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Um Amor Impossível

Capítulo 1

Por volta das onze e meia, clima ensolarado, diria qualquer pessoa, de imediato, que aquele homem entrando naquela multinacional não estava a se candidatar a um emprego, pois mal vestido como estava, uma camisa amassada, calças desbotada e calçados de couro a desfiar, seria impossível conseguir alguma vaga. Criatura que dava pena, talvez tenha sido esse o motivo de a própria dona o ter atendido numa sala à parte das principais dependências da empresa.

— Sente-se, por favor.

Sentou-se desconfiado, duro e olhando de um lado a outro como se estivesse a temer a chegada dos policiais, pois, verdade seja dita, não seria a primeira vez a ser detido pelos homens da lei só por entrar num requintado local, da melhor forma que a própria pobreza lhe permitia.

— Qual o seu nome?

Ele pensou por um instante, como se houvesse o esquecido.

— Álvaro Reis.

Ela entrelaçou os dedos das mãos e quis compreender o desejo dele.

— Por que veio até a minha empresa?

— Jornal.

— Jornal? — pensou, intrigada. — Ah! Quer dizer o anúncio no jornal?

Permaneceu em silêncio, notando os belos ornamentos daquela que era uma das salas menores (anote isso). Sobre a mesa, papéis, lapiseiras, materiais de escritório e as mãos da mulher, que de aparência lhe chamava atenção. Agradava-lhe ver o belo rosto dela, que tinha a mesma ou próxima idade a dele.

Ela o analisou também dos pés à cabeça, julgando consigo, em pensamentos, o cabelo e a barba dele a necessitar de cuidados, o corpo a precisar de um banho mais demorado e de roupas novas e de um perfume descente. Enquanto pensava no que fazer para ajudá-lo, passou a mão sobre o pescoço e alisou o precioso colar ao ponto de ele se abrir. Pôs então o objeto cintilante de lado sobre a mesa e, cruzando os dedos das mãos, fixou o olhar sobre o seu ouvinte.

— Sinto muito, mas no momento não há nada que posso fazer por você.

Álvaro sentiu o coração contrair de tal forma súbita e forte que sua fala seguinte soou um pouco exaltada, exalando a carente situação financeira em que se encontrava no momento.

— Tenho uma filha e um pai deficiente, entende?

Afastando o corpo da mesa e apoiando as costas no assento da confortável cadeira, respondeu, brevemente: — Lamento…

Não era intenção dela transmitir certo comportamento leviano, porém, era evidente que o problema dele não a tocou com profundidade. Todavia, por que deveria?

— É de dinheiro que preciso! — acrescentou em tom de clamor. — Sem um emprego, como vou consegui-lo?

Batidas na porta ecoaram, quebrando a meditação dela. O problema dele tornou-se secundário, pois, permitindo a entrada, ela ouviu a sua secretária lembrá-la de um importante evento online a começar.

— Deixe o seu contato com a minha secretária, pois pensarei em algo quando me for possível e então pedirei que o contate.

Dito isso, foi a primeira a sair da sala seguida pela funcionária a fechar a porta após Álvaro passar por si, pedindo-lhe a localização do banheiro mais próximo.

— Tem um, no fim do corredor, é somente para os funcionários da limpeza, mas você pode usá-lo — respondeu, com certo desdém.

Álvaro relevou o desprezo, pois disso já era habituado, sempre que se apresentava ao mundo, bofetadas não lhe faltavam. As mais dolorosas eram as invisíveis aos olhos, que tanto por fora quanto por dentro lhe machucavam.

Diante do espelho do banheiro, encarou a si mesmo, a própria expressão de quem está embravecido para desesperado e abatido, murmurando entre ofegos:

— Deixe seu contato, deixe seu contato… Eu nem telefone tenho, droga!

— Ô amigo, está tudo bem?

Ali também havia um funcionário a utilizar a cabine dois de três ao total daquele que era o único banheiro com uma estrutura a necessitar de manutenção.

Álvaro baixou a cabeça e, batendo um punho cerrado sobre o batente das pias, gritou:

— É sempre a mesma história!

— Calma aí, amigo…

O desconhecido silenciou, de repente, a própria fala porque tinha de lidar primeiramente com a necessidade fisiológica, com a obrigação da natureza humana, mas também de alguma forma gostaria de acalmar o coração exaltado que os seus olhos não via, mas que suas orelhas ouviam as batidas agitadas dele.

— Perder a razão… Humm — gemeu, abruptamente, com uma nova pontada na barriga. — Perder a razão pela emoção — repetiu —, não nos faz bem… Hummm. — O café da manhã não lhe serviu bem o então dolorido estômago.

Álvaro pôs-se a chorar, com as mãos sobre o batente das pias, não dando atenção ao falante próximo, sentia-se, pois, decepcionado consigo mesmo por ser fraco, por ver mais uma vez seu rosto em ruína a refletir no espelho grande e retangular.

— Eu queria poder esquecer, também, que existo.

— Quanto drama, amigo! Mas desabafe. Estou aqui a ouvir… Hummmmm!

Meia dúzia de peidos encontraram a liberdade e rechearam o interior do banheiro com sonoridades diversas.

...***...

Há dez anos Álvaro foi vítima de um acidente de carro, mas ele quase nada se recordava do ocorrido, com exceção de uma vaga memória de ter retirado o veículo bruscamente do impacto direto com um caminhão de carga com mais de setenta metros de comprimento a realizar uma ultrapassagem ilegal.

O desvio de trajetória, no entanto, causou mais de cinco capotagens e custou a perda de boa parte da própria memória.

Álvaro retomou a consciência sobre o leito de um hospital. O médico que o viu despertar naquele décimo sexto dia pós-acidente não conteve a feliz e extraordinária surpresa, pois segundo ele mesmo:

— É um milagre que ainda consiga falar.

— Quem é o senhor?

— O médico.

— Médico?

— Consegue lembrar o seu nome?

Pensou, pensou e, após certa dificuldade, soletrou sílaba por sílaba. — Ál-Ál-va-ro, Álvaro.

— E o do seu pai?

— Adal, Adal, Adalberto, não sei…

— Está certo… isso mesmo. Mas agora me diga o nome da sua filha?

— Como assim? Filha!?

Álvaro começou a se agitar, pois, além do próprio nome e do nome do pai, não se lembrava de praticamente nada de seu passado, que mais parecia uma folha em branco, com somente um risco representando as reminiscências do acidente.

Isso o deixou desesperado, pois como poderia preencher o restante dessa página, já que era uma página anterior, incapaz de voltar para ser reescrita? Diversos pensamentos de medo inundaram a fragilizada cabeça dele.

Qual seria a sua reação se despertasse certo dia e descobrisse que sofrera um acidente de trânsito, perdera uma pessoa muito querida, mas de nada disso conseguisse lembrar por completo, tampouco de parte das memórias de seu próprio passado, desde a infância até a idade atual?

— Mantenha a calma, por favor — pedia o médico.

— Eu não consigo lembrar! O que fizeram comigo! — tentou se levantar do leito a todo custo, mas os enfermeiros chamados o impediram.

— Se não se acalmar, terei de lhe aplicar um tranquilizante…

— Vai se ferrar, médico! — agrediu um dos enfermeiros, mas logo foi totalmente detido sobre o leito. — Eu quero a minha memória de volta — implorou em lágrimas.

— Segurem-no.

O médico preparou o sedativo, mas antes de aplicá-lo, uma enfermeira trouxe a notícia de que o pai do paciente estava no corredor a desejar ver o filho e, como um presente inesperado, poder falar com ele também, pois só soube do despertar de Álvaro quando, autorizado, pôde entrar no quarto com um pequeno bebê no colo, que havia pouco mais de duas semanas de vida.

O reencontro entre Adalberto e Álvaro, pai e filho, após a terrível tragédia que abalou o coração paterno ao ponto de ter sido internado por quatro dias foi tão emocionante que nem mesmo o médico com tanto tempo de carreira pôde deixar de se emocionar profundamente, pois, para si, a história de cada paciente era única.

Capítulo 2

Álvaro descobriu ser pai. Não se lembrava sequer da mulher que lhe deu uma filha. Onde ela estava? Questionou uma vez ao pai Adalberto.

— Estava contigo no carro, não sobreviveu, senão a criança e você — respondeu.

O primeiro contato entre Álvaro e a pequena recém-nascida não deixava dúvidas de que seus corações bombeiam sangue do mesmo sangue.

...***...

Álvaro, o pai Adalberto e a filha batizada com o nome de Isadora tiveram de se mudar de cidade para uma não muito distante, onde cresceu a menina até os dez anos completos. Menor por lá eram as oportunidades, mas o custo de vida também. Por mais dificuldades que tinham, conseguiam levar à vida, dia após dia, matando um leão por vez, pagando uma conta atrasada aqui e outra ali, persuadindo o mercador da esquina para vender, pela promessa de derradeira vez, alguns poucos pacotes de alimento.

— Ao final do mês, eu te pagarei…

— Quantas vezes já ouvi isso, Álvaro.

— Prometo, Matias!

