SAMIA
Samia se olhava no espelho. Estava nervosa. Depois de anos estudando no ensino médio e concluído com louvor a sua faculdade em finanças, finalmente pôde conseguir um emprego em uma das maiores firmas do país. Sempre acreditou que estudaria apenas para conseguir diminuir o dote que seus pais deveriam pagar ao seu noivo quando o casamento realmente se concretizasse, mas ela também esperava, ou ao menos tinha a esperança de que morar na América pudesse ao menos ajuda-la em algo. E finalmente, quando seus pais disseram a seu noivo que ela gostaria de adquirir experiência em finanças, e que assim, cuidaria melhor da casa e de seu marido, ele prontamente aceitou. Não era a melhor desculpa, e ela também não pretendia deixar o trabalho para trás depois. Esperava que seu noivo fosse compreensivo o suficiente para aceitar seu trabalho no futuro.
Descendo as escadas da sua casa simples, ela toca o pé do seu pai que fazia orações como todos os dias, conforme sua tradição, antes de sair para o seu trabalho como taxista. Ela nunca via sua mãe fora de casa, mas também era peculiar, porquê ela sempre estava enfurnada na cozinha. Ela sabia que queria algo melhor que viver apenas em função do marido e dos seus filhos, mas não esperava que sua mãe a levasse a mal. “O que mais uma mulher poderia querer além de um homem que a cubra de ouro?” ou “Você é uma filha ingrata. Seu pai pretende gastar todas as nossas economias para que você se case com o noivo rico”. A realidade é que sendo uma mulher muito bonita, ele não poderia recusa-la, mesmo que não tivesse um dote. Depois que a viu voltando do colégio no centro de Déli, esperava conquista-la, mas quando percebeu que ela era uma menina focada, alguém que jamais se daria ao desfrute, não teve nenhuma dúvida além de ir até o seu sacerdote pedir que lhe arranjasse o casamento com a família da moça. Ela não estava feliz por isso. Um noivo com condições ruins talvez a deixasse ser mais livre, ou ele também poderia sentir inveja da sua educação, algo raro para alguém como ela.
Correndo pelas ruas, ela não tinha dinheiro para pagar um taxi. É irônico, seu pai poderia tê-la levado. Como sempre foi um homem cuidadoso com a virtude de sua filha, não permitia que ela estivesse sozinha no mesmo ambiente que qualquer homem, mas se acostumou que ela saísse sozinha de casa. Seu irmão mais novo não poderia segui-la, ainda era alguém jovem demais e não saberia voltar sozinho. Mas afinal, é a América, e aqui, sua filha não se envolveria com ninguém de uma cultura tão diferente. Seu pai confiava nela e esperava que isso fosse o certo a se fazer. Samia sempre foi muito responsável, nunca quis se casar ou sonhou com um príncipe encantado. Ela não era esse tipo de garota.
Em um ônibus, ela olhava pela janela e sonhava com o mundo muito distante do que ela poderia alcançar. Joias finas, carros de luxo, nada disso importava realmente. Ela queria ter um futuro em sua carreira. Sabia que era uma mulher talentosa e esperava que isto fosse o bastante para o seu chefe. Pelo que soube, não era alguém fácil de lidar. Donos de startups nunca são. Quando o ônibus para, ela sente seu coração palpitar tão rápido que mal pode respirar direito. Ela desce, sujando seus sapatos com a água empoçada da rua. Depois de andar alguns quarteirões, ela finalmente se depara com a fachada de um prédio suntuoso. “Rizzo”, lê em voz baixa, antes de tomar coragem para entrar. Ela sabia que aquele lugar mudaria sua vida para sempre. Colocando seus pés para dentro e observando todas aquelas pessoas bem vestidas, esperava que suas roupas simples fossem o suficiente para entrar num lugar como aqueles.
– Quem é você? – Uma recepcionista esnobe pergunta, olhando para Samia com desdém. Ela a achou bonita assim que viu, e isso seria o suficiente para nutrir seu ódio intenso por ela.
– Eu sou a nova assistente do senhor Rizzo.
– Ótimo. E pretende usar estas roupas?
Ela olha para si própria, tentando entender o que poderia haver de errado com ela. Antes de sair de casa, certificou-se se escolher sua melhor e mais recatada roupa. Até mesmo perguntou algumas vezes a sua mãe sobre como ela deveria se vestir, afinal, sua mãe era uma mulher experiente e deveria saber de tudo.
– O que há de errado com as minhas roupas?
A mulher lança um olhar impaciente para ela, e olhando suas unhas, aponta na direção das roupas da pobre garota, que se sente envergonhada diante de todos os funcionários ao redor.
– O que não há de errado com suas roupas.
– Mas eu coloquei minhas melhores roupas, senhora.
– Senhora? – Ri alto. – É, talvez eu possa gostar um pouco de você.
Ela sorri. Não sabia que aquilo não se tratava de um elogio. A mulher apenas gostou do fato de a Samia ser tão submissa a ela.
– Venha, vou mostrar seus afazeres.
Caminhando atrás dela, Samia tinha certeza de que podia confiar na mulher. Sentando-se em uma mesa tão comum quanto a de qualquer outro funcionário, ela se vê diante de pilhas de papéis.
– Meu nome é...
– Não importa o seu nome. Mas você deve lembrar do meu. Eu sou a Callie Jacobs e você deve gravar o meu nome. Em breve estarei acima de você.
A mulher ao lado diz de forma ríspida, fazendo com que a recepcionista ache engraçado.
Com toda elegância e submissão que poderia, ela apenas diz “Sim, senhora”. Como uma mulher educada em sua cultura, sabia que não adiantaria brigar com mulheres como essas. Ela apenas poderia esperar que o seu trabalho fosse tão bem que ela poderia mudar a vida de sua família. Ela não sonhava com a grandiosidade como todas as outras mulheres. Talvez isso fosse um problema para quem via de fora, mas para ela, era mais um motivo a ter foco em cada detalhe.
O tempo para ela passou tão rápido que sequer notou quando já havia terminado. Analisando papéis, sequer parou para comer algo ou ir ao banheiro. Estava tão concentrada que não podia interromper. Achou entre os papéis, um erro de contabilidade no balanço das finanças do mês. Aquilo era mesmo um erro ou alguém estava roubando o dono da empresa? A quem ela deveria contar sobre isso? Era seu primeiro dia e já estava envolvida nesse tipo de situação. Isso não era bom.
Sentada em uma cadeira, ela ponderou por quase uma hora se deveria contar para seu supervisor. Até que percebeu que a educação da qual tivera desde a infância não lhe permitia ser de outra forma. Em Uma lufada de ar puxada para dentro de seus pulmões, Samia se levanta e caminha em direção a porta do escritório de seu supervisor. Ela hesita duas vezes antes de finalmente ter coragem para bater.
– Entre!
– Com licença, senhor.
– Quem é você? Não me lembro de vê-la aqui antes.
– Sou a nova assistente do senhor Rizzo.
– Todos nós somos... – Seu óculos cai para o nariz. Ele o empurra com o dedo indicador, antes de perceber que a mulher ainda estava parada em frente a porta.
– Entre e feche a porta.
– Desculpe, senhor. Não posso.
Ele deixa a caneta sobre a mesa, fazendo-a rolar entre os papéis. Juntando suas mãos, ele tenta entender o motivo para aquela mulher ser tão retraída. Esse tipo de coisa não era comum. Quando finalmente parou para olha-la, finalmente pôde reparar no quanto suas feições eram lindas.
– Porque não poderia? Tem medo que eu a ataque?
– Não senhor, é a minha cultura.
– Está na América agora, se pretende se dar bem aqui, deve deixar essas besteiras de lado e fechar essa porta.
– Me desculpe.
Sem jeito, ela fecha a porta com delicadeza. Esta acostumada a não fazer barulhos. Cresceu ouvindo de seus avós que o único som vindo das mulheres devem ser o de suas pulseiras de ouro balançando em seus braços. Caminhando devagar, ela se senta em frente ao homem, colocando a pasta bege em cima da mesa.
– Agora me diga o que há de errado.
– Senhor... – Ela respira profundamente antes de continuar. – Já havia acabado o meu serviço e vi que...
– Terminou todo aquele serviço?
– Sim, senhor.
Ele se recosta contra a poltrona giratória, fazendo movimentos que a fazem ficar tonta. – Já vi que não é o tipo de mulher que faz corpo mole.
– Senhor, eu encontrei alguns erros.
Ele se assusta. – Onde?
Abrindo as paginas, ela procura pelo local onde riscou com uma caneta marcadora de texto. – Olhe, os números não batem. Isso poderia ser um grande problema no balanço geral da empresa. Eu não sei se foi proposital ou... Eu não sei, mas achei que deveria vir conversar sobre isso.
Tomando a pasta de sua mão, ele a fecha, olhando para o nome escrito nela. Levanta-se da poltrona tão rápido, que Samia não conseguia reagir de outra maneira a não ser segui-lo. Ela sabia que havia um grande problema, mas o que?
