Sofia jogou as chaves na mesinha que ficava na entrada da casa, sentia-se muito cansada, seus pés doíam pelas horas que ficara em pé na cozinha do restaurante.
Sofia Bianco era a proprietária de um pequeno estabelecimento gastronômico na cidade de Istambul, o local era especializado em comidas típicas italianas, afinal a mulher era da região da Sicília e amava cada prato, fazia tudo com carinho e cuidado e, ao contrário de alguns proprietários de restaurante que conhecia, não se limitava à parte burocrática da empresa, gostava também de estar com “a mão na massa”, cozinhando e, às vezes, até atendendo aos clientes pessoalmente.
A família de Sofia se mudara para Istambul quando ela ainda era apenas um bebê, sua mãe morrera quando a moça nascera e o pai havia sido transferido para o outro país. Apesar de não lembrar nada de sua terra natal, ela aprendeu a amar a gastronomia do seu país.
A moça aprendera a cozinhar com o pai e a irmã quando ainda era pequena e sempre amara preparar refeições. O pai dizia que ela herdara o dom da mãe, o dom de cozinhar e Sofia gostava de pensar que tinha esse elo com a mulher que nunca conhecera. Ela adorava ver as pessoas deliciando a comida que preparava, acreditava que a melhor forma de agradar alguém era lhe oferecer uma comida confortável e saborosa, que enchesse não só o estômago, mas também o coração.
Quando o pai e a irmã faleceram num trágico acidente de carro, Sofia sentiu-se desamparada, sem o apoio deles achou que não conseguiria mais seguir em frente, tinha se formado em gastronomia há alguns meses e decidiu que não desistiria, principalmente por eles. Arranjou um emprego em um pequeno restaurante da cidade, começou como garçonete e, pouco tempo depois, tornou-se chef. Durante o período que esteve neste restaurante, juntou dinheiro e conhecimento suficientes para abrir seu próprio negócio que começara despretensioso, mas atualmente era bem frequentado, com quase todas as noites lotadas.
“La Cucina” era um pequeno restaurante no centro, decorado com as cores da bandeira italiana e cada vez mais estava cheio de reservas e alguns elogios de críticos de gastronomia. Nos últimos meses até contratara uma outra cozinheira para ajudá-la, assim poderia sair mais cedo naqueles dias mais pesados.
Jogou o casaco no corrimão da escada e percebeu que o casaco do esposo já estava ali. Olhou para o relógio, 18:30, naquele dia ele chegara cedo do trabalho, uma vez que ele, quase todas as noites, chegava às 20:00.
A mulher foi em direção à cozinha onde encontrou o homem sentado à mesa, olhando o celular. Vários papéis estavam espalhados e o marido parecia bastante concentrado. O cabelo negro estava desarrumado e uma mecha caía sob o olho do homem, enquanto ele escrevia algo em um papel. O marido apoiava uma mão, a mão com a aliança, na testa, como se estivesse resolvendo algum problema muito sério. Ela sorriu, enquanto o olhava, ele parecia mais atraente quando estava no modo empresário sério e responsável.
“Você chegou cedo.” - ela disse enquanto se colocava atrás do homem e abraçava seu pescoço. Sofia gostava de inalar o cheiro dele, por isso encaixou o rosto em sua nuca e inspirou o odor do perfume dele.
Marcus segurou os braços da esposa e beijou-lhe as mãos com carinho.
“Trouxe um pouco de trabalho para casa.”
Sofia aproximou-se, sentou-se no colo do homem, envolveu o pescoço dele com os braços e o beijou. Os dois eram casados há dois anos, mas estavam apaixonados como no primeiro dia. O fogo que queimava entre eles nunca diminuía, pelo contrário, aumentava cada vez mais.
A primeira vez em que se viram foi no restaurante que Sofia era apenas uma cozinheira, ele ficara tão impressionado com a comida que quis falar pessoalmente com o chef e, então, a magia aconteceu.
Eles logo saíram para um encontro e em três meses estavam no cartório, se casando. Marcus queria uma festa com toda a pompa que um empresário como ele merecia, mas Sofia o convenceu do contrário. Uma pequena cerimônia no cartório, com suas testemunhas, foi o bastante.
Quando a bocas se separaram em busca de ar, ela permaneceu em seus braços e olhou os documentos que estavam espalhados pela mesa. Sofia não entendia nada sobre contabilidade, para isso tinha um contador no restaurante, mas aquelas informações pareciam muito sérias e, pior, pareciam muito ruins.
“O que são esses gráficos?” - ela perguntou, apontando para uma figura em vermelho – “A Construtora não vai bem?” – disse, preocupada.
“Nada demais.” - Marcus respondeu, beijando seu rosto e descendo para o pescoço, atrás da orelha, inclusive o homem mordiscou a ponta da orelha da moça que deu um gritinho de susto. Ele riu com a reação da esposa e levantou-se, com a mulher nos braços. Sofia colocou as mãos em volta do pescoço do homem e o observou com carinho. Os cabelos negros e fartos estavam desarrumados depois do beijo que trocaram há poucos instantes, ela adorava quando os fios escuros estavam daquele jeito, soltos e revoltos. Os olhos estavam cheios de amor enquanto a fitava, a barba sempre aparada que escondia a boca maravilhosa que a levava sempre ao céu. Ela o achava maravilhoso e não cansava de admirá-lo. Ela o amava tanto que às vezes seu coração doía.
“Eu te amo.” - ela disse quando chegaram no quarto e o marido a colocou com delicadeza na cama.
Ele sorriu e a beijou. Um beijo cheio de amor e paixão, como sempre. Parecia que eles sempre estavam famintos um pelo outro. Marcus finalizou o beijo puxando o lábio inferior da esposa, mostrando o quanto ele estava “animado”.
Sofia sorriu antes de empurrá-lo e assim, os dois trocaram de posição. Ela sempre achava maravilhoso observá-lo daquela forma, ele submisso a ela, os olhos escuros cheios de desejo, a boca vermelha pelos beijos trocados. Ela espalhou vários beijos pelo pescoço do homem, a pele suave dela contra o contato áspero dele, Marcus que gemia de satisfação. Até que em certo ponto, ela mordeu seu pescoço e o homem riu, satisfeito. Marcus lhe acariciava as costas, deixando em brasa todos os locais que tocava.
Sofia, não aguentando mais o desejo, puxou a camisa pelos lados, fazendo os botões pular.
“Mais uma?” – o marido disse, fingindo preocupação, enquanto Sofia tentava arrancar a peça de roupa do corpo dele, com urgência.
“Você devia tirar antes se não quer perder a camisa.” - ela o beijou novamente e Marcus aproveitou o momento de distração para trocar as posições de novo. Retirou o resto da camisa, enquanto a esposa passava os dedos pelo torso do homem.
O homem abaixou cada alça da blusa dela e distribuiu beijos pelos ombros alvos da mulher que suspirava a cada toque.
“Marcus...” – ela gemeu quando o homem tirou seu sutiã e sugou os seios dela, alternando até deixar sua pele em chamas.
Marcus adorava cada canto do corpo dela com a boca, arrepiando sua pele e enlouquecendo sua mente, Sofia implorava para que ele acabasse com aquela tortura deliciosa e unisse os corpos dos dois em um só, mas o homem gostava de deixá-la daquele jeito, desesperada por ele.
A mulher aproveitou um momento em que o marido estava distraído e mudou a posição dos dois novamente, ela segurou as mãos de Marcus e o guiou para dentro dela. Sofia começou a se movimentar lentamente, sem deixar de encará-lo, por nem um segundo sequer.
Quando alcançaram o ponto mais alto, sentiram que eram um do outro, para sempre. Exaustos, Marcus a abraçou e deitou sua cabeça em seu peito, Sofia adormeceu instantaneamente inalando o cheiro da pele do homem que amava. Aquele era o melhor lugar para estar: nos braços dele.
Quando Sofia abriu os olhos no dia seguinte, Marcus já estava acordado, mas continuava deitado ao seu lado, um braço ao redor dela, aquecendo-a. Ele olhava para o teto do quarto, enquanto descrevia pequenos círculos na pele do braço da esposa.
“Bom dia.” - ela disse, dando-lhe um beijo na bochecha.
“Bom dia.” - respondeu, sorrindo, porém, a mulher percebeu que seu sorriso não chegava aos olhos, ele parecia muito preocupado com alguma coisa.
“Aconteceu algo na empresa?” – perguntou, lembrando dos documentos que ele estava vendo no dia anterior.