Um mercador de bom coração, conhecendo o âmago presente no interior daquela casa de paredes rachadas e teto a apodrecer, situada do lado oposto do mesmo quarteirão, não pôde deixar de dar a mão por mais uma vez.

— Leve o que precisar, mas só por esta vez.

— Obrigado! Obrigado, Matias! Obrigado!

— Da próxima vez, se não me pagar, não lhe venderei nada.

Matias passou as compras pelo sistema e anotou a conta num caderno especial, em que só constava o nome de Álvaro, pois era o único a fazer compras fiadas ali.

— Leve esta caixa de bombons de chocolate também, sei que sua filha adora doces.

— É verdade, mas devo recusar…

— Não se preocupe, é por conta da casa.

Recolhendo a caixa de bombons e as sacolas de compra do balcão, agradeceu pela derradeira vez e saiu do comércio, a sorrir com o fim de tarde. O mercador, assistindo-o sair do estabelecimento, murmurou consigo mesmo:

— Lá se vai um homem que faz de tudo pela própria família.

E então, riscou o nome dele do caderno de contas fiadas.

Tinha Álvaro mais uma semana garantida de refeições, mas, em contrapartida, apenas sete dias para conseguir um novo emprego, pois do antigo foi demitido por roubar carnes do armazém do frigorífico, local de trabalho.

Surpreendia o fato de ele ter conseguido manter as subtrações por oito anos, quando então foi pego no flagra por uma funcionária recém-contratada.

— Não é o que pensa.

— Não penso nada, você é que se mostra ser o ladrão.

— Ladrão? Não! — pôs ele a carne de volta no mesmo freezer, xingando-se em pensamentos a falha cometida.

— Então, o que faz aqui a esta hora? Não estamos fechados?

— Eu poderia perguntar o mesmo…

— Impossível! O frigorífico é do meu tio e eu vim aqui justamente a pedido dele.

— Vai me dedurar pro chefe, é isso? — pensava ele que isto com certeza seria o seu destino: ser demitido por causa dela.

— Não… Não preciso, ele mesmo já ouviu essa nossa conversa.

O dono acabara por acompanhar a sobrinha na inspeção noturna. Não imaginou encontrar o suspeito com a mão na massa, mas fez da oportunidade o momento perfeito para demiti-lo sem pagamento algum, e se ele reclamasse os direitos trabalhistas, teria de suportar o peso do processo por roubos. Por tanto tempo fez isso que, no fim, teve medo de protestar. O emprego ali encerrou-se nisso mesmo, sem receber nem sequer o dinheiro das compras do mês seguinte.

...***...

Ao virar a esquina, Álvaro avistou em frente a porta de sua casa uma viatura policial, e à porta, a filha de dez anos, portanto o aparelho celular de tela grande, que ele havia roubado de uma senhora a exibi-lo numa rua sem movimento próximo ao centro, para que a menina pudesse estudar em casa também, tal como as outras crianças da escola faziam.

— Papai!

— Exatamente, encontramos quem viemos procurar — comentou um policial ao colega.

Os dois esperavam que não houvesse resistência, porém, Álvaro não prosseguiu e, sentindo a adrenalina disparar e espalhar-se pelo corpo, deu meia volta e correu.

Os policiais retornaram à viatura e atrás dele seguiram. Um homem fugindo a pé de um veículo cinco vezes mais rápido.

Adiante, deixou a caixa de bombons cair no chão ao passar em frente a um micro-ônibus que não o atropelou, mas amassou os deliciosos doces.

Álvaro buscou refúgio nas vielas da zona mais precária da cidade. O que antes eram dois policiais e uma viatura, chegaram em pouco tempo a se multiplicar ao triplo ou mais. Ele levou os homens da lei na direção exata do esconderijo dos ratos.

— Você é louco, cara! Trazer os gambé até a porta da nossa casa!

Álvaro, assustado, sentiu pela primeira vez o cano de uma arma sendo pressionado contra o próprio peito.

— Eles querem me prender…

— E eu vou te matar, porra!

Tremeu-se ao vociferar do chefe da facção daquela região.

— Eu tenho uma filha e um pai deficiente…

— Pare com essa choradeira, maluco! Nós também temos família, porra!

Os policiais avançaram até certo ponto de onde começaram a trocar tiros com os malandros sobre o telhado de algumas casas ao redor. Não havia precisão de nenhum dos lados. Os disparos foram dados a esmo, mas um e outro que contaram com a sorte foram feridos, incluindo um policial.

— Se algum dos meus homens morrer, você morre também, maluco, ENTENDEU!?

