As águas estavam calmas, não havia mais nada em que pensar, ninguém para me atormentar, nenhum trabalho para fazer. Aqui ninguém podia acusar-me de nada.
E pensar que tudo isso começou, porque fui defender uma colega.
Eu estava na dúvida, devia pular ou não, a grama escorregava e o vento fazia com que os cabelos cobrissem minha visão, mas isso era bom, porque não queria ser vista chorando. Pensei no que me levou a isso.
20/06/2020
Estávamos na pandemia, no período de aula “online”, apesar disso nossa turma agia como se tudo estivesse normal.
Entrei no Instagram, curiosa para ver as atualizações e também para saber com que os meus colegas perdiam o seu tempo. Não que isso fosse uma obrigação minha como representante de turma, mas mesmo assim eu preocupava-me em fazê-lo.
Maria Eloísa, ostentava as suas novas extensões de unhas e as luzes platinadas nas mechas frontais do cabelo. Ela era uma garota metida a riquinha, os seus pais davam tudo a ela, até aí, tudo normal. Foi quando eu vi os comentários, Larissa, outra menina da nossa sala, estava sendo ridicularizada por Eloísa e as suas amigas.
" Poderiam parar com isso? Não é uma atitude legal!"
Mandei no grupo de mensagens da turma.
" Meta-se na sua própria vida." Foi a resposta que recebi, seguida por risadas.
Elas continuaram, o que me deixou extremamente furiosa. Não pensei duas vezes e contei tudo o que estava a acontecer para a professora.
" Darei um jeito nisso." Ela me garantiu.
Uma advertência foi enviada para Maria Eloísa e seus pais detestaram isso, após uma semana sem celular, as mensagens chegaram para mim.
" Por que fez isso?"
" Agora é você quem vai sofrer!"
Fui tão tomada pela minha raiva, que esqueci que também poderia ser uma vítima, afinal eu era órfã e pobre, sustentava-me com dois empregos, um trabalho de meio período num café durante a semana e outro numa loja de produtos de limpeza durante os sábados. Mas não importava.
" Tudo bem, eu aguento."
Respondi.
E eu aguentei mesmo, durante todo o período de pandemia, elas xingaram-me e difamaram de todas as formas, mas eu não me deixei abater. Afinal, eu não era nada daquilo, elas estavam distantes, não me atingiriam.
O problema foi quando as aulas presenciais retornaram. Assim que pisei na escola, ouvi o barulho de algo sendo cortado, logo em seguida vi alguns fios de cabelo no chão. Toquei o meu rabo de cavalo, sentindo-o mais curto.
___ Bem-vinda de volta!___ Falou uma garota, que segurava uma tesoura. Era Eloísa, mesmo com a máscara conseguia a reconhecer.
Foi então que o tormento começou de verdade.
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Dias atuais:
Respirei fundo, dando mais um passo à frente. Olhei ao redor, ninguém me veria, afinal havia uma grande árvore para me esconder.
" Por que estou pensando tanto?"
" Não tenho nada a perder!"
Fui até a beirada e joguei-me, o choque do corpo na água fez com que eu batesse a cabeça.
Gabriela
___ Parem com isso!____ Gritei enquanto me arrastavam até uma sala abandonada.____ Onde estão me levando?
Ninguém respondeu, as duas meninas que me arrastavam eram amigas de Eloísa.
Assim que chegamos naquele lugar escuro, elas empurraram-me e eu caí de joelhos no chão.
___ Amiga!___ Gritaram animadas quando a sua líder chegou.
___ O que vocês querem?___ Perguntou fingindo estar desinteressada.
___ Você não quer fazer um bolo?___ Uma delas estava com ovos na mão.
Ela riu.
___ Claro que sim!
Elas agarraram-me novamente, comecei a debater-me, mas não adiantou.
___ Primeiro passo, os ovos!___ Quebraram os ovos na minha cabeça.
___ Segundo passo, a farinha.
Senti o pó esbranquiçado voar em direção aos meus olhos.
___ Não esqueçam as cores! Quero algo bem colorido!___ A própria Eloísa jogou um pote de tinta guache em cima de mim.
___ Agora misture tudo!___ Ela esfregou a mistura no meu cabelo junto com suas amigas, todas riam como se tivessem acabado de ouvir uma excelente piada.
Consegui me soltar das três e corri em direção ao banheiro, lavando a cabeça o máximo possível.
___ Usa isso aqui!___ Uma garota me ofereceu um frasco de shampoo e um condicionador.
___ Obrigada.
Ela era da minha turma, seu nome era Mariana, era baixinha e tinha cabelos lisos compridos, a pele era parda e ela usava óculos.
___ Por que trouxe isso para a escola?___ Questionei, tentando forçar um sorriso mesmo naquela situação.
Ela ficou sem graça e não me respondeu.
Foi quando me dei conta, aquela não era a primeira vez que isso me acontecia, ela já havia visto aquela cena inúmeras vezes.
___ Preciso ir.___ Ela falou, olhando para trás.
Assenti.
___ Obrigada.
Falei novamente.
Quando entrei na sala, a professora já estava dando sua aula e nem minha blusa nem meu cabelo haviam secado totalmente, o tecido era branco e por estar molhada, o meu sutiã estava visível.
___ Ih Olha só gente, a Gabriela pegou chuva!___ Comentou um dos meninos.
A sala toda riu, incluindo Maria Eloísa e as outras. Márcia, a professora, não tirava os olhos de mim.
___ Vamos parar com isso! Prestem atenção aqui!___ Disse com voz firme.
Após a aula, ela me chamou na sala dos professores, Márcia também era a coordenadora, então eu não podia dizer nada ou as coisas ficariam piores para mim.
___ O que há com você? Está sempre molhada nas minhas aulas! Fica na praia até tarde e depois lembra que tem que vir estudar, é isso?
Ela falava isso pelo fato de nossa escola ficar à beira de uma lagoa e também próximo ao caminho para inúmeras praias, nossa cidade, Saquarema, era famosa por isso.
___ Além disso, sempre chega atrasada! Acha, que não precisa seguir regras, só porque não tem pais? Não vou facilitar para você por ser órfã, espero que isso tenha se resolvido na próxima semana.
Fiz que sim com a cabeça.
___ Pode ir!
" Se isso dependesse apenas de mim..."
___ Gabriela!! Como foi a escola?___ Perguntou Luiza, assim que cheguei ao abrigo.
___ Foi super divertida!___ Sorri.
___ Também quero que seja divertida.___ Ela gritou empolgada. Luiza tinha 10 anos e estava no orfanato desde bebê. Tinha a pele preta e muitos cachinhos presos em marias chiquinhas.
___ Você ainda vai ter muitos e muitos amigos, suas aulas serão melhores que as minhas .___ Abaixei-me para ficar na mesma altura que ela.
___ Muitos assim como você?
___ Sim... Assim como eu! ___ Dizer aquelas palavras foi uma das coisas mais difíceis da minha vida.
___ Que bom! Porque não gosto dos meus amigos de agora!
___ Luiza, o que está acontecendo?__ Franzi a sobrancelha.___ Me conte tudo agora!
___ Um amigo da minha sala, ele está me batendo.
Peguei sua mão.
___ Ah! Mas nós vamos resolver isso agora!
Fui com ela até a casa do tal menino.
___ Tinha mesmo necessidade de fazer esse escândalo aqui no meu portão?___ Perguntou a dona da casa, uma mulher na casa dos 30 anos, mãe do garoto.___ Tenho mais o que fazer menina!
___ Eu só quero que o seu filho peça desculpas à Luiza!
___ ANTÔNIO! ___ A mulher gritou e o menino apareceu.___ Peça desculpas agora!
___ Desculpa, eu só estava brincando.___ Falou a criança.
___ Tudo bem! Eu te desculpo.___ Luiza sorriu.
___ Ótimo, agora, com licença!
A mãe bateu a porta na nossa cara.
___ NÃO BRINQUE MAIS COM AQUELA ÓRFÃ!
Pudemos ouvir, mesmo já estando do outro lado da rua.
___ Luiza, nunca deixe que os outros façam coisas más a você, está bem?
Ela assentiu.
___ Obrigada Gabi, eu posso não ter mais a minha mãe, mas pelo menos tenho uma irmã maravilhosa como você.
Sorri.
Coloquei-a para dormir quando chegamos.
___ Boa noite! Luiza.__ Falei enquanto a cobria.
___ Gabi.___ A diretora do orfanato sussurrou.___ Chegou uma coisa para você.
___ De novo?___ Questionei.
Todo o mês alguém enviava-me algum presente, desde roupas até sapatos, mas essa pessoa nunca se identificava.
___ Olha que lindo!___ Disse assim que abri a caixa e vi um casaco de moletom cinza com um capuz rosa, ele também tinha os bolsos e o final das mangas com detalhes na mesma cor.
___ Essa pessoa realmente gosta de você! É impressionante, ela sempre acerta os tamanhos.
___ É verdade!___ Fiz que sim com a cabeça.
Eu me perguntava quem seria aquela pessoa tão generosa.
Rafaela
___ Meu Deus, mãe!___ Exclamei ao ver a quantidade de itens sobre a mesa.___ É uma viagem de dois dias! Não de 2 meses!
Ela havia separado praticamente todos os itens do meu quarto.
___ Mas isso é o essencial, querida.
Revirei os olhos.
___ Como eu vou carregar tudo isso? Entendo a sua preocupação, mas eu vou ficar bem! Tenho tudo de que preciso na minha mala!
