Não sei exatamente quando começou a minha obsessão por ser a melhor. Talvez tenha sido lá no ensino médio, antes mesmo de eu ter noção do quanto isso iria crescer e as proporções que tomaria.
Eu era uma CDF que todos respeitavam, competia até mesmo para ser a primeira a sair na hora do intervalo. Em todas as provas de fim de bimestre, no quadro de honra dos 100 melhores alunos da escola, ou era o meu nome ou era o de Natanael que estava em primeiro lugar, com no máximo 2 pontos de diferença para desempate.
Natanael e eu eramos amigos, mas aos poucos ele se afastou de todo mundo e apenas nossa rivalidade restou entre nós dois. Meu irmão ainda o vê às vezes, quando a namorada dele não o impede e controla (muito raramente).
O pessoal da turma se divertia por apostar em quem seria o melhor e os professores apenas achavam que devíamos parar de ser tão irritantes e ir brincar, já que muitas vezes era um empate e precisávamos que eles arranjassem um meio de desempate que fosse justo e que ambos aceitassem. Óbvio que não podia ser por ordem alfabética, o mais merecedor devia estar no topo.
De qualquer forma, depois dos três anos, fomos juntos para a faculdade de engenharia civil e depois para a de arquitetura, sem parar com a rivalidade que nos faziam manter o foco e ser considerados os melhores entre os melhores. Eu até hoje me pergunto se ele me imita ou é realmente uma coincidência estarmos na mesma faculdade e fazermos os exatos mesmos dois cursos.
-Lu! Por que me deixou para trás?! - Gina me perguntou inflando as bochechas que já são gordinhas e ficam ainda mais fofas daquele jeito.
Gina foi a primeira amiga que fiz quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, na época ela estava no primeiro. Quando eu comecei a cursar arquitetura, ela terminou os dois últimos anos dela no ensino médio e depois de um ano sabático, entrou na faculdade para cursar logística. Antes de voltarmos a estudar juntas, eu conversava com poucas pessoas porque normalmente ficavam irritadas com uma das três coisas: Eu ser mais bonita, eu ser muito estudiosa ou minha falta de vontade em socializar.
-E eu lá quero atrapalhar o seu namorico com o Juan? - fiz uma careta enquanto pegava os livros que precisava para os próximos períodos no meu armário. - Eu deixei meu livro de cálculos com você?
-Não deixou, deve estar aí no meio da sua zona. - Gina espiou a bagunça dentro do armário. - E eu não estava de "namorico", só estava falando sobre o jogo novo que...
Parei de prestar atenção ao que ela dizia ao ver meu rival aparecer no fim do corredor com seu cabelo benfeito e sorriso de dentes branquinhos. Grudada em seu braço, tentando desafiar a lei da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, a namorada dele está quase se fundindo a ele.
Natanael sorriu pra mim e eu sorri de volta, em um momento que durou tão pouco que se alguém percebeu vai duvidar de que aconteceu mesmo. Voltei a focar em procurar meu livro no armário, tentando entender o que Gina estava dizendo e eu não prestei atenção.
-E aí, o que você acha? - seus olhos brilhavam de empolgação.
-Ah, claro, é uma ótima idéia. - sorri como se soubesse do que ela estava falando.
-Que bom, por que já inscrevi você. - ela pulou alegremente, posso sentir que não deveria ter aceito. - Você tem que fazer uma maquete perfeita!
-Ah, eu vou. - se é apenas uma maquete eu consigo tranquilo, eu até gosto disso.
Gina tagarelou mais coisas que eu não prestei atenção e depois saiu correndo por se lembrar que tinha algo para fazer antes da aula. Continuei a procurar meu livro, já estava quase jogando tudo para o chão quando notei que estava sozinha no corredor com Natanael.
Ele veio andando na minha direção, com o sorrisinho presunçoso lindo e exibindo duas covinhas fofas. Acho que é por culpa dele que meus padrões são altos quando se trata de gostar de garotos, meu rival é bonito e inteligente, então não tem como eu gostar de alguém que é só bonito e não tem uma inteligência tão grande quanto a dele. Não só ele, todas as pessoas do sexo masculino com quem tenho convivência são muito inteligentes e/ou bonitas.
-Uau, que organização! - falou rindo ao ver meu armário abarrotado de bugigangas. - Eu estou com seu livro de cálculos, você deixou na sala ontem.
Ele ergueu o livro no alto e eu tentei pegar, mas ele é tão alto quanto um poste... Não, não é o clichê de eu ser muito baixa e ficar sofrendo bullying de todo mundo por isso, ele realmente ultrapassou os 1,90 da última vez que eu chequei, eu com meus mero 1,70 ainda sou baixa perto de um monstro desses.
-Pode me dar meu livro? - pedi sabendo que nem se continuasse pulando eu pegaria.
-Quais são as palavrinhas mágicas? - seu sorriso só aumentava, ele tem prazer em implicar comigo.
-As palavrinhas mágicas é "me dá ou você pode correr o rosto de ficar estéril de novo". - eu ri quando ele fez uma careta e devolveu o livro.
Pode não parecer, mas Natanael e eu temos algum tipo estranho de amizade onde a gente não conversa quase nunca mas se sente confortável na presença um do outro. Ele ofereceu seu braço para eu segurar e eu aceitei depois de trancar meu armário que é muito organizado e fechou com muita facilidade já que nada estava vazando para fora ao ponto de não querer deixar a porta ser fechada.
-Sua namoradinha não vai ficar chateada se te ver andando com outra garota? - perguntei enrolando uma mexa do cabelo no dedo e fingindo mascar um chiclete. - "Você não pode respirar o mesmo ar que outras garotas! Eu vou ligar para a minha massagista depois dessa e fazer um skincare para relaxar!"
Imitem sua voz anasalada e fingi estar no pior dia da minha vida, que é exatamente o que ela faz sempre que vê o namorado perto de qualquer garota.
-Que engraçadinha você está hoje, Arquiteta de Lego. - ele me olhou com um olhar superior, como se eu fosse baixa mesmo. - E eu não estou respirando o mesmo ar que outra garota, estou respirando o mesmo ar que você.
-É eu que sou a engraçadinha, né? Você devia largar a faculdade e virar comediante. - soltei seu braço me dei uma cotovelada nele, havíamos chegado na sala então nem me preocupei em o segurar de novo.
-Mas como você vai viver sem mim aqui, para te derrotar? - Natanael debochou e foi para o lugar dele, mais no fundo.
Revirei os olhos e fui para o meu lugar favorito perto da janela. Sinceramente, as aulas estão tão chatas nesse último bimestre que olhar pela janela é mais produtivo do que assistir a aula.
Posso ver muitas pessoas passando lá embaixo no pátio, são sempre os mesmos filhinhos de papai que não se importam com as aulas e ficam passando tempo no pátio apenas para não perder a mesada.
Eu já pensei em ficar matando tempo por lá também mas só de pensar que presença conta como método de desempate, acabo ficando na aula. Obviamente eu não vou deixar Natanael ganhar de mim.
As aulas passaram tão rápido que eu sequer notei quando o professor do dia foi embora e até as pessoas de outras salas começaram a invadir a nossa para papear com os amigos. Inclusive, Gina já está do meu lado (provavelmente à um bom tempo) e parece bem animada em conversar com as suas amigas.
-Poxa, vocês são tão maravilhosas! - Gina abraçou uma delas parecendo animada. - Obrigada por deixar eu e a Lu ir.
-Onde eu vou que nem tô sabendo? - eu espero ter mostrado pelo meu tom que mesmo que seja para ir até a esquina, não estou afim de sair e socializar.
-Viagem no feriado prolongado, amiga. Vamos todos para a praia. - Gina respondeu com um sorriso muito suspeito de quem me arrastaria se fosse preciso. - Você precisa pegar um solzinho.
-Desculpa aí, brozeadona. - ergui os ombros e mostrei a língua para ela.
Gina pode falar o que quiser mas não é segredo que desde muito pequena o apelido dela era "Palmitão" de tão branca que é, ela é a última pessoa com moral para falar que alguém "precisa de um solzinho".
-Vamos, amiga, eu nunca te pedi nada! - ela suplicou juntando as mãos como se estivesse prestes a se jogar nos meus pés para implorar. - Vai ser divertido e... Hm... Talvez te dê inspiração para o concurso.
