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Lírio Bestial

Prólogo

Nos arredores somente uma densa neblina levantada pela luta recém acabada, agora aquela vasto campo verde não era nada além de um vislumbre de terra e plantas mortas, é um conhecimento antigo que os humanos eram seres traiçoeiro, entretanto nunca foi imaginado que um dia eles iriam tentar um golpe para tomar o Território das fadas, ingenuidade talvez até tolice pois mesmo que fossem muito fortes, tivessem as melhores armas ou fossem os mais rápidos o resultado não seria diferente de agora e em muito brevemente essa ridícula guerra se encerraria com um resultado nem um pouco longe do imaginado. 

Caminhando em meio a ruínas de uma situação caótica já resolvida, o rei das fadas observava o ambiente em volta de si apesar da neblina formada de poeira dificultar sua visibilidade, estava a procura de soldados feridos e entre eles talvez sua irmã que assim como os demais estava envolvida na batalha. Andando alguns metros ele ganha a visão da silhueta de uma fada mais a frente, seguindo no mesmo rumo a silhueta começa a tomar a forma família daquele que era seu braço direito e escolta que no momento estava de costas olhando fixamente para o chão um pouco a frente, ao chegar bem perto este se vira para o rei fazendo uma breve reverência e antes que pudesse passar de seu amigo de confiança, ele o impede segurando um de seu ombros.

—Perdoe minha insolência majestade, mas tenho certeza que o senhor não vai querer ver isso- ele o alerta. 

—Eu sou o rei! Não importa o quão ruim esteja a situação não será uma surpresa, afinal estamos numa guerra, e devo arcar com o peso da responsabilidade pelas vidas que não fui capaz de proteger — ele responde de forma breve e digna.

Ainda relutante, o braço direito e amigo de confiança do rei libera o ombro que estava segurando dando a liberdade para ele retomar seus passos, que se estagnam pouco depois com a visão de quem estava no chão. 

— Peônia!— ele pronuncia o nome de sua irmã em descrença, incapaz de se mover mais um centímetro sequer.

No chão estava sua única irmã e a princesa mais nova do Território das fadas, seus cabelos ruivos escarlate estirados pelo chão, sua pele rosada agora completamente pálida e seus lábios carmim agora roxos, quanto a posição do seu corpo encolhida e abraçada ao corpo também morto da última pessoa que o rei gostaria de ver.

—O que ele faz aqui?— ele pergunta agora com traços de raiva presentes na voz—E como isso aconteceu?

—Não sei meu rei, infelizmente eu apenas os encontrei aqui — explicou seu braço direito. 

A raiva mesclada à tristeza cresce no interior do rei fazendo com que fechasse seus punhos com força e lágrimas começassem a brotar de forma involuntária de seus olhos. 

—Esse desgraçado, como se já não bastasse ter me apunhalado pelas costas e ferir os sentimentos da minha irmã…— seu choro o interrompe. 

—Meu rei não acho que tenha sido ele a fazer isso com sua alteza.

— O que quer dizer?— pergunta o rei sem conseguir esconder a raiva. 

Seu amigo se aproxima do rei ficando lado a lado com ele, antes de responder:

–Se o senhor for observar bem os dois, somente o corpo do humano Loide possui uma ferida letal, o corpo da princesa Peônia está intacto, porém infelizmente padecido.

Ao ouvir isso o rei confirma por si mesmo a informação apesar de ser doloroso vislumbrar aquela cena, o corpo daquele que uma vez depositou inteiramente sua confiança possuía uma ferida grande que atravessava seu abdômen, entretanto sua irmã só tinha alguns meros arranhões que não matariam nem mesmo uma criança humana quem dirá uma fada. Outra coisa chamava a atenção do rei que era a posição dos dois, Loide estava completamente esticado enquanto sua irmã com o corpo de lado abraçando o dele como se Peônia tivesse morrido depois que ele já estava morto ou ao menos incapacitado.

—Espero que perdoe o que vou dizer, mas ao meu ver parece que alguém matou a princesa, roubando a sua essência— seu amigo se manifesta. 

—Tem certeza do que diz?— o rei pergunta agora com uma voz fria sem desviar a atenção do cadáver da irmã. 

—Absoluta não, entretanto não vejo outra alternativa para explicar o atual estado do corpo de sua alteza.

Sem nenhuma palavra a mais para acrescentar, o rei vira as costas para o corpo de sua irmã mais nova andando para bem longe dali com seu braço direito o seguindo logo depois. 

—Majestade?

—Reúna os soldados sobreviventes e ordene que vasculhem o campo para recolher todos os corpos dos mortos!— o rei pronuncia-se em um tom autoritário. 

— E quanto a princesa?

—A prioridade agora é acabar com essa guerra ridícula, mas se por um acaso eu um dia encontrar a pessoa que roubou a essência da minha irmã, eu farei com que ela rasteja enquanto implora pelo dia de sua morte. 

O pôr do sol se revela forte no horizonte assim que a neblina de poeira perde sua intensidade e a guerra entre as duas raças termina meio ano depois, com o resultado mais do que óbvio. 

Capítulo 1

Um belo dia ensolarado se estendia pelo pequeno vilarejo de Lorent conhecido por ser o mais próximo da fronteira do Território das Fadas em comparação com os demais daquele reino, se é que poderia ser chamado de reino ainda.

Após a derrota humana na guerra contra as fadas que já marcava quase quinze anos de término, os humanos tiveram que cumprir com sanções para evitar uma possível extinção completa pelas mãos de seus inimigos, entre elas foi a exclusão do status de rei tornando duque o nível mais alto possível para um humano alcançar colocando a direção monárquica a cabo do rei das fadas e os territórios humanos divididos entre ducados, marquesados e condados, no caso de Lorent o vilarejo ficava localizado no condado da família Edwine conhecida pela longa linhagem de guerreiros.

A segunda sanção que a humanidade teve que cumprir foi o banimento total da espécie no Território das fadas o que na época gerou graves problemas econômicos como também faliu muitos comerciantes que dependiam de produtos vindos de lá, mas agora qualquer humano pego no Território das fadas poderia facilmente ser condenado à pena capital apenas pondo os pés do outro lado da fronteira, a única exceção era uma reunião que ocorria uma vez por ano entre os líderes ducais e o rei das fadas e mesmo essa visita era severamente vigiada desde o início até a finalização.

De meio-dia na feira do vilarejo, as pessoas que passavam na entrada sempre acabavam se deparando com a visão de uma bela e pequena barraca de flores muito bem decorada com arranjos atrativos chamada:

"Flores do Elíxios"

Sua dona era Elísis uma jovem com quinze anos de pele morena clara, cabelo castanhos claros bem ondulados e olhos castanho escuro, uma jovem bastante conhecida em Lorent tanto por trabalhar meio expediente numa estalagem local servindo como garçonete quanto pela barraca de flores na entrada da feira que apesar de bastante pequena possuía a fama pelas flores mais duradouras, pois fossem buquês, guirlandas ou coroas de flores se viessem da barraca de Elísis mesmo fora das suas plantas duravam no mínimo um mês antes começarem a murchar. Graças a essa fama, Elísis foi capaz de adquirir uma ótima clientela e conseguir uma boa renda mensal.

A jovem se encontrava no seu pequeno negócio concentrada na tarefa de entrelaçar algumas margaridas para criar coroas, quando de repente tem sua atenção chamada :

— Senhorita Elísis?— ela sem querer pula com o susto — Me perdoe, não foi minha intenção assustá-la.

– Senhor Donua – ela diz ainda um pouco surpresa com a repentina presença do senhor de idade – Não se preocupe com isso eu estava distraída, então no que posso ajudar?

— Veja bem, faltam só algumas semanas para o meu aniversário de casamento, e como ano passado eu esqueci, esse ano eu queria fazer uma surpresa para a minha esposa — o senhor explica deixando transparecer um pouco de vergonha com a última confissão .

— Compreendo, sua esposa tem alguma preferência em uma flor específica? — Elísis ativa seu modo sério.

— Minha esposa gosta de qualquer coisa que envolva belas flores.

— Temos algo em comum, então que tal um buquê com um recado no formato de linguagem das flores — ela propõe.

— Linguagem das flores?

— Isso mesmo, cada flor está associada a um significado, se juntarmos um conjunto certo podemos criar uma bela mensagem.

— Maravilha, e como você recomenda a criação desse conjunto?

Elísis fica em silêncio adotando uma postura pensativa para chegar à melhor combinação que pudesse pensar.

— Já sei, que tal um buquê de amor puro, com tulipas vermelhas e rosas amarelas?

— E o que elas formam exatamente?

— Bem as flores apesar de cada uma ter seu significado, elas não estão presas a uma só mensagem. Mas essa combinação pode formar o recado, só penso em você pois te amo verdadeiramente e sempre serei leal a nós dois– Elísis traduzir para o senhor Donua.

— Simplesmente perfeito, adorei!

— Que bom, o senhor me diz a data do aniversário de casamento para eu preparar o buquê no tempo adequado e claro vou incluir um cartão com a mensagem escrita.

— Realmente agradeço muito a sua ajuda senhorita Elísis.

— Imagina.

Essa gentileza foi outro fator que influenciou a fama da barraquinha as pessoas adoravam seu lado atencioso, mas o conhecimento de Elísis se estendia muito além de somente flores, ela também era capaz reconhecer centenas de plantas diferentes apenas as olhando, habilidade que aprendeu com sua mãe antes dela morrer a pouco menos de dois anos, mas as informações deixada por ela acabaram sendo perfeitas para o trabalho que tinha agora, pois apesar de ter dois empregos seu sonho era viver somente vendendo flores e ajudando pessoas como acabará de fazer a pouco.

Elísis observa o senhor de idade se afastar depois de coletar todos detalhes necessários para fazer a surpresa, aquele foi o segundo trabalho mais importante que recebeu naquele dia a diferença é que o primeiro foi entregue em menos de uma hora pois não tinha um motivo tão feliz já que era uma guirlanda para o enterro do senhor Joseph o senhor mais velho da aldeia, ou melhor, possuía essa fama antes falecer. Ela volta pegar a coroa de margaridas na qual estava trabalhando, quando novamente tem sua atenção chamada:

— Elísis!

A garota fica paralisada girando bem devagar o olhar para a direção da voz, já sabendo a quem pertencia ela.

— Senhora Helena, não deveria estar trabalhando na padaria?— ela pergunta sem jeito por ter uma ideia do motivo dela estar ali.

— Caso a senhorita não tenha notado está quase passando de meio dia, essa é a segunda vez que eu passo aqui e não vi nenhum sinal de você ter ido almoçar — ela a repreende.

— Mas eu tenho que terminar…

— Sem desculpas, eu conheço você e sei que nunca pega um trabalho com um prazo absurdo.

— Mas…

— Sem mas, por coincidência eu estou indo na estalagem da madame Pietra e minha intuição me disse que eu deveria passar aqui, e não é que eu estava certa.

Elísis larga a coroa de margaridas num local seguro, então olha para a senhora Helena deixando escapar uma bufa de ar se dando por vencida.

— Tenho alguma escolha?

— Claro que não, o que sua mãe pensaria de mim se eu deixasse você se matar de tanto trabalhar, já basta o turno noturno de garçonete na estalagem.

A senhora Helena é uma antiga amiga de sua mãe que está a cargo da principal padaria do vilarejo junto com o marido, uma mulher com pelo menos quarenta anos, cabelos castanhos escuros presos num coque, pele branca e com o corpo com um pouco de sobrepeso. Apesar de ser bastante rígida à primeira vista, quando se conhecia ela mais a fundo se encontrava um doce de pessoa e não só por ela fazer os melhores doces da vila. Depois que a mãe de Elísis faleceu e ela não pôde se juntar à irmã mais velha no marquesado de Lidong, a senhora Helena se tornou praticamente sua segunda mãe apesar das duas não morarem sob o mesmo teto, mas ela sempre ajudava a jovem garota quando fosse preciso.

As duas andam sobre as ruas de paralelepípedos ensolaradas, cheia de pessoas passando fosse com algo em mãos, conversando com alguém ou com carroças lotadas de lado para o outro, o destino das duas era a estalagem da madame Pietra, local favorito para os trabalhadores almoçarem como também onde Elísis trabalhava a noite e morava.

— Como vão as coisas na padaria agora que seu filho foi aceito no programa de desenvolvimento de cavaleiros do conde Edwine?— Elísis pergunta.

— Sentimos um pouco no início, mas eu e meu marido já conduzimos aquela padaria antes do Dilam nascer, voltar aos velhos tempos não é problema algum — ela afirma convicta.

A senhora arranca algumas risadas de Elísis, afinal Dilam era um grande amigo dela já que ambos cresceram juntos e ela via muito dele na mãe.

— Mas e você, não pretende sair de Lorent como a sua irmã Melinda ou ir morar com ela?

— Fica muito difícil para mim ir morar com a Melinda por vários fatores, mas eu não pretendo sair de Lorent, nesse momento meu maior objetivo é conseguir sair da minha dependência com a Madame Pietra.

— Não ter mais que trabalhar de noite.

— E ter meu próprio lugar para morar, assim não vou mais precisar conviver com a Nelle.

Assim que Elísis termina de falar, as duas chegam em frente à estalagem, o interior se apresentava com seu típico visual amadeirado e luzes alaranjadas com várias pessoas acomodadas nas mesas do lugar tendo conversas particulares enquanto aproveitavam a comida do estabelecimento. A senhora Helena e Elísis se sentam numa mesa vazia começando a olhar os cardápios e pouco depois uma figura não muito agradável aparece diante da mesa.

— Veja só a garçonete veio comer no próprio trabalho.

— Oi pra você também, Nelle — Elísis responde de forma seca sem nem fazer um contato visual.

Nelle ou Antonelle a filha da madame Pietra com quem Elísis teve que conviver desde bem pequena, sua personalidade podia se resumir basicamente em muito arrogante, isso devido a sua aparência. Cabelos dourados, olhos verdes e pele pálida, características essas muito raras entre os humanos, porém muito comuns entre as fadas, por isso graças a esses traços ela sempre foi bajulada pelas pessoas da faixa etária de ambas e ganhou o apelido de fada de Lorent pelos adultos.

Elísis por outro lado apesar de não ser nada feia tinha traços muito comuns e como trabalhava para mãe de Nelle as situações em que ela a tratava como empregada ou menosprezo eram muito comuns.

— Você sabia que todos já disseram que vão votar em mim, no festival do reinício do vilarejo e eu vou ser coroada a dama de Lorent?

— Não é novidade — Elísis fala despreocupada tentando focar a atenção no cardápio em mãos.

— Deve ser muito frustrante já que você é a filha da pessoa que deu origem a esse título, não é mesmo?

Elísis ignora descaradamente Nelle apesar da pequena pontada levada o que não deixa a garota arrogante nem um pouco feliz, mas para sua sorte, a filha da dona da estalagem é chamada por um grupo de jovens em outra mesa e ela sai de perto da mesa dela sem mais nenhuma palavra.

— Tudo bem querida?— a senhora Helena pergunta preocupada.

— Já escutei coisas piores, esse tipo de coisa não é nada.

— Que tal fazermos o pedido?

— Por mim tudo bem — ela fala fechando o cardápio e o colocando no canto da mesa.

Capítulo 2

Assim que ambas terminaram a refeição a Senhora Helena deixou o estabelecimento primeiro, até iam sair juntas mas assim que foram ao balcão pagar pela comida da padeira a madame Pietra pediu para ter uma conversa com Elísis, a levando para uma salinha numa porta por trás do balcão.

– É alguma reclamação da Nelle?– ela pergunta apreensiva se sentando em uma das cadeiras de madeira espalhadas pela sala.

– Deixei de dar atenção às histórias da Nelle depois que começaram a ficar muito dramáticas, não sou boba sei quando minha filha está mentindo – ela dá um trago no seu largo cachimbo, cruzando as pernas depois de sentar.

A madame Pietra era uma mulher muito respeitável no vilarejo e não só por ser a pessoa mais bem sucedida dali apesar de não ser uma nobre, mas sim porque Pietra foi um grande suporte para o vilarejo durante a guerra contra as fadas. Ela sempre foi vista como uma figura fria e séria, usando vestidos longos de cores escuras com os cabelos preso em penteados simples de pouco esforço, e mesmo tendo uma filha de aparência muito chamativa a única coisa que Nelle herdou da mãe foram os olhos verdes pois a pele de madame Pietra era morena e seus cabelos pretos.

– Chamei você para avisar sobre o cronograma do Festival do reinício em algumas semanas, como é um dia de muita festividade pretendo manter a estalagem aberta até um pouco mais além do horário comum, e como o fluxo será maior o Geraldo e o Michael vão precisar de mão extra – a madame explica no típico tom frio e sereno dela, então dá uma nova tragada no cachimbo.

– Está dizendo que é para mim trabalhar o dia todo junto com os rapazes?

– Isso – ela afirma deixando a fumaça sair de sua boca – pensei em avisar logo, afinal fiquei sabendo que os organizadores do festival encomendaram muitos arranjos para você da sua barraquinha de flores, assim você se adianta e não fica preocupada com o tempo.

– Agradeço a consideração.

– Não tem de que. Era somente isso, já pode ir – ela avisa voltando para o balcão e deixando Elísis sozinha na salinha.

Mesmo sendo uma figura bastante fria, madame Pietra não era uma pessoa ruim para Elísis, além de ter ajudado muito a mãe dela depois do término da guerra. Como o pai de Elísis morreu durante uma epidemia que se espalhou pelo vilarejo durante o conflito, depois que tudo acabou a mãe de Elísis ficou viúva, desempregada, com duas filhas e pra piorar a casa onde costumava viver foi totalmente destruída na última batalha que deu fim a guerra, está impactou muito Lorent por ser o local mais próximo a fronteira. Foi a madame Pietra quem estendeu a mão a sua mãe, lhe oferecendo um acordo, ela poderia morar na estalagem com a alimentação garantida caso trabalhasse para ela com o pagamento de metade de um salário comum, sendo para sua mãe um acordo muito vantajoso visto que não tinha mais nada.

Mesmo agora Elísis ainda vive dentro dos termos deste acordo que não seria ruim se não fosse pela Nelle, por isso começou a juntar dinheiro para comprar uma casa só para ela e depois começar a investir mais na própria floricultura.

Tomando o caminho de volta para a barraca, a jovem florista passa pela praça da cidade onde os preparativos para o festival estavam evidentes, com fitas colorido colocadas interligando os postes de lampiões ao redor, também deixaram os locais reservados para os futuros arranjos de flores que seriam preparados por ela e a base da atração principal do festival do reinício montada para a grande fogueira no centro da praça, entretanto a decoração que mais chamou a atenção de Elísis foi o mural em homenagem a Sônia a dama de Lorent e sua falecida mãe.

A história da dama de Lorent se tornou obrigatória em todas as escolinhas do vilarejo cujo o ensino só ia até os catorze anos dos jovens, pois assim como a madame Pietra sua ajuda durante a guerra foi imprescindível. Enquanto madame Pietra dava um pequeno auxílio alimentar que durava no máximo duas semana a Dama de Lorent foi responsável por não deixar as pessoas do vilarejo passarem fome quando acabasse os suprimentos dados pela madame, mesmo com batalhas ferozes ocorrendo Sônia se arriscava procurando comida nos campos e florestas e depois de um tempo seu esforço foi tão recompensado que a cada busca ela achava comida o suficiente para alimentar duas famílias por dois meses.

O festival do reinício foi criado principalmente em comemoração a sobrevivência do vilarejo mesmo tendo suportado os piores conflitos da guerra, mas levaram em conta as grandes contribuições feitas pela mãe de Elísis e a transformaram em um símbolo do festival, todo ano uma jovem de quinze anos acima seria nomeada a dama de Lorent caso fosse bem votada, título esse que provavelmente seria entregue a Antonelle por sua popularidade, aquilo deixava um gosto amargo na boca de Elísis, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Quando terminou de olhar o belo mural de sua mãe, Elísis voltou a caminhar para sua barraquinha.

Na noite daquele mesmo dia a jovem florista trocou de profissão tornando-se a garçonete noturna na estalagem da madame Pietra, e o fluxo das noites variava de acordo com o dia da semana, sendo ainda o meio da semana o volume de clientes estava manejável, as piores coisas que tinham de lidar eram as brincadeiras de mal gosto da Nelle jogando comida no seu vestido junto a um de seus grupos de babões, mas aquilo já era rotina. Atendendo ao chamado de uma nova mesa, Elísis ignora as risadas na mesa da Nelle junto com a mancha de purê no avental para anotar os novos pedidos, quando fica em frente à mesa ela faz a pergunta tradicional com um sorriso profissional alegre no rosto:

– O que vão pedir para esta noite?

– Pequena Elísis! Faz um tempo que não te vejo – Diz um dos dois homens na mesa.

– Senhor Cezar, realmente não o vejo desde que encomendou um conjunto de coroas de flores para o aniversário da sua filha.

– Verdade já faz um tempo, fiquei sumido porque estava ensinando meu sobrinho Bile a manejar a forjar – ele dá uma cotovelada no rapaz ao lado dele.

– Então é seu sobrinho que vai assumir seu posto de ferreiro?

– Pois é, minha irmã quer que ele tenha um bom trabalho e eu não quero minha princesinha com as mãos queimadas.

– Entendo sua preocupação, já decidiram o que vão querer?

– Verdade – o senhor Cezar volta a pegar o cardápio – Antes de você chegar eu estava namorando as opções dos pratos com carne de porco, então vou querer o número cinco da lista – Ele diz e Elísis o anota imediatamente.

– Cuidado para sua esposa não ficar com ciúmes– ela brinca arrancando algumas risadas dele.

– Na verdade é bem capaz dela roubar o prato de mim – ele retribui na mesma vibe fazendo agora a jovem garçonete rir.

– E o seu sobrinho já sabe o que vai pedir?

– Ainda tem torta de carne de caranguejo?– o rapaz pergunta apontando a opção no cardápio.

– Deu sorte ainda tem alguns pedaços, vão querer mais alguma coisa?

– Por enquanto não, vamos deixar as bebidas para quando a comida chegar.

– Ótimo, pego a torta de caranguejo em dois minutos e o número cinco da lista sai entre quinze e vinte minutos– ela avisa então vai em direção ao balcão para deixar os pedidos registrados.

Terminado seu turno Elísis se recolhe para o seu quarto subindo as escadas até o segundo piso onde pretendia se jogar na cama e apagar por aquela noite, mas ao atravessar a porta a primeira coisa a entrar no campo de sua visão é uma carta sobre a mesa da escrivaninha, provavelmente a madame Pietra a pôs lá. Ao ler o nome do remetente automaticamente ela fica feliz em ver o nome da irmã mais velha a fazendo abrir a carta na hora sem qualquer cuidado e ler o conteúdo:

" Minha querida irmãzinha

Já faz algumas semanas que não entro em contato, peço desculpas por isso, aqui na casa do marquês houve uma celebração devido a visita do duque Douglas e por conta disso fiquei muito ocupada com os preparativos.

Mas fora isso por aqui está tudo tranquilo, a Lara está adorando a escolinha dela e meu marido não teve que lidar com nada perigoso nos últimos tempos, sinceramente minha maior preocupação ainda é com você. Sei que não quer deixar Lorent e que é complicado você vir morar comigo, mas não fique calada caso esteja acontecendo algo ruim, eu também sei o quão difícil é lidar com a Antonelle por isso me deixe saber caso não suporte mais. Também quero saber como estão as coisas por aí com a senhora Helena, com a Madame Pietra, mas principalmente com você. Estarei aguardando sua resposta.

Beijos Melinda "

As cartas que Elísis costumava receber principalmente da irmã mais velha tornaram-se o maior consolo desde a morte da mãe, isso a mostrava que não estava sozinho e que existem muitas pessoas importantes para ela. Elísis escreveu uma resposta colocando na carta todo conteúdo pedido pela irmã e também fez questão de tranquilizá-la em respeito às ações de Antonelle.

Melinda e Elísis tinham uma diferença de idade de cinco anos, ambas cresceram em Lorent sob os cuidados da mãe e auxílio da madame Pietra, mas ao contrário da irmã mais nova Melinda não foi capaz de suportar as implicâncias de Nelle nem assistir as humilhações a qual ela submetia a mãe então como não podia fazer nada, três anos antes da morte da mãe juntou dinheiro e se mudou para o marquesado de Lidong o território mais próximo de Edwine onde se casou, teve uma filha e arranjou um emprego como empregada na mansão do Marquês Lidong sendo esse o principal motivo de Elísis não poder ir morar com a irmã pois Melinda morava com o marido um cavaleiro do marquesado e a filha em um anexo da mansão feito exclusivamente para abrigar funcionários, a própria sobrinha de Elísis só morava lá porque ambos os pais trabalham na mansão, o único jeito de conseguir ir morar com a irmã mais velha seria conseguindo um trabalho na mansão também, porém para conseguir isso precisaria da carta de recomendação de um nobre de influência.

Depois de um breve banho para relaxar os músculos, Elísis finalmente se joga na cama e se entrega ao sono.

Na manhã seguinte colocou a carta da irmã mais velha para ser entregue como primeira ação do dia, então seria costume ir até à entrada da feira para abrir a barraquinha, mas naquela manhã havia algo para fazer antes. Graças ao aviso da madame Pietra com relação ao festival do reinício, Elísis decidiu se adiantar em preparar os arranjos e buquês encomendados pelos organizadores do evento por isso seguiu o caminho até os limites do vilarejo contrários a direção da fronteira dando numa trilha de campo aberto, seguindo aquele caminho por meia hora até chegar no início de um morro de altura mediana onde no topo estava o destino de Elísis.

Um gigantesco, vasto e maravilhoso campo colorido com centenas de milhares de flores diferentes tendo as suas pétalas e folhas balançadas pelas brisas do vento, aquele era o lugar onde Elísis pegava as flores para vender na barraquinha, antes costumava ser bem mais próximo do vilarejo, porém infelizmente Antonelle um dia decidiu simplesmente destruir o pequeno campo que tanto trabalhou para cultivar por isso teve que procurar um lugar mais distante para cultivar as suas flores, foi quando durante uma caminhada com o Dilam bem antes dele se mudar para mansão Edwine, que os dois tiveram a sorte de achar aquele local por acaso e ela o tem usado desde então.

— Se não fosse físico, eu diria que aqui é o próprio paraíso de Elixios — ela comentou consigo mesma respirando profundamente a brisa limpa e fria do lugar.

Com uma cesta pendurada no braço direito, Elísis começa a coletar as flores necessárias para combinar com a paleta de cores do festival, sendo essas rosa, vinho, laranja e amarelo, e para melhorar naquele lugar não faltava opção de cor. Ela caminha pelo vasto campo florido observando os arredores quando fica de frente para um arbusto quase completamente murcho.

— Que estranho, eu passei aqui a poucos dias e você estava bem, não era para estar tão murcho assim — curiosa ela agacha, afastando um pouco as folhas para ter uma visão do caule em que constata um conjunto de várias manchas – Uma praga não é mesmo.

Nesse momento Elísis se levanta olhando os arredores para ter certeza de estar sozinha, confirmado o fato ela se agacha novamente estendendo as mãos sobre o arbