PRÓLOGO.
É noite de sexta feira. Após várias semanas fatídicas de muito trabalho finalmente eu e meu sócio Renato podemos comemorar nossa vitória, afinal conseguimos fechar negócio com uma das maiores redes de telecomunicações do país, um imensurável avanço para a Fênix, nossa pequena agencia publicitária que dá seus primeiros passos rumo ao progresso.
Estamos em um clube na Lapa, sentados ao bar, observando a pista de dança repleta de pessoas agitando-se ao ritmo frenético da musica.
-- Daqui a alguns anos seremos os maiores do país. – Renato fala, eufórico, ingerindo um grande gole do seu uísque.
-- Talvez do mundo meu amigo. – Não posso conter meu otimismo. É muita sorte, ou excesso de competência dois jovens recém formados em inicio de carreira como nós conseguirmos um negócio tão grande como este.
Uma garota de pele morena e cabelos negros, usando um mine vestido colado ao corpo, senta-se ao meu lado, fitando-me profundamente nos olhos. Como não correspondo ao seu olhar, pergunta:
-- V ocê pode pagar uma bebida pra mim gato?
-- Claro. Pode pedir o que quiser. – Respondo, embora sabendo quais são suas intenções e não estando de acordo com elas, seria muita falta de educação da minha parte recusar-lhe a bebida.
Ela pede vodka com água, após ingerir o primeiro gole, vira-se de frente para mim, cruzando as pernas sensualmente diante do corpo, insinuando-se, deixando claro o que quer.
Renato por pouco não deixa seus olhos saltarem sobre a garota, é linda, porém, quanto a mim, não tenho olhos para outra que não minha Rafaela, a mulher por quem sou perdidamente apaixonado, a dona de cada pensamento meu.
Apesar de estarmos casados há dois anos, a paixão continua acesa no nosso coração, o tesão continua o mesmo de quando nos conhecemos, somos plenamente felizes juntos, embora nesses últimos meses não tenha encontrado muito tempo para ficar com ela.
-- Quer dançar gatinho? – A morena pergunta, insinuando-se, apesar de já ter lhe dado sinais claros de desinteresse.
-- Não estou afim. Mas meu amigo aqui adoraria dançar como você.
Ela bufa, me encara com indignação, depois afasta-se, com passos largos e apressados.
Renato cai na gargalhada.
-- Cara, eu queria ter essa sorte pra mulheres que você tem. Não deixaria escapar uma.
-- Não existe outra mulher pra mim que não seja Rafaela.
-- Acho lindo o amor de vocês, mas sair da rotina de vez em quando faz bem.
Uma loura começa a me encarar da pista de dança, movendo seu corpo sensualmente. Finjo que não vejo, mas não escapo do seu bote, logo ela aproxima-se, sentando-se na banqueta ao meu lado.
-- Oi gato. Sabia que passaria a noite toda beijando essa tua boca linda? – É mais direta que a morena.
-- Pena que esta boca já tenha dona.
– Respondo.
-- Tudo bem, não sou ciumenta.
Penso em algo a dizer para me livrar dela sem parecer grosso ou mal educado, quando meu telefone toca. O numero é desconhecido.
- - Por gentileza, com quem eu falo? – Pergunta a voz masculina, ligeiramente ansiosa, do outro lado da linha.
-- Sou Neil O’connell, com quem falo?
- - Sou o detetive Luiz Mendonça.
Você conhece uma mulher chamada Rafaela O’connell?
-- Sim, é minha esposa. O que tem ela? – Tenho um mau pressentimento e meu coração aperta no peito.
- - Encontramos um corpo cujas características batem com as dela.
Precisamos que o senhor venha até o necrotério do centro da cidade para fazer o reconhecimento.
Me recuso a acreditar no que acabo de ouvir.
-- Como é? O que você disse?
- - Não se assuste, pode não ser ela. Só podemos afirmar ao certo após o seu reconhecimento.
Estamos o aguardando aqui. – E desliga o telefone.
Tenho dificuldades em puxar o ar para meus pulmões, é como se o chão se abrisse sob meus pés e eu mergulhasse num abismo profundo e sombrio.
Imediatamente, ligo para o celular de Rafaela, está fora de área de cobertura ou desligado.
Provavelmente ela se esqueceu de colocar o aparelho para carregar, não é muito de se preocupar com esses detalhes.
-- O que foi cara? V ocê está mais branco que algodão. – Renato fala.
