Havia um impasse entre o casal. Jonas tentava não pensar na situação enquanto Bia não fazia questão de amenizar as palavras. Claro que passavam vários filmes na cabeça dos dois, mas a confiança tinha se perdido ou ao menos estava sendo perdida pouco a pouco.
Beatriz mantinha-se aparentemente calma, mas por dentro sentia-se péssima e transformava sua raiva em palavras duras.
— E pensar que você disse que
poderia confiar em você, hein Jonas?
O jovem estava completamente imóvel e não acreditava no que acabara de ouvir, seu coração sangrava, afinal eram palavras injustas, tantas e tantas vezes ele lutou quase sozinho para manter a relação saudável, escutar aquilo era impactante.
Os dois se olhavam de forma culpada, mas somente um tinha motivos para isso, nunca haviam tido esse tipo de conversa e era um clima diferente, onde ambos sabiam disso. Havia no ar uma apreensão aterrorizante e pesada, era possível sentir todo aquele clima tenso que estava no ar.
Cada um queria a sua maneira, culpar o outro e ao mesmo tempo confortar a tristeza sentida, no entanto eram muito inexperientes e não tinham tato para isso.
Na realidade, era um sentimento confuso e ambíguo, mas faltava coragem, faltava vontade, faltava algo que durante meses tinham de sobra, o dom de perdoar.
Até esse momento, sempre souberam resolver seus problemas, tinham alguns dias ruins como todo casal, em seguida era tudo superado com carícias e conversas íntimas ao pé do ouvido.
Dessa vez havia apenas o silêncio, um ensurdecedor silêncio que incomodava seus corações. Em uma disputa ínfima em saber quem cederia antes, Jonas foi mais fraco e cedeu.
— Então, Bia! Você sabe que sempre fui paciente com você. Eu sempre te apoiei em tudo, mas você passou dos limites. — Um silêncio moldou o momento, então Jonas continuou. — Não sei, realmente não sei… Sabe que… Sabia que eu sempre confiei que você entenderia?
— (...) — Beatriz mantinha a cabeça baixa.
— Não vai dizer nada?
O fato de Bia continuar calada incomodava muito a Jonas, bastava apenas uma palavra dela para amenizar o clima, que ficava cada vez mais pesado.
Se Jonas fosse um pouquinho observador, teria percebido os olhos vermelhos e chorosos de Bia, os quais diziam muita coisa. Então a Jovem garota, ainda sem saber o que dizer, resolveu acabar com o silêncio.
— Jonas, você sempre soube desse meu jeito estranho e mesmo assim quis continuar comigo.
— Jeito estranho? Isso não faz sentido algum, Bia. — O garoto parecia estar confuso.
— Você não entendeu. Não estou te culpando. Sei que errei e que pisei na bola com você… Você sabe que sou orgulhosa demais para pedir desculpas e mesmo assim pedi. Ainda não sei o que você realmente quer de mim.
— Admitir a responsabilidade por seus erros, seria um bom começo. — O rapaz olhava para ela bem sério.
— Quer que eu admita? É isso o que quer? Farei sua vontade então… Sim, sempre me senti apoiada por você e não posso negar isso. Sim, sei das minhas responsabilidades, mas a vida não é feita apenas de acertos. Eu errei e estou aqui te pedindo perdão e passando por cima do meu orgulho, então repito, O que mais quer que eu diga? Ainda não é o suficiente?
Nesse momento Beatriz tentou ser forte, buscou forças em seu interior e não queria chorar mais. Em seus pensamentos, lutava contra a tentação de seguir o caminho fácil que era ceder às lágrimas, o que novamente iria contra seu orgulho.
Juntando todas suas forças e com os olhos marejados, deu um longo suspiro baixando a cabeça novamente. Jonas então insistiu:
— Por que não fez isso antes? Por que deixou chegar nesse nível? Realmente não entendo... — Jonas olhava para ela.
— Não sei Jonas, o que posso dizer? Sou imperfeita, sou o que sou. Agora, se acha que vou implorar por perdão, está muito equivocado.
O rapaz a olhava sem parar, ele culpava Bia por ter chegado nisso, mas também sabia de sua parcela de culpa, se tivesse continuado calmo, relevando, não estaria nesse impasse chato e incômodo. Tentava buscar uma solução viável para a situação, algo que não machucasse nenhum deles.
— Eu sempre quis seu bem, nada foi par...— O garoto é interrompido por ela.
— Para me fazer mal? Entenda uma coisa Jonas. Não estou te acusando de nada, você sempre foi o "garoto perfeito", talvez pudesse ou talvez não devesse, sei lá... É tudo tão confuso, não sei o que dizer...
— Bia, a pior coisa nesse momento é tentar justificar seus erros fazendo eu parte deles. Sabe... Acreditei em você, acusei a Gabriela, você olhou nos meus olhos e mentiu.
— Eu tenho meus problemas, na verdade, quem não tem? Ontem, bem… O que aconteceu comigo… Você sabe que eu poderia ter morrido, não acha que já fui punida o bastante?
— Como você pode falar em punição, depois da morte de alguém? Ele morreu Bia, consegue entender isso? Você mentiu para mim, sua amiga quase morreu e você veio falar sobre punição? Olha, eu pensei que conhecia você, acho que você precisa de ajuda, deve estar doente ainda.
— Tá bem! Certo! — Falou com a voz alterada. — Você tem razão, eu me expressei mal, estou um pouco nervosa, só que eu sobrevivi e estou aqui e isso é um fato. Então quer dizer que isso não tem importância para você, Jonas? Ele era meu amigo também, não acha que sofri? Acha que só você sofreu? Não pode me ouvir, pelo menos uma única vez? E qual direito você tem de me chamar de doente? Acho que sabemos bem, quem de nós dois é o doente de fato.
Bia tinha um olhar firme e intimidador, o que até para ela soou assustador falar daquele jeito com Jonas.
Ela estava muito confusa com o que sentia naquele momento, não sabia se ficava com raiva por ele ter dito aquilo ou por ele não a abraçar bem forte, afinal ele já devia saber que ela precisava disso, que apesar de toda sua forma marrenta, apesar de seus erros os quais ela sabia que eram graves, no fundo ela precisava de apoio e de um abraço acolhedor. E apesar de parecer irremediável, ela podia ser bem maleável.
Bastava Jonas enxergar, mas se tinha uma coisa que Bia não suportava nele era o fato dele não conseguir enxergar o óbvio, e ela não queria culpá-lo por nada naquele momento, seria injusto de sua parte, mas facilitaria tudo se ele não fosse tão desligado.
Tentando amenizar o tom duro que a conversa estava seguindo, ela sutilmente buscou ser mais dócil.
— Você me conheceu assim, Jo. Não adianta querer mudar alguém só por você achar que tem que mudar. Eu gosto de você do jeito que é, mesmo me deixando irritada algumas vezes. — Disse sorrindo brevemente.
Jonas havia ficado desgostoso pelo fato de ser chamado de doente, era fato que ele tinha uma doença, mas ela não precisava expor daquela forma.
Ele sabia que após confrontá-la, seriam dito coisas desagradáveis dos dois lados, porém nunca pensou que Bia fosse jogar em sua cara sua doença, e isso o deixou profundamente magoado e então deixando levar-se pela raiva momentânea, ele falou:
— Você tem razão, eu sou doente sim, mas prezo pela vida todos os dias, e você? O que faz além de se lamentar e reclamar da sua? Se querer o seu bem significa irritar você, acho que estamos completamente fora de sintonia.
As palavras atingiram Beatriz fortemente, finalmente o limite da razão havia sido ultrapassado e as consequências seriam duras para o casal. O sorriso tímido de Bia deu-se lugar para um olhar vazio e cheio de mágoas.
— Acho que eu errei em achar que você era a parte que faltava na minha vida. Após te conhecer, me dediquei, me apaixonei e achei que você era a parte que completava a mim, mas vejo agora que você é como todos os outros garotos, não passam de seres mesquinhos e mentirosos.
— É o que acha? Se dedicou? Eu que sempre corri atrás. Talvez o melhor seria cada um seguir sua vida.
Jonas não media mais as palavras, era movido apenas pela raiva. Enquanto Beatriz usava as últimas forças que restavam para não chorar.
— Tem certeza disso?
Enquanto Bia olhava para Jonas esperando a resposta, ela mordia os lábios insistentemente, estava inquieta, já tinha falado muitas coisas que havia se arrependido, mas não podia voltar atrás, era questão de princípios.
Gritava internamente que Jonas a abraçasse, lhe beijasse e dissesse que tudo ficaria bem, que aquilo era outra briga boba que qualquer casal tem e que isso tudo iria passar.
Ela já havia perdido o controle da situação, então restava a Jonas manter o rumo, mas ele não demonstrava ter interesse nas rédeas da discussão. Jonas estava indiferente e isso veio à tona na pior hora possível.
Como consequência disso, algo que Bia nunca pensou que poderia acontecer, acabou acontecendo, Jonas olhou para ela, abaixou a cabeça e disse:
— Pelo jeito nisso concordamos. Então é melhor cada um seguir seu caminho.
Dizendo isso, Jonas virou-se e saiu pela janela, deixando Bia completamente atordoada sentada em sua cama. Ela tinha morrido por dentro e ficava repetindo para si mesma enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Sua burra, sua burra! Vá atrás dele, não faça outra burrada!
Mas ela nada fez. Apenas chorou copiosamente. Chorou pela culpa e remorso, chorou por tudo. Havia conseguido vencer a discussão, mas não da forma que imaginou que fosse, aquilo não era uma vitória, muito longe de ser. Era a derrota do amor, a derrota de dois corações Adolescentes.
Ela tinha ido longe demais e não tinha como voltar. De todas as idiotices que já tinha feito, ela sabia que essa era a maior.
Ficava se perguntando coisas tolas, tantas questões sem respostas, buscando uma única certeza, seria algo remediável?
Jonas tinha ficado em silêncio e ido embora.
Restou para ela ficar se remoendo e pensando, seria o sinal que ele finalmente havia desistido de tudo? Desistido de ajudar, de correr atrás, desistido dela? Isso a deixou acabada, sentia seu corpo dormente, estava totalmente arrasada.
Jonas saiu da casa triste, não conseguia entender tudo aquilo que tinha ouvido. Ele se dedicou para que tudo desse certo, correu atrás dela tantas e tantas vezes, na cabeça dele, era a hora dela demonstrar que o amava também e que pedisse desculpa, que não o deixasse partir, que lhe segurasse pelas mãos e lhe abraçasse forte, mas ela nada fez.
Ele sabia que Bia era difícil e orgulhosa, mas agora ela tinha ido longe, não bastava apenas se desculpar, ele tinha esperado por algo mais e se decepcionou. Ecoava em sua cabeça as palavras de sua namorada, as mentiras e tudo mais, ele se sentia enganado e traído, e isso era o que o deixava mais triste.
Jonas passou o resto da tarde se questionando, eram tantos porquês. Cada pensamento era mais preocupante que o anterior. Ele queria apenas entender o motivo, saber onde errou ou se tinha errado.
Tentou imaginar em sua cabeça, coisas que poderiam ter sido ditas diferentes, pensou, se perguntou, mas não achou nada além da hesitação por parte dela. Será que tinha errado? Ele pensou e pensou…
Como sua cabeça doía, resolveu sair e dar uma volta pela cidade de bicicleta. Estava chateado e pensativo. Fato esse que o fez esquecer de seu capacete e das cotoveleiras, algo que sua mãe tanto cobrava dele. Sem ela estar em casa para pegar no seu pé, Jonas apenas saiu pedalando sem rumo, com a cabeça pegando fogo.
A sensação de vento no rosto de certa forma acalmava o garoto. Quanto mais rápido pedalava, mais vento batia em seu rosto. Era uma sensação ótima.
No entanto, dentro de sua cabeça ainda ecoavam as palavras ditas por ele e por Bia. Aos poucos a raiva por ela ia passando, mas consequentemente aumentava a raiva de si. Ele podia ter feito tantas coisas para pôr um fim, um simples abraço e tudo agora estaria bem.
Jonas seguia seu curso, ziguezagueando carros, destemido e triste. Ignorando as buzinas que soavam e alguns xingamentos de motoristas mais exaltados.
Estava totalmente concentrado na sua culpa e nas consequências que ela trazia. O garoto então não percebeu que um carro vinha na direção contrária e que o motorista o havia reconhecido e não faria a mínima questão de buzinar ou desviar.
Um ano antes…
Era um dia normal na casa dos Pozzi.
O pai de Beatriz estava bebericando seu café, enquanto revirava uma revista sobre futebol, algumas notícias sobre transferências de atletas e o MVP das finais da NBA.
Apesar de parecer distraído com a leitura, ele mantinha seus olhos atentos para sua filha, que sutilmente tentava abrir a porta para sair à rua.
— Onde pensa que está indo, Beatriz? — Perguntou ele colocando os olhos sobre o jornal.
— Pensei ter ouvido alguém bater à porta, Pai.
— Fique tranquila, pois estou aqui e garanto que ninguém bateu.