— S-Sim, sim, perdã…

Álvaro levou uma coronhada no rosto e, caindo no chão, cuspiu sangue e ficou tonto. O chefe foi orientar os subordinados, que seguiram todos ao confronto, com exceção de um. O objetivo era expulsar vivo ou mortos os gambé da região.

Lá fora, um dos subordinados foi atingido no rosto. Este desabou do telhado da moradia em que estava e, debruçado no chão, ficou entre a vida e a morte, agonizando um rouco pedido de socorro.

— Cara, você se fodeu, um dos nossos foi abatido.

Entre um chororô de homem medroso, repetia: — Eu tenho uma filha e uma pai deficiente…

— Pois saí logo daqui.

— C-Como? — gaguejou, afligido por pensamentos negativos.

— Pelos fundos, deve dar certo.

— O chefe vai me matar…

— Vai rápido! Pegue sua filha e seu pai e saiam da cidade.

Álvaro ergueu-se do chão e, limpando o sangue dos lábios com o dorso da mão, questionou o colega: — Por que está me ajudando?

Admitindo a verdade, respondeu, pausadamente: — Já vi muitos pais serem mortos e nem sequer sentia o que sinto hoje…

Afora os tiros se intensificaram.

— Não faz nem um mês que nasceu a minha primeira filha, entende?

Um grito de fora ecoou, dizendo: — Morto!

— Por isso te entendo — concluiu.

O agonizante lá fora não resistiu. Foi aí então que lançaram uma granada contra os gambé. Sob o som da explosão, o colega ajudante, um verdadeiro anjo da guarda, fez gesto à Álvaro, para que ele “desse no pé”, saísse, sem olhar em momento algum para trás, pois tinha pouco tempo para sair da cidade com a família, deixando de si mesmo somente os títulos de ladrão, mentiroso e devedor.

Para aquela cidade, nunca mais poderia retornar, pois, lá devia o corpo e a alma, e se, em caso de retorno, os demônios lhe encontrassem primeiro, para o inferno desceria sem prévio julgamento.

Capítulo 5

A caminho do hospital, Álvaro permanecia calado, com a mão a pressionar o ferimento, quis trocar a mão direita pela esquerda, de repente.

— Cuidado, ou vai manchar o meu carro! — disse ela, retirando uma mão do volante, segurou firme o pulso dele.

Entreolharam-se pela curta distância dos assentos do veículo e, estando sem os óculos escuros, Álvaro notou nitidamente os olhos esmeralda e brilhantes dela.

O toque, por sua vez, disparou involuntárias sensações de ambos os lados. Mantiveram o contato visual por mais de dez segundos, que, lentos, pareciam não passar.

— Ô… desculpa — soltou o pulso dele e retornou a vista à estrada. — Só, por favor, não descubra mais o seu ferimento dentro do meu carro.

Com a mão esquerda a pressionar o corte, permaneceu sem falas a fitar o colar suspenso no retrovisor interno.

— Aliás, como disse mesmo que se chamava?

Nem mesmo lembrava-se do nome dele, como poderia então pensar em algo para ajudá-lo, se lhe era mais fácil esquecer as próprias promessas. Nisso, pensou ele brevemente.

— Álvaro.

— Cristina Andrade — disse ela entre pausas —, imagino que já sabia.

— Não.

Isso era quase impossível para uma pessoa reconhecida em toda a cidade. Disso tinha ela a certeza, por isso ficou surpresa e, percebendo o olhar dele, na direção do colar dourado suspenso no retrovisor interno, quis fazê-lo falar.

— Quer perguntar algo?

— Talvez...

— Estamos quase chegando no hospital.

— Tive a impressão de já ter visto esse colar.

— Você deve ter me visto usando o meu.

Cristina passou uma mão sobre o pescoço e não sentiu o esperado pertence. Alisou o colarinho e sentiu a ausência do colar.

— Não, este é parecido, mas não é o meu.

Foi aí então que ela se lembrou de que o colar havia se desprendido de seu pescoço, por isso colocou-o sobre a mesa de sua pequena sala particular, mas esqueceu de voltar para pegá-lo.

— Que memória essa minha! Desde a morte do meu marido, tenho tido perdas de memória ocasionalmente. Não é à toa que deixo o colar dele aqui, para poder lembrar do quanto o amei, mesmo não conseguindo me recordar nem do dia e nem do mestre de cerimônia do nosso casamento.

— Sinto pela sua perda.

Álvaro desviou o olhar para o para-brisa, acrescentando em tom pensativo:

— Não é a única, digo, há uma década perdi as memórias do meu passado daquela época. Desde então não sei mais ler nem escrever, se é que eu sabia fazer isso antes daquele dia…

"Intrigante, será que fala a verdade?" já pensava ela no meio da fala dele, dando-lhe pouca atenção.