Suspirei sem deixar de mostrar meu descontentamento... Talvez uma viagenzinha não mate ninguém e eu nem precise interagir, posso ficar lendo algo na varanda do hotel.
-Certo, eu vou. - falei por fim, ouvindo ela e as outras três garotas comemorarem.
-A melhor parte é que a Gina é a única garota de outra sala que vai. - elas olharam com sorrisos diabólicos para algum ponto atrás de mim.
Virei para ver o que elas olhavam e já devia estar óbvio, Julie (namorada do Natanael) estava novamente tentando se fundir a ele, tagarelando enquanto ele tentava terminar alguma anotação.
Na faculdade existem cinco pessoas que são extremamente famosas: uma garota que dirigi uma Lamborghini, um rapaz que tem uma banda de garagem com músicas muito boas, eu que sempre estou no topo das listas de melhores alunos em concursos, o Natanael pelo mesmo motivo que eu e, por fim, Julie. Ela é a garota mais odiada de toda a escola e só não sofre bullying verbal porque somos todos "adultos" e a nossa forma de bullying é mais discreta, envolve ignorar e excluir a pessoa de qualquer evento ou acontecimento importante socialmente.
Em defesa dos adultos mais infantis da faculdade que ainda tentam intimidar uma existência tão lamentável quanto a de Julie, ela é extremamente irritante. Talvez não exista uma garota que ainda não foi atacada por apenas estar perto de Natanael, estar no mesmo curso, corredor ou qualquer outro lugar.
O terror psicológico dela nas pessoas a volta é tão grande que o único armário feminino próximo do de Natanael fica a no mínimo dois metros de distância. Não sei como classificar o nível de toxicidade dela mas não parece que é apenas uma dependência emocional, parece que ela acredita que nasceu para possuir Natanael apenas para ela.
As garotas terminaram a conversa alguns minutos depois e saíram, finalmente me deixando sozinha com meus próprios pensamentos. Juntei lentamente meu material, aproveitando para pensar sobre a tal viagem e me perguntar qual foi a última vez que fui para a praia. Será que o biquíni que eu usei quando tinha 12 anos ainda vai servir?
-Como certeza não. - olhei para meus seios com um riso irônico.
Eu obviamente estou muito maior do que a doze anos atrás, não só nos seios como também todo o resto do meu corpo, nem parece que já fui chamada de cabo de vassoura.
Preciso passar em uma loja comprar roupa de banho nesse fim de semana, espero me lembrar disso e não deixar para a última hora, como eu sempre faço. Na verdade não é que eu exatamente deixo para última hora, eu só... Hm... Adio para um momento mais propício.
Na sala restou apenas mais um grupinho de garotos e Natanael com a namorada no fundão, eles pareciam discutir sobre algum assunto que estava deixando Natanael claramente irritado, o que era uma ocasião raríssima. Julie me encarou quando notou que estava olhando para eles e apertou os olhos, me mostrando o dedo do meio.
Revirei os olhos e fui adulta o suficiente para não ir arranjar confusão e apenas sair da sala (depois de mostrar os dois dedos para ela, mas esse detalhe é mesmo importante?). O dia podia ter acabado na faculdade, mas eu ainda tinha muita coisa para fazer antes de ficar livre, só espero poder terminar tudo sem estar completamente derrotada no fim do dia.
Estendi minha mão para ajudar Juan a se levantar depois de ter ganhado dele pela segunda vez, não importa quantas vezes ele peça revanche, eu sempre vou vencer ele em cima do tatame.
-Você roubou todos os genes bons da família. - ele reclamou aceitando a derrota, ele cuidaria da limpeza após a aula.
Meu irmão aceitou a ajuda para se levantar e tentou vim para cima de mim tão rápido que se eu não soubesse que ele sempre faz isso, teria sido pega. Me esquivei de seu ataque e dei um tapa leve na sua cabeça, indo me jogar num canto onde estavam nossas bolsas.
Toda sexta-feira nós damos um apoio ao meu pai e cuidamos da aula das crianças para que ele possa passar um tempo com a nossa mãe, já que fim de semana eles não tem muito tempo para ficarem só os dois. Apesar de o dojô oferecer aulas de diferentes artes marciais, nós cuidamos apenas do karatê que é mais comum as crianças quererem aprender.
