A vida era pacata e sem grandes emoções quando eu morava no interior de Minas Gerais, eu sentia que continuar ali era um grande desperdício da minha vida e juventude, foi esse sentimento de não pertencimento que me levou até o Rio de Janeiro, eu me preparava para o momento em que eu deixaria o marasmo do interior pra trás desde a adolescência, então quando eu encontrei um bom apartamento compartilhado e consegui transferir a matricula da faculdade, eu não pensei duas vezes antes de arrumar as minhas malas e embarcar rumo ao meu destino, foi como se os astros tivessem se alinhado para que os meus sonhos se realizassem.
A minha relação com Minas era incrível, eu amava o meu estado e as minhas raízes, mas eu tinha ambições que ultrapassavam as barreiras da minha pequena cidade. Eu estava eufórica pela oportunidade de finalmente começar a trilhar o meu caminho. Eu tinha 22 anos e nunca havia saído de casa para me aventurar sozinha, os meus pais sempre estiveram por perto em todas as situações, então por mais realizada que eu me sentisse com essa mudança eu também estava apavorada.
Convencer os meus pais de que seria uma boa ideia eu me mudar foi mais difícil do que eu esperava, eles não conseguiam concordar com nenhum dos meus argumentos, e quando perceberam que eu não mudaria de ideia, eles acabaram aceitando e me apoiando a contragosto. O que eu mais amava na minha mãe e no meu pai era o fato de eles sempre priorizarem a minha felicidade, e dessa vez não foi diferente.
Meu pai estabeleceu algumas regras antes de eu ir, ele pagaria pelo meu aluguel e gastos essenciais e em troca eu deveria ligar pelo menos uma vez ao dia para conversar com eles, focar totalmente nos meus estudos e ficar fora de qualquer tipo de confusão, eu achei as suas condições razoáveis e não via nenhum problema em cumpri-las. Os meus pais sempre me deram a vida mais confortável que podiam o que já era mais do que a maioria das pessoas tinham, minha mãe era psicóloga e trabalhava como terapeuta de casais há anos, meu pai era psiquiatra e atendia no hospital público de Alfenas.
A minha relação com a minha família era um dos maiores privilégios que eu tinha, eu sempre tive tudo o que precisava principalmente afetivamente, o fato dos meus pais serem estudiosos da mente humana fez com que eles compreendessem cada uma das fases da minha vida e apoiassem sempre a tomar a melhor decisão, a maior tristeza na minha mudança era o fato de não estar mais com eles todos os dias, ouvindo suas histórias repetidas sobre suas juventudes e relacionamento. A história sobre o meu nascimento e a escolha do meu nome era a preferida deles, e eu nunca me cansava de ouvi-la.
O meu nome era Melanie pela junção de Mel e Anne, os meus pais fizeram do cartório um campo de guerra enquanto discutiam qual dos dois nomes seria mais apropriado para a bebê loira de olhos arregalados deitada nos braços da minha avó. Diante do caos que havia se tornado o cartório de registro pela discussão infindável dos meus pais, a minha avó Ruth resolveu interceder e sugeriu Melanie.
Eu particularmente gostava muito do meu nome, e o fato de ter sido uma escolha da minha vozinha só fez com que eu o amasse ainda mais.
Minha família havia organizado uma pequena festinha de despedida pra mim, foram convidados apenas os meus amigos mais íntimos e os poucos parentes que moravam próximos da gente, como era esperado a festa acabou em xorôrô e melancolia, eu estava com saudade antecipadamente.
Com as malas na traseira do carro do meu pai, dirigimos até o aeroporto de Alfenas, todo o trajeto foi ao som da minha mãe repassando mais uma vez a lista de cuidados que eu deveria ter agora que não teria mais eles por perto pra me protegerem. Eu com certeza sentiria falta da minha mãe e suas paranoias em relação à minha segurança.
A despedida no portão de embarque foi tão emocionante quanto deveria ser, eu não estava me despedindo apenas dos meus pais, era toda a vida que eu conhecia que ficava pra trás, em algumas horas eu estaria do outro lado do país, vivendo em um apartamento estranho com uma garota que eu mal conhecia, estudando em outra universidade, vivendo uma vida bem diferente da que eu sempre tive. Mas não era isso que eu queria, uma vida diferente da que eu vivia?
