Nova Orleans
Louisiana
Hei, garoto! olhei assustado quando um homem gigantesco gritou, olhando para mim enquanto eu tentava pegar uma maçã da banca de frutas.
Catei outra, o mais rápido que eu pude, e a coloquei no bolso do trapo velho que eu chamava de calças, antes de dar no pé.
Eu me orgulhava disso?
Não!
Mas era a única coisa que eu podia fazer para não passar fome.
Fazia algum tempo que eu estava vivendo nas ruas de Nova Orleans, depois que minha mãe tinha me mandado ficar esperando do lado de fora de um prédio velho, enquanto ela acompanhava alguns homens para dentro.
Não entendia o que ela tinha ido fazer lá, porque tenho apenas seis anos.
Dos três homens que entraram com ela, apenas um deles saiu, mais tarde.
Ainda consigo me lembrar do olhar que ele me lançou quando me viu sentado na calçada, do lado de fora.
Foi o tipo de olhar que me fez sentir muito medo, por isso eu me levantei e me afastei alguns metros da entrada do prédio, enquanto um carro preto parava e o homem entrava, indo embora.
Desde aquele momento, em que ela entrou naquele prédio, eu não a vi mais.
E ali estava eu, correndo feito um louco para não ser pego, apenas para ter alguma coisa para comer e não acabar morrendo de fome.
Virei em um beco e depois mais outro, até ter certeza de que não estava sendo seguido antes de entrar sorrateiramente no mesmo prédio onde ela tinha entrado aquele dia.
Ali era a minha casa agora.
Eu precisava ficar por ali, porque ainda tinha esperanças de que ela voltaria para me buscar.
Ela voltaria... pensei, me aconchegando em cima do monte de trapos velhos que eu tinha encontrado em algumas lixeiras por perto, tentando criar uma cama onde pudesse dormir e me aquecer nas noites frias.
Ela ia voltar e me buscar, então eu precisava ficar ali, caso contrário ela nunca mais me encontraria.
Abracei os meus joelhos e dei uma mordida na maçã roubada, sentindo as lágrimas escapando dos meus olhos.
Era horrível ficar sozinho.
Tudo o que eu mais queria naquele momento, era sentir os braços quentes da minha mãe em volta do meu corpo.
Não me importaria de continuar a viver ali, desde que fosse com ela.
Desde que eu pudesse olhar para ela todos os dias e não me sentir tão sozinho...
Terminei de comer e acabei adormecendo, cansado.
Acordei assustado, sentindo meu rosto ainda molhado pelas lágrimas que deixei vazar dos meus olhos, quando ouvi um barulho em um canto qualquer do prédio.
Ali era sempre silencioso, apesar de, às vezes, poder ouvir os ratos que corriam de um lado para o outro, procurando pelos restos que sobravam da minha comida.
Verifiquei se a outra maçã que eu tinha roubado ainda estava no meu bolso, pois eu sempre tentava trazer alguma coisa a mais, na esperança de que minha mãe pudesse voltar e estar com fome.
De repente, as portas enormes e velhas de madeira foram abertas, quase me cegando.
Mas, antes que eu pudesse ver quem estava entrando, fui puxado para um canto na escuridão.
Fica quieto, se não quiser que sejamos pegos! ouvi alguém murmurar atrás de mim, enquanto ele cobria a minha boca.
Onde estávamos, era escuro, portando não conseguia ver o seu rosto.
Mas ele não era tão maior do que eu, o que me fez pensar que era apenas mais um menino vivendo nas ruas, como eu.
Quem são essas pessoas? eu cochichei, voltando a minha atenção para um casal que olhava tudo em volta, conversando com um homem mais velho vestido de terno.
Eu não sei. ele respondeu, no mesmo tom.
Ficamos em silêncio, enquanto o casal caminhava, olhando tudo com uma atenção exagerada, sem se darem conta da nossa presença.
Esse lugar é perfeito para o que queremos. O homem mais novo, que andava ao lado da mulher elegante, disse, voltando-se para o mais velho.
Tenho certeza que não se arrependerão. ele disse, sorrindo abertamente. _Pode ser um prédio velho, mas com uma reforma e o dono certo...
Vamos entrar em contato com o senhor novamente, amanhã. A moça disse.
Ela parecia ser muito jovem.
Seus cabelos eram loiros e, mesmo de longe, eu consegui ver a cor dos seus olhos.
Era azuis...
E ela parecia um anjo, enquanto olhava mais uma vez em volta.
Seus olhos passaram por onde eu e o outro garoto estávamos escondidos e, por um momento, eu pensei que ela tinha nos visto.
Recuei um passo, pisando, sem querer, no pé do outro garoto, que resmungou um palavrão.
Desculpe. pedi.
Ele não disse nada, e quando olhei para a frente de novo, o casal já estava partindo.
As portas se fecharam e voltamos a ficar na escuridão com a qual eu já estava acostumado.
Quem é você? eu perguntei, quando finalmente saímos daquele canto escondido.
O garoto me encarou, com desconfiança.
Michel. ele respondeu. _E você?
Olhei para ele atentamente.
Ele parecia pálido e fraco, e estava ainda mais sujo do que eu.
_Eu me chamo Caleb.
O que fazia aqui, sozinho, Caleb? Quantos anos tem? ele perguntou, sentando-se em um canto qualquer.
Fiquei um pouco inseguro em responder, afinal, ele ainda era um estranho para mim, mesmo que eu já soubesse o seu nome.
Mas algo no olhar dele me fez acreditar que podia confiar.
Então, eu me sentei também, sobre o que eu chamava de cama.
Eu tenho seis anos e estou esperando a minha mãe voltar. expliquei.
Ele me encarou por um momento, em silêncio.
Ela mandou você ficar esperando aqui? ele quis saber.
Fiquei surpreso por ele ter adivinhado, por isso assenti, confirmando.
Michel encostou a cabeça na parede, parecendo ainda mais fraco, enquanto fechava os olhos e suspirava pesadamente.
Sinto muito, cara... ele murmurou. _Mas elas nunca voltam.
O que quer dizer com isso? eu quis saber, sentindo minha garganta apertar de repente.
Ele não podia estar falando sério...
Michel abriu os olhos novamente, me encarando.
Os olhos dele eram tão escuros quanto os meus, e, de repente, senti um calafrio.
O que eu quero dizer, pequeno Caleb, é que você está tão sozinho no mundo quanto eu. ele respondeu, fazendo aquele aperto na minha garganta aumentar ainda mais.
Bem lá no fundo, eu sabia que ele estava certo.
Já devia ter se passado meses e minha mãe não tinha voltado.
Senti o único fio de esperança que ainda havia em mim, se arrebentar depois que Michel falou aquilo.
Ele fez uma careta de dor, de repente, envolvendo a própria barriga com os braços.
O que você tem? eu quis saber, fungando, para não permitir que novas lágrimas escorressem por meus olhos.
Michel me olhou de lado.
Estou com fome. ele respondeu. _Faz três dias que estou fugindo e não comi nada.
Do que está fugindo? eu perguntei, mas o olhar que ele me lançou dizia claramente que não queria falar sobre isso, então apenas suspirei, respeitando o seu silêncio.
Levei minha mão até o bolso da calça e tirei de lá de dentro a maçã que eu estava guardando.
Pegue! eu ofereci, estendendo a fruta para ele.
Michel me encarou, desconfiado, antes de olhar para a maçã em minha mão.
Eu estava guardando para quando a minha mão voltasse, mas... Acho que isso não será mais necessário. expliquei.
Ele levou alguns segundos ainda, antes de se aproximar e pegar a maçã da minha mão.
Observei enquanto ele comia, em silêncio, praticamente devorando a maçã em questão de segundos antes de limpar a boca com as costas das mãos.
Olhei para o que restava da maçã.
Sinto muito, eu só tinha essa. eu disse, me desculpando, antes de pegar um pedaço de pano velho que estava sob o meu corpo e oferecer a ele. _ Está velho, mas ajuda a se manter aquecido.
Ele pegou o pano da minha mão e eu me virei, me deitando de costas para ele para que ele não visse as lágrimas que, mesmo contra a minha vontade, escorriam dos meus olhos.
Ouvi enquanto ele se movia, imaginando que estivesse tentado encontrar uma boa posição para dormir, e depois havia apenas o silêncio.
Estou em dívida com você, Caleb. ele disse, baixinho, no escuro.
Não me voltei para responder, porque, na verdade, eu nem sabia o que isso queria dizer.
Como ele poderia ter uma dívida comigo só porque lhe dei uma maçã?
Então, apenas suspirei e fechei os meus olhos para tentar dormir, porque a noite era preciso sair e revirar as lixeiras em busca de algo que me ajudasse a sobreviver.
Porque a única coisa que eu tinha de mais valioso naquele momento, era a minha própria vida.
27 anos depois
Olhei mais uma vez para as pessoas a minha volta na mesa, antes de elas se retirarem do jogo com uma expressão de derrota.
Até poucos minutos atrás, eles olhavam uns olhavam para os outros, fingindo uma confiança que, na verdade, não tinham.
Ao longo dos anos, eu tinha aprendido a ler as expressões das pessoas, o que me ajudava muito nesses momentos.
Eu sabia quando estavam blefando.
Outros se sentaram nas cadeiras vagas e Michel distribuiu as cartas novamente, iniciando uma nova jogada, com novas apostas.
Apostas feitas. Michel, nosso Crupiê, disse, juntando as apostas no centro da mesa.
Uma figura bastante conhecida estava entre os novos jogadores e me peguei sorrindo de lado, imaginando o que aquele idiota apostaria dessa vez.
Uma vez por noite, eu descia e me sentava em uma daquelas mesas.
Isso atraía jogadores ansiosos por tentar ganhar de mim, o que raramente acontecia.
E quando eu digo raramente, é justamente o que eu queria dizer.
São mais de quinze anos naquela vida, desde que meu pai adotivo, Herry Archer, me ensinou a jogar e desde então nunca parei, sempre aperfeiçoando as minhas jogadas.
Alguns minutos depois, os outros jogadores colocaram suas cartas sobre a mesa, e eu olhei para o único homem à minha frente que não soltou as suas, hesitante.
Ele parecia mais confiante do que os demais, mas eu sabia que ele não tinha chance.
Essa partida era minha. Assim como a partida anterior e a outra antes dessa.
Eram todos aspirantes a vencedores e o homem a minha frente não seria diferente dos demais.
Dava para ver em seus olhos.
Chega a ser entediante, mas essa é a única coisa que ainda me distrai durante a noite.
E nessa noite em questão, eu precisava muito de uma distração.
Meu olhar se encontrou com o de Michel, meu fiel companheiro em todos aqueles anos, antes que eu voltasse a minha atenção para o homem a minha frente.
É a sua vez, Robert! um dos jogadores ao meu lado gritou, zombando.
Eu não gostava desse tipo de coisa. Eu não me sentia melhor do que ninguém ali naquela mesa.
Pode ser chamado de sorte ou o que quer que seja.
Eu sempre os vencia, mas eles ficavam ansiosos para jogar comigo todas as vezes em que eu descia até o salão de jogos.
Ali era a minha casa.
Meu Palácio.
E ali, eu era o rei. Talvez, o desejo de vencer o rei, fosse o que os levava a continuar insistindo, assim como esse homem fazia.
A nossa volta, várias pessoas conversaram, bebiam e riam enquanto aproveitavam o cassino e as outras mesas de jogos.
Uma música baixa tocava ao fundo e garçons passavam a todo instante com suas bandejas de bebidas e aperitivos.
Vejo que está muito confiante, senhor Robert. comentei, completamente relaxado.
Ele sorriu ainda mais abertamente.
Sim, meu jovem. ele respondeu. _Essa noite eu serei um cara de sorte.
Então, acho que é melhor aumentar a apostas, o que acha? sugeri, fazendo seu sorriso vacilar quase que imperceptivelmente, antes de assentir.
Quero recuperar tudo o que eu perdi. Robert revelou.
Ele me olhava atentamente, como se tentasse ler alguma coisa em minha expressão que me denunciasse.
Mas ele não encontraria nada.
Fiz um sinal para Michel, que me atendeu prontamente e aumentou as apostas.
Então me voltei para o senhor, a minha frente, dando uma última tragada no cigarro entre meus dedos, antes de esmagá-lo no cinzeiro ao lado.
Ele não usava roupas caras, observei, e o seu relógio não era uma peça de valor. Meus dias nas ruas serviram para me transformar no homem que sou, astuto.
E desde que fui adotado por meus pais, vivi em uma vida de luxo.
Eu saberia identificar um verdadeiro Rolex de ouro, de uma imitação barata.
