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Infestation, Sobreviva.

Capítulo 1: Infecção

O silêncio residia antecipando a tragédia. Trancado no armário da sala de informática, somente a respiração ao ritmo do coração podia ser ouvida. Tudo estava quieto, antes de passos apressados surgirem acompanhados de um choro infantil.

— Alguém me ajude! Socorro!

Uma menina caía em frente ao armário, suas pernas cedendo ao cansaço, indefesa. Observar o desespero através de uma pequena abertura do armário, quieta, parecia impossível para mim.

Para salvar uma vida, uma nova correria se iniciou para sobreviver. Derrapando e caindo, mas sem parar por nada, não havia essa opção. Mas o destino é traiçoeiro o bastante para rir de nós. O sangue no chão foi a nossa ruína, quando a queda inevitável deu-se, sem mais chances de reação.

Em meus braços a menina chorou, um último abraço antes da morte que certamente, nos alcançaria.

— O que tá fazendo?! VEM!

Como um herói de capa branca, o presidente do conselho estudantil surgiu através da porta do laboratório, estendendo a mão.

Foram menos de dois segundos de reação, quando puxadas através da porta, as mãos dos mortos arranharam meu calcanhar, impedindo o que parecia o fim.

Ofegante estirada sobre o chão, disponho-me. Cabeça girando a mil, mal noto a menina que resgatei de joelhos agradecendo-me.

— Obrigado! Obrigado! Obrigado! — ela chorou.

— É, tudo bem... — expirei, orgulhosa de mim mesmo.

— Silêncio — ordenou o presidente.

A sala naturalmente iluminada, perdia sua luz entre as janelas vetadas com armários e papelão colados por fitas. O líder, armado com um estilete vigiando a fresta pequena que leva ao corredor onde estávamos, tensiona seus ombros como se esperasse que a qualquer momento, a porta fosse invadida. Os grunhidos e bater vão diminuindo, mas os passos seguem como se tivessem nova vítima a perseguir.

— Sanny...?

Os meus olhos se arregalaram.

Perplexa olho para cima ainda deitada, vendo a cara lambida do meu ex-satanás, ops, namorado.

— Se você está aqui... — ela também deve estar. Um suspiro aliviado me escapou. Girei no chão, olhando em volta, mas não a vi — Cadê a Rose, Jacob?

Ele engoliu a seco.

— E-eu não sei... Eu me perdi dela...

Cara de rato maldito.

Sem controlar meus impulsos, saltei de pé em sua direção. Antes que ele pudesse terminar de erguer as mãos em rendição, meu punho fechado foi de encontro com o seu rosto, o jogando contra a parede.

— Como você não sabe onde ela tá? Seu covarde desgraçado! Abandonou ela grávida lá fora!

A menininha resgatada entrou no meu caminho, se prendendo as minhas pernas como se pudesse me deter.

Um grito engasgado desce pela garganta mais uma vez, quando sinto uma mão tapar a minha boca e um estilete se pressionar na minha garganta.

— Quieta, ou te jogo para fora daqui — o residente rouquejou ao meu ouvido.

Os passos e sons do lado de fora continuavam. Eles estavam lá ainda, à espreita, somente aguardando.

Eles... Aquelas coisas...

Contenho-me por asco, libertando-me do seu agarro e indo para o outro lado do laboratório ignorando os olhares dos outros alunos.

Inquieta olho o celular buscando por sinal, preocupada com Rose. Sei do que aquela vagabunda foi capaz de fazer, mas não vou deseja-la ver morta por isso. Principalmente com um bebê na barriga.

— Moça... — a menina de antes se ajoelha na minha frente. — Muito obrigado... Por me salvar.

E pensar que se tivesse ficado quieta a vendo morrer, eu estaria longe desse escória. Mas teria visto uma criança morta aos meus pés.

— Você é do fundamental, não é? O que faz aqui, no segundo prédio? — perguntei voltando a procurar sinal de celular.

— Eu... Vim atrás da minha irmã, ela estuda no último ano — certo, então deve estudar comigo ou já devo ter esbarrado nela por aí. — Ela tava na enfermari...

— Okay, chega! — quase solto o aparelho quando alguém grita. — Será que alguém pode fazer a gentileza de me explicar que inferno tá acontecendo aqui?!

Ninguém sabe, esse é o problema.

— Contenha-se Suzan, a não ser que queira virar jantar daquelas coisas lá fora — o presidente repreendeu sem gentileza.

Isso é o bastante para deixa-la quieta, bufando como um touro bravo.

