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Deixe-me ser livre

Capítulo 1

Eu vim ao mundo em uma noite estrelada, no primeiro dia de maio de 2003. O dia do trabalhador era um prenúncio do que seria a minha vida: uma luta constante pelo sustento. Desde pequena, eu assumi a responsabilidade de cuidar dos meus três irmãos menores, sem ter tempo para as brincadeiras típicas da infância. No ensino médio, eu me esforcei para conciliar os estudos com um trabalho de meio-período, além de manter a casa em ordem, lavar as roupas e preparar as refeições para a família.

Eu sempre me senti diferente das outras pessoas. Não só pela minha situação difícil, mas também pela minha aparência. Eu herdei do meu pai os olhos verdes, o cabelo escuro e os traços marcantes. Ele era turco, e veio para o Brasil em busca de oportunidades. Conheceu a minha mãe, se apaixonaram e se casaram. Eu fui o fruto desse amor, mas não pude desfrutar dele por muito tempo. Meu pai morreu em um acidente de carro quando eu tinha apenas um ano de idade, deixando a minha mãe viúva.

A partir daí, a nossa vida virou um caos. Minha mãe se desesperou e começou a se envolver com homens errados, que só queriam se aproveitar dela. Ela teve mais três filhos, de pais diferentes, e nenhum deles assumiu a responsabilidade. Nós vivíamos de aluguel, mudando de casa sempre que o dinheiro acabava. Minha mãe trabalhava como faxineira, mas o que ganhava mal dava para as despesas básicas. Eu sabia que ela fazia o possível, mas também sabia que ela tinha vergonha da nossa situação.

Eu não sabia nada sobre a minha família na Turquia, por parte do meu pai. Ele nunca me contou nada sobre eles, nem mesmo o seu sobrenome. Ele dizia que eles eram uns estranhos, que não tinham nada a ver conosco, que era melhor esquecê-los. Mas eu sempre tive curiosidade de conhecer a minha outra família, de saber como era a cultura do meu pai, de ver o seu país natal.

Eu só descobri a verdade no dia em que a minha mãe me chamou para conversar.

Ayla, eu preciso te contar uma coisa muito séria.

O que foi, mãe? Aconteceu alguma coisa?

Sim… algo que pode mudar as nossas vidas.

Fala logo, mãe. Você está me deixando nervosa.

Ayla… você tem parentes na Turquia.

O quê? Como assim?

É isso mesmo. Você tem um avô paterno na Turquia. Ele é o dono da Monkut Models.

Monkut Models? O que é isso?

É uma marca de roupas femininas muito famosa na Turquia e em outros países. Eles têm lojas por toda parte.

E o que isso tem a ver comigo?

Tudo, Ayla. Tudo. Você é neta dele. Você é herdeira dele.

Mãe… você está brincando comigo?

Não, Ayla. Eu estou falando sério. Eu recebi uma ligação dele hoje.

Dele? Do meu avô?

Sim. Ele me ligou do número +90…

E o que ele queria?

Ele queria falar com você.

Comigo? Por quê?

Porque ele disse que quer te ver antes de morrer, provavelmente é coisa de velho.

Mãe… isso é verdade?

Sim, Ayla. É verdade.

Mas… por que ele nunca nos procurou antes?

Porque ele te renegou.

Como assim?

Ayla… eu preciso te contar toda a história.

Ela então me contou tudo o que eu nunca soube sobre o meu pai e o seu passado na Turquia. Ela me contou como eles se conheceram no Brasil, como se apaixonaram e se casaram às escondidas. Ela me contou como o meu pai era filho de uma família rica e poderosa. Ela me contou como ela tentou encontrar os parentes do meu pai, mas sem sucesso, recebendo apenas a reposta de que eu não merecia ser parte da família. Ela me contou como ela guardou esse segredo por todos esses anos, esperando que um dia eles nos encontrassem.

E eles nos encontraram, Ayla.

Como eles nos encontraram, mãe?

Eu não sei ao certo. Ele disse que contratou um detetive particular para te achar. Ele disse que soube da sua existência por acaso, quando viu uma foto sua em uma revista.

Uma foto minha? Em uma revista?

Sim. Você lembra daquele concurso de redação que você ganhou no ano passado?

Sim.

Pois é. Eles publicaram a sua foto e o seu nome na revista da escola. E essa revista chegou até as mãos dele.

Como isso é possível?

Eu não sei, Ayla. Talvez tenha sido o destino.

E o que ele quer de mim agora?

Ele quer te ver, Ayla. Ele quer te conhecer. Ele quer te pedir perdão.

Perdão? Por quê?

Por ter ignorado você.

Ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e me abraçou.

Não fale com ele, Ayla! Em hipótese alguma, essa gente não te merece!

Ayla… eu só quero o seu bem. Eu só quero que você seja feliz.

Eu também a abracei e senti um turbilhão de emoções dentro de mim.

Eu não sabia o que fazer.

Eu não sabia o que pensar.

Eu não sabia o que sentir.

Eu só sabia que a minha vida tinha mudado para sempre.

Capítulo 2

Eu passei a noite em claro, pensando no que a minha mãe me contou. Eu não conseguia acreditar que eu tinha um avô na Turquia, que ele era dono de uma marca de roupas famosa, que ele queria me ver antes de morrer. Eu não conseguia imaginar como seria a minha vida se eu aceitasse o seu convite e fosse para a Turquia. Eu não conseguia nem mesmo pronunciar o seu nome: Mehmet Monkut.

Eu olhei para o meu celular e vi que ele tinha me mandado uma mensagem. Ele disse que tinha comprado uma passagem de avião para mim, que eu deveria embarcar no dia seguinte, que ele estava ansioso para me ver. Ele disse que tinha reservado um quarto em um hotel de luxo para mim, que ele tinha enviado um carro para me buscar no aeroporto, que ele tinha preparado uma festa de boas-vindas para mim.

Eu li e reli a mensagem várias vezes, sem saber o que responder. Eu senti uma mistura de medo e curiosidade, de raiva e gratidão, de desconfiança e expectativa. Eu me perguntei se ele estava sendo sincero ou se ele tinha algum interesse oculto. Eu me perguntei se ele era um homem bom ou se ele era um tirano. Eu me perguntei se ele me aceitaria como eu era ou se ele tentaria me mudar.

Eu olhei para o meu quarto e vi as minhas coisas simples e velhas. Eu vi as minhas roupas gastas e rasgadas, os meus livros usados e empoeirados, os meus brinquedos quebrados e esquecidos. Eu vi as fotos da minha família na parede, os sorrisos forçados e tristes, os olhares cansados e resignados. Eu vi a minha vida sem graça e sem cor.

Eu pensei na minha mãe e nos meus irmãos. Eu pensei em como eles dependiam de mim, em como eles precisavam de mim, em como eles me amavam. Eu pensei em como seria difícil deixá-los, em como seria doloroso dizer adeus, em como seria arriscado partir. Eu pensei em como eles ficariam sem mim, em como eles se virariam sem mim, em como eles sofreriam sem mim.

Eu pensei em tudo isso e tomei uma decisão.

Eu peguei o meu celular e respondi a mensagem do meu avô.

Olá, Mehmet. Eu sou Ayla, sua neta.

Olá, Ayla. Que bom que você respondeu.

Eu li a sua mensagem e fiquei surpresa.

Eu imagino. Deve ter sido um choque para você.

Sim, foi.

Você entendeu tudo o que eu te disse?

Sim, eu entendi.

E então? Você aceita o meu convite?

Sim, eu aceito.

Você aceita? Você tem certeza?

Sim, eu tenho certeza.

Que ótimo! Que ótimo! Você não sabe como isso me deixa feliz!

Eu fico feliz por você também.

Você é muito gentil, Ayla. Muito gentil.

Obrigada.

Então está combinado. Você vai embarcar amanhã?

Sim, eu vou.

Perfeito. Perfeito. Eu vou te esperar no aeroporto.

Está bem.

Você tem alguma dúvida? Alguma pergunta?

Não… não agora.

Tudo bem. Se precisar de alguma coisa, é só me ligar.

Está bem.

Ayla… eu estou muito emocionado. Muito emocionado.

Eu também estou.

Ayla… eu te amo. Eu te amo muito.