Ainda assim, fiquei intrigado. Ele já tinha perdido uma boa quantia nas outras noites e ainda tinha apostado a casa.
Esse era o pior tipo de jogador que costumava aparecer aqui. E era o tipo que mais me enojava.
Ele pousou as cartas viradas na mesa, mas eu já adivinhava qual era o seu jogo. Seu olhar já dizia tudo o que eu precisava saber.
Essa é minha! ele disse de maneira orgulhosa.
Não era a primeira vez que o via jogando ali no clube, e aquele era o sorriso triunfante que ele costumava dar quando vencia uma partida.
Mas o verdadeiro problema, é que ele não sabia quando parar.
Ele queria sempre mais, e sua ganância era o que o fazia sair dali todas as noites, completamente frustrado.
Era incrível como ele ainda tinha coragem de voltar, noite após noite, apostando até o último centavo em seu bolso.
Imaginei se teria uma esposa em casa, esperando por ele.
Filhos...
Será que eles sabiam que ele gastava todo o dinheiro que recebia com jogos de azar?
Não é da minha conta! Pensei.
Me diga uma coisa, Robert? eu disse, chamando sua atenção. _ Você perdeu muito dinheiro e também a escritura da sua casa. Então, qual o seu bem mais valioso?
Eu pude percebeu seu sorriso falhando, mas seus olhos continuavam pairando a todo instante nas fichas no centro da mesa.
Ele já havia tomado algumas doses de Gim e eu sabia que não estava em condições de jogar mais uma partida sequer.
Era melhor mandá-lo logo para casa, de uma vez por todas.
Ele deu uma risada alta, me encarando com desdém.
Meu bem mais precioso é minha filha, meu caro! disse ele, provocando risadas a nossa volta.
Mas eu não achei graça.
Ele queria brincar daquela maneira?
Então eu entraria na brincadeira...
E apostaria sua filha? perguntei e o silêncio reinou a nossa volta.
O sorriso de Robert titubeou mais uma vez e notei uma gotícula de suor escorrer em sua nuca. Mas seu olhar desceu novamente para as várias fichas na mesa e pude perceber que ele não recuaria.
Ele estava desesperado pela vitória.
Eu lhe dei a chance de recuar, mas ele preferiu ir em frente.
Minha consciência está limpa! Disse a mim mesmo.
Aposto tudo o que tenho. foram suas últimas palavras.
Então é justo que eu faça o mesmo. eu disse, fazendo sinal para que Michel colocasse todas as minhas fichas na mesa.
Michel sorriu disfarçadamente, enquanto o sorriso do amigo a minha frente diminuía.
_Apostas feitas! _Michel anunciou e esperei que o velhote virasse suas cartas.
Full House! Michel disse e o sorriso do meu adversário aumentou.
Eu tirei um maço de cigarros do bolso, coloquei um palito na boca e o acendi calmamente, apenas para dar efeito.
Então virei minhas cartas sobre a mesa e observei a cor fugir de seu rosto, enquanto ele permanecia ali, completamente sem ação.
Eu estava cansado disso!
Me levantei da cadeira e lancei um olhar para Michel, que recolheu todas as fichas na mesa, inclusive o documento do imóvel onde morava.
Então olhei diretamente em seus olhos.
Vá até meu escritório amanhã e falaremos sobre sua dívida comigo. eu disse, jogando um cartão na mesa, em sua direção.
Não fiquei para saber o que ele faria a seguir.
Era dessa forma que eu aumentava minha fortuna, cada vez mais.
Mas naquele momento, essa era a última coisa que me deixaria satisfeito.
Peguei o telefone do bolso do meu paletó e fiz uma chamada.
Estou indo para o hospital. eu avisei e encerrei a ligação logo em seguida.
Quando cheguei do lado de fora do clube, meu motorista já esperava por mim.
Eficiência era a coisa que eu mais admirava em Dimitri, e eu confiava plenamente nele.
_Chegaremos em menos de dez minutos, Sr. Archer. _Dimitri avisou e eu assenti, recostando a minha cabeça no encosto do banco e fechando os meus olhos.
Não estava com pressa.
Eu já imaginava o que estava por vir e queria poder protelar um pouco mais para ir ter com minha avó no hospital.
Odiava o fato de que ela estava doente, mas odiava ainda mais o que ela esperava que eu fizesse.
Talvez, se eu encontrasse outra maneira...