-Mesmo rolê de sempre depois que a gente acabar? - Juan se jogou ao meu lado.
O olhei feio por que estava tentando pegar minha garrafa na bolsa e ele sentou entre mim e ela, dificultando muito. Sim, seria mais fácil se eu não fosse preguiçosa e tivesse feito mais do que estender meus braços torcendo para alcançar mesmo que estivesse longe, mas a culpa é dele também por se colocar no meio quando eu quase conseguia atrair a garrafa com a força da mente.
-Claro, você quem paga. - respondi sorrindo satisfeita quando ele facilmente pegou a garrafa e me entregou.
-Eu não, os meninos resolveram querer sair hoje e chamei eles para beber com a gente. - ele sorriu orgulhoso por ter achado uma forma de não pagar pela bebida.
-Então eu vou para casa.
Sinceramente, eu sair com um bando de caras barulhentos numa sexta-feira? Prefiro vestir meias coloridas e comer brigadeiro na frente da TV.
-Não! Você é nossa arma secreta! - Juan me abraçou, ignorando minha cara de nojo por estarmos ambos suados. - Nat também vai vim essa noite!
-Sério? Pensei que ele não saísse mais com vocês desde que começou a namorar. - não escondi minha surpresa ao me soltar de seus braços e o empurrar.
-Ele não sai! Mas ele vai levar ela e...
-Tô totalmente fora! - prefiro passar a noite limpando estrume de cavalo.
-Calma! - Juan fingiu estar bravo e tampou minha boca com a mão e eu a lambi (eca, está salgada!) o fazendo a retirar com nojo e limpar na minha roupa. - Eles apostaram que ela fique o rolê todo sem surtar... Se ela surtar, Nat vai poder viajar com a turma de vocês. Se ela aguentar ele vai ter que sair com ela e as amigas para algum local maligno... Tipo sei lá, aquelas lojas que vende bolsa de jacaré.
Provavelmente quem sugeriu esse acordo foi a própria Julie, Natanael não é de fazer esse tipo de coisa, ele é mais do tipo que gosta de evitar dor de cabeça e acaba cedendo. Já tinha ouvido que quando começaram a namorar eles prometeram que não iam forçar um ao outro a sair com os amigos deles, cada um podia sair com quem quisesse.
Claro que o acordo era mais vantajoso para ela, já que sempre que ele queria sair com os amigos ela o chamava para sair também e ele ia com ela para evitar briga desnecessária.
-E você quer que eu vá por que uma garota vai irritar ela mais ainda? - Juan e os amigos compartilhavam um ódio mútuo por ela, apesar de babarem sempre que ela passa na frente deles com decote e mini-saia.
-Porque ela odeia você também.
-Ela me odeia? Por que? Nunca nem falei com ela. - franzi o cenho, eu posso não ser a pessoa mais simpática do mundo mas nunca fui maldosa com ela.
-O Pedro ouviu do Paulo, que ouviu do irmão da Carla que uma vez Julie falou mau de você no banheiro feminino porque você sempre parece ter um sorrisinho debochado. - ele deu de ombros. - Além disso, você é a única garota que existe no mundo da lua em que Nat vive, você sabe que desde o ensino médio ele nunca foi muito de falar com as garotas, entre o basquete e estudar, a única garota "próxima" dele é você.
Bom, realmente Natanael não era muito de socializar mas nossa relação sempre foi resumida a nossa rivalidade, nunca pensamos um no outro como um possível interesse romântico. Eu sempre me senti um "cara" perto dele e nunca tentei ser mais que isso, no fim eu não quero muito me amarrar a alguém mais. Quando eu era mais nova até estava aberta a me deixar conquistar, mas de uns quatro garotos com quem já fiquei, nenhum era suportável depois de um tempo.
Amar uma pessoa é entregar toda sua estabilidade emocional nas mãos dela, basta uma vaciladinha e você tá chorando no banheiro de um membro do time de futebol durante a festa mais maneira do ano, vomitando cinco caipirinhas nas novas botas de flanela da sua melhor amiga.
Isso foi incrivelmente detalhado porque eu já fui a amiga que tem as botas arruinadas.