— Acho que me enganei…
A televisão estava ligada e informava sobre uma tragédia qualquer e nem assim fez com que seu pai deixasse de prestar atenção em outra coisa além dela.
Era evidente que ele diria algo sobre sua roupa, além do top preto que usava, pareciam esportivas demais para uma manhã de sábado, onde ninguém costumava correr pelas ruas, quanto mais, propícias para verificar se alguém batia à porta.
No entanto, Beatriz Pozzi era o tipo de garota que conseguia enrolar seu pai na conversa e ciente disso, ele tentava a todo custo se manter no controle e não ser enganado pela filha.
Beatriz tinha outras intenções. Depois de sair do seu quarto e ler mensagens enviadas por Gabriela e outras garotas em uma rede social, algo sobre um encontro das garotas na casa de Aisha, sua melhor amiga. Como haviam se esquecido dela? — Certamente tinha acontecido algum engano — pensou. Beatriz estava decidida em ir averiguar.
Como diz o provérbio, o seguro morreu de velho. Lembrou que tinha prometido passar o sábado com sua mãe, mas havia acontecido esse imprevisto e essas coisas às vezes acontecem, porém infelizmente para ela, o Sr. Pozzi não compartilhava o mesmo pensamento.
Seu velho pai seria um pequeno problema para contornar, porém sua primeira tática usada, fugir sem ser notada, acabou não se mostrando muito eficiente e seu pai que aparentemente estava distraído, notou a filha se aproximar da porta com passos silenciosos.
— E essas roupas? Posso estar enganado, mas juro que são roupas para sair… Muita coincidência, não é Senhora Beatriz?
— Ah! Puxa, que saco! Sou azarada, — Falou quase inaudível.
— Disse alguma coisa?
— Não, nada Pai...
Por um instante ela pensou em dizer que voltaria para o seu quarto, na tentativa de fazer seu pai esquecer aquela cena e evitar aquelas perguntas desnecessárias, mas algo impediu ela. Talvez fosse o ressentimento ou a insistência, então fez o que toda e qualquer adolescente de sua idade faria… Mentiu!
Aproximando-se do sofá onde seu pai estava, Beatriz sentou-se ao lado dele e com um semblante triste, ficou calada olhando para a TV. Ela já havia usado essa tática outras vezes e sempre se mostrou eficiente. Agora era o momento de colocar em prática sua segunda tática, fazer papel de triste. :
— Está tudo bem, filha? — O Sr. Pozzi ao ver sua filha calada tentou intervir.
— Sim, por que não estaria?
— Não sei, diga você. Quem tá com essa cara de velório é você.
— Não estou. — Ela mantinha as respostas secas e curtas.
— Beatriz, te conheço desde que nasceu, você está diferente, não é de ficar calada. Diga-me, o que aconteceu? Agora pouco estava tentando sair e agora está sentada aqui com essa cara.
— A mãe da Aisha ligou ontem e disse que ela está doente. Pediu que eu fosse visitá-la para tentar alegrar a coitadinha. — Tentava ser o mais fria possível, deixando de encarar seu pai e focando em devorar algumas torradas que estavam expostas no prato no colo de seu pai.
— E você não vai? Ela é sua amiga.
— Falei que tinha um compromisso e se desse, passaria depois, mas não estou com ânimo de sair hoje, por isso estou triste. Como amiga dela eu deveria dar apoio, mas…
— Claro que sim. Tenho certeza que ela faria o mesmo por você.
— O senhor acha então que devo ir?
— Sim filha, ela se sentirá bem com sua visita.
— Melhor não, Pai. Até porque combinei de passar o dia com a Mamãe, deixa pra lá. — Ela se levantou e pegou um pouco de café, voltando a se sentar no sofá, tomando alguns goles de café para ganhar tempo e pensar no que faria quando chegasse na casa de Aisha e preparando mais uma mentira.
— Mas combinei de atualizar uma lista de filmes com a Mamãe. Bom… Acho que dá tempo se eu ir agora, volto depois do almoço e assim montar a lista com ela.
— Perfeito! — O Sr. Pozzi se sentia feliz por ajudar a resolver o problema da filha. — Não precisa de tanta pressa, a lista de filmes pode ficar para outro dia, Aisha está doente e precisa de sua companhia.
— Farei o possível para voltar a tempo de organizar a lista com a Mãe. Até mais tarde!
— Pode deixar que aviso sua mãe. Até mais tarde, filha.
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