“Nada demais… algumas inconsistências nos relatórios que estava vendo ontem.” - ele garantiu – “Mas eu vou resolver isso.”
“Você sabe que pode contar comigo. Para tudo.” – ela deu mais um beijo no rosto dele “Preciso me levantar. Hoje estamos com as reservas lotadas no restaurante, não posso deixar Amanda sozinha por muito tempo.” - Sofia disse, já levantando, mas foi impedida pelo marido que a puxou pela cintura.
“Espere. Fique mais um pouco.” - ele a abraçou com força, colocou o rosto em seu pescoço e distribuiu beijinhos pela pele dela – “Você me amaria mesmo que eu fosse pobre?”
Sofia não entendeu a pergunta, pois sempre deixou claro que amava o marido e não sua fortuna. Ela não era interesseira, nunca se preocupou com isso, amava Marcus pelo que ele era e não pelo que ele tinha na conta bancária.
“Eu teria amado você mesmo que morasse numa caixa de papelão na rua, Marcus.” – respondeu, séria – “Amo você, o que você é, não o que você tem.” - disse, ofendida pelo marido ter insinuado que seria diferente.
O homem suspirou e a estreitou mais nos braços.
“Desculpe, sou um idiota.” – ele beijou o pescoço dela, subindo para o rosto – “Eu sou um grande idiota.”
“Ainda bem que você já sabe, querido.” - Sofia disse enquanto virava o rosto para ele e o beijava com força. Sofia começou o beijo com raiva, mas logo o toque mudou, tornou-se suave, cheio de ternura.
Marcus ficou por cima da esposa e a penetrou com urgência, como se precisasse daquele contato para sobreviver.
“Eu te amo.” – ele disse enquanto os movimentos ficavam mais urgentes e apressados. Sofia gritou quando atingiu o êxtase e logo tudo se acalmou novamente, o conflito anterior esquecido, apenas o amor entre eles era importante naquele momento.
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Sofia resolvia problemas na cozinha quando o garçom avisou que havia um cliente querendo vê-la.
“Não posso ir agora, Can.” - disse para o rapaz – “Estou ocupada.”
“Ele disse que quer falar com a chef. Sobre o prato.” – o jovem garçom explicou.
A mulher jogou o avental com força no balcão e saiu. Aquele era um dia em que não podia perder tempo com essas coisas, era uma situação em que não gostava de ser dona do restaurante ou cozinheira. Sempre tinha que lidar com clientes inconvenientes. Sabia que os clientes tinham direito de reclamar ou elogiar os pratos, mas não era necessário que fizessem isso diretamente com ela.
“É aquele.” – o garçom disse quando se aproximaram da mesa em que o cliente estava.
“Pois não?” – perguntou, séria, ao homem sentado à mesa 06.
O rapaz não tinha mais do que trinta anos. Era um homem alto e forte, com cabelos e olhos castanhos e uma barba cheia. Era atraente, mas nada fora do normal. Não igual ao seu marido.
“Você é a chefe?” - o homem perguntou, como se não fosse possível que ela fosse a dona daquele lugar.
Segurou-se para não revirar os olhos naquele momento. Era comum que clientes arrogantes duvidassem da capacidade dela, afinal tinha a aparência frágil, era uma mulher baixinha, magra com pele pálida, poderia até ser confundida com uma boneca de porcelana, mas a verdade era que era totalmente o contrário disso.
“Sim. Sou eu.” – falou rispidamente.
O homem riu, um sorriso de lado, cheio de malícia, levantou-se e estendeu a mão para ela.
“Prazer, meu nome é Furkan.” - ele disse oferecendo a mão – “Queria parabenizá-la pelo cardápio. A comida é excelente.”
Sofia ignorou a mão do homem e assentiu.
“Obrigada.” - agradeceu, secamente, não gostava de ser ignorante, principalmente com clientes, mas estava cheia de coisas para resolver – “Agora preciso voltar para a minha cozinha.”
“Espere. Fique mais um pouco. Tome um café comigo.” – ele tentou puxá-la pelo braço, mas a mulher se afastou, com raiva.
Sofia observou a audácia daquele homem. Ele não percebera que ela era casada? Olhou para a mão e lembrou que tirava os anéis quando entrava na cozinha, então retirou o cordão com as alianças de dentro da blusa e o mostrou.