-- Estão achando que aconteceu algo com Rafaela. Precisamos ir ao necrotério fazer um reconhecimento.
Mas não é ela. Não pode ser.
Renato fita-me em silencio por um instante, digerindo minhas palavras.
-- Claro que não irmão, fica calmo.
Ele paga a conta do bar com pressa e deixamos o estabelecimento.
Renato acredita que eu não estou em condições de dirigir, então toma o volante do meu carro e nos conduz até o necrotério localizado no centro do Rio de Janeiro.
Durante todo o trajeto, tento ligar para Rafaela, mas o telefone não chama.
Chegando lá, nos identificamos na portaria e somos conduzidos por um funcionário uniformizado através de um imenso corredor, enquanto uma tempestade silenciosa acontece dentro de mim.
Pegamos o elevador, subimos três andares, atravessamos outro corredor e por fim entramos numa sala pequena, com a tintura da parede descascada e um cheiro fétido impregnado no ar, onde dois homens nos aguardam.
-- Olá, sou o deteve Luiz. Qual de vocês dois é Neil? – Fala um dos homens, um afro descendente, obeso que usa uma camisa menor que seu tamanho.
-- Sou eu. Onde está a mulher a quem você se referiu no telefone? – Tento parecer o mais firme possível, o receio corroendo-me por dentro.
-- V enham comigo. – Ele gesticula para que o sigamos.
Nos conduz através de uma porta dupla localizada nos fundos da sala, a qual dá acesso a um amplo cômodo bem iluminado, onde um cheiro de podre está impregnado no ar. Embutidas nas paredes há muitas gavetas de metal enferrujadas, imagino que seja onde guardem os corpos.
O seguimos até os fundos do imenso salão, quando ele abre uma das gavetas.
Minhas pernas tremem, meu coração bate mais devagar. Tenho receio de olhar para o corpo que ele me expõe.
-- Então, essa mulher é sua esposa?
– O detetive pergunta, com espantosa frieza.
Sufoco o medo dentro de mim e olho para ela, logo vejo seus densos cabelos louros, seu rosto perfeito completamente desfigurado, sem cor, coberto por pequenos cortes e um buraco de bala na testa. É Rafaela, não tenho duvidas. Está completamente nua, o corpo coberto por hematomas, os mamilos arrancados. Quem faria uma monstruosidade daquelas?
De súbito não sinto mais minhas pernas e a gravidade me puxa para o chão, só não caio porque Renato e o detetive me seguram um de cada lado.
-- Quem fez isso com ela? – Pergunto, esforçando-me para manter-me lúcido.
-- Ainda não sabemos. A encontramos há poucas horas em um terreno baldio na Baixada Fluminense. É a terceira mulher que encontramos assim, toda machucada e com os mamilos cortados esse ano.
Parece que foram vitimas do mesmo assassino, mas não temos idéia de quem seja.
-- E por que não investigam e pegam esse miserável?! – Eu grito, desesperado. Gostaria de fugir de tal realidade, da certeza de que perdi minha Rafaela para sempre e de maneira tão sórdida.
-- Tenha calma amigo. – Renato fala.
-- Como posso ter calma?!
Pagamos milhões de impostos e esses miseráveis não conseguem pegar um maldito assassino de mulheres!
-- Calma lá, companheiro. – O detetive intervêm. – Estamos trabalhando no caso. Mas assassinos em serie geralmente são pessoas muito inteligentes, dificilmente deixam pistas para trás.
Observo o rosto da minha amada por mais algum tempo, chocado, desesperado. Se não tivesse passado tanto tempo trabalhando e me dedicado mais a ela talvez aquilo não tivesse acontecido, talvez ainda estivesse viva.
Mais tarde, quando deixo o necrotério estou decidido: se a policia não encontrar o assassino eu mesmo o encontrarei e o farei pagar caro por me tirar aquilo que eu tinha de mais preciosos na vida.
Um ano depois.
Neil.
É o meu primeiro dia de trabalho no sitio dos Vasconcelos, sou ajudante de caseiro, uma profissão que jamais escolheria para mim. Em poucas horas já pisei em esterco de cavalo; fui picado por abelhas e quase fui mordido por um Pitt Bull.
Não sei o que me falta acontecer.
Não estou acostumado com a vida no campo, já que nasci na Califórnia e cresci na capital carioca. Todavia, é necessário que eu esteja aqui, pois Douglas Vasconcelos, o milionário herdeiro de um império empresarial, proprietário e morador do sitio, é o principal suspeito pelo assassinato de Rafaela. Preciso investigá-lo, já que a policia é incompetente demais para isto. Se recusam a acusá-lo somente porque ele é rico e poderoso, sendo que facilmente pode ser o assassino, já que uma das mulheres assassinadas, de forma brusca, com os mamilos arrancados, foi vista pela ultima vez na sua companhia, a única pista encontrada até então, o que levou a policia a interrogá-lo uma única vez e acatar sua declaração de inocência, por meio de suborno, supostamente.
Preciso ter certeza de que ele é o culpado e para isto tenho que vigiá-lo vinte e quatro horas por dia, seguir seus passos, pegá-lo em flagrante, pois ele não pararia por ali, após ter tirado a vida da minha esposa, tinha matado mais duas mulheres, em um ano. Ele agiria novamente e eu estaria lá para testemunhar seu crime e fazê-lo pagar.
O sitio é localizado nos arredores da cidade de Teresópolis, onde ele mora com a esposa e a cunhada. São dezenas de hectares de terras desabitadas sediadas por uma imponente mansão de três andares, toda em estilo colonial, diante da qual há um lago onde os gansos nadam livremente. Nos fundos há uma piscina grande com churrasqueira, campo de tênis e um estábulo repleto de cavalos de raças caras, além de uma pequena pista de hipismo. Há cerca de meia dúzia de empregados ali: dois ajudantes do caseiro; uma cozinheira;
arrumadeira e lavadeira. Acho muito estranho que um empresário tão rico escolha morar num lugar tão afastado da civilização, raramente indo à cidade, optando por cuidar dos seus negócios por meio de assessores. É uma pessoa distante da sociedade, quase inacessível, mais um indicio de que pode ser um psicopata.
É fim de tarde, falta pouco para me livrar daqueles afazeres fatídicos e ir procurar um bar para tomar uma dose de uísque. Deixarei para começar a investigação amanhã, estou extremamente cansado, apesar de que certamente no dia seguinte também estarei. O trabalho ali é incessante.
Seguindo as ordens de Raimundo, o caseiro, selo um cavalo negro, deixo-o próximo à pista de hipismo e volto ao estábulo para cuidar da alimentação e higiene dos demais.
Estou escovando a crina de um Quarto de Milha, quando ela entra na pista, a alguns metros de distancia de onde estou, montando o cavalo negro que selei, cavalgando com exatidão, mantendo a postura reta, elegante enquanto o animal salta sobre os obstáculos. Parece uma miragem: linda! Os cabelos louros esvoaçam com o vento, expondo o rosto perfeito, sério, porém sereno; as roupas de montaria emolduram o corpo esbelto, revelando uma silhueta bem desenhada.
Não consigo parar de olhar para ela, estou hipnotizado, sequer vejo mais a crina do cavalo que escovo, mas devo estar fazendo um bom trabalho, já que repito os movimentos mecanicamente, enquanto minha atenção está totalmente concentrada naquela mulher. Quem será ela? Certamente a cunhada de Douglas, pois é muito jovem para ser sua esposa, não tem mais que vinte anos de idade e ele já passou dos trinta e cinco.
O cavalo está saltando por sobre um obstáculo quando ela cai, estatelando-se no chão. Corro para socorrê-la, mas Raimundo chega primeiro, ajudando-a a ficar de pé.
Não parece ter se machucado gravemente. Limpa-se com a mão livre do chicote de montaria.
De perto é ainda mais bela. Tem grandes olhos azuis, a pele rosada, os lábios carnudos, o nariz pequeno.
Parece saída dos contos de fadas.
-- Quem selou este maldito cavalo?
– Ela esbraveja, gesticulando para a sela que foi parar na barriga do animal que ela montava, o que causou sua queda.
-- Foi o novo funcionário senhora.
Ele ainda está em fase de aprendizado. – Raimundo responde, gesticulando para a minha direção.
Não deixei a sela frouxa intencionalmente, foi pura inexperiência.
Ela crava seus olhos azuis em mim, os quais expressam nada mais que desprezo, me examina dos pés à cabeça e subitamente assume uma postura de superioridade que não demonstrou ao se dirigir a Raimundo.
-- Qual o seu nome rapaz?
-- Logan. – Não tinha certeza se a morte de Rafaela apareceu nos noticiários, por via das duvidas mudei meu nome para Logan ao assumir o trabalho no sitio.
-- Um nome nada comum para um peão, não me estranha que seja tão incompetente. Agora saia da minha propriedade, você está despedido.
Merda! Se ela não voltar atrás estou fodido.
-- Por favor, senhora. Me dê outra chance. Prometo que esse descuido não voltará a acontecer.
-- Sem chance rapaz. Por sua causa eu podia ter me machucado grave ou até morrido. Agora vá embora. – Ela dá as costas e começa a caminhar na direção da mansão.
Preciso fazer alguma coisa, não posso perder aquela chance única de descobrir o assassino da minha mulher. Sem pensar, a sigo e seguro-a pelo braço para detê-la.
Ela se vira, me encara com olhos surpresos e ao mesmo tempo irritados. Ergue o chicote para mim, como se pretendesse me bater, mas isso não posso permitir, então seguro sua mão no ar, na metade do trajeto para meu braço.
-- Não se atreva a me bater ou te garanto que farei você se arrepender. – Droga, não era isso que eu devia ter falado, precisava implorar para que me deixasse permanecer no emprego.
Com um safanão, ela se liberta das minhas duas mãos.
-- Não se atreva você a me tocar novamente, seu peão imundo. Agora saia da minha residência ou chamarei meu marido. – Agora seus olhos faíscam de raiva.
Então ela é esposa do suposto assassino. Que desperdício.
Percebo que não tem volta, estou fora do jogo, perco a chance de fazer minha investigação e tudo por causa daquela patricinha mimada que se recusa a voltar atrás. Minha vontade é de deitá-la sobre minhas pernas e dar umas boas palmadas naquele traseiro empinado. Mas não vou piorar as coisas, se a pego agora sou capaz de machucá-la de verdade, tamanha é minha fúria.
Então dou-lhe as costas e me afasto, passo direto por Raimundo, que não diz nada, vou até minha velha pick up vermelha e deixo o sitio, seguindo pela estrada estreita sem asfalto, cercada pelo mato por ambos os lados.
Na primeira vez em que estive ali, achei aquela paisagem linda, formada por morros cobertos por vários tons de verdes, porém agora mal a enxergo, tamanha é a raiva que me domina. Não posso acreditar que perdi aquela chance, depois de um ano gastando dinheiro com detetives particulares, depois de vender minha parte na agência publicitária para Renato e usar o que restou do dinheiro para subornar o caseiro e conseguir o emprego no sitio, com a esperança de descobrir quem tirou a vida de Rafaela, chego perto da única pista que se tem do assassino, o homem na companhia do qual uma das vitimas foi vista pela ultima vez e por um pequeno deslize perco a chance de investigá-lo a fundo, de ter a certeza de que ele é culpado.
Maldito seja aquela loura mimada, tão linda por fora e intolerante por dentro.
Estou estressado, depois de tanto trabalho não estou afim de voltar para o casebre onde estou instalado, preciso de um uísque para relaxar e quem sabe arrumar uma boa briga para descontar em alguém a raiva que aquela loura me fez.
Era o que vinha fazendo durante aquele ano sem minha amada:
bebendo e brigando pelos bares do Rio de Janeiro. Por sorte ainda estou vivo.
Dirijo até Teresópolis, são setenta quilômetros de distancia do sitio até lá. A noite começa a cair quando estaciono diante de um bar movimentado no centro da pequena cidade.
Ao saltar da caminhonete, logo começo a atrair a atenção das pessoas, o que não é de estranhar já que minha aparência é lamentável.
Para que o assassino não pudesse me reconhecer dos noticiários, cortei meus cabelos bem curtos, como os de um soldado do exército;
as tatuagens dos meus braços estão à mostra; ainda uso as roupas com as quais passei o dia trabalhando: uma camisa xadrez de mangas curtas, calças jeans e botas. Me pareço com um selvagem e com aquela roupa um caipira selvagem.
O bar está praticamente vazio, devido ao horário. Alguns caras mal encarados jogam sinuca a um canto.
Ótimo, é possível arrumar uma boa briga com eles.
Me aproximo do balcão e peço uma dose de uísque com gelo. O liquido desce macio pela minha garganta.
Peço outra e mais outra. A garçonete de cabelos vermelhos me lança um olhar insinuante, mas não a enxergo como fêmea, o rosto da loura se recusando a deixar minha mente.
Posso visualizar claramente seus grandes olhos azuis, me fitando com desprezo, depois com raiva. Ainda não tinha me sentido atraído de verdade por outra mulher desde que Rafaela se foi, e comicamente tinha que ser a esposa do seu suposto assassino. Felizmente não voltarei a vê-la, pois o plano agora é contratar um detetive particular para tomar meu lugar no sitio, só não sei se ainda tenho dinheiro para isto.