– Senhorita Jacobs. – A voz do homem reverberou por todo o escritório, fazendo com que todo serviço fosse paralisado. Quando a mulher finalmente se levanta, ele se despede de Samia. – Fez um ótimo trabalho. Eu cuido disso agora. Vá para sua casa agora. Volte amanhã.
A verdade é que a Callie Jacobs havia cometido um grave erro ao não se atentar para os números descritos por ela nos relatórios. Era sua função calcular lucros líquidos da empresa, mas entre bares e restaurantes caros, esqueceu-se de se concentrar realmente. Acompanhando o supervisor, ela olhava para a Samia como se quisesse fulmina-la.
Olhando para a mulher que entrava no escritório, Samia encarava-a como se fosse sua obrigação ajuda-la. E depois, com a porta fechada, se perguntava o que aconteceria. Mas já era muito tarde para ajuda-la. Só poderia ir para casa e esperar que ainda estivesse ali no dia seguinte. Agarrando sua bolsa simples, como as que usava para ir a universidade, ela sai do prédio luxuoso em direção ao ônibus mais uma vez. É claro que não esperava que seu pai a buscaria. Era a primeira vez que ela voltava do trabalho e estava muito tarde. Ele queria manter sua segurança, ou ao menos era o que ele lhe havia dito quando entrou no carro. A verdade é que seu pai temia aos Happy haur que via na televisão, em filmes americanos que assistia escondido de seus filhos porque temia que isso pudesse influencia-los.
– Como foi seu primeiro dia.
– Muito bem.
– Só muito bem? Não aconteceu nada de importante.
Ela estava feliz. Seu pai mostrava interesse por seu trabalho. Talvez fosse um bom sinal, talvez se tudo ocorresse bem, ela poderia ficar ali e crescer na empresa sem romper com sua família. Seu pai, no entanto, pensava de outra forma. Esperava que sua filha se contasse sobre com quem ou onde conversou com homens. Ele sempre foi muito tradicional, e o fato de sua filha estar em um emprego já era demais para ele esquecer tudo que aprendeu.
– Sim, não teve nada de importante.
– E quanto ao senhor Rizzo? Não é a assistente dele?
– Eu e mais duas dúzias de pessoas, baldí. (Pai).
– Ótimo!
Samia estava mais nervosa que o dia anterior para mais uma longa jornada de trabalho. Tudo porque ela sabia que estaria em maus lençóis. Ter provocado aquela mulher não foi uma boa idéia. Caminhando pela recepção, foi preciso que mostrasse seu crachá mais uma vez para que ela entrasse no local. Não importava quantas vezes fosse necessário repetir, ela sempre precisava explicar que era Hindi e que mulçumanos não são pessoas terroristas. De que adiantava? Seus longos cabelos escuros e olhos amendoados delatavam a descendência árabe. Fora do comum, sua pele era clara, mas ainda tinha o tom bronzeado e brilhante. Tudo que nenhuma das mulheres que a encarava naquele trabalho possuía. Mas era uma mulher que ainda não havia vivido o suficiente num pais como esses para perceber a inveja que a cercava. Ela e entendia sobre mulheres invejosas, é claro. Em seu país, isso era algo comum, mas nada se comparava a forma como agiam neste pais. Eram como amigas, mas isso não era bem a verdade.
Mais uma vez na recepção, a mulher a encara como se a quisesse matar. É claro, ela e a Callie eram amigas e ela não perdoaria uma pessoa que acabou de conhecer. Mas o que a Samia poderia fazer além de contar a seu chefe? Era sua obrigação. Ao menos era o que ela tentava se convencer enquanto subia pelo elevador. Quando pisou seus pés no escritório, sentiu que havia algo de errado, embora não tenha conseguido identificar de primeira. A Callie ainda estava lá, mas isso não traria alivio a longo prazo. Sabia que aquela mulher se vingaria dela. Cautelosa, caminha até sua mesa na vã esperança que ninguém a note, mas antes que possa faze-la, seu chefe surge no ambiente e a convida mais uma vez que a até a sua sala. Isso a deixava nervosa. Nunca gostou da forma como alguns homens olhavam para ela nesse país, especialmente seu chefe, um homem casado e com filhos.
Indo em direção a sala, via pessoas que a olhavam torto e cochichavam sobre como ela entregou uma colega de trabalho em seu primeiro dia. Não era uma pessoa a quem deveriam confiar, diziam. Mas ela tentava a todo custo ignorar os burburinhos e seguir para a sala do seu chefe, onde ela também não queria estar.