“Não, obrigada. Sou casada e muito bem-casada. Além disso, estou ocupada, tenho muito o que fazer na cozinha.” - ela guardou o item novamente – “Pedirei que mandem uma sobremesa para o senhor, por conta da casa. Até mais.” - e saiu, sem deixar que ele falasse novamente.
Às vezes se surpreendia com a audácia das pessoas. Muitas vezes percebia que os homens jogavam indiretas para ela, mas logo tratava de dar fora. Amava o marido e não se imaginava com nenhum outro. Ele fora seu primeiro e único amor. Nunca trocaria Marcus por outro, ele era o homem da sua vida e sempre seria.
Quando Sofia chegou em casa, encontrou Marcus deitado no sofá, cochilando. Ela foi até o homem e, devagar, aproximou o rosto , deu-lhe um beijo no rosto, no canto da boca, o contato foi suficiente para despertar o marido, a mulher viu quando os olhos negros se abriram e a fitaram, sonolentos.
“Desculpa, te acordei.” – embora não se arrependesse, era sempre maravilhoso estar sob a mira daquele olhar. Ele a puxou para si e a mulher deitou-se em cima dele.
“Não me incomoda acordar assim. Todo dia.” - respondeu e juntou o lábio dos dois em um beijo. Sofia se sentia cansada e só queria dormir, mas no instante em que Marcus a tocava tudo nela se acendia e o cansaço era esquecido. Um dia sem vê-lo parecia uma eternidade, então a cada noite que se juntavam, a necessidade de um pelo outro crescia.
O homem se sentou no sofá e Sofia, em seu colo, entrelaçou as pernas em volta de seus quadris. Ele se levantou e assim, sem se soltar, foram para a cama. Marcus a deitou com todo o cuidado, enquanto a mulher puxou sua blusa com urgência. Ele riu e ajudou tirando o item por cima da cabeça, ficando com o torso nu.
Sofia adorava admirá-lo daquela maneira e tocá-lo também, por isso passou as mãos pelo peito do marido, sentindo que ele se arrepiava com seu toque.
O homem retirou o vestido que ela usara naquele dia e distribuiu beijos por todo o seu pescoço, descendo pelo colo, deixando rastros de desejo em cada local que sua boca tocava. Sofia suspirava de satisfação, enquanto iam se perdendo no corpo um do outro.
Quando os corpos estavam unidos e Sofia não aguentava mais de tanto desejo, Marcus segurou seu rosto e fez com que a mulher o fitasse.
Sofia não queria olhá-lo, só queria que ele a preenchesse até que delirasse e perdesse os sentidos, mas o homem parou de se mexer dentro dela e disse:
“Você nunca vai me deixar. Prometa.”
“Marcus…” - ela gemeu, tentou forçá-lo a se mexer, ofegante, mas o homem estava resoluto, queria uma resposta – “Nunca vou te deixar. Eu te amo.”
Então ele fechou os olhos, voltou a mexer os quadris, com força e urgência, e juntos atingiram o ápice. Pouco tempo depois, o homem deitou-se ao seu lado e a puxou para seus braços, como fazia sempre, em todas as noites.
“Eu te amo.” - ele disse e adormeceu.
Naquele momento, ela não tentou entender o que estava acontecendo, o marido tinha algum problema, algo estava errado, mas Sofia estava envolta pelo torpor do amor e pelo cansaço, não tinha forças para raciocinar, por isso, adormeceu.
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Sofia acordou no dia seguinte e, antes mesmo de abrir os olhos, sabia que estava sozinha na cama, uma vez que não sentia o calor dos braços do amado em volta de si. Tocou o lado em que o esposo dormia e o encontrou frio, provavelmente Marcus já havia se levantado há horas.
A mulher se levantou e foi se arrumar para mais um dia de trabalho. Quando desceu, alguns minutos mais tarde, encontrou o marido na cozinha, olhando para a tela do notebook. Ele tinha as mangas da camisa dobradas até os cotovelos, os cabelos desarrumados e um vinco na testa que demonstrava preocupação.
“Bom dia.” - ela disse, dando-lhe um beijo no rosto.
“Bom dia.”
“Acordou cedo.” - falou enquanto tirava o café que ele fizera da cafeteira.
“Sim.” – respondeu sem desviar o olhar da tela do computador.