À medida em que a noite avança o bar vai se enchendo de pessoas, logo uma morena de seios fartos começa a me encarar, quando retribuo com uma piscadela de olho ela se aproxima, sentando-se ao meu lado no balcão.
Nos apresentamos e lhe ofereço uma bebida, afinal uma transa não pode ser descartada esta noite, estou precisando relaxar, mas não antes de uma boa briga. Conversamos por algum tempo sobre bobagens do nosso cotidiano, quando percebo que minha noite com ela está garantida, vou atrás da outra parte da minha diversão. Passo pelos homens que jogam sinuca e esbarro feio em um deles, esperando que este reaja com hostilidade, como é de costume acontecer em bares, porém este me pede desculpas com a maior educação. Mas que porra é essa? Só então me recordo: estou no interior, onde as pessoas são pacificas e educadas.
Desisto da briga e volto para perto da morena, admirando seus seios grandes, à mostra pelo profundo decote do vestido. Imagino como ficariam os seios da loura mimada em um vestido daqueles.
Bebemos mais algumas doses de uísque antes de eu convidá-la para me acompanhar até o casebre onde moro. Ela aceita, fazendo questão de me seguir na sua potente motocicleta, pois, segundo ela, assim poderia voltar na hora que quisesse. Mas tenho certeza de que ela não vai querer voltar tão cedo.
Amanda
A noite está quente e abafada. Rolo de um lado para o outro da cama e não consigo dormir. Sinto-me solitária sem a presença de Douglas.
Há muito tempo ele não saía de casa à noite, mas arrumou outra amante e há poucos dias tem saído todas as noites, produzido e perfumado, com a falsa desculpa de que vai encontrar alguns amigos. Mas já estou acostumada, desde que nos casamos há três anos ele vem mantendo relações com outras mulheres. Não são relacionamentos muito duradouros, quando acaba ele passa meses sem sair à noite e de repente tudo começa de novo, como agora.
Desisto da cama, levanto-me e vou até a sacada, recostando-me à mureta de madeira, observando a escuridão da noite lá fora, onde o silencio é quebrado apenas pelos burburinhos dos insetos. Sinto-me completamente solitária. Se pelo menos minha irmã Rebeca estivesse em casa, poderia me fazer companhia, mas ela sai todas as noites, retornando apenas ao amanhecer, geralmente bêbeda, com um cara diferente a cada semana.
Apesar de ser um ano mais velha que eu, não sabe o que quer da vida, não estuda, não trabalha, não tem um relacionamento serio, sempre foi problemática.
Quanto a mim, sempre fui uma pessoa perfeita. Fruto de uma família tradicional da alta sociedade carioca, na escola era a melhor aluna da sala, sempre tirando notas boas, sendo popular; como filha, jamais recebi queixa dos meus pais, pois sempre fui bem comportada e obediente. Aos dezenove anos de idade me formei na faculdade de Filosofia e como não podia ser diferente, me casei com o homem perfeito. O solteiro mais cobiçado do Rio de Janeiro, que encantava as mulheres com seus lindos olhos verdes, seu porte atlético e sua imensurável fortuna. Porém nem tudo é o que parece, de perfeito Douglas não tem nada, me obriga a viver neste lugar isolado da sociedade; é frio, distante; me trata com indiferença e o que é pior: me trai com suas amantes. Por vezes penso em deixá-lo, mas isso acarretaria um escândalo na alta sociedade e uma grande decepção para meus pais que acreditam que sou plenamente feliz, já que vivo uma vida de aparências.
Uma tempestade começa a se formar no céu, relâmpagos seguidos de estrondosas trovoadas iluminam a escuridão da noite, por segundos, revelando a floresta obscura diante de mim.
Sinto-me cada minuto mais só, abandonada, isolada. Preciso sair, ver pessoas, conversar, me divertir.
Decidida a procurar alguma distração em Teresópolis, troco a camisola por um vestido de linho preto, esportivo, escovo bem os cabelos, deixando-os soltos ao longo das costas, ponho um pouco de rimel e gloss labial. Passam das dez horas da noite quando vou até a garagem e deixo a residência com meu Land Rover Discovery, presente de Douglas pelo meu vigésimo segundo aniversário.
Sigo pela estrada estreita sem asfalto, em baixa velocidade, sem saber exatamente o que estou fazendo, ou para onde ir, jamais antes cometi uma loucura daquelas, sair de casa esta hora da noite, sozinha, sem Douglas ou Rebeca, apenas estou farta de ficar sozinha.
Quando alcanço a estrada asfaltada, a chuva começa a cair, grossa, incessante, embaçando-me a visão.
Tento dirigir o mais lentamente possível, mas a estrada está derrapando e entro em pânico. Outro veículo passa por mim, no sentido oposto, obstruindo-me completamente a visão, quando me dou conta estou fora da estrada, descendo morro abaixo, precisando de muito esforço e concentração para me desviar das arvores no caminho, mas acabo batendo em uma delas e o carro se detém. Por sorte estou usando cinto de segurança e não me machuco, embora o pânico tome conta de mim.
Demoro alguns segundos para me recuperar do choque. Olho ao redor, tentando descobrir onde estou, mas não vejo nada que não a negra penumbra da noite, sendo iluminada de vez em quando pelos relâmpagos, quando posso enxergar a consecução de arvores no terreno declinado e nada mais.
Chego à conclusão de que preciso pedir ajuda e só então me dou conta de que deixei o celular em casa, junto com a bolsa, os cartões de créditos e meus documentos. Que espécie de aventureira sou eu que saio despreparada para minha primeira aventura?
É assustador pensar em deixar o interior do carro, mas é minha única alternativa, não posso passar a noite ali, preciso pedir ajuda, ligar para um reboque ou para Douglas. É a oportunidade ideal de falar com ele, interromper seus momentos de luxuria ao lado da sua amante.
Decidida a voltar para a estrada e parar um carro qualquer, cujo motorista possa me ajudar, deixo o veículo, a chuva encharcando-me.
Começo a escalar o morro, na direção da rodovia. A escuridão é assustadora, a lama chega ultrapassa meus tornozelos, a todo instante acredito ouvir sons de grunhidos de animais selvagens, apesar de saber que os animais mais perigosos por ali são as cobras e elas não emitem som algum.
Caminho por cerca de meia hora, morro acima, não ouço o som dos carros na rodovia e começo a ficar desesperada. Acredito que peguei a direção errada.
Ao longe, avisto uma pequena luz em meio à escuridão, sem pensar duas vezes sigo em direção a ela, o mais depressa possível. Trata-se de uma pequena cabana construída de madeira que parece caindo aos pedaços. Há uma varanda na frente, com uma luz acesa. A claridade parte também das frestas da porta, indicando que há pessoas na casa.
Aliviada, bato na porta. Nada acontece. Bato novamente, com mais força. Poucos segundos se passam e esta se abre. Um homem sai lá de dentro, apesar de estar diferente, com os cabelos meio arrepiados, imediatamente o reconheço, trata-se do peão que despedi esta tarde. Está usando apenas uma cueca boxer preta, revelando o corpo grande, musculoso, coberto por tatuagens tribais nos braços e ombros. Tem a pele bronzeada, suada.
Por alguma razão tenho dificuldade em respirar ao olhar para ele.
Ele me examina dos pés à cabeça e um meio sorriso surge nos seus lábios, concomitante a um brilho de satisfação nos olhos castanhos claros. Sinto-me humilhada por me encontrar naquele estado, toda molhada, precisando pedir ajuda a ele, após tê-lo demitido.
-- Desculpe incomodar, mas meu carro bateu aqui perto. Será que posso usar seu telefone? -- Evito olhar nos seus olhos para não ver aquele brilho de satisfação.
-- Ora, ora, ora. Como o mundo dá voltas. Há poucas horas você me tratou como um lixo agora está na minha porta me pedindo ajuda e toda educada.
Não apenas suas palavras, mas o tom debochado com que são pronunciadas fazem a raivar esquentar o meu sangue.
-- Quer saber? Deixa pra lá. Eu não preciso de um troglodita como você.
-- Está bem. – Ele responde, calmamente e volta para dentro, fechando a porta atrás de si.
Olho para a escuridão da mata, em busca de outra solução, mas tudo me parece assustador. Sento-me no banco de madeira na varanda, desalentada. A chuva continua desabando, cada vez mais grossa.
Penso em esperar o dia amanhecer ali mesmo e voltar a procurar a estrada, mas não me parece uma boa alternativa, estou molhada, sinto frio, grunhidos de animais parecem partir de todos os lados, fazendo-me acreditar que posso ser atacada a qualquer momento.
Droga! Só me resta me humilhar.
Volto a bater na porta, desta vez ele não demora para abrir. Ainda usa apenas a cueca, recosta-se no batente da porta, cruzando os braços diante do corpo, lembrando um monumento romano.
-- Olha, desculpa por ter te demitido essa tarde, ok? Agora será que posso usar seu telefone? – Pergunto.
Ele demora para responder, como se estivesse pensando no que dizer.
Ainda me olha com um brilho sórdido.
-- Eu não tenho telefone, apenas o celular, mas quando está chovendo não tem cobertura aqui. No entanto, se você me der sua palavra que devolverá meu emprego amanhã, deixarei você passar a noite aqui e pela manhã vou atrás de um reboque para resgatar seu carro. O que acha?
Não sei o que responder. Estou indecisa. Devolver o emprego dele é fácil, agora passar a noite numa cabana com um homem que abre a porta só de cueca não me parece uma boa idéia.
-- Pense bem. – Ele fala. – Aí fora está cheio de animais selvagens que podem te atacar a qualquer momento. Sem falar que está frio e vai esfriar ainda mais.
Ok, ele me convence. V ou tentar não olhar para ele enquanto estiver na sua deplorável moradia.
-- Tudo bem. Eu concordo. Amanhã você terá seu emprego de volta.
Ele abre passagem para mim. Ao entrar na pequena sala, decorada com moveis rústicos, fico chocada ao ver uma mulher de cabelos negros e seios enormes, usando apenas uma calcinha transparente que não esconde absolutamente nada, espichada sobre o sofá de couro, fumando um cigarro e bebendo uísque direto do gargalo da garrafa.
-- Esta é... – Ele tenta nos apresentar. – Como é mesmo seu nome? – Pergunta à garota.
Como pode não saber o nome da mulher com quem aparentemente está tendo relações sexuais?
-- Cíntia. – Responde ela.
-- Cíntia essa é minha patroa Amanda.
-- É um prazer conhecê-la Cintia. – Respondo, sem me recordar de em que momento disse meu nome a ele.
-- O prazer é todo meu, gata. – Ela responde. É impressão minha ou está me fitando com malicia?
Ele gesticula para que o siga, conduzindo-me a uma porta que parece dar acesso ao segundo único cômodo da casa.
-- V ocê pode ficar no meu quarto.
Tem roupas secas no armário e uma cama para você descansar.
Entro no quarto, tem cerca de quatro metros quadrados, é mobiliado unicamente por uma cama de casal, um armário compensado antigo e uma cômoda velha. Pela aparência desmazelada dele, esperava que estivesse mais bagunçado. Mas está tudo arrumadinho, os lençóis da cama parecem limpos.
-- Quer comer alguma coisa? – Ele pergunta, observando-me da porta, enquanto examino o cômodo.
-- Não. Estou bem.
-- Então boa noite.
Ele sai, fechando a porta atrás de si.
Nem nos meus piores pesadelos esperava que minha noite terminasse assim, na casa de um peão seminu que tem relações sexuais com uma mulher de quem sequer sabe o nome.
Tento não pensar no que eles podem estar fazendo agora na sala.
V ou até o armário e encontro vários trajes sofisticados que não parecem pertencer a um peão. Escolho uma camisa branca de mangas compridas e uma bermuda de tecido. Troco minhas roupas molhadas por estas, ciente de que estou ridícula. Mas para passar a noite está bom.
Estendo meu vestido sobre a cômoda, para que escorra a água e deito-me. Os lençóis têm cheiro de suor masculino, mas não é desagradável, pelo contrario, me transmitem uma sensação boa e me fazem ter pensamentos de luxuria.
Pouco a pouco meu corpo vai relaxando sobre o colchão, quando de repente gemidos enlouquecidos da mulher começam a partir da sala.
Minha nossa! Eles estão transando!
Tento tapar os ouvidos com o travesseiro, mas a curiosidade fala mais alto. Levanto-me na ponta dos pés, vou até a porta e olho por uma fenda na madeira, não se deram ao trabalho de apagar a luz, portanto posso vê-los claramente.
A mulher está sentada sobre a mesa com as pernas arreganhadas, completamente nua. Logan, também nu, está em pé, seus quadris encaixados entre as pernas dela, movendo-se para a frente e para trás, a está penetrando. Ele é muito grande perto dela que é magrinha.
Parece que vai parti-la ao meio a qualquer momento.
Primeiro fico envergonhada, depois excitada. Instintivamente levo minha mão ao interior das minhas pernas, onde começa um formigamento.
São impressionantes a beleza e a sensualidade do corpo de Logan.
Seus músculos são bem definidos, nas costas, tórax e coxas; o traseiro é firme, perfeito; as tatuagens e os cabelos arrepiados emprestam-lhe um ar de selvageria que me deixa ainda mais excitada e me faz desejar estar no lugar daquela mulher.
Repreendo a mim mesma pelo pensamento, afinal sou uma mulher casada.
Ele deixa sua vagina, expondo o pênis ainda duro, enorme, como eu jamais imaginei existir. Sinto um desejo incontrolável de senti-lo dentro de mim. Realmente gostaria de estar no lugar daquela mulher, não é a coisa certa a se pensar, mas é o que meu corpo clama. Não devia ter olhado para eles. Agora ficarei me torturando.
Ele fica de joelhos diante dela, colocando a boca sobre seu sexo, lambendo-o.
Ah meu Deus! Ele está realmente fazendo aquilo? Eu acreditava que as pessoas faziam isso apenas nos filmes pornográficos, por dinheiro.
A mulher arqueja, geme, se contorce e eu quero mais que qualquer outra coisa na vida estar no lugar dela. Meu corpo está em chamas, tomado pela luxuria, como nunca esteve antes.
Ela começa a convulsionar, grita, parece estar passando mal, mas logo se acalma. Ele tira a boca de onde estava, coloca-se em pé, beija-a demoradamente nos lábios, depois a faz ficar de pé também, vira-a de costas para si, com uma brutalidade que não compreendo, já que pareciam estar se dando tão bem.
Inclina o corpo dela sobre a mesa, enrola seus cabelos negros em uma mão, afasta suas pernas e a penetra por trás, com rapidez e brutalidade.
Com a mão livre, começa a bater nas suas nádegas, deixando-as vermelhas. Parece um animal no cio.
Acredito que aquela garota pode estar se sentindo um lixo por ser tratada daquela maneira tão bruta, mas ela parece estar gostando, volta a gemer, a se contorcer, puxa-o mais para si, como se o tamanho dele fosse insuficiente para satisfazê-la.
É inevitável. Estou ofegante, quente, querendo que ele faça comigo o mesmo que está fazendo com ela, não importa que me trate com brutalidade, que aja como um animal, eu o quero dentro de mim, experimentar seu tamanho exagerado, sua boca no meu sexo, como Douglas nunca fez comigo, mas certamente faz com suas amantes.
Eles terminam, deixando-se cair moles sobre o sofá. A mulher acende um cigarro, Logan olha diretamente para a porta do quarto, a expressão dura, como se adivinhasse que estou ali observando-os.
Corro de volta para a cama, deito-me. Quando junto minhas pernas percebo que minha vagina está molhada, minha calcinha lambuzada.
Infelizmente não tenho como me limpar, embora haja um banheiro ali não posso fazer barulho, ou eles desconfiarão que estive observando-os.
Eles conversam na sala, falam baixo, não compreendo o que dizem.
Algum tempo depois ouço o ronco de um motor do lado de fora, não é de um carro, parece uma moto, que parte barulhenta.
Ele foi levá-la em casa? Estou sozinha no casebre no meio da mata?
Ele volta ainda esta noite ou dormirá na casa dela?
Subitamente a porta do quarto se abre, respondendo a todas as minhas indagações. Ouço passos pesados se aproximando da cama, são dele, posso sentir. Finjo que estou dormindo, embora seja difícil controlar as batidas aceleradas do meu coração.
Ele permanece quieto, tão próximo da cama que posso sentir o cheiro do seu suor, o mesmo que está impregnado nos lençóis. Está me observando? Pretende me pegar à força? Se pegar vou protestar ou me render à luxuria que navega dentro de mim?
A respiração dele fica ofegante, posso ouvi-lo puxando o ar com dificuldade. Oh my! O que está acontecendo?
Quero abrir os olhos, ver o que ele está fazendo, mas não encontro coragem. Tenho a impressão de que ele sabe que estive observando sua transa.
Um longo tempo se passa, ele ainda está ali, parece parado, apenas me observando. Por fim ouço seus passos deixando o quarto e a porta se fechando. Deixo escapar um longo suspiro, como se um peso fosse tirado das minhas costas.
Repasso mentalmente as cenas que presenciei, as sensações que me despertaram e sei que jamais as esquecerei.
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