Eu fiquei sem saber o que dizer. Ele disse que me amava, mas eu nem o conhecia. Ele disse que me amava, mas ele nunca se importou comigo. Ele disse que me amava, mas ele me abandonou durante todos esses anos.

Eu respirei fundo e digitei:

Até logo, Mehmet.

E desliguei o celular.

Eu levantei da cama e fui até o quarto da minha mãe. Ela estava dormindo, abraçada com os meus irmãos. Eu a acordei com cuidado e disse:

Mãe… eu preciso falar com você.  Eu vou para a Turquia!

Ela abriu os olhos e me olhou com carinho.

Não sei se você deve ir, esse homem nunca terá meu perdão!

Perdão? Por quê?

Por ter ignorado você.

E você… você aceita esse perdão?

Eu não sei, mãe. Eu não sei.

E você… você quer ir vê-lo?

Eu não sei, mãe. Eu não sei.

Ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e me abraçou.

Ayla… eu só quero o seu bem. Eu só quero que você seja feliz.

Eu também a abracei e senti um turbilhão de emoções dentro de mim.

Você vai mesmo para a Turquia?

Sim, mãe. Eu vou.

Mas… por quê?

Porque o meu avô me convidou.

O seu avô? O pai do seu pai?

Sim, ele mesmo.

E como ele te encontrou?

Ele me mandou uma mensagem. Ele disse que viu a minha foto em uma revista.

E o que ele quer de você?

Ele quer me conhecer. Ele parece ter mudado!

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, tentando assimilar a notícia. Depois, ela suspirou e disse:

Ayla… isso é muito sério. Você tem certeza de que quer ir?

Eu olhei nos seus olhos e vi a preocupação e o medo. Eu sabia que ela não queria que eu fosse, mas eu também sabia que ela não podia me impedir. Eu sabia que era a minha chance de mudar a minha vida, de conhecer as minhas origens, de realizar os meus sonhos. Eu sabia que era o meu destino.

Eu segurei as suas mãos e disse:

Sim, mãe. Eu tenho certeza. Eu quero ir, quero ficar livre dessa vida! Se essa é a minha oportunidade, então deixe-me ser livre!

Ela apertou as minhas mãos e disse:

Então vá, filha. Vá e seja feliz.

Ela me abraçou forte e beijou a minha testa. Ela disse:

Eu te amo, Ayla. Eu te amo muito.

Eu também a abracei e disse:

Eu também te amo, mãe. Eu também te amo muito.

Nós nos soltamos e nos olhamos com amor e tristeza. Nós sabíamos que aquele era um momento de despedida, de mudança, de incerteza. Nós sabíamos que nada seria como antes.

Nós sabíamos que a nossa vida tinha mudado para sempre.

Capítulo 3

Eu arrumei as minhas malas com pressa, sem saber o que levar. Eu não tinha muitas roupas, nem muitos objetos pessoais. Eu só tinha o essencial, o que cabia em uma mochila e uma mala pequena. Eu não sabia como era o clima na Turquia, nem o que eu iria fazer lá. Eu não sabia se eu ficaria muito tempo, ou se eu voltaria logo. Eu não sabia se eu seria bem recebida, ou se eu seria rejeitada. Eu não sabia nada sobre a Turquia, nem sobre o meu avô.

Eu me despedi dos meus irmãos com um abraço e um beijo. Eles estavam confusos e curiosos, mas também felizes por mim. Eles me disseram que tinham orgulho de mim, que torciam por mim, que me esperavam de volta. Eles me disseram que me amavam, e eu disse o mesmo.

Eu me despedi da minha mãe com um abraço e um beijo. Ela estava nervosa e ansiosa, mas também orgulhosa de mim. Ela me disse que tinha confiança em mim, que rezava por mim, que me apoiava. Ela me disse que me amava, e eu disse o mesmo.

Ela me levou até o ponto de ônibus e me ajudou a carregar as minhas malas. Ela me deu um bilhete com o endereço e o telefone do meu avô na Turquia. Ela me deu um colar com um pingente de lua crescente, que era do meu pai. Ela me deu um abraço apertado e disse:

Ayla… cuidado com você.

Pode deixar, mãe.

Ayla… não se esqueça de mim.

Nunca, mãe.

Ayla… seja feliz.

Vou tentar, mãe.