— Talvez seja esse o motivo de não me contratarem, mesmo que nunca tenham me dito isso exato e diretamente.

— Nossa! — retomou ela o assunto das perdas de memória. — Não imaginei conhecer nesta cidade alguém que tivesse o mesmo problema.

Álvaro percebeu a falta de atenção dela e, mediante a isso, sentiu-se desprezado, mesmo que essa não fosse a intenção dela. Respondeu com certo tom de desânimo:

— Não é raro que isso aconteça a alguém. Uns nascem com ele, outros o adquirem com o tempo, ou após sofrer um trauma, ou um acidente como foi o meu caso.

Cessou a fala e retornou o olhar a assisti-la centrada na direção, com uma expressão diferente, nem fechada e nem aberta, um meio-termo, como se estivesse a refletir. Algo a incomodava.

— Você sabe, mas eu não sei o porquê das minhas perdas de memória — externou o incômodo, notando o quarteirão antecessor ao do hospital. — Melhor eu não dizer mais nada, é uma longa história...

— Eu estou a ouvidos.

— Talvez outra hora... Chegamos.

Repôs os óculos escuros no rosto e saiu do carro, esperando que ele fizesse o mesmo.

— O que houve?

— Esse hospital... É um hospital particular! Eu não tenho como pagar!

— E quem disse que precisará pagar? Venha!

Entrou seguida, ela mal pôs os pés no local e a recepcionista já foi se colocando em prontidão.

— É um prazer recebê-la em nosso hospital!

— Anote que eu tenho pressa — pediu, seriamente, retirando os óculos.

— Claro, no que posso ajudá-la?

— Cuide dele, por favor.

A recepcionista enfim notou Álvaro logo atrás da conhecida e, com certo olhar de indiferença, encaminhou-o para ser atendido pelo setor de curativos.

— É na segunda sala, logo à esquerda — apontou o caminho.

Álvaro olhou para Cristina e, sem muito o que falar, agradeceu.

— Obrigado!

— Não pense que agora se livrou de mim.

— Como assim?

— Vá tratar logo esse seu ferimento — respondeu em tom apressado. — Peça que a enfermeira seja breve e, caso precise, diga-lhe "Cris33".

Tanto Álvaro quanto a recepcionista não tinham ideia do que significava tal palavra, que mais se assemelhava a um código.

— Ficarei aqui esperando — acrescentou, indo sentar-se na poltrona macia e confortável próximo ao balcão.

Álvaro se foi e sumiu ao dobrar à esquerda do corredor. Cristina sentou-se e ficou a mexer em seu aparelho celular de última geração, cheio de notificações relacionadas em maioria ao trabalho, à multinacional e às demais organizações. Em momento algum, ela tinha tempo a perder à toa.

A recepcionista quis puxar conversa, mas ela não conseguia nem um pingo de atenção. Então, voltou-se ao telefone de trabalho e realizou uma demorada ligação telefônica, falando às vezes em voz baixinha, como se estivesse a sussurrar um segredo pelo telefone.

Nesse ínterim, Álvaro recebeu os cuidados necessários após falar a palavra mágica, pois sem ela, todos do hospital teriam ouvido um grito ecoar daquela sala. Quando a enfermeira o viu, pensou que fosse algum bandido que tivera levado um tiro na testa.

— Obrigado pelo curativo.

— É só o meu trabalho.

Assim que retornou à recepção, Cristina já estava a bater o pé no chão por tanta demora. Ele teria sido mais breve se a enfermeira não tivesse tantos estereótipos encucados naquela cabeça de gente que vê as coisas com mais facilidade pelo lado ruim.

— Pelo menos já podemos ir. — Repôs novamente os óculos. De tanto fazer isso, às vezes, fazia até sem perceber. — Espere-me no carro.

Álvaro saiu do hospital, repetindo um obrigado. Muita gratidão por fora, mas por dentro, preocupação. Tinha, pois, de conseguir dinheiro para comprar o almoço da filha e do idoso pai.

...***...

— Moça, o que está olhando? — indagou Cristina.

A recepcionista distraída retornou a si, de imediato.

— Perdão.

— Pois bem, pagarei o atendimento por transferência instantânea.

Logo, Cristina deixou também o local, passando pela porta de duas abas com abertura automática. Do outro lado da rua pavimentada estava estacionado o carro. Aproximou-se com passos apressados e sem demora adentrou o veículo.

— Pronto para ir... Álvaro?

Ele simplesmente não estava no carro nem sequer avista, para onde teria ido?

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