De um lado estão alunas recolhidas abraçadas, usando livros ou mesas para se barricarem. Alguns nerds estão mexendo nos detritos de química enquanto 4 jogadores de futebol estão quietos olhando pela janela. Jacob está ao lado de um aluno gótico que fuma despreocupado com a vida, e meu pensamento deve ter sido magnético, pois o mesmo me olha.

— Não é permitido fumar aqui — informei o vendo dar de ombros. — Sabia que tem bagulho inflamável por todos os lados, principalmente aqui dentro?

— Apaga isso, Rodolfo — tava na cara que o presidente era o líder daqui. E sua autoridade foi o bastante para fazer o moleque obedecer.

— Alguém deve ter chamado a polícia, não é? — Augusto, esse eu conheço. O melhor jogador de futebol americano da escola.

— Claro que sim! Quem não chamou?! Não viu a explosão lá fora?! — Suzan tem razão, o acidente foi alto o bastante para chamar as forças armadas, bombeiros, a NASA, vingadores e até o Batman.

Era nisso que todos se agarraram antes das horas se passarem.

Os nervos já estavam se agitando mais com a espera, e nenhum barulho de sirene se ouvia, somente ruídos e batidas pelos corredores. O mais angustiante era o tic tac do relógio de parede e... O subir e descer do estilete.

— Quer parar com isso?!

O presidente poderia atravessar uma alma só de olhar, mas felizmente não era o dia para isso. Ele guarda o estilete.

— Alguém por acaso, tem um fone de ouvido com fio?

— E pra que você quer isso? — com tamanha arrogância diante da morte, Suzan exibe o objeto mencionado.

— Quero sintonizar no rádio, ao menos tentar saber que droga está acontecendo.

Sintonizando no canal certo, um fone com fio serve de antena externa que pode abrir para canais de rádio. Por segundos todos se veem esperando esperançosamente uma resposta do celular, prontos para julgar se der tudo errado.

Mas logo uma frequência começa a soar.

— ... Manifestações de ataques estão acontecendo em todo o país — o locutor anunciou, estática cortando metade das suas palavras — O exército... As pessoas... As instruções mandam trancarem as portas e... Seguras... Os militares tentam... Os médicos não sabem... Atacando umas, as outras.

Não é preciso ser um gênio para saber que estão falando dos recentes ataques. Pode ser uma epidemia, um ataque terrorista ou sabe se lá o que mais. O que sabemos é que as pessoas estão enlouquecendo atacando umas as outras.

E que devemos ficar seguras até as forças armadas nos resgatarem.

— Que inferno... — Augusto se afasta passando as mãos nos cachos escuros.

— Então é isso. Vamos ter que esperar aqui — o presidente suspirou.

— O que?! Com aqueles malucos lá fora?! Você tá maluco ou o quê?! — Suzan refuta nervosa, andando de um lado para o outro.

— Que escolha temos? Devemos esperar o resgate — afirmei sentando na mesa vazia — Os militares devem estar próximos, normalmente nesses acontecimentos a uma evacuação e os locais mais cheios são alvos de resgate.

— Então é você... — Rodolfo falou atraindo meu olhar, um sorriso torto subindo na sua face — Você é a tão filha do Sargento.

Todos olharam de volta para mim, com uma nova percepção de imagem. Uma percepção que eu tentei evitar por muito tempo.

— Então você é a filhinha do sargento? — Suzan cospe escárnio, rindo na minha direção — É bom saber. É claro que vão vir nos resgatar, a filhinha especial tá aqui!

Suzan é bonita, ruiva natural e a imagem de beleza da escola particular, mas como esperado, não é a pessoa mais gentil do mundo. Pegar no meu pé é seu hobby favorito.

— Aposto que ela até sabe o que tá rolando lá fora.

— Não viaja, Suzan — Jacob interveio — Deixa ela em paz!

Antes que mais uma discussão começasse, o celular na minha mão começou a tremer.

Saltei da mesa ficando de pé, vendo que era uma ligação via satélite.

— Alfa Bravo para Delta, responda, Delta — um suspiro me escapou ao ouvir a voz do meu pai.

— Delta para Alfa Bravo, copiando — a minha voz saiu mais emocionada do que deveria, mas o alívio de ouvi-lo era maior — Pai, sou eu!

Ao meu redor, todos os alunos se juntaram com expectativas instaladas nos rostos.

— Graças a Deus! Graças a Deus! Onde você está?!

— E-eu tô na escola, trancada no laboratório com alguns colegas e... Pai, o que tá rolando?! Teve uma explosão aqui em frente e...!

— Você está no local da explosão?! — pela primeira vez, ouvi o meu pai alterar a voz — *Sanna, escute o seu pai. Você tem que sair daí imediatament*e!

O aviso estourou adrenalina nas minhas veias.

— M-mas como vamos sair daqui?!

— Tem um ônibus lá fora — Rodolfo se pronuncia apontando para a janela. — Tá bem na entrada barrando o portão... Deve ter ficado daquele jeito por causa da explosão.

— Use o que precisar para sair daí, agora!! Estou a camin... não seja ferid... sshhhh... Não deixem eles te ferirem!

— O sinal tá falhando, pai? Pai?! O que é aquilo lá fora?!

— ... Experimento... Não deixem te alcanç... Fuja! — e bem nesse momento, a ligação caiu, assim como a energia da escola.

— Ah, não! — a menininha se agarra a mim apavorada.

— O que ele quis dizer, Sanna? — o presidente me questionou, segurando os meus ombros — O que ele quis dizer com "não deixe eles te ferirem"?

— Aposto que o pai dessa vagabunda é um terrorista! — a ruiva implicou apontando na minha cara. — Fala de uma vez o que você sabe!

— Sei tanto quanto você conhece de maquiagem. Tá borrada — apontei para seu rímel, o que é o bastante para despistar sua atenção.

— Ele parecia desesperado... Seja o que for, seu pai nos quer bem longe da exposição — Augusto pondera indo até a janela — Temos que nos arriscar.

— Tá maluco?! — Jacob balbucia nervoso — Você viu aquelas coisas lá fora?!

— Se quiser virar um deles, fique à vontade — aproximo-me da mesa do professor pegando todos os papéis que encontro — Iremos sair, com ou sem você. Seja o que for aquilo, é contagioso demais para ficar no raio de exposição.

A menina de antes corre para meu lado, pegando mais papéis.

— Uhhh, gostaria de ajudar — Rodolfo expõe seu isqueiro.

— É bom eu não morrer aqui, garota, ou juro por tudo quanto é mais sagrado que você vai pagar por isso.

— Tá bom, Suzana — revirei os olhos.

— É Suzan!

Com o que pudermos achar, fazemos explosivos com os inflamáveis do laboratório, e partimos para a morte... Ou salvação certa.

Em grupo, os jogadores seguram pedaços de cadeiras quebradas fechando as laterais e a retaguarda, as meninas no meio segurando os explosivos com Rodolfo pronto para acende-los, e Jacob, o líder e eu guiamos o caminho.

Estranhamente a saída está calma, tão calma que rapidamente chegamos ao pátio principal que leva a entrada onde está nossa fuga.

Mas o destino é imprevisível o bastante para nos trair.

— Sanna! Sanna me ajuda!

O grito retumbante vem de uma das salas, por onde Rose desce a janela fugindo... Daquelas coisas. O som dos gritos é tentador como luz para as mariposas.

— Corram, corram agora! — o líder empurra todos em direção ao ônibus. Acendendo um explosivo ele joga na direção oposta a nossa, espalhando chamas pela grama para queimar os infectados que vêem daquela direção.

Corajoso como um tolo, o líder vai em direção aos pedidos de socorros. E eu, como uma mascote, vou atrás, e Jacob milagrosamente me segue.

Rose ofegante tropeça sempre cair, a sua mão segurando a barriga enquanto se obriga a correr.

O presidente passa por ela jogando mais bombas, e ela cai nos meus braços. Jacob se move para seu outro lado, onde das duas direções conseguimos apoiar ela.

Não olho para trás, mas ouço ossos sendo acertados e rangidos de dentes passando próximos à pele exposta.

No ônibus, Rodolfo é o primeiro a entrar pela janela com ajuda dos jogadores. Sem demora ele abre a porta para os outros entrarem sem demora.

— Alguém tem a chave?! — grito tentando entrar, mas acabo derrapando nos degraus quando uma mão prende meu pé.

— Não, solta ela! — Rose tenta me puxar e Augusto surge logo atrás fazendo o mesmo.

De prontidão ele desembarca e acerta a criatura que me segura, levantando-me para o ônibus. Mas antes que suba de volta, algo lhe atinge nas costas, o fazendo soltar um grito de dor.

O puxo para dentro chutando o infectado e Jacob fecha as portas.

O ônibus balança com a enxurrada de alunos infectados. Ajudando Augusto a se arrastar para os bancos, vejo suas costas sangrarem com marcas de garras que cortaram sua carne.

— Não fica parado aí, faz esse ônibus funcionar! — Suzan gritou batendo nas criaturas através da janela com uma estaca.

Rodolfo, como um bom criminoso, fez ligação direta nos fios, fazendo o motor funcionar.

— Pegou! — Rodolfo comemora o roncar do motor — Alguém sabe dirigir?

— Eu sei! — Suzan correu para o assento do motorista enquanto Rose me joga outra bomba, que arremesso acertando o chão próximo aos monstros.

Adrenalina grita pelas em caos total. A cenas da escola se repetem do lado de fora. Dos carros sobem fumaça e gritos, pelo chão sangue mancha e corpos se empilham retorcidos, enquanto pessoas que deveriam ser normais correm atrás das outras como animais enlouquecidos.

— Céus... É a doença da vaca louca? — a pobre menina perguntou assustada.

Mas nem eu tinha a resposta.

Todos tomaram os seus lugares. Rose sentou junto de Jacob, que o consolava e inventava tolas desculpas pelo abandono.

Rodolfo se posicionou ao lado de Suzan, enquanto ela desviava de carros e corpos que quebravam em baixo de nós.

Me aproximei de Augusto, que gemia de dor deitado de costas no banco.

— Tira o casaco do time, deixa eu ver o estrago — pedi, já tirando a minha própria capa para estancar o sangramento.

Augusto obedeceu, gracejando de mais dor ao retirar a peça. Estava roxo, carne fatiada como se tivesse sido cortada por uma lâmina. Engolindo a seco, coloquei a minha capa em cima da sua ferida.

— Tá muito ruim? — ele perguntou.

— Está péssimo — o presidente respondeu, antes que eu pudesse falar.

— M-mas pelo menos parou de sangrar! — complementei. — Vai sobreviver. Quando chegarmos a um refúgio, você vai ser tratado e vai ficar novo em folha.

— E com uma grande cicatriz nas costas — o presidente completou com uma risada seca.

Revirei os olhos, terminando de amarrar a minha capa no corpo de Augusto, para evitar que o ferimento ganhe mais exposição.

Abanando as mãos, olhei para o líder.

— Sanna — cumprimentei.

— Eu sei quem você é — um arrepio subiu pela minha espinha — Ferdinand.

Estendendo a mão, um aperto firme completou nossa apresentação. Nesse momento, o celular no meu bolso voltou a tocar.

— Delta? — apelido ridículo — *Conseguiu escapa*r?

— Da escola sim, dessa loucura, não.

— Vá até o antigo cais da cidade, os militares estão resgatando civis pelo porto e levando para fora do país.

— Para fora do país...? Isso é tão grave assim? — sussurro abismada — Estamos a caminho, Alfa Bravo. Delta deslig...

Como mais uma armadilha da vida, o ônibus entrou num cruzamento no momento errado. Tudo que consegui ouvir foi o buzinar antes da carroceria do caminhão atingir a lateral do nosso ônibus e o celular voar da minha mão.

— Alfa Bravo? Alô? Tem alguém?! SANNA!

Cap 2: Resgate de última hora

O zumbido espalhava-se seguido de dormência pelas áreas atingidas do corpo. O cheiro de poeira fundido a ferro e gasolina se alastrava ao retornar os sentidos corporais. Magnético estava o chão, a gravidade pesada. Vidros encravados na pele dividiam os poros vermelho-carmesim. O coração bombeava delirante atacado pela adrenalina, exigindo que os membros estivessem mais confortáveis que ali naqueles escombros.

— A-ah... ai, minha perna...!

No banco da frente, de assento único próximo às portas, estava Rose despertando, tendo uma fratura exposta da perna direita. Ânsia subia à garganta a cada esforço para sair do lugar para tentar ajuda-la.

Essa vagabunda ainda está grávida, apesar do chifre que me colocou, isso não muda o fato.

— Fica parada, eu tô indo — rangi os dentes.

— Que escolha eu... Tenho?

— Pode escolher se mexer... E... ter uma hemorragia mais grave... E morrer — só assim, seus movimentos cessam.

Vários corpos estão tortos, mal pode-se dizer se estão vivos ou mortos. Ferdinand se contorce, estando com o corpo dobrado sobre um assento. Seu ganir é de dor. O seu olhar amendoado demora para fixar em algo, antes de sair daquela posição o mais lentamente possível.

Até que um cheiro acirrado invadiu meu nariz.

— Ferdinand... Ferdinand! Gasolina — apontei.

Os seus olhos em delírio se moveram pelas janelas destruídas, vendo que o caminhão desgovernado estava vazando combustível que escorria até o ônibus, onde estávamos.

— Entendi, vá na... Argh, frente!

Quatro braços não seriam o bastante para evitar uma catástrofe maior.

Deste lado da cidade, não foi avistado humanos sãos ou o exército, então, estávamos por conta própria.

Rose range os dentes para não gritar, enquanto removo a sua perna de entulho de ferros.

— Calma, calma, eu preciso... Preciso estabilizar essa perna — olhando para os lados, agarrei uma haste de agarro do ônibus, que estava desprendida o bastante para sair no primeiro puxão.

— Não, não faz isso! — ela tentou protestar.

— Ou sou eu, ou os zumbis lá fora. Você escolhe.

Ela contorceu o rosto, mas não protestou mais. Retirando os sapatos, puxei as meias-calças para fora, para amarrar a haste na perna fraturada.

— Não grite — ordenei vendo-a morder a mão para abafar o grito trucidante inevitável.

Agarrada por baixo do busto, Rose esforça-se o máximo que pôde, sendo arrastada para fora do autocarro por uma moribunda: eu.

Deitada sobre o concreto, seu casaco surrado é feito de travesseiro enquanto busco outros ferimentos em seu corpo.

— Fica aqui, longe do ônibus. Por favor, não faça barulho!

De improviso, Rose segura uma barra de ferro que estava próximo, mostrando não estar mais indefesa.

Capengando e caindo, rastejo para o veículo, acudindo Ferdinand que empurra Rodolfo para fora por uma janela despedaçada.

— Ai, aposto que estragou o meu cabelo...

— Não tanto quanto as suas costelas — aperto a sua lateral, o fazendo gemer em desespero.

Um farfalhar adjacente atrai olhares. Pela cabine um homem salta, flexionando os seus músculos, e ajudando a pequena menina de antes a descer.

— Que bom que estão vivos — Augusto sorri exibindo alegria por seus dentes ensanguentados.

Posta no chão, a menina corre a meu encontro, abraçando-me.

— E-eu pensei que... Você estivesse morta...!

— Que azar, não é? Vá para longe... — com um último afago e sorriso fraco, empurro-a na direção de Rose.

Um, dois, três. Juntos retornarmos ao veículo, para buscar os outros.

No entanto, Jacob está desaparecido. Busco como agulha no palheiro em escombros, antes mesmo de tencionar o estômago revirado. Sangue foge dos meus lábios.

— Droga... — os braços de Augusto sustentam-me, levando-me para fora dali, antes mesmo de notar a ferida nas suas costas tendo uma hemorragia.

— Ajudem ele... — os outros jogadores feridos o sustentam.

Diante disso, penduro-me para sair também cortando a mão num metal exposto. O líquido escorre para fora, mas estou dormente de mais para focar na dor inicial.

— Desajeitada — Ferdinand escarnia desajeitadamente segurando a minha cintura. Salto tomando impulso das suas mãos, e dependuro-me na beirada, o bastante para descer da lateral virada do ônibus sem queda.

Em solo, há uma breve busca ao redor dos veículos por aqueles que ainda andam sem ajuda, mas não há sinal de Jacob. O cheiro inebriante de gasolina intensificou-se o bastante para assustar. Espaço foi necessário antes de uma mine explosão acontecer, tremendo o solo. O barulho foi alto o bastante para atrair... Aquelas coisas.

— Sanna... Sanna, saí daí! — ouço a voz da menina advertir, porém, tarde demais para o meu corpo obedecer.

Com o chão em direção da minha cara, a visão embaçada permite focar pouco no visual que se aproxima correndo.

Hiperventilando, arrasto-me para longe. Augusto com toda a sua exibição de força agarra a gola do meu uniforme surrado, e como um saco de batata me tira dali. Ferdinand pega escombros juntos dos outros alunos e arremessa contra aquelas coisas. O terror se instala permanente quando grito de Rose estoura.

De olhos esbranquiçados e dilatados, o ser de pele derretida agiganta-se por cima dela. Os seus dentes afiados expelem saliva a cada novo passo. A sua fissura se igualaria a de um animal demoníaco, se existisse um. Rose paralisa de medo.

— Eu sinto muito... — gesticulando com lábios trêmulos, saem tais palavras.

Impotente, observo o 'animal' avançar. Sabendo que não chegaria a tempo, os pés não se detém a correr, sendo impedidos apenas por algo mais rápido ainda que atravessar o caminho.

Uma viatura faz a volta 'J', chovendo tiros contra o animal. Rapidamente, outras viaturas e comboios surgem nos cercando, dançando tiros contra as criaturas.

— Estamos salvos! — a menina comemorava aliviada, soltando lágrimas de emoção.

Porém, a alegria durou pouco quando um deles passou despercebido saltando encima da menina.

— Sanna, pega!

Falta tempo para processar de quem era a voz, antes de uma espingarda ser jogada na minha cara.

Engatilhando-a, disparo um tiro perfeito. A potência joga a criatura morta para longe, e o coice da arma empurra o meu ombro para trás, deslocando-o.

— FILHO DA MÃE!

— Não xingue — um braço forte me rodeia, o suporte no corpo permite o meu desabo em dor — Foi uma mira perfeita, não esperava menos da minha filha.

O orgulho do coroa militar não abafa os sons de tiros. Mas a cena de ver as pessoas sendo resgatadas e aqueles monstros sendo mortos, é relaxante o bastante para drenar adrenalina do sangue.

No comboio, espanto-me ao ver Jacob hospitalizado sobre um colchonete, tão cheio de ferimentos quanto qualquer um de nós.

— Ele me ouviu chamar... — o pai estende o meu celular de tela trincada, mas com o fio de rádio improvisado conectado — Estávamos a caminho, tudo que precisávamos era da localização exata de vocês... Jacob correu a nosso encontro, antes que o sinal sumisse de vez.

Olha-lo dormindo em paz parece egoísta demais, no entanto, estaríamos mortos senão fosse por isso. Quase cruel demais querer espanca-lo por ter me traído.

Obrigado, seu vagabundo.

Pequena luz, pequena esperança.

Do veículo militar observo, os soldados retirarem os corpos sem vida do ônibus.

Meu corpo dói, lateja em lugares que eu não sabia serem capazes. Meus músculos pedem por descanso, mas meus olhos seguem vidrados naqueles corpos. Nos colegas que lutaram bravamente até ali.

Mesmo os observando estirados no asfalto, ainda havia uma vontade, uma pequena fagulha de vê-los levantar e suspirarem porque a ajuda chegou rápido, que estávamos resgatados e seguros.

Mas isso não aconteceu, e ver os soldados dizerem:

"Eles estão sem vida, senhor" ao meu pai, é um castigo. O seu olhar vai de sério a apaziguador em segundos, observando o desalento no semblante da sua unigênita.

— Eu sinto muito que isso tenha acontecido — o homem imponente afaga os meus cabelos, parecia sentir culpa pelo infortúnio.

— É... Eu também.

Os soldados descarregavam os corpos para um único carro, talvez na intenção de levar os corpos para as famílias ainda vivas. Já nos outros, sobrava espaço para os resgatados vivos, que oscilavam entre agradecer ou gracejar dor.

— Atenção, código resgate. Mande reforços para a Estação de Fuga a Leste, estamos com sobreviventes que estiveram no raio da explosão — meu pai nem sequer aguarda resposta antes de desligar o aparelho.

O seu olhar militar se suavizou novamente para mim.

— Por que estamos saindo da cidade? — o espanto oscilou previamente — A rota leste... É pelos túneis de trânsito... Levam para fora da cidade.

— Esqueci que te ensinei bem. Bem demais — a sua risada é orgulhosa — A cidade está infestada... Por algo que escapou do caminhão que explodiu em frente a sua escola. Algo que se espalhou rápido. Infectou animais em larga escala.

— O pessoal da escola também foi infectado. Eu vi... Meus colegas estavam comendo uns aos outros.

— O padrão parece o mesmo. Tudo que tiver um sistema neural idêntico ou próximo ao sistema de um animal, é capaz de ser infectado.

— Eu estava no pátio principal quando isso aconteceu, pai. Eu vi tudo começando.

O terror estava espalhou de forma inexplicável. Os alunos fugiam de algo veloz demais para olhos desfocados verem. Os gritos instalaram mais instinto de sobrevivência, porém a cereja do bolo foi redefinida em pavor saindo da traseira aberta do caminhão embargado na rua. Tinha quatro patas, sangue escorria da sua pele apodrecida e os seus dentes despejavam altas doses de saliva ao chão, e os seus olhos ludibriados pela loucura...

Cães. Ao menos, deveriam ser cães. Mas seus olhos já não eram de animais domésticos. Eram de caçadores sanguinários.

Jamais haveria de esquecer aquela cena, ainda mais descobrindo que tal ser seria antes atrativo para amor e pureza que somente animais podem carregar.

— Vi quando saíram da carroceria... Sedentos por sangue.

— Aqueles animais estavam infectados... — seu sussurro não cotidiano soprou, como um segredo que só eu deveria ouvir.

A dúvida não seria sanada, não naquele momento. O que os infectou? O que estava nos matando?

Os carros saíram em disparada deixando para trás o cenário de morte, antes de uma explosão repentina ocorrer. Não haveria nada mais que cinzas e fumaça do ônibus escolar.

— Não sei o que ele fez para você... — o olhar recai sobre Jacob — Mas esse rapaz é bom, deveria repensar...

— Tem razão pai, você não sabe o que ele fez — retruquei, impedindo suas palavras seguintes.

— Quando estiver pronta, estarei aqui para ouvir. Com certeza não foi tão mau quanto a sua mãe... — o seu rosto se retorce num sorriso amargurado, novamente cheio de sabedoria carregado pela idade.

Inesperadamente, o veículo freia com brutalidade fazendo com que nós fossemos jogados para mais dentro da carroceria. No ato, um impacto eminente ocorreu, desencadeando mais dor nas feridas já causadas; o pai presenciou de mãos atadas a sua filha expelir sangue pelos lábios já avermelhados.

— SANNA! Onde tiraram as suas habilitações, seus imbecis?! — esbraveja, amaldiçoando o condutor, tentando atravessar com cuidado por cima de Jacob, para alcançar-me.

No entanto, o famoso destino tende a pregar mais peças.

— Subtenente, não podemos passar! A estrada está engarrafada por todos os lados, devemos dar a volta! — o motorista brada, causando rugas no militar mais velho.

— Não se mexa, querida, eu já volto — fala saindo do carro.

O cadete motorista não estava mentindo, não haveria por onde passar e eles teriam de ir pelo túnel mais longo, o que demoraria mais tempo para chegar a um local adequado para cuidar dos feridos, incluindo eu.

— Que droga... O que estão esperando?! Deem a volta! — ele grita com a sua voz de sargento aos soldados, que sem pestanejar obedecem à ordem.

No entanto, entre os carros entulhados, ocorre uma movimentação estranha.

— Senhor, o que é aquilo? — da cabine de motorista o cadete aponta.

O Subtenente junta-se a mais dois soldados antes de ir verificar, não dando sequer cinco passos antes que uma pessoa gravemente ferida aparecesse.

— Soco... Socorro... — era um homem aparentemente de meia-idade, coberto de sangue e mordidas que estavam notoriamente apodrecendo — Me ajudem...

Os homens iriam se aproximar, porém se detiveram ao observarem os olhos do homem dilatando de forma avulsa. O rosnar que saia da sua boca se igualava ao rosnar dos animais infectados.

— Senhor, se mantenha afastado, chamaremos ajuda — o militar no comando diz, mantendo firmeza ao falar.

— So... Socor... ro... me aju-judem... grrr... — homem desobedecia à ordem, fazendo com que os cadetes apontassem as miras para ele.

— Não atirem, é uma pessoa! — o subtenente falou.

— Mas senhor, ele não parece mais uma pessoa! — indagou um cadete.

— Ele está doente devemos, leva-lo à base para os cuidados — afirma, mostrando uma fita de algemas descartável — Senhor, fique parado, irei colocar isso em você e leva-lo até a base para devidos cuidados.

O homem rosnava loucamente demonstrando hostilidade, mas por ser um militar treinado o conteve facilmente.

— Pare de resistir, senhor, é pro seu bem! AH!

De repente o militar grita, recebendo uma forte mordida na canela. Um cadete não se conteve e acabou atirando, matando uma criança infectada que aparecerá por entre os carros que havia o mordido.

— Desculpe, senhor! Não tive escolha! — rapidamente se desculpou, temendo pelo repreensão, mas o seu olhar foi atraído para uma nova movimentação por entre os veículos.

Igualmente todos os militares seguiram a sua visão, tendo uma surpresa. Aquele homem contido não era o único infectado, haviam centenas de infestados ali, incontáveis até para eles.

— Recuem, recuem! — o Subtenente manda jogando o homem infectado no chão — Voltem para os carros, agora! Atirem se necessário!

Sobre a mira das armas, aqueles seres infectados não recuam. Observo com espanto as pessoas se aproximando velozmente, igual aos animais carniceiros.

Me obrigo a ficar de pé, saltando pra fora da carroceria.

— Eu mandei não se mexer, Sanna — meu pai diz vislumbrando minha figura manca, e corre até mim, baixando a sua mão sobre os meus cabelos desgrenhados — Tão teimosa, criatura.

— É natural — respondo, reclinando-me sobre o seu toque, vendo a ferida sangrando no seu tornozelo — Pai, está ferido! Como se feriu?!

A demonstração de afeto foi interrompida quando tiros foram disparados. Os doentes estavam se aproximando cada vez mais.

— ARGH! GRRR!

— Papai?! — diante de mim, ele cai no chão retorcendo-se de dor, cuspindo sangue fresco que pinta o chão.

Sem reação imediata, atento-me a arma engatilhada que tomo de sua mão. Hesito em disparar, mas ao ver o vermelho-carmesim saindo de seus lábios, a visão dos cães infernais retorna. Disparo precisamente em qualquer coisa que possa acertar, sem saber onde estou acertando.

— Pai, vamos! Temos que entrar! — dependurando-se nos meus ombros, ambos nos apoiamos em direção ao veículo.

Nisso, um cadete buscou dar cobertura passando a frente e atirando nos infectados.

— Vem, papai... Você vai ficar bem...

— Sanna... Filha... Fuja...! ARRGH!!

Destilando mais sangue, ele se dobra sobre os joelhos no chão. Sua tosse se alastra e seu corpo começa a tremer. Recuando para trás, eu tento me desvencilhar do seu alcance, mas não rápido o bastante para fugir do seu bote.

Como um animal, meu pai salta de pé, se jogando para cima de mim, como um animal sedento por sangue.

Detenho sua mordida com a arma entre seus dentes, mas claramente há diferença de força para uma mera garota e um soldado formado. Meu corpo já lascado pelo acidente anterior repele qualquer força que deveria ter nos meus músculos.

— Pai... para! Por favor, sou eu, sua filha!

Não havia resquícios do homem que um dia ele forá. Só havia um monstro. Um monstro que eu não mataria.

— Pai, por favor... Por favor... — implorei, com lágrimas ameaçando cair dos meus olhos — Sou eu, a Sanna... Sua filha, não lembra de mim? Pai, por favor... Papai...

Nada.

Apenas rosnar e ranger de dentes atrás de mastigar algo. A cada novo impulso, mais perto os seus caninos chegavam do meu pescoço, e menos força restava-me.

— Eu te perdoo, eu te perdoo... — foi a última coisa que consegui sussurrar antes da arma ser arrancada de mim.

Fecho os olhos sentindo a pressão dos seus dentes na minha pele do meu rosto, mas a dor não chega.

— Fu... fuja-arr...

— Pai!

Uma mera esperança atravessou os meus olhos enquanto levanto o seu rosto bem a tempo de ver uma bala atravessando a sua testa, e o seu corpo mole cair em cima de mim.

Meu coração palpitou. O tempo parou as duas badaladas que senti do seu peito pressionando o meu, antes de parar.

Para sempre.

— Não... Não, não...

Desespero seria pouco para descrever aquela dor.

As minhas mãos tremem ao levantar, manchadas com o seu sangue.

Papai, papai... Papai!

Busco o revólver do seu coldre e miro para a direção do disparo.

Mal engatilho a arma antes de alguém torcer o meu pulso e me desarmar. Com fúria misturada ao luto, tento atacar as cegas, sendo imobilizada em seguida.

— Não resista, Sanna! — o cadete solta o seu fuzil e corre até o corpo do meu pai, o jogando sobre as costas — Vamos sair daqui!

— O meu pai... Me solta! Você matou ele! — as lágrimas não são mais contidas, a vergonha de chorar em público não existe mais.

O agente que me segura, guardou a sua arma para poder me segurar com as duas mãos.

Me debato aos berros, a visão embaçando e o ar faltando. A dor no meu corpo não existe mais, pois a minha alma dilacerada se rasga de dentro para fora.

— Quieta, ou mais deles virão!

A voz do agente mal atravessa meus ouvidos, antes da sua mão tapar a minha boca, me arrastando de volta para o carro a força.

— Sanna! — a menininha grita do veículo, em pleno desespero a beira de lágrimas — Volta, Sanna, volta! Você tem que voltar, não me deixa! Por favor... Por favor!

Foi aí então que os meus joelhos despencaram. O agente me segurou, puxando-me com mais facilidade.

Minha respiração não é mais natural, o ar parece não preencher os meus pulmões. O chão, já não existe em baixo dos meus pés. Minha voz? Se perdeu num grito silencioso que não pode sair.

Nem sequer relutei ou observei o caminho, notando apenas no último instante que fui levada para um carro diferente. Carro dos agentes especiais.

Nele estava disposto o corpo coberto por um lençol cinza, responsável pelo derramamento das minhas lágrimas.

Desabo ao lado do corpo. Queria arrastar o lençol e ver seu rosto, mas meu estômago revira com o som do tiro ressoando na minha cabeça.

— Ninguém está olhando. Chore o quanto quiser, não poderá chorar outra vez.

Talvez para confirmar as suas palavras, as lágrimas começaram a sair sem parar. A negação doendo mais que a realidade. Outros agentes começaram a entrar, mas nenhum deles olhou na minha direção. Realmente pareciam não estar vendo.

Não sei por quanto tempo me desmanchei, mas senti um lenço ser depositado no meu colo. Lenço que não serviu de nada.

De corpo bambo, segui estática na posição, uma nova lágrima escorrendo a cada novo minuto. Já não havia água no meu corpo.

Logo senti um peso, uma mão, puxar a minha cabeça. Não resisti, até recair na perna de alguém. Do agente. E lá, sem esperar, mais choro me escapou.

Naquele dia eu chorei tanto quanto jamais choraria na vida. Chorei no consolo de um desconhecido.

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