O ônibus chegou e eu entrei. Eu coloquei as minhas malas no bagageiro e procurei um lugar para sentar. Eu olhei pela janela e vi a minha mãe acenando para mim. Eu acenei de volta e sorri. Ela sorriu também e soprou um beijo para mim. Eu peguei o beijo no ar e guardei no coração.

O ônibus partiu e eu fiquei olhando para ela até ela sumir da minha vista. Eu senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto e limpei com a mão. Eu respirei fundo e tentei me acalmar.

Eu estava indo para a Turquia.

Eu estava indo conhecer o meu avô.

Eu estava indo mudar a minha vida.

Eu não sabia se era para melhor ou para pior.

Eu só sabia que era para sempre.

O ônibus levou cerca de duas horas até chegar ao aeroporto. Eu desci e peguei as minhas malas. Eu entrei no saguão e procurei pelo balcão da companhia aérea que o meu avô tinha mencionado na mensagem. Eu achei e fui até lá. Eu mostrei o meu passaporte e o meu bilhete eletrônico para a atendente. Ela conferiu os dados e disse:

Boa tarde, senhorita Monkut. Você vai para Istambul?

Sim, vou.

Você tem alguma bagagem para despachar?

Sim, tenho essa mala aqui.

Ok, coloque na balança, por favor.

Eu coloquei a mala na balança e ela pesou.

Está dentro do limite permitido. Você pode levar essa mochila como bagagem de mão.

Está bem.

Ela colocou uma etiqueta na mala e a colocou na esteira. Ela imprimiu um cartão de embarque e me entregou.

Aqui está o seu cartão de embarque. O seu voo é o TK 195, com saída às 16:00 horas do portão 12. Você deve estar lá com pelo menos 30 minutos de antecedência.

Está bem. Obrigada.

De nada. Tenha uma boa viagem.

Eu peguei o meu cartão de embarque e a minha mochila e fui em direção ao portão 12. Eu passei pelo controle de segurança e pela imigração, sem problemas. Eu cheguei ao portão 12 e vi que ainda faltava uma hora para o embarque. Eu procurei um lugar para sentar e me acomodei em uma poltrona. Eu coloquei a minha mochila no colo e olhei em volta.

Eu vi pessoas de todas as cores, formas e tamanhos. Eu vi pessoas falando idiomas diferentes, vestindo roupas diferentes, carregando malas diferentes. Eu vi pessoas rindo, chorando, conversando, dormindo. Eu vi pessoas indo e vindo, sem parar.

Eu me senti pequena e perdida.

Eu me senti sozinha e assustada.

Eu me senti estranha e diferente.

Eu peguei o meu celular e liguei para a minha mãe. Ela atendeu na primeira chamada.

Ayla? É você?

Sim, mãe. Sou eu.

Onde você está?

No aeroporto.

Já embarcou?

Ainda não. Falta uma hora.

E como você está?

Estou bem.

Está bem mesmo?

Estou… nervosa.

É normal, filha. É normal.

Mãe… eu estou com medo.

Medo de quê?

De tudo. De viajar de avião, de ir para um país desconhecido, de conhecer o meu avô, de mudar a minha vida.

Ayla… não tenha medo. Você é forte, você é corajosa, você é capaz. Você vai conseguir.

Será?

Claro que sim. Eu acredito em você.

Obrigada, mãe.

Ayla… eu estou com saudade.

Eu também, mãe.

Ayla… eu te amo.

Eu também te amo, mãe.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos, ouvindo a respiração uma da outra. Depois, ela disse:

Ayla… cuidado com você.

Eu sorri e disse:

Pode deixar, mãe.

Ela sorriu também e disse:

Ayla… não se esqueça de mim.

Eu disse:

Nunca, mãe.

Ela disse:

Ayla… seja feliz.

Eu disse:

Vou tentar, mãe.

Ela disse:

Tchau, Ayla.

Eu disse:

Tchau, mãe.

E desliguei o celular.

Eu guardei o celular na mochila e olhei para o relógio. Faltavam 30 minutos para o embarque. Eu respirei fundo e tentei me acalmar.

Eu estava indo para a Turquia.

Eu estava indo conhecer o meu avô.

Eu estava indo mudar a minha vida.

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