energia elétrica, a água fica a quase um quilômetro, o trabalho de Lurdes também é buscar água duas ou três vezes ao dia pois sua mãe não aquenta mais. Os irmãos menores, ainda muito pequenos, apenas a acompanham, não aguentam carregar a lata e Lêda com oito anos fica olhando a mãe, que não está bem a dias caso precise chamar por socorro, depois de Lurdes é a mais responsável. Os vizinhos mais próximos ficam a mais de meia hora e estão na mesma situação que eles. A parteira virá em alguns dias para ficar com Judite, também mora longe e tinha outro nascimento pra acompanhar.

Mas Lurdes ainda não perdeu a alegria, vai cantando com seus irmãos, inventa histórias, os faz beber bastante água na bica para enganar a fome, o que acha que seja comestível colhe para fazer em casa para os irmãos, mais a seca foi cruel e não há mais quase nada. Pés descalços, barrigas de fora, cabelos emaranhados e queimados de Sol, iam e vinham brincando pelo caminho sem entender o quão duro é a vida, mais é a que conhecem, e são apenas crianças e como tal, se divertem com pouca coisa.

Judite já teve sonhos um dia, que parecem ter sido a milhares de anos, sua família também era pobre, mais não passava tanta necessidade como agora, se apaixonou por José e ele por ela, a chamou para morarem juntos e ela foi sem pensar duas vezes morar com ele sem casamento, sem festas, apenas foi, no início a casa de barro parecia um palácio e estar com ele já bastava, o pouco que José conseguia era suficiente para os dois, não tinham ambição, achavam que o amor era suficiente, dai veio Lurdes e estava tudo bem, uma menina saudável mais o trabalho foi ficando escasso e veio o segundo e o terceiro filho.....e a cada dia tudo foi ficando difícil, muito mais difícil....

Judite nem se lembra mais como era seu corpo, amamenta enquanto pode pois assim a criança não passa fome cedo demais, deixa de comer para dar aos filhos e ela foi ficando cada dia mais magra, anêmica. Médicos??? Hospital??? Só em último caso, se der tempo pois além da falta de transporte a distância é muita. Judite promete a si mesma que será o último, que não quer mais por um ser ao mundo para sofrer, diz isso a José que concorda, mais não colabora, pra ele a única felicidade que tem e poder estar nos braços de Judite e ela não tem coragem de o evitar, mais chega, as crianças não merecem a vida que eles têm a oferecer, e grávida não tem como ela o ajudar, Lurdes já cuida muito bem dos menores, poderá ficar com eles para que ela trabalhe.

Assim é a infância de Lurdes, com responsabilidades de adultos, com um sorriso e inocência de criança, com um coração puro que sonha com um futuro no mínimo menos duro.

Capítulo 2 . O Caixeiro viajante.

Judite teve um parto muito difícil, o pavor rondou José com a possibilidade de perder a mulher, o que faria com cinco crianças tendo que trabalhar??Foi um dia e uma noite longas demais. A parteira experiente fazia de tudo que aprendeu para tentar salvar mãe e filho, até que em um certo momento ela chamou José e ele teve que decidir se queria que fosse salvo a mulher ou o filho.

José: - Salve Judite!! Não posso perde- lá!

Algumas horas se passam, Lurdes faz seus irmãos dormirem para não ouvirem os gritos e desespero da mãe e do pai. Em sua tenra idade já compreende o que está acontecendo, já ajudou a parteira no nascimento do último irmão, mais esse está diferente, demorado, com mais idas e vindas da parteira e seu pai pela casa do que dá última vez.

De manhã Lurdes vê a parteira sair com algo enrolado em um lençol e entregar a seu pai que chora ao pegar o pacote, sai apressado. Lurdes sabe que seu irmãozinho não sobreviveu. A parteira pede a Lurdes para preparar alguma coisa pra mãe comer, uma sopa, se possível. Lurdes procura algo pra fazer e só encontra farinha, prepara a sopa, coloca algumas folhas que encontrou no meio e leva para mãe. Judite está pálida, olhos no fundo, fraca não consegue nem mesmo chamar a filha. A parteira coloca um pó branco na sopa e pede a Lurdes para dar a mãe duas vezes ao dia, que esse pó a deixará mais forte rápido.

José volta e a parteira fala com ele com severidade, Lurdes entende que ela o repreende por terem tantos filhos na situação que vivem, que Judite não morreu por graça divina, mais está muito, muito fraca.

Lurdes não quer que nada aconteça a mãe, cuida dela com todo carinho e dedicação possível, enquanto o pai lhe faz companhia ela vai até alguns vizinhos pedindo ajuda, consegue um pouquinho de feijão, abóbora, farinha.... a mãe poderá se alimentar melhor por alguns dias.