Algo me passou pela cabeça, então eu tornei a pegar o meu celular e liguei para Michel.
Ele atendeu no segundo toque.
_Fala.
Descubra o que puder sobre a filha de Robert Barnes e me ligue de volta. eu ordenei.
_Pode deixar comigo.
Desliguei o telefone e fiquei olhando em volta, observando os carros passando enquanto uma ideia se formava em minha cabeça.
Como ela está hoje? perguntei para o médico assim que cheguei no corredor do quarto onde minha avó estava internada e me deparei com ele, que tinha acabado de sair do quarto.
Boa noite, senhor Archer. O médico me cumprimentou, educadamente.
Estava tão preocupado que acabei me esquecendo das boas maneiras.
Se Jane visse isso, teria certamente me dado um bom puxão de orelha, já que ela foi a responsável por minha educação, todos aqueles anos desde que meus pais sofreram aquele acidente.
Boa noite, Dr. Parker. Me desculpe a falta de educação, estou preocupado com a minha avó. expliquei.
Ele me deu um sorriso compreensivo, antes de suspirar.
Não se preocupe, eu entendo perfeitamente. ele disse. _ O quadro de sua avó não sofreu nenhuma alteração. Mas será necessário que ela permaneça no hospital, Sr. Archer. Ela está muito fraca e necessita de cuidados constantes.
Não posso levá-la para casa e cuidar dela? eu quis saber, ainda mais preocupado.
Fazia dois anos que eu não morava mais com a Jane, pois tinha me mudado para o antigo Flat dos meus pais, sobre o Cassino.
De lá, ficava mais fácil para mim tomar conta de tudo sem incomodar minha avó com os meus horários loucos.
Mas, talvez, se eu tivesse permanecido com ela, teria notado que estava ficando doente e teríamos encontrado uma solução a tempo.
_Sinto muito, senhor Archer. Ela está sendo uma mulher forte, mas ainda depende de cuidados constantes. Aqui, temos enfermeiras que a adoram e que podem tomar conta dela a todo instante.
Assenti, pois sabia que ele tinha razão.
Jane sempre fora uma mulher forte e eu sentia orgulho de ser seu neto, mesmo que apenas adotivo.
Eu nunca me esqueci disso, apesar de Jane viver falando que me considerava seu neto de sangue.
Às vezes ela vinha com um papo estranho de que o destino havia nos unido e algumas outras coisas em que eu não acreditava, pois éramos tão parecidos como se eu realmente pertencesse aquela família.
Mas agora, ela estava doente e fraca e lá no fundo, eu sentia que o meu tempo com ela estava perto do fim.
A qualquer momento ela partiria e me deixaria sozinho no mundo... Novamente.
Tudo bem. eu disse, desejando encerrar aquela conversa, afinal, ele era o médico e sabia o que era melhor para a sua paciente. _Posso vê-la?
O Doutor Parker olhou para o seu relógio de pulso, fazendo uma careta.
Senhor Archer, o horário de visitas termina em dez minutos. ele avisou. _Por favor, seja breve. Ela ainda precisa tomar as medicações e descansar um pouco.
Assenti.
_Prometo que serei breve.
O médico concordou e me afastei em direção a porta do quarto onde ela estava, respirando fundo para me recompor.
Jane odiava quando eu entrava naquele quarto com uma expressão preocupada, porque ela havia dito várias e várias vezes que ainda não era a sua hora, então não havia porque eu me preocupar.
Ela só partiria depois que tivesse certeza que eu teria alguém ao meu lado, o que era praticamente impossível, porque eu não me relacionava com ninguém de maneira sentimental.
Na verdade, fazia algum tempo que não me encontrava com uma mulher, nem mesmo para uma única noite de sexo quente.
Desde que Jane tinha piorado.
Parei em frente a porta e não pude deixar de sorrir ao ver o que estava acontecendo lá dentro do quarto.
Eu venci, de novo! Jane dizia a uma das enfermeiras, que bufou, inconformada, ao abaixar as suas cartas.
Isso não é justo! A senhora sempre vence! ela resmungou, começando a juntar as cartas.
Foi nesse momento que Jane percebeu a minha presença na porta do quarto e sorriu para mim, marota.
Senhora Archer, acho que o médico não deve estar a par dessas partidas clandestinas de cartas aqui dentro, com a enfermeira. eu disse, entrando no quarto.
A enfermeira olhou assustada para mim, recolhendo as cartas rapidamente.
_Desculpe, senhor Archer, mas...
Não culpe a menina, ela só estava tentando entreter uma velha moribunda. Jane retrucou, batendo de leve na mão da garota, que sorriu para ela mais uma vez antes de se levantar da cadeira ao lado da cama, onde estava sentada.
Eu vou deixar vocês dois a sós e volto em breve para te dar a medicação. ela avisou, pegando sua prancheta antes de se encaminhar para a porta.
Seu olhar se encontrou com o meu brevemente, antes que a moça corasse e os baixasse para o chão imediatamente.
Obrigado, enfermeira Alice. eu disse, pegando-a de surpresa.
Ela olhou para mim, espantada.
Oh, eu... Não é nada, senhor Archer. ela disse, gaguejando, antes de sair do quarto.
Quando ergui meus olhos, Jane olhava para mim, com um enorme sorriso nos lábios.
Está vendo? Com esse corpão e esse charme, você pode ter a garota que quiser e mesmo assim fica aí, teimando em não se casar! ela ralhou, enquanto eu me aproximava da cama e tomava o lugar que a enfermeira tinha deixado vazio.
Suspirei.
Sabia que ela ia voltar com aquele assunto, mais cedo ou mais tarde.
Se eu posso ter a mulher que eu quiser, como a senhora está dizendo, então, por que eu haveria de me casar? Posso aproveitar esse corpão e esse charme para ter várias mulheres, sem envolver casamento na história. respondi, sabendo que ela ficaria brava comigo.
Mas, ao invés de ficar brava e ralhar comigo, como ela sempre fazia, Jane apenas suspirou e baixou os olhos para as próprias mãos.
Caleb, eu não estarei aqui para sempre e não pode me culpar por desejar vê-lo feliz, com uma esposa e filhos. ela disse, fazendo meu coração se apertar dentro do peito. _Todo mundo precisa conhecer o amor, assim como aconteceu comigo e depois, com seu pai.
E quem disse que eu não conheci o amor? eu devolvi, pegando sua mão carinhosamente. _ Conheci o amor no pouco tempo que pude passar ao lado dos meus pais e também ao seu lado, quando cuidou de mim depois que eles morreram.
É diferente, e você sabe muito bem do que estou falando! ela resmungou. _Você precisa criar raízes, meu neto.
Olhei para o relógio, ansioso para fugir daquele assunto.
Por favor, se dê uma chance. ela pediu, apertando a minha mão e me fazendo olhar para ela novamente. _ Esse é o meu último desejo antes de partir, Caleb. Depois, poderei ir, tranquila, sabendo que você não estará mais sozinho.
Novamente senti aquele aperto no meu peito.
Não me lembrava a última vez que tinha sentido aquilo.
Ah, sim. Quando recebemos a notícia de que meus pais tinham sofrido um acidente e não voltariam mais para casa.
Me lembro de ter sentido uma dor terrível em meu peito, mas não chorei.
A última vez que chorei, foi naquele dia, quando Judith e Herry Archer me levaram para sua casa, depois que fui levado ao orfanato, quando conseguiram me pegar.
Michel e eu tínhamos entrado nos fundos de um restaurante, a fim de tentar pegar um pouco de comida.
Isso foi duas noites depois que o casal esteve no prédio onde nos escondíamos, pela segunda vez.
Na primeira, eles não perceberam a nossa presença, e foi quando conheci Michel.
Ele não foi embora e permanecemos juntos.
Na segunda vez que voltaram, Michel tinha saído e eu estava sozinho.
O casal tinha retornado com alguns trabalhadores, que se espalharam pelo local, medindo e fazendo anotações.
Fiquei escondido pelo máximo de tempo possível, apenas observando os dois.
Ela era tão linda...
Seus cabelos pareciam os cabelos de um anjo e o seu sorriso...
Mas eu não era o único que admirava o seu sorriso.
O homem, que eu percebi ser o seu marido, a olhava de maneira amorosa e sorria de volta toda vez que ela sorria para ele.
Nesse dia, senti as lágrimas escorrendo de meus olhos novamente, diante da percepção que jamais teria alguém olhando para mim daquela maneira, novamente.
Só a minha mãe tinha me olhado daquele jeito, e ela não estava mais ali.
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