Olhar pela janelinha do avião e observar o quanto o mundo lá embaixo parecia minúsculo visto de cima, me acalmou por um momento, eu estava pronta pra essa nova etapa da minha vida e por mais nervosa ou medrosa que eu estivesse, eu estava pronta. Tão pronta quanto o possível.
Com as possibilidades surgindo em minha mente, eu consigo relaxar e dormir um pouco sentindo uma súbita necessidade de descansar a minha mente e o meu corpo, eu não sabia o que me esperava no Rio.
Eu sabia que meus sonhos não seriam realizados enquanto eu estivesse ali, eu queria conhecer o mundo, expandir os meus horizontes e viver a minha própria vida.
Dali pra frente eu estava por conta própria, apesar de os meus pais deixarem muito claro que estavam prontos pra me ajudar no que eu precisasse, eu sabia que eu precisava me tornar independente o mais rápido possível, precisava de um emprego no Rio, eu não queria viver pra sempre sendo sustentada pelos meus pais.
Uma das razões para que eu me mudasse era exatamente essa, eu queria amadurecer e me sentir auto suficiente, os meus pais sempre estiveram presentes, mas eu devia estar preparada para o dia em que não estivessem mais.
Com a minha mente girando de ansiedade e nervosismo, eu só conseguia pensar em como a minha vida seria dali pra frente, daria tudo certo?
Eu estava disposta a arriscar e descobrir por conta própria.
Eu desembarquei no Aeroporto Galeão um pouco antes do anoitecer, o clima caótico da cidade já se anunciava assim que botei os meus pés pra fora do aeroporto e tentei pegar um taxi no meio da correria de pessoas que passavam de um lado para o outro na rua.
Quando finalmente consegui entrar em um carro passei o endereço do apartamento que viria a ser o meu novo lar, o apartamento era bem localizado em Copacabana, meu pai havia checado tudo antes de me permitir que eu viesse para o Rio. Eu tinha encontrado o anúncio enquanto procurava repúblicas nos grupos do Facebook, a Gabriela estava procurando por uma colega de quarto para dividir um apartamento super aconchegante e em conta.
Eu tinha trocado muitas mensagens com a Gabriela nos últimos dias, ela vinha se mostrando uma garota muito legal e descontraída, e apesar de não tê-la conhecido pessoalmente ainda, eu tinha um ótimo pressentimento sobre ela e a nossa convivência.
Quando o taxista parou em frente ao prédio, um sentimento diferente tomou conta de mim, eu estava emocionada. Todas as minhas inseguranças pareciam bobas diante de tudo que estava na minha frente, tudo estava dando certo.
Paguei o taxista e tirei minhas coisas do porta malas, caminhei confiante até o portão do prédio e interfonei para o apartamento 801. Depois do primeiro toque uma voz feminina soou pelo interfone.
-Sim?
-É a Melanie Nogueira, vim pelo quarto disponível.
-Oh Deus, sim. Eu me esqueci completamente, pode subir Melanie. -ela parecia atrapalhada pelo interfone, como alguém se esquece de uma coisa dessas?
Gabriela libera o portão e eu entro parando na portaria. Um homem baixo que eu julgo ser o porteiro se aproxima de mim pegando as minhas malas.
-Você deve ser a Melanie, a senhorita Gabi me avisou da sua chegada, pediu que eu te ajudasse com a bagagem. -ele para de caminhar e me estende a mão em cumprimento. -Nem me apresentei, desculpe por isso. Sou Carlos, o porteiro aqui do prédio, tudo o que a Senhorita precisar pode interfonar aqui em baixo que eu dou um jeito.
Pego na mão do Carlos e sorrio gentilmente pra ele agradecendo pela recepção, a minha primeira impressão sobre o Rio de Janeiro e os cariocas era muito boa, Carlos era simpático e prestativo, aparentava ter um pouco mais de 40 anos e muita disposição.
Carlos me levou até o elevador e apertou o botão do oitavo andar pra mim, se ofereceu para levar as malas até o apartamento mas eu recusei prontamente, não era necessário que ele abandonasse a portaria apenas para carregar minha bagagem.
Subi pelo elevador com a minha ansiedade a mil, arrastei minhas malas pra fora do elevador e bati na porta do apartamento 801, eu estava nervosa em conhecer a Gabriela pessoalmente, e se ela não fosse tão amigável quanto tinha sido pelas mensagens? Como eu moraria com alguém que não fosse legal como eu imaginava?