Foi nessa mesma festa que eu quase deixei Natanael estéril, fiz um belo show de striptease na mesa da cozinha e dei um fora em um canalha escroto que hoje em dia foge de mim nos corredores da faculdade, mas isso não é história para agora.
-Mas onde eu entro aí?
Não que eu queira ir mas... bom, se eu puder dar um pouco de prejuízo para quem pagar a conta, talvez não seja totalmente ruim. Eu não desgosto dos garotos também, eles sempre foram muito divertidos e respeitosos comigo.
-Nós queremos tornar as coisas mais difíceis para ela por ter roubado nosso mascote. - Juan socou o ar, mostrando convicção. - E precisamos de uma garota legal para aliviar um pouco o clima.
-Seus amigos ainda tem esperança de me verem fazer estrip de novo, não é? - provoquei com um sorriso.
-Não só eles, a turma toda gostaria de ter certeza de que aquilo não foi um delírio coletivo. - ele riu e se levantou ao ver que as crianças haviam começado a chegar.
Com certeza vai me dar muita dor de cabeça e não é só dá ressaca, mas se eu aceitei até mesmo ir na praia com as garotas, não posso dar algumas horinhas do meu precioso tempo livre para os garotos? Talvez seja até legal.
Prometi dar a resposta no fim da aula e foquei em ajudar as crianças, é impressionante como são incrivelmente desengonçadas com dez anos, nessa época eu já ganhava de alguns alunos mais velhos, quando treinava com meu pai.
Pensando mais a fundo sobre a questão de sair com os amigos do meu irmão sem noção (que deveria ter me perguntado antes de os convidar), a melhor parte é que eu até gosto de beber com muita gente, é bom ver as pessoas ficando bêbadas enquanto eu estou sóbria e bem plena.
Me incomoda o fato de quererem me usar como uma ferramenta para atingir Julie, mas agora que sei que ela destila um ódio gratuito por mim, talvez ela mereça. Não é como se eu fosse fazer algo realmente ruim, só vou observar a conversa do pessoal e marcar presença... Talvez provocar um pouquinho, já que ela me mostrou o dedo do meio mais cedo. Nada pode dar errado, certo?
Juan e eu chegamos no bar um pouco mais tarde que o combinado, porque eu posso ser CDF e anti-social, mas não sou desarrumada, né gente. Eu falei que não sou toda cheia de clichês, então eu posso não ser a mais versada em moda mas tomo banho todo e me visto bem.
Eu estaria em meio a um monte de garotos e não com meu irmão, na frente de quem eu bebo como um caminhoneiro. Eu tenho que manter no mínimo uma imagem de que sou uma pessoa, então não demoro pra me arrumar, apenas levo o tempo necessário para parecer descente.+6
-Oi pessoal, desculpem a gente pela demora. - cheguei cumprimentando a todos com um beijo na bochecha.
-Tá bonitona hoje em Lulu! - Pedro é o único que tem coragem de brincar comigo entre os garotos, os outros tem medo de serem os próximos a fugirem de mim nos corredores.
-Obrigada Pê. E aí, bora ver quem é o último de pé? - falei animada, sentando em um lugar entre Pedro e Juan.
Se tem uma coisa em mim que muitas pessoas se impressionam por saber é sobre meu amor por álcool. Claro que eu não sou alcoólatra mas tem coisa melhor do que uma cervejinha sexta à noite? Não, é por isso que apesar de não querer ver Julie agora que sei do seu ódio por mim, eu relevei.
Juan também me disse que hoje Natanael quem pagaria então quero causar um prejuízinho legal e ver ele esvaziar os bolsos.
Começamos a beber antes de Natanael chegar e eu já estava quase jogando a conta para o Juan se ele não viesse quando ele e Julie chegaram, ela com a cara de quem chupou limão.
-E aí galera... e olha só, Ise! - ele parecia feliz com a minha presença, provavelmente sabe que os garotos vão tentar provocar muito Julie e espera que eu o salve.
-E aí? Já tô no quinto copo, se quiser me alcançar é melhor correr. - respondi depois que os garotos comemoraram sua chegada e ele pôde se sentar.
Os meninos começaram a falar de basquete assim que notaram que Julie não tinha a intenção de os cumprimentar, falaram coisas incompreensíveis na minha língua mas que pareciam ser algum hino aos ouvidos deles.
