— Acorde, senhorita Ada, sua mãe Isabela está à sua espera — disse Maria, minha madrinha, com sua voz firme, mas afetuosa. Embora ela fosse tratada como empregada pelos outros, para mim, era muito mais que isso. Desde que me entendia por gente, chamava-a de madrinha, mesmo que minha mãe nunca aprovasse.
Levantei-me preguiçosamente, ainda sentindo o peso do sono.
— Madrinha, sabe que não gosto de ser acordada tão cedo — reclamei, olhando para o relógio no criado-mudo. — Ainda são seis da manhã. O que minha mãe quer?
Maria sorriu, divertida, e apontou para o relógio em seu braço.
— Senhorita, já são onze horas.
Antes que pudesse raciocinar, corri para o banheiro. Como pude esquecer que hoje era um dia tão importante?
— Madrinha, pegue meu melhor vestido. Preciso impressionar no almoço de família.
Com a habilidade de quem já fazia isso há anos, Maria rapidamente me ajudou a me arrumar. Quando me olhei no espelho, quase não me reconheci. Estava deslumbrante, como o sol radiante daquela manhã.
Coloquei meu melhor vestido, meu perfume mais caro e meus sapatos favoritos. Hoje nada poderia me abalar. Era o meu grande dia.
Descendo as escadas, encontrei todos já à minha espera. Nos olhos dos meus pais, um brilho de orgulho me envolveu. Eu era a preciosa flor desabrochando, a esperança da família Gomez.
— Minha filha, como está perfeita! — disse meu pai, beijando meu rosto com ternura.
— Não a beije, vai estragar a maquiagem! Hoje é um dia importante — repreendeu minha mãe, sempre a estraga-prazer.
Os primos e tios já estavam reunidos, e mesmo em uma mansão tão espaçosa, parecia que mal havia espaço para todos. Era uma grande celebração.
Após a minha chegada, todos começaram a se acomodar, aguardando o almoço ser servido. Somente os outros empregados, exceto Maria, estavam encarregados disso.
Apesar da atmosfera festiva, não conseguia evitar o nervosismo. Hoje era o dia em que finalmente seria reconhecida por todos. Não apenas como a herdeira dos Gomez, marcada por boatos sobre meu nascimento, mas como alguém realmente importante. No entanto, uma dúvida persistente me consumia: o que exatamente seria esperado de mim?
— Eles chegaram! — gritou minha mãe com uma animação incomum.
Todos comemoravam e pareciam eufóricos. Meus tios me incentivavam a me alegrar, meus primos me agradeciam. Mas, à medida que os momentos se desenrolavam, algo dentro de mim parecia deslocado. A sensação de que algo estava errado crescia.
Pedi licença para ir ao banheiro e Maria me acompanhou, caminhando silenciosa ao meu lado. Notei que, ao contrário de todos, ela não parecia feliz.
— Madrinha, há algo que você queira me dizer? — perguntei, ao vê-la abaixar a cabeça.
Ela suspirou profundamente, seus olhos brilhando de uma emoção que não consegui decifrar.
— Senhorita, hoje você completa vinte anos. Você é uma jovem incrível, fluente em russo e espanhol. Mas há algo que precisa saber... — hesitou, mas continuou. — Na família Gomez, as mulheres sempre se casam aos vinte anos. É uma tradição de décadas. Desde o nascimento, as moças são prometidas a seus maridos.
Recuei, sem acreditar no que ouvia.
— Então todo esse tempo... Você estava me preparando para isso? — sussurrei, sentindo uma lágrima escorrer pelo rosto.
— Não chore, senhorita. Vai borrar a maquiagem. Seu marido será jovem, mais ou menos da sua idade. Não será tão ruim... Foi assim com seus pais também.
Afastei-me e corri de volta para a sala, o coração disparado. O que encontrei, no entanto, foi uma cena que jamais esquecerei.
Corpos estavam espalhados pelo chão. No centro da sala, um homem segurava meus pais.
— Mamãe! Papai! — gritei em desespero, mas fui silenciada pela voz firme dele.
— Essa é minha noiva? — perguntou o homem, olhando para mim. Meus pais, com o rosto tomado pelo medo, assentiram.
— Mocinha, sabe o que seus pais fazem? — ele continuou, agora com um tom cruel. — Eles traficam mulheres e crianças. Portugueses não pensam? Nós, russos, temos nossos defeitos, mas traficar pessoas? Isso não.
O som de um tiro ecoou, e vi minha mãe cair, suas últimas palavras foram:
— Filha, eu te amo...
Antes que pudesse reagir, meu pai teve o mesmo destino, mas sem dizer nada. Apenas olhou para a janela, onde a luz do sol entrava, e então partiu.
Eu estava paralisada. Tudo parecia um borrão. O homem se aproximou, segurando-me com cuidado, quase ironicamente.
— Onde está... — tentei falar, mas minha voz falhou.
— Aquela mulher que estava com você? — ele perguntou, percebendo minha preocupação. — Ela e os empregados foram liberados.
Aquele alívio momentâneo foi o suficiente para me fazer desmaiar. Quando acordei, estava em um carro. Meu dia, que deveria ser perfeito, havia sido completamente destruído.
Continua...
Ada Gomes
Diego Soares
Dormindo, começo a ter pesadelos. Figuras do meu passado se misturam com os eventos recentes, transformando minha mente em um caos. Acordo sobressaltada, ofegante, e percebo que estava no colo dele. Diego acariciava meus cabelos com delicadeza. Sem entender, me afasto imediatamente, sentindo meu coração acelerar.
— Desculpe. Vi você tendo pesadelos e achei que pudesse ajudar. — Sua voz era calma, mas eu a ignorei, virando o rosto para o lado oposto.
— Olha, não espero que você queira ser minha esposa, assim como não espero que entenda o motivo de eu ter matado sua família. Mas aquilo precisava acontecer. Não havia outra escolha.
Aquelas palavras despertaram algo em mim. Virei-me para encará-lo, com os olhos cheios de amargura.
— Não tenha pena de mim. Sei muito bem que meus pais estavam me vendendo como uma oferta de paz.
Ele permaneceu calmo, voltando a tocar em meus cabelos.
— Não sinto pena de você, Ada. Apenas estou cuidando da minha noiva. Levo meus compromissos muito a sério, embora seus pais tenham vacilado comigo.
Afastei sua mão novamente, meu tom mais firme:
— Não tenha pena de mim.
Ele suspirou, frustrado, e ordenou ao motorista que parasse o carro. Foi aí que percebi, pela primeira vez, que havia outra pessoa dirigindo.
— Sabe, eu não tenho paciência para garotas mimadas. "Ah, meus pais morreram, sou tão injustiçada..." — Ele zombou, fazendo um gesto teatral. — Garota, ninguém controla o próprio destino. Mas vou te dar uma chance. Saia agora. Vá e só volte quando entender por que seus pais morreram. Nosso casamento será hoje, e vou te esperar.
Ele falava com tanta confiança que parecia impossível contrariá-lo. Mas algo em suas palavras me instigava.
Desci do carro sem hesitar, caminhando o mais rápido possível para longe. Alguns minutos depois, avistei um grupo de senhoras. Pedi ajuda, mas elas reagiram de forma estranha.
— Essas roupas... esse cabelo ruivo... Saia daqui, monstra! Saia daqui, Isabela Gomez!
O nome de minha mãe saiu de suas bocas como uma maldição. Confusa, corri para longe delas. Quando percebi onde estava, meu coração gelou. Aquela rua... Meu pai sempre dizia para eu nunca me aproximar dali.
Continuei andando, mas a paisagem ao redor só piorava. Pessoas dormiam nas calçadas, desviavam de mim com olhares de ódio ou medo. Então, uma pedra atingiu minha cabeça. O impacto me deixou zonza. Minha testa sangrava, mas reuni forças para correr de volta ao carro.
Diego estava lá, esperando, com um sorriso satisfeito.
— E então, Ada Gomez? Como foi a experiência? — Ele me olhou, triunfante.
Ignorei sua provocação, entrei no carro e sussurrei:
— Por favor, quero sair daqui.
Essas foram as últimas palavras que consegui dizer antes de apagar.
Quando acordei, estava em um quarto de hotel. O aroma característico e os kits de boas-vindas entregavam onde eu estava. Minha cabeça ainda doía, mas alguém havia feito um curativo. Foi então que percebi: eu não estava mais com meu vestido. O susto foi imediato.
Antes que pudesse pensar em quem havia trocado minhas roupas, Diego saiu do banheiro... pelado.
— Meu Deus, o que você está fazendo aqui? — perguntei, cobrindo-me com o lençol.
Ele sorriu, zombeteiro.
— Uma pergunta estranha para fazer ao seu marido, mas tudo bem. Você é bem peculiar mesmo.
A audácia dele me deixou sem reação. Ele se aproximou e me beijou. Só então consegui empurrá-lo, com raiva.
— Marido? Espere... Você não pode me beijar assim! Eu odeio você pelo que fez com minha família. E espero que não tenha sido você quem trocou minhas roupas.
Ele revirou os olhos, pegando uma garrafa de vinho do frigobar.
— Nossa, como você é insuportável quando acorda. Dormindo parecia um anjo. E sim, fui eu quem trocou sua roupa. Não quero ninguém mais olhando para o que é meu.
— Meu? Você está louco! — levantei a voz.
— Seus pais já haviam nos casado. Você assinou os papéis sem saber. E, sinceramente, eles mereceram morrer. A única inocente era você. Foi o que sua mãe disse antes de morrer.
As palavras dele me atingiram como uma faca.
— Minha mãe sabia que isso ia acontecer? — lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto.
Diego se aproximou novamente, mas desta vez com uma expressão séria.
— Você ainda não está pronta para saber tudo. Nossas famílias estão envolvidas em coisas sombrias. Já tentei me afastar, mas esse é o meu destino. É quem eu sou. Espero que você possa me aceitar como marido. Prometo que, quando estiver preparada, contarei tudo.
Olhei para ele, tentando encontrar a verdade em suas palavras. Apesar do jeito frio, algo em seu tom me fez acreditar.
— Quer beber? — Ele mudou de assunto, abrindo a garrafa.
— Por que não? — respondi, ainda atordoada.
Bebi uma, duas, três taças, até começar a relaxar.
— Ada, não precisamos fazer nada que você não queira. Só quero que você se entregue a mim quando estiver confortável. Posso ser muitas coisas, mas nunca um... estuprador.
— Minha família está morta. Meu nome está manchado. E agora sou apenas sua esposa... — empurrei-o para a cama, em um impulso.
— Entendi. Mas não vou me aproveitar de você. Você não está bem mentalmente. Posso esperar. — Ele me segurou nos braços, acariciando meus cabelos até eu adormecer novamente.
Enquanto o sono me envolvia, ainda tentava entender quem ele realmente era... E por que, mesmo odiando-o, não conseguia parar de acreditar nele.
Continua...
Acordo e percebo que estou no carro novamente. Sinceramente, parece que só vivo apagando. Olho ao redor, confusa, sem ideia de onde estamos. Ao meu lado, lá está ele: o homem que virou minha vida de cabeça para baixo. Não sei se devo odiá-lo ou temê-lo mais. Notei que ele também havia cochilado, o que me faz pensar que já estamos nesse carro há horas, ou talvez ele simplesmente não tenha dormido bem na noite anterior.
— Ei! Onde estamos? — pergunto, tocando sua perna na tentativa de acordá-lo.
Ele abre os olhos lentamente, dá um sorriso que logo desaparece, substituído por uma expressão séria.
— Estamos indo para o jatinho particular. Vamos para a Rússia, meu bem. — Seu tom é calmo, mas seu olhar me paralisa.
Sinto um frio na espinha.
— Sua família vai me aceitar? — pergunto, tentando conter o tremor nas mãos.
Ele se vira para mim, me puxando para o colo dele com a mesma facilidade de quem segura algo frágil.
— Não se preocupe. Eles não têm nada contra você ou sua família. Na verdade, estão ansiosos para conhecê-la. — Ele acaricia meus cabelos enquanto fala.