A porta se abriu depois de um minuto revelando uma garota sorridente dentro do apartamento, antes que eu dissesse qualquer coisa fui puxada pra um abraço caloroso e receptivo.
-Finalmente você chegou, eu estava ansiosa pra conhecer você.
Gabriela era alta e magra, tinha cabelos cacheados que iam até a altura dos ombros, sua pele negra brilhava e contrastava com seu enorme sorriso. Ela me puxava pra dentro do apartamento com euforia, falando sem parar sobre como era bom ter uma nova colega de quarto.
Eu estava um pouco perdida com sua empolgação, mas estava aliviada por ver que ela era tão gentil e calorosa quanto parecia ser pelas mensagens.
-Eu queria ter buscado você no aeroporto, mas cheguei em casa agora, fui almoçar com alguns amigos e acabei me esquecendo que era hoje que você chegava. Correu tudo bem o seu trajeto até aqui?
Soltei minha bolsa sobre o sofá da sala enquanto a tranquilizava.
-Não se preocupe Gabriela, foi muito bem, depois que consegui encontrar um taxi no galeão foi tranquilo. -sorrio pra ela.
-Podia ter me ligado, eu encontraria você sem problema nenhum. O Rio pode ser um pouco assustador inicialmente. -eu assinto.
-Sim, eu fiquei apavorada por um momento, mas estar aqui é realização de um sonho, nada vai diminuir a minha animação.
Ela bate palmas com empolgação.
-É isso aí garota, gostei da sua atitude. Não deixe que os pequenos problemas da vida urbana afetem o seu bom humor.
Eu rio da empolgação da Gabriela, eu já tinha percebido o quão animada e festiva ela era em apenas 5 minutos de conversa, o alto astral dela era contagiante e fazia com que eu me sentisse em casa.
Depois de conversarmos mais um pouco, ela me leva para conhecer todo o apartamento.
O espaço era amplo, maior do que parecia pelo anúncio. A cozinha americana conjugada com a espaçosa sala de estar era impressionante, eu estava esperando algo mais modesto pelo valor que estava pagando pelo quarto.
O apartamento também tinha um pequeno escritório com uma estante abarrotada de livros que cobria toda a parede, um lavabo moderno e dois quartos. Gabriela parou na porta de uma dos quartos e me deu passagem para entrar.
-O seu quarto vai ser esse Melanie, qualquer coisa que você precise pode falar comigo, tá bom? A Fátima limpou tudo e deixou algumas toalhas e itens de higiene pra você no banheiro.
Ela me mostrou onde tudo ficava e saiu do quarto me deixando sozinha com minhas malas e pensamentos.
O quarto era uma suíte bem mobiliada, e eu estava começando a desconfiar de que havia algo errado com o valor do aluguel que tínhamos combinado. Um quarto daqueles valia muito mais do que eu iria pagar, porque a Gabriela alugava aquele lugar por tão pouco? E quem era Fátima?
Eu não queria começar a criar paranoias na minha cabeça tão cedo, e só de pensar que poderia ter alguma coisa de errado com o meu plano de mudança já me deixava arrepiada.
Tentei afastar a ideia do aluguel da minha cabeça, enquanto acomodava as minhas coisas pelo quarto.
A suíte era bem espaçosa, a mobília era branca com detalhes em um tom de verde oliva, havia um grande armário, uma cama Queen size muito macia que dava vista para uma TV enorme que ficava presa à parede, a escrivaninha encostada na janela com vista para o calçadão já tinha se tornado o meu lugar preferido daquela casa, eu já me via ali lendo vários livros enquanto olharia para as pessoas que passassem pela rua.
Depois de organizar as coisas em seu lugar e acomodar as minhas roupas no armário, decidi tomar uma ducha rápida para descansar o meu corpo, eu estava exausta pelo trajeto. Na suíte havia uma banheira que eu provavelmente não demoraria pra experimentar, mas naquele momento eu só precisava sentir a água quente escorrer pelo meu corpo e levar embora todo o meu cansaço.
A ducha foi exatamente o que eu precisava para recarregar as minhas energias, depois de alguns minutos de baixo do chuveiro eu estava completamente renovada. Peguei um dos meus pijamas e me vesti, olhei para o celular e me lembrei que precisava ligar para os meus pais pra contar que tinha chegado bem.
Uma batida na porta interrompeu a ligação que eu estava prestes a fazer, depois de ouvir minha voz Gabriela abriu uma fresta da porta. Ela estava bem diferente de algumas horas atrás, o short e a camiseta haviam sido substituídos por um vestido tomara que caia que valorizava todas as suas curvas, seu cabelo estava mais definido, com cachos grandes e volumosos. Era inegável a beleza dela.
-Uau, alguém tá muito bem arrumada por aqui, e não sou eu. -aponto para o pijama no meu corpo e rio pra ela.
Gabriela abre o seu característico sorriso.
-Você também tá ótima, eu diria até que esse é um pijama de gala, muito melhor que os meus.
-Nós duas rimos do seu comentário.
-Eu vim chamar você para darmos uma volta, você provavelmente deve querer conhecer a cidade né? Eu e os meus amigos vamos em um pub bem legal aqui no bairro.
Eu olho pra cama macia e convidativa e olho pra Gabriela toda arrumada para na minha frente, pelo nível da produção dela o tal pub deveria ser muito bem frequentado, e eu não estava com o menor ânimo pra me arrumar e sair de casa naquela noite e ainda tinha a ligação para os meus pais, o que provavelmente demoraria porque eles iriam querer saber de todos os detalhes.
-Eu agradeço muito o seu convite Gabriela, mas hoje é meio impossível pra mim, eu preciso ligar para os meus pais e gostaria de descansar um pouco. Você se importa? -ela sorri compreensiva.
-Não esquenta, eu entendo total. Também estaria esgotada no seu lugar, bom descanso pra você. -eu agradeço com um sorriso genuíno.
-Obrigada, divirta-se. Você com certeza vai chamar atenção por onde passar.
Ela dá um gritinho de animação e bate palmas da mesma forma como tinha feito mais cedo.
-Espero que sim, eu demorei muito pra me arrumar assim.- mais uma vez eu rio da sua empolgação jovial.
Depois de se despedir, Gabriela sai pela porta.
Me deitei na cama e liguei a televisão, enquanto assistia qualquer coisa aleatória peguei o celular e disquei o número da minha mãe, eram pouco mais de 8h da noite eles provavelmente estariam em seu horário de leitura diária. O telefone tocou uma vez antes da minha mãe atender com sua voz calma e tranquilizadora.
-Querida, oi. Estávamos esperando a sua ligação, vou colocar no viva voz para o seu pai participar da conversa. – a minha mãe sempre mantinha o mesmo tom de voz apaziguador, era impossível ouvi-la gritar ou se exaltar com o que quer que fosse.
-Oi filhinha, como foi seu voô? -a voz grave do meu pai soou no meu ouvido e eu tive que me segurar muito para não desabar em lágrimas, só o fato de ouvir a voz dos meus pais me trazia uma saudade incontrolável de casa.
-Oi mamãe, oi pai. O voô foi tranquilo, eu cheguei há algumas horas no Rio, estava me acomodando primeiro antes de ligar pra vocês. -falo rapidamente tentando manter a emoção longe da minha voz.
Pelos minutos seguintes os meus pais me enchem de perguntas sobre absolutamente tudo, o apartamento, a Gabriela, o meu quarto, o clima quente da cidade e eu não poupo detalhes, eu sabia que se eles soubessem de tudo ficariam mais tranquilos. Antes de desligar nossa chamada eu declarei mais uma vez o meu amor e gratidão aos meus pais por tudo o que eles faziam por mim.
-Eu já estou morrendo de saudades, a parte mais difícil de realizar um sonho é ter que abrir mão de alguma coisa, e com certeza abrir mão de estar sempre com vocês é o que mais me chateia nesse momento. -por mais que eu evitasse ser emotiva, era impossível não dizer aquelas coisas pra eles, eu precisava que eles soubessem o quanto eu valorizava nossa relação.
Desligo o celular com o coração aquecido, e mais tarde quando fecho os meus olhos para dormir, um enorme sorriso brota nos meus lábios, eu estava feliz pra caralho.