Sofia o observou por cima da borda da xícara, ele parecia bastante concentrado e preocupado. Algo estava acontecendo. Ela se aproximou dele, puxou uma cadeira e se sentou. Encostou o rosto em seu ombro e disse:
“Diga-me o que está acontecendo.”
“Não está acontecendo nada.” - ele respondeu, ainda sem fitá-la.
“Marcus, eu sei que está preocupado. Algo está te incomodando. Por favor, me diga.”
“Nada está errado. Só estou ocupado.”
Ela levantou a cabeça e observou novamente. Sentiu-se magoada por ele não confiar nela. Não insistiria mais, o marido achava que ela não era confiável, então não ficaria ali se humilhando, por mais que quisesse ajudá-lo, tinha amor-próprio. Levantou-se, derramou o resto do café na pia, lavou a xícara e, antes que saísse da cozinha, disse:
“Se você não confia em mim, tudo bem. Vou te deixar em paz.” - ele, enfim, tirou os olhos da tela do notebook, talvez assustado pelo tom da voz dela, parecia magoado e triste – “Nós vemos à noite.” – saiu, ignorando os chamados do marido.
Naquele dia não fez questão de chegar cedo em casa. Dispensou a outra chef mais cedo e arrumou todo o restaurante para o dia seguinte. Há muito tempo não fazia isso, mas precisava pensar um pouco e ficar sozinha. O marido estava com problemas, mas não confiava nela o bastante para dividi-los.
Sofia acreditava que o casamento era feito para compartilhar, não só momentos bons, mas também os ruins. Ela falava tudo para ele, contava até os minúsculos problemas que tinha na cozinha, mas agora sabia que Marcus não fazia o mesmo.
Sempre imaginou que os dois, além de marido e mulher, eram os melhores amigos, mas agora tinha dúvidas sobre isso.
Chegou em casa e subiu as escadas, desanimada. Em dois anos de casamento, poucas vezes se desentenderam e aquela era a primeira vez que Sofia sentia que o marido não estava sendo sincero com ela. Ele escondia algo, ela sabia disso, mas ele não queria compartilhar com ela.
Quando entrou no quarto, Marcus estava sentado na cama, vestindo pijama, esperando por ela.
“Você demorou.” - ele disse, a voz cheia de preocupação.
Sofia não respondeu, estava realmente magoada. Pegou seus objetos de higiene e foi para o banheiro. Trancou-se e fez tudo com muita calma, não tinha pressa para enfrentá-lo.
“Você não vai falar comigo?” - Marcus perguntou quando ela voltou para o quarto, já trajando o pijama, pronta para dormir.
“Não tenho nada o que falar.” – disse enquanto se deitava na cama. Cobriu-se e virou para o lado oposto, dando as costas ao marido. Ela sentiu o momento em que ele se aproximou e deu-lhe um beijo no topo da cabeça.
“Me desculpe, eu sou um idiota.”
Sofia permaneceu calada, não seria convencida tão facilmente.
“Eu estava olhando algumas ações e te tratei mal.” - ele disse – “Você está certa. Estou com problemas na empresa.”
Ela não se virou, nem um centímetro, embora seus ouvidos estivessem bem alertas para o que o marido falava.
“O contador percebeu inconsistência nas contas da empresa. Acreditamos que um dos sócios esteja nos enganando.” – ele suspirou – “Ainda não descobrimos quem é e nem qual o valor exato do problema.”
Ela se mexeu, virou de frente para o marido e o encarou, muito séria e confusa.
“E por que você acha que eu não poderia saber disso?”
“Sofia, há risco de que a empresa entre em falência. Não sabemos a dimensão do dano.”
“Então, você acha que eu não vou mais te amar se você perder a empresa?” - perguntou, ofendida.
“Sofia…” – ele suspirou, mas a mulher não deixou que ele terminasse.
“Marcus, não me importa sua riqueza.” - ela disse, séria – “Eu te amaria mesmo que você morasse numa caixa de papelão. O que me ofende é sua insegurança quanto à minha lealdade. Sou leal a você, não ao seu dinheiro.” - ela se virou e fechou os olhos. Sentiu as lágrimas molhando sua face e ignorou as tentativas de Marcus de conversar.
Não queria ouvir as desculpas dele. Ele a ofendera pensando que ela era uma interesseira.
Adormeceu depois de chorar muito.