No caminho encontra um caixeiro viajante, ele tem muitas coisas, alimentos, roupas e remédios, Lurdes fica admirada com tanta coisa bonita e nova, mais tem que voltar pra casa rápido. O caixeiro pergunta sobre seus pais e ela lhe diz onde moram e o que aconteceu. O caixeiro lhe acompanha até em casa, Lurdes chama o pai que fica a conversar com o visitante e ela vai preparar a sopa pra mãe. Quando a sopa já está quase pronta seu pai lhe entrega carne seca, feijão e batatas pra que cozinhe também e coloque no meio. Lurdes não entendeu como seu pai conseguiu, mais ficou feliz pois sua mãe precisa de uma alimentação mais forte.

O caixeiro comeu com eles, quando se despediu de seu pai lhe disse que em três meses voltaria para receber pelos produtos.

Lurdes distribuiu o que sobrou da sopa entre os irmãos guardando a carne seca e batatas para mãe. Seu pai lhe entregou um saco grande de farinha para que guardasse e fizesse aos poucos para todos.

Lurdes se sentiu feliz, estava completando dez anos, sua mãe estava melhorando e tinham o que comer por mais de um mês.

José fez um acordo com o caixeiro, dentro de três meses lhe pagaria com juros o que comprou e compraria mais, estava com um trabalho em vista que lhe renderia um pouco de dinheiro.

O caixeiro, Tônico, era esperto, fazia a mesma coisa com muitos, ia vendendo, a dívida ia aumentando até que ele pegava o que tinham de mais valor, terras, a casa, animais, o que fosse possível para ele pegar e ganhar dinheiro em cima. Ele voltava de três em três meses, trazia coisas que sabia que necessitavam fazendo a dívida aumentar. A primeira vez José conseguiu pagar, mais quando viu os olhos de Judite brilharem como a muito não via, por um vestido e sapatos para os filhos não resistiu e fez outra dívida, três meses depois não conseguiu pagar sequer a metade e ainda ficou com um rádio que fez Judite sorrir e seus dias ficarem mais alegres com música e novelas. Judite se esqueceu até da promessa e em menos de um ano estava grávida de novo. Lurdes agora com quase doze anos teve o estirão de crescimento, parecia ter mais idade, seu corpo de menina se desenvolveu tomando formas delicadas, seus olhos expressivos e apesar de tudo tinha um belo sorriso com dentes perfeitos e brancos.

Judite começou a se sentir mal desde o primeiro mês de gravidez, com muitas náuseas, enjôos como não teve em nenhum outro filho. Quando estava pra completar três meses teve hemorragia muito forte e José sem dinheiro e sem saber o que fazer entrou em desespero, por coincidência Tônico estava de volta, lhe arrumou dinheiro e um carro para a levar ao hospital, Lurdes ficou tomando conta da casa e dos irmãos menores. Durante três dias não tiveram notícias da mãe ou do pai. Lurdes já estava apreensiva, nunca ficaram sozinhos por tanto tempo. No final do quarto dia José aparece sozinho, trazendo mantimentos, pede a Lurdes que cuide de tudo, explica que sua mãe foi operada e ficará por mais alguns dias internada, perdeu o bebê e não terá mais filhos mais está bem. Voltarão juntos. Lurdes fica feliz por sua mãe estar bem, ouve os conselhos do pai de fechar a casa a noite, não abrir para estranhos e cuidar bem dos irmãos. José dá um beijo na testa de cada um e sai, um carro o espera, volta para junto de Judite.

Capítulo 3 . Cobrando a dívida.

Em uma semana José e Judite retornam, parece até que o hospital fez bem a ela, estava mais gorda e até corada, chegou abraçando e beijando cada um dos filhos, agradece a Lurdes por ter cuidado tão bem de seus irmãozinhos e da casa.

Judite: - Está uma mocinha responsável minha filha.

Lurdes se emociona ao rever a mãe, tem sentido coisas estranhas e seu corpo está diferente, ela não entende bem o que está acontecendo com ela. A noite vai falar com a mãe sobre suas dúvidas e Judite lhe explica da maneira que lhe ensinaram que ela está se tornando uma mulher. Pra Lurdes não foi nenhuma vantagem, suas roupas não lhe servem direito, sangra e está com dores. Judite arruma um de seus vestidos pra Lurdes, que está quase da sua altura, magra como ela, mais com formas mais acentuadas. No hospital Judite ganhou roupas e sapatos a maioria para as crianças menores, e alguns para ela, que ajustou para as duas poderem usar.

Desde a volta do hospital José anda calado, inquieto anda de um lado a outro, olha pra esposa e filhos e seus olhos lacrimejam, Judite sabe que alguma coisa grave o incomoda, que gastou o que não tinham com ela no hospital e isso o está fazendo perder o sono, mais não há nada que ela possa fazer a não ser o apoiar no que for preciso.