A luz do sol invadiu a janela do meu quarto assim que o dia amanheceu, acordei meio perdida em meio ao ambiente quase desconhecido pra mim, era minha primeira manhã naquele apartamento, tudo era muito novo pra mim. Depois da visita da Gabriela ao meu quarto na noite passada, antes dela sair, eu não a vi mais e nem a ouvi chegar, depois de falar com os meus pais pelo celular, eu acabei adormecendo profundamente.
Rolei na cama por um tempo até resolver finalmente me levantar, eu estava ansiosa para conhecer a cidade, e depois de um banho rápido eu sai em direção às ruas do Rio de Janeiro. Cada lugar pelo qual eu passava era único pra mim, até mesmo os detalhes mais simples da vida urbana, por mais curiosa e ansiosa que eu estivesse para desbravar a cidade, eu me limitei a explorar somente as proximidades do meu prédio.
Um dos locais mais legais que eu conheci nesse pequeno passeio, foi uma feira que ficava a dois quarteirões da minha rua, a quantidade de produtos e a quantidade de pessoas nessa feira, era impressionante, muito diferente das feiras que eu frequentava em Alfenas, a descoberta daquele lugar me agradou muito, eu sempre prezei por produtos mais naturais e adorava cozinhar, saber que eu poderia adquirir os ingredientes orgânicos tão facilmente me animou muito.
Voltei do meu pequeno tour com ingredientes suficientes para preparar um café da manhã delicioso para mim e minha nova colega de quarto, eu queria muito agradecer pela recepção calorosa que recebi da Gabriela.
Quando cheguei ao apartamento não havia nenhum sinal da Gabriela, tudo estava silencioso e tranquilo, provavelmente ela ainda estava dormindo, depois de voltar tarde da balada ontem a noite. Comecei a preparar as panquecas e o suco de maracujá, e enquanto eu me movia pela cozinha tentando descobrir onde ficava cada utensilio, uma voz soou atrás de mim.
-Parece que alguém madrugou hoje. -me virei para encarar a voz sonolenta, e encontrei a Gabriela encostada na ilha da cozinha. Seu cabelo estava um pouco bagunçado e os olhos inchados de dormir.
Olhei para o relógio na parede e constatei que minha concepção de “madrugar” era diferente da dela, já era um pouco mais que 9:00 horas da manhã, e a expressão no rosto da Gabriela deixava claro que ela estava disposta a dormir um pouco mais.
-Eu acordei você com o barulho? -perguntei, me sentindo um pouco culpada por estar revirando sua cozinha e a acordando.
Gabriela puxou um dos bancos da ilha e se sentou, com um pequeno sorriso tranquilizador.
-Não esquenta, eu disse que podia me chamar se precisasse de alguma coisa, e você claramente precisa de algo agora. Como posso ajudar?
-Eu pensei em preparar o café da manhã para nós duas, e estou um pouco perdida na sua cozinha, não sei onde fica os utensílios de que preciso. -eu assumo.
Ela se levanta e caminha em direção aos armários, eu vou ditando todas as coisas da qual preciso para fazer a refeição, depois me dispor na minha frente todos os itens que eu peço, Gabriela se senta novamente na banqueta alta.
-Você gosta de cozinhar? -ela me pergunta distraidamente, enquanto digita algo em seu celular.
-Sim, eu gosto muito de preparar as minhas refeições, e adoro oferecer as minhas receitas para as pessoas ao meu redor. -eu digo, me concentrando em preparar a massa das panquecas.
-Eu sou uma negação na cozinha, por favor, não espere que eu retribua esse gesto culinário, tá? Mas se você quiser tomar uma bebidinha, eu sou a pessoa certa para preparar. -ela brinca, descontraída.
Eu rio de sua sinceridade.
-Não se preocupe, esse café da manhã é apenas um agradecimento a sua hospitalidade.
Ela ergue os olhos da tela do celular e presta atenção em mim.
-De verdade, a forma como você me recebeu ontem fez toda a diferença. Eu me senti instantaneamente em casa.
Ela sorriu afetuosamente, sincera.
-Não precisa me agradecer por isso, eu estou feliz por ter encontrado uma colega de quarto como você. Eu tenho um ótimo pressentimento sobre a nossa relação, Mel. -O tom dela é extremamente amigável.
Enquanto eu preparo o café da manhã, nós duas conversamos sobre muita coisa, e a cada minuto em que nos conhecemos um pouco mais, eu percebo o quanto temos em comum. A Gabriela é tão livre e ambiciosa quanto eu, seu senso de humor é tão único e autentico, eu não consigo ficar mais do que 2 minutos sem rir perto dela.
Desligo o fogo e sirvo as panquecas em dois pratos, sirvo o suco em um copo alto com gelo e disponho a comida na frente dela. O cheiro do queijo derretido, misturado aos tomates e azeitonas é divino.
-Você não tava brincando, isso aqui tá com uma cara ótima. -ela parte um pedaço da panqueca e leva até a boca, depois de mastigar e engolir a expressão em seu rosto é de prazer.
-Isso tá muito bom, caramba. Você não devia ter exibido esse seu dote, eu vou precisar de uma assim todos os dias. -eu rio da sua empolgação com a minha comida, e sinto um quentinho por dentro, ao ver que consegui agrada-la.
-Disponha, Gabriela. -eu falo com um enorme sorriso no rosto.
Ela toma um gole do suco antes de dizer algo.
-Podemos parar com essa formalidade? Todos os meus amigos me chamam de Gabi, normalmente só minha mãe me chama de Gabriela.
-Bom, claro. Gabi tá ótimo.
Continuamos comendo e conversando por um tempo, em meio a tantos assuntos e com a nossa recém adquirida intimidade, eu resolvo pergunta-la sobre o apartamento, pra mim era estranho que uma jovem universitária tivesse um imóvel daquele nível.
-Gabi, você se importaria de me responder uma duvida sobre o apê? -pergunto um pouco receosa, por não saber qual seria a sua reação.
-Claro, o que quer saber? -ela me olha, esperando que eu prossiga com o meu questionamento.
-É que o apartamento é muito grande, o prédio é muito bom. Eu sei que o valor que pago aqui não daria para alugar nem uma kitnet aqui no bairro. Então, qual a história? Como você mantém isso aqui?
Ela sorri como se já tivesse respondido essa mesma pergunta um monte de vezes.
-O apartamento é dos meus pais, mas eles moram em Londres há 3 anos, eu não quis abandonar a faculdade para ir com eles, então fiquei morando aqui. Como os meus pais arcam com todas as despesas da casa, eu apenas cobro um valor simbólico para ter alguém que me faça companhia, é muito triste viver sozinha aqui.
-Eu sou sua primeira colega de quarto? -ela nega com a cabeça.
-Oh, não. Eu tive 3 colegas diferentes nos últimos anos, e passei quase um ano vivendo sozinha, antes de encontrar você. Eu meio que tinha desistido de encontrar alguém.
-O que houve com as outras meninas? -pergunto com curiosidade.
Ela dá de ombros enquanto mastiga sua comida.
-Digamos que eu tenha um estilo de vida muito ativo, eu gosto de receber os meus amigos, sempre nos reunimos, eu tenho bom senso, jamais faria uma festa aqui em uma semana decisiva na faculdade ou enquanto minha colega estivesse estudando ou passando por alguma situação. Mas eu queria alguém que se entrosasse comigo, e não alguém que agisse como se isso aqui fosse um hotel impessoal, eu quero conviver e criar laços com a pessoa que mora no mesmo teto que eu. -eu assinto, concordando com seu pensamento.
-Então depois de alguns meses, elas apenas iam embora por não se adaptarem aqui. E devo confessar que era um alivio.
Eu tinha muitas perguntas sobre a Gabi, mas não queria ser invasiva demais. Então apenas mudei o assunto e contei pra ela sobre o meu passeio pelo bairro mais cedo.
-Ai Gabi, pelo pouco que eu vi já sei que vou gostar muito dessa cidade.
-O Rio é incrível né? Tenho certeza de que a cidade vai atender todas as suas expectativas. Nós temos alguns dias antes das aulas começarem novamente, eu posso me encarregar de te mostrar tudo o que você precisa ver. -ela sugere com entusiasmo.
-Seria ótimo, eu tô muito ansiosa pra conhecer tudo, eu meio que fantasio com esse momento há anos.
Ela ouve atentamente sobre todos os lugares que eu já tinha planejado conhecer quando me mudasse, me mostrou fotos de outras lugares incríveis que eu nem mesmo sabia que existia, e depois do café fui levada pela Gabi rumo aos encantos cariocas.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!