___ Tem certeza, Rafaela?
Vasculhei por todas as coisas e peguei o casaco cinza, com capuz e detalhes em rosa.
___ Eu não tinha visto esse casaco antes!
___ Eu comprei com uma amiga, da ultima vez que fomos ao shopping!
Coloquei o casaco na mochila.
___ Satisfeita?
___ Ok, senhorita independente.Vamos lá.
Fomos para o carro, eu e minha turma estávamos saindo em excursão, o nosso destino era um sítio em Saquarema, na região dos Lagos.
" Você já está chegando?" Perguntou uma das minhas amigas.
Nós já estávamos na esquina.
___ Mãe, você pode buzinar quando chegarmos?
___ Ok.
Assim ela o fez.
___ Rafa!___ Melissa abriu um grande sorriso assim que me viu.
___ Boa viagem, meu amor. Divirta-se!___ Minha mãe estacionou o carro.
___ Tchau mãe!___ Desci e acenei.
___ Ah, espera! Nas regiões de praia sempre fica frio à noite, leve isso.___ Ela tirou uma echarpe da bolsa e me deu.
___ Serio mãe? Quem usa isso no Brasil?
___ É para proteger a sua garganta! Não quer ficar resfriada enquanto se distrai com os seus amigos, quer?
___ Está bem!___ Peguei a echarpe e a coloquei no pescoço. ___ Agora tchau!___ Desci do carro, antes que ela me fizesse sair igual um pinguim.
___ Onde está a Alessandra?___ Indaguei.
___ Provavelmente se maquiando!___ Respondeu Melissa, ela tinha olhos amendoados e cabelos lisos, longos e pretos, herança da mãe, filha de japoneses.
___ E aí, meninas?!___ Alessandra chegou dando uma voltinha.___ A mais bonita da escola chegou!
Ela era loira e tinha os olhos azuis.
Nós rimos.
___ Caramba! Vocês estão usando os mesmos tênis!___ Melissa estava surpresa.
___ E não é só isso!___ Falei, piscando para Alessandra, viramos e mostramos as nossas mochilas.
___ Vocês estão combinado tudo!Até a lingerie.____ A loira me cutucou.___ Você está usando, não está?____ Ela tentou olhar por dentro da minha blusa.
___ Para com isso!___ Comecei a correr.
Ela veio atrás de mim.
___ Me mostra!
Ficamos nessa até esbarrarmos em Alexandre.
___ Eu também quero ver.___ Ele Falou, com uma expressão maliciosa no rosto.
___ Cala a boca, seu pervertido!___ Exclamei.
___ Muito bem, vamos lá gente! ___ Nosso professor, Manuel apareceu para nos organizar. ___ Entrem no ônibus ordeiramente.Eu disse ordeiramente!
Fomos para o ônibus, sentei-me ao lado de Alessandra e coloquei os fones.
___ O que você está ouvindo aí? Hein?
Levei o dedo à frente dos lábios.
___ É segredo!
___ Ah, isso é sacanagem Rafa!
Ri do seu protesto.
Eu estava escutando a competição de natação masculina regional, mais especificamente devido a um competidor, Daniel.
" Vou ganhar essa medalha para você!"
Ele falou.
Eu e Daniel nos conhecíamos desde crianças.
" Vou esperar então, você ganhar a medalha de ouro!"
Foi o que eu disse naquele dia, há 7 anos.
___ E o vencedor é Daniel!
Sorri ao ouvir o narrador falar.
___ Ei, vocês viram que o Daniel venceu? Acabaram de postar no perfil da competição!___ Falou Melissa.
___ Que bom para ele!___ Fingi indiferença.
___ Até parece.___ Alessandra revirou os olhos.___ Admita que está feliz Rafaela, não vai morrer por isso.
___ Mas eu não disse que não estava.___ Dei de ombros.
As duas cochicharam entre si, quando vi uma notificação nas mensagens.
A primeira era de Daniel.
" Vou encontrar vocês mais tarde!
Não esqueci minha promessa."
" Faça o que você quiser, eu não ligo."
Respondi.
" Como você é má, acabei de ganhar a medalha de ouro para você, Rafaela!"
" Eu não te pedi por isso."
" Admita que gosta de mim."
" Nunca 😜."
Estava rindo comigo mesma, quando outra notificação surgiu, mas essa não era nem um pouco agradável.
" Está se divertindo? Mesmo sabendo que suas ações saíram impunes?"
Imediatamente estremeci.
___ Está tudo bem?___ A loira logo olhou para mim.
___ Não estou a fim de conversa!
___ Só quero saber se está tudo bem, Rafa, desfaz essa cara emburrada, anda!
___ Já disse que não quero saber de conversa!___ Gritei.
___ Está bem!___ Levantou as mãos em sinal de rendição.___ Você fica tão estranha às vezes!
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