– Entre e feche a porta. – Diz, sem sequer olha-la.
Quando ela finalmente fechou a porta, seu chefe a olhou de um jeito que não agrada a Samia de forma alguma. Ela se perguntava porque um homem estaria a portas fechadas com ela sem sequer estar comprometido. Tentava entender a todo custo porque isso era algo do qual ele fazia questão.
– O senhor me chamou...
– Sente-se!
Samia vai até a mesa e se senta cautelosamente a sua frente. Como de costume, ela não cruza suas pernas. Seus pais sempre lhe disseram que um gesto como este poderia torná-la culpada caso sua virtude fosse perdida. Ela não gostaria de ser jogada no vento.
– Se for sobre aquilo. Eu posso ter me engano, foi meu primeiro dia de trabalho.
– O chefe quer que eu a promova. Fui contra...
– Mas...
– Deixe que eu explique porquê. É educado que você espere eu terminar de falar. Não ensinam isto em seu país?
Ela estava muito cansada das insinuações, mas o que poderia fazer? Não pretendia ser rude com seu chefe e provar suas teorias, além disso, ela não poderia ser demitida. Ter um trabalho como aqueles a deixava mais interessante para um casamento, mas ser demitida, definitivamente só aumentaria o dote que seu pobre pai teria que pagar por ela.
– Desculpe.
– Eu não queria que você fosse promovida, porque eu acho que ainda é muito jovem e imatura. Você acabou de chegar aqui, e existem pessoas no cargo a mais de dois anos e que ainda não conseguiram a sua posição. Mas, ordens lá de cima devem ser acatadas. O senhor Rizzo não gosta de desobediências.
– Em que vou trabalhar.
– Ira revisar os balanços gerais da empresa. Apenas se certificar de que todos os dados estão corretos.
– Sim senhor.
– Por enquanto, continuará em sua mesa, mas providenciarei uma sala para você assim que encontrar algo neste andar.
– Muito obrigada.
– Parabéns!
– Obrigada mais uma vez. – Com licença.
– Já vai? Não quer ficar e conversar?
– Não, senhor.
– Tem certeza de que quer recusar?. Talvez mais tarde possa vir aqui tomar algo comigo, ou nós podemos ir a algum lugar...
– Não creio que seja apropriado. Eu sou noiva.
– Isso nunca impediu ninguém, apenas você.
– Sim senhor. Afirma. Ela não queria brigar ou lhe dizer o que se passava por sua cabeça. Seria uma grande ofensa, mas não estava disposta a ficar naquele lugar e ouvir aqueles absurdos de alguém como ele.
– Vá! Saia daqui antes que eu me arrependa.
Ela não sabia o que aquilo queria dizer. Ela mal entendia porque ele a chamou para sair ou para o seu escritório a noite. Ela entendia apenas que era algo que não deveria fazer. Seu pai certamente não aprovaria.
– Imigrantes imundos...
Ouve quando estava fechando a porta atrás dela. Tentando se controlar, Samia apenas fechou seus olhos e respirou fundo haveria algum lugar fora de seu país natal onde esse tipo de coisa não aconteceria? Ela esperava que sim.
Voltando para sua mesa, pessoas a olhavam como se ela realmente fosse uma traidora. Ainda pior, cochichavam sobre como havia se tornado recorrentes as suas idas a sala do supervisor. O que aconteceria quando todos soubessem que ela foi promovida a um cargo acima do deles? Ela se perguntava isto o tempo todo.
– A atenção de todos vocês em mim agora! – Diz, enquanto estala os dedos das duas mãos. – O chefe a nomeou a revisora do trabalho de vocês. Quando terminarem, passem tudo para a Samia, por gentileza. Ela vai dizer se está tudo certo.
– O que? Ela acabou de chegar aqui. Eu trabalho duro por anos.
– Cala a boca. Você cometeu um grande erro e teve muita sorte por eu não a ter delatado. Assumi o seu erro e espero que esteja satisfeita. Uma recém chegada está acima de mim.
Voltando a sua sala, ele bate a porta com força. As pessoas se olham e cochicham. Todos naquele escritório sabiam bem o motivo para que o supervisor tenha protegido a Callie, mas ninguém ousaria contar isto a nova chefe. Se esse tipo de coisas era comum na empresa, certamente ela também estaria fazendo com o senhor Rizzo. Muitas mulheres ali dariam tudo para ter um homem como ele. Quem não gostaria de um italiano de um metro e noventa de altura?
Para mais, baixe o APP de MangaToon!