Sobre esse grupo, estamos em seis pessoas, quatro delas são: meu irmão, Natanael, Julie e eu. As outras duas é fácil de descrever, já que têm personalidades muito distintas, vou tentar resumir.
Pedro é o segundo mais velho do grupo entre os meninos, perdendo apenas para o Natanael, desde que perderam o mais velho, ele virou o líder e onde ele vai os outros dois vão atrás. Ele é atleta, já até tentou participar das olimpíadas em natação, mas desistiu quando percebeu que não teria tempo para mais nada.
Ele é bem bacana mas os meninos zoam ele por que já teve mais de doze ex namoradas em cinco anos e mais da metade delas sairam do país depois de terminar com ele, então eles dizem que namorar ele é tão ruim que elas até fugiram do Brasil. Ele está no último ano em ciências contábeis, apesar de ninguém saber como ele trocou sua ambição de "natação" para "contabilidade".
Paulo é o mais novo, tem apenas vinte aninhos, e pode ser considerado o com mais responsabilidade no grupo, ele sempre fica bebendo suco para levar os amigos para casa nas festas. E eu acho que ele tem uma paixão secreta por Julie mas quem sou eu para dizer algo? Ele estuda administração e seu sonho é vender alguma coisa estranha importada para computadores a um preço acessível.
-Lu, você se inscreveu para o concurso também, não é? Quem tanto é da sua equipe? - Juan perguntou de repente, me pegando desprevenida.
-Que concurso? - olhei em volta, todos me olhavam, com exceção de Natanael que encarava triste o copo vazio, ele já deve estar bêbado.
-O de maquetes, a Gina falou que...
-Precisava de equipe? - por isso eu sentia que não devia ter aceitado, provavelmente Gina também não leu direito as regras e não sabia. Onde diabos eu vou arranjar uma equipe... Droga!
-Claro que não, eu me inscrevi sozinho. - Natanael respondeu, me deixando aliviada.
-Não, tá nas regras. Eu sou do jornal então escrevi um artigo sobre a competição e sei todas as regras. - Pedro sorriu para mim e depois para Natanael.- O mínimo é duas pessoas.
-Eu sei o que você está pensando e definitivamente...
-Não. - Natanael completou minha frase, tão contrariado quanto eu.
A cara de Pedro era a de quem ia sugerir a pior coisa do mundo e isso com certeza seria: Natanael e eu formarmos uma dupla.
A gente sempre ganhou um do outro, como aceitaríamos uma vitória dividida? Impossível. Além disso, Natanael é muito sério e focado, ele não tem um pingo de visão artística.
-Eu nunca ia conseguir trabalhar com a bagunça que a Isezinha faz... Eu demorei duas semanas para tirar a tinta do teto da última vez... - Natanael não estava disposto a terminar a frase, deu um sorriso e riu sozinho. - ... Ainda tá um pouco azul.
Quando ele diz isso está se referindo a uma vez em que meus pais e os dele combinaram um encontro porque Juan e Natanael queriam viajar sozinhos para Bonito, então eles resolveram se conhecer pra ver se podiam confiar nos filhos. Meus pais amaram os pais dele e vice-versa, hoje eles se encontram com frequência em um clube particular famoso.
Enfim, nesse encontro a gente acabou pegando bebidas escondidas quando eles não estavam vendo e no fim precisamos dormir na casa de Natanael porque ele era o mais sóbrio e deu uma desculpa de que queríamos estudar para alguma prova e ajudar meu irmão com a matéria dele. Se meus pais soubessem eles não tinham ido viajar para Bonito, nem para o Guarujá e tantos outros lugares para os quais já foram.
De noite, eu peguei uma tinta de cabelo azul (que em algum momento saí para comprar) e em vez de pintar o cabelo, pintei UM cabelo no teto do quarto dele.
Em minha defesa, foi uma das minhas maiores obras primas e eu tenho uma foto dela até hoje... Mesmo que sempre que eu olhe, a foto mude um pouquinho e pareça muito ruim.
-Mas aquilo não foi culpa da minha desorganização, foi das ótimas bebidas que seus pais compraram. - dei de ombros.