José, na hora do desespero com Judite precisando de atendimento e remédios prometeu a Tônico o que ele quisesse em troca do dinheiro para pagar tudo, e ele pediu Lurdes, sua filha.

Tônico tem mulher e filhos em sua cidade natal, volta pra casa pelo menos uma vez ao mês para os ver e deixar um pouco de dinheiro para esposa, já conseguiu muito com a maneira que age, no início saía com um burrico e algumas peças pra vender cobrando o triplo do que valiam dos pobres coitados que necessitavam de suas coisas os faziam assinar ou colocar o polegar em procurações abrindo mão do que possuíam quando não os enganavam com um punhado de comida, um pouco de dinheiro e falsas promessas. Agora já tem o pequeno caminhão que é mais um disfarce, terras em seu nome e uma boa quantia em dinheiro, descobriu que há pessoas que pagam muito bem por jovens ou para trabalhar em casas de família ou para servir de acompanhantes e quanto mais pobres, mais fácil de conseguir que os pais abram mão do filho ou filha por um punhado de alimentos e um pouco de dinheiro. Com José foi mais difícil, se Judite não adoecesse ele conseguiria pagar a dívida, mais desde a primeira vez que viu Lurdes viu nela uma chance de ganhar muito dinheiro, ela é mais bonita que a maioria, conversa bem e seus olhos são marcantes.

E assim conseguiu fazer José prometer lhe dar a filha mais velha em pagamento da dívida que fez.

Três meses passam rápido e chega a data marcada por Tônico para que José lhe pague o que deve, José não conseguiu nem um terço, por isso está nervoso nos últimos dias, não contou a Judite o que fez, ela não entenderia, quando ele chega José pede a Lurdes para fazer um chá e levar pra eles, quando Tônico vê Lurdes seus olhos brilham, ela já não é mais uma menininha, está com um corpo perfeito.

Tônico: - Senhor José, eu já lhe dei prazo demais, o que gastei com sua mulher no hospital não foi brincadeira e eu preciso receber para pagar o que fiquei devendo...

José: - O trabalho está difícil, não consegui....

Tônico olha pra Lurdes e a cobiça lhe sobe a cabeça, ela é bonita e poderá ganhar uma boa grana com ela, conhece muitos homens que pagariam muito bem pra ter uma jovem assim... e até mesmo ele a poderia ter como uma segunda esposa...

Tônico: - Então levarei o que me prometeu!

José: - Me dê mais um prazo....

Tônico: - Já lhe dei tempo demais, quer que eu volte com a polícia e deixe sua esposa e seus outros filhos sem sua presença e sem ter onde morar?? Ou me entrega Lurdes ou perderá o pouco que lhe resta, se lembra que assinou a procuração passando suas terras em meu nome, ou Lurdes ou as terras...

José: - Me deixa contar a Judite e a ela...

Tônico: - Seja rápido!! Vou ser bondoso com vocês, lhe devolvo a procuração e ainda lhes deixarei alimentos e um pouco de dinheiro.

E saiba que estarei fazendo um bem a ela a tirando desse lugar miserável.... Ela terá vida boa ao meu lado, conhecerá novos lugares e pessoas e vocês poderão a ver sempre que eu voltar aqui... ela vai me ajudar em meu trabalho.

Judite não acreditou no que o marido tinha feito, vendeu sua própria filha, chorou, mais já não há mais como voltar atrás, foi por ela, para a salvar que fez a dívida e a promessa de entregar a filha, não podiam ficar sem sua casa e havia os outros filhos que precisavam deles e de alimentos.

Lurdes ouviu tudo, pediu que sua mãe não chorasse que ela ficaria bem e que em três meses estaria de volta segundo Tônico, a veriam sempre, Lêda já sabe fazer de tudo também e tomará seu lugar nas tarefas diárias.

Tônico satisfeito com o negócio entregou a procuração que José havia assinado a ele, deixou vários tipos de alimentos e um pouco de dinheiro dizendo a eles que era o melhor a fazer e que em breve voltaria trazendo Lurdes para vê-los.

Acreditaram nele, Judite abraçou a filha lhe desejando sorte e José lhe pediu perdão pelo que fez, Lurdes não compreendia a gravidade da situação, acreditava que era seu dever de filha ir, não imaginava o que a esperava.

Para não sofrer José e Judite colocaram na cabeça que a filha teria uma vida melhor com Tônico do que com qualquer outro ou mesmo com eles.

Como já havia feito em muitos outros lugares Tônico jamais voltaria, conseguiu o que queria, se não ficasse com Lurdes poderia a vender ou ainda a fazer trabalhar pra ele alugando seu corpo.

Lurdes entra com ele no caminhão e acena em despedida para seus pais e irmãos que ficam, devagar a casinha de pau a pique vai ficando pra trás, cada vez menor até sumir de sua vista....

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