No dia seguinte, Sofia acordou antes do marido. Ela ainda se sentia profundamente ofendida, então se arrumou o mais silenciosa possível e saiu de casa, sem nem mesmo tomar café. Foi para o restaurante e ajudou os empregados do período matutino com os pratos de café da manhã.
“Sra. Sofia, há um cliente que quer falar com você.” - o garçom disse – “Ele diz que os ovos não estão do jeito que ele pediu.”
Sofia jogou o avental no balcão e saiu com raiva. Quando chegou na mesa, era aquele mesmo homem que falara com ela antes. Ele tinha os cabelos castanho-claro um pouco longos, quase na altura dos ombros. Seu rosto era liso, sem pelos, e um sorriso malicioso estava estampado em seu rosto.
Sofia conteve o ímpeto de revirar os olhos ao vê-lo novamente e foi até o homem.
“Bom dia.” - ele disse.
“Como o senhor desejava seu prato?” – perguntou, direta, sem tempo para frescuras.
“O prato está uma delícia. Falei isso para seu garçom, porque sabia que você viria.” - ele riu – “Não consegui esquecer esse restaurante desde o dia em que vim aqui.” – ele piscou um olho – “Não consegui esquecer a cozinheira do local.”
Sofia cruzou os braços na altura do peito e disse:
“Senhor, aproveite sua refeição. Tenho coisas a fazer na cozinha. Não tenho tempo para ficar aqui ouvindo essas coisas.”
“Espere.” - ele segurou sua mão – “Saia comigo.”
Sofia soltou a mão e disse, com raiva:
“Eu sou casada, senhor, como já lhe falei. Por favor, não insista. Aproveite sua refeição.” - e saiu, sem deixá-lo falar mais.
Sofia saiu para os fundos do restaurante e respirou fundo. Aquele homem era muito inconveniente, ela não aceitava aquele tipo de falta de respeito. Mesmo chateada com o marido, não dava oportunidade para que nenhum outro homem fosse desrespeitoso. Estava tentando se acalmar quando sentiu braços fortes lhe envolverem por trás e, então, sem pensar, deu-lhe um golpe nas partes baixas.
Virou-se e viu Marcus, seu marido, dobrado para frente, se torcendo de dor.
“Desculpe.” – falou, tentando ajudá-lo.
“Meu Deus, por que você fez isso?” – perguntou, ofegante.
“Eu pensei que era outra pessoa.”
Marcus se ergueu no mesmo instante em que ouviu aquilo.
“Quem?”
Os dois se encararam e Sofia sabia que o marido poderia ser bem ciumento, ela não queria que o homem se metesse em qualquer situação que o complicasse, por isso desconversou.
“Não sei. Qualquer um, você nunca vem aqui, como poderia adivinhar que era você?” – falou – “Você acharia correto que eu me derretesse nos braços de alguém que chegasse por trás de mim, me abraçando?”
Ele a observou por alguns minutos, tentando decifrar se aquilo que ela falava era a verdade.
“Vim aqui para me desculpar, você saiu sem se despedir.” - ele se aproximou com as mãos no bolso, parecendo realmente arrependido – “Me perdoa, tudo fica sem sentido quando estamos assim. Eu não quero que você fique chateada comigo. Eu amo você, Sofia.”
Ela o abraçou, em silêncio. Inalou o perfume que vinha dele e sentiu-se mais calma. Não estava mais nem pensando no que acontecera de manhã, em casa, mas no que ocorrera há alguns instantes com o cliente inconveniente.
“Me desculpa pelo golpe.” - ela disse, a voz abafada pelo peito dele – “Eu me assustei.”
“Tudo bem.” - ele a beijou na testa – “Eu te amo, prometo que não vou deixar nada referente à empresa nos atingir.”
“Não esconda mais nada de mim, Marcus. Nós prometemos que nos ajudaríamos e apoiaríamos quando nos casamos.”
Ele assentiu e os dois selaram a paz com um beijo apaixonado.
“Eu preciso voltar para a cozinha.” – Sofia disse quando se separaram.
“Tudo bem.” – ele deu um beijo na testa da esposa – “Tenho que ir para a empresa. Nós estamos bem?” – perguntou, encarando os olhos verdes que ele tanto amava.
Sofia sorriu e assentiu. Os dois se abraçaram mais uma vez antes que Marcus fosse embora.
Tudo estava bem.
Por enquanto.
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