-Você já conheceu os pais do Nat? - Julie me fuzilou com os olhos, foi a primeira vez que eu ouvi ela falar desde que chegou.
-Claro, eles até tem um quarto para quando ela quiser ir pra lá. - Juan exagerou os fatos e eu percebi que era porque queria colocar fogo no parquinho.
O quarto não é meu e sim dele que praticamente morava lá durante todo o ensino médio. Tem algumas coisas femininas porque sempre que eu passava dos limites na bebida ia pra casa dele para meus pais não saberem. O problema de eles descobrirem é que não vão brigar comigo mas vão querer ir junto na próxima, isso é algo que eu não desejo a ninguém.
-Você falou que aquelas coisas eram de uma menina que passava uns dias na sua casa e não da Louise. - ela iniciou um choro ensaiado, chegava a tremer. - Você mentiu na minha cara!
-Mas a Ise é uma menina... Era, quando ficava lá em casa... Agora ela não vai mais. - ele se explicou sem parecer dar muita importância. - Não precisa fazer seu teatrinho aqui... Depois conversamos.
Julie parou de chorar e apenas ficou furiosa, aposto que quando a chantagem emocional por chorar não faz ele a mimar, ela parte para a raiva... Tão previsível.
-Então é só você beber um pouquinho que eu viro apenas a p*t* que você come...!
-Opa, opa, calma lá, meu amor! - Interrompi ao perceber que algum sem noção estava gravando a confusão.
Sério gente, quem coloca um celular na mão de adultos tão estúpidos? Se Natanael e eu estivermos em um vídeo de barraco na internet com certeza vai ferrar com o que estamos batalhando a mais de sete anos para conquistar. Claro que eu estou mais preocupada comigo mesma, já que o vídeo já está sendo gravado e eu estou nele.
-Como Natanael acabou de dizer, isso foi a mais de cinco anos atrás. Você nem sonhava em namorar com ele e mesmo que sonhasse não teria problema porque nunca rolou nada entre a gente. - defendi mantendo a voz baixa para não ser captada pelo celular do homem.
-Sim, se o Nat tivesse ficado com a minha irmã, ele não estaria com você hoje. Ninguém que conhece a fartura se contenta com migalhas. - Juan me defendeu de um jeito totalmente estranho, mas isso só fez Julie ir pra cima dele e lhe dar um tapa.
Natanael riu assim que me viu afastar Juan dela e analisar a bochecha vermelha do meu doce irmãozinho. Alguém ousou bater no meu irmão na minha frente... Ninguém que fez isso pelas minhas costas tem coragem de pensar no nome dele hoje em dia... mas ela, ah minha gente, ela fez isso na minha cara!
-Sua filha duma... - eu não terminei a frase porque nessa altura ela já estava no chão, comigo a imobilizado. - Você acha que alguém que machuca um ser angelical merece o que?
Perguntei sorrindo cruelmente, Natanael ria descontroladamente porque ele já machucou meu irmão uma vez, sem querer e sabia no que aquilo resultava.
-Maninha, está tudo bem! - Juan não parecia ter nenhuma intenção de me parar mesmo.
Pedro e Paulo também riam mas depois que (mesmo chorando e implorando para eu a soltar) Julie levou uma cabeçada no nariz, ambos me tiraram com muita dificuldade de perto dela.
Julie foi para perto de Natanael com o nariz sangrando e começou a chorar copiosamente. Se eu tivesse escolhido um sapato aberto podia chutar e fazer ele voar nela mesmo a distância mas eu estou com meus tênis de plataforma.
Natanael aconchegou a namorada em seu colo e tentou limpar o nariz dela com um guardanapo descartável.
Bufei revirando os olhos, o dono já estava vindo ver quem estava arrumando confusão e se surpreendeu ao me ver no meio de tudo, já que sempre estou por ali e nunca arranjei briga. O poupo de ter que me pedir pra sair e vou para a saída... Claro que antes eu afoguei o celular do homem que nos filmava em um copo de cerveja que ele mesmo ia beber.
Juan me seguiu em silêncio, sei que ele se sente grato mas está dividido porque eu não deveria me meter em brigas e ele quer me repreender. Eu ainda não me arrependo do que eu fiz, só me arrependo de não ter feito mais estrago naquela cara azeda.
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