Fico quieta, absorvendo aquelas palavras. Mas então ele continua:
— Meu problema sempre foi com os seus pais. Sua mãe prometeu sua mão para mim, enquanto seu pai a prometeu para outro.
Minhas mãos tremem ainda mais. Não podia acreditar no que estava ouvindo.
— Você os matou por isso? Isso é tão... infantil. — digo, afastando-me dele com raiva.
— Não foi apenas por isso. — Ele respira fundo, como se quisesse escolher bem as palavras. — Suas ações tiveram consequências. Por gerações, as meninas da sua família foram prometidas a herdeiros de famílias importantes. Quando atingissem a idade certa, elas se casariam. Mas seus pais anularam esse acordo, fazendo de você a herdeira principal. Isso atraiu pretendentes, e sua mãe prometeu você para mim. Porém, seu pai queria algo mais vantajoso e a ofereceu para outro herdeiro.
Minhas lágrimas ameaçam cair.
— Eles estavam me leiloando? Como se eu fosse um objeto? — minha voz sai embargada.
— Sim. Eles estavam negociando quem ofereceria mais. — Ele encara o vazio por um momento. — Mas quando as famílias descobriram, tudo mudou. A promessa original, a de que você seria minha, foi reafirmada. Só que surgiram boatos de que você estava sendo prometida a um herdeiro espanhol, um rival da Rússia e de Portugal nos negócios.
Minha mente fica em choque, enquanto tento processar tudo.
— Mas minha família nunca trairia Portugal! — argumento, antes que flashes de memória daquela rua estranha invadam meus pensamentos. As pessoas fugindo de mim, os olhares de medo...
Ele me encara, seus olhos firmes e intensos.
— Sua mãe era espanhola, Ada. Seu pai, português. O casamento deles foi um acordo de negócios. Nós, russos, não sabíamos disso. Quando seu pai tentou fazer o mesmo com você, sua mãe se entregou à nossa família. Prometeu todas as riquezas da sua família em troca de manter a promessa original do casamento.
Sinto um aperto no peito ao ouvir aquelas palavras. Minha mãe, a mulher que sempre me rejeitou, foi quem mais me protegeu. Traiu suas origens por mim.
Diego percebe minha luta interna. Ele me puxa de volta para seu ombro, acariciando meus cabelos com gentileza. De alguma forma, isso me acalma.
— Sua mãe foi a mulher mais forte e inteligente que já conheci. Trair sua família e seu marido foi algo impensável, mas ela fez isso por você. Só que há muito sobre sua origem que você ainda não sabe. Temos que tomar cuidado.
— Cuidado com o quê? — pergunto, tentando compreender o que ele quer dizer.
— Ainda não somos casados. — Ele puxa um envelope e me entrega. — Leia os documentos. Se quiser assinar, tudo bem. Se não quiser, também. Mas saiba que, se assinar, será minha esposa, e isso será irreversível.
Meu coração acelera ao abrir os papéis. Lá estava tudo explicado: ao me casar, ele seria responsável por mim. Caso algo acontecesse comigo, ele não teria direito à minha herança. Não poderia me obrigar a continuar como sua esposa. No entanto, o contrato era claro: não havia possibilidade de divórcio. No final, a frase "Até que a morte nos separe" parecia um aviso sombrio.
Depois de ponderar, finalmente digo:
— Eu, Ada Gomez, mesmo sabendo que minha família não manteve a palavra, aceito me casar com você. Mas espero ser respeitada. Não sou uma esposa burra.
Vejo surpresa em seus olhos.
— Achei que você não fosse concordar. — Ele sorri, aproximando-se. — Você não é ambiciosa, sabia? Sua mãe deixou tudo pronto caso você quisesse fugir. Mas foi uma ótima escolha. Outras famílias iriam atrás de você... e não de forma amigável.
Ele me beija. Por um instante, sinto-me segura e ao mesmo tempo assustada. Essas famílias, essas alianças... tudo parece tão criminoso.
— Chegamos. Vamos entrar no jatinho. Já estou cansado de Portugal. — Ele se levanta, abrindo a porta.
Entro no jatinho, sabendo que estava a caminho de encontrar minha nova família. "Nova família" parecia uma ironia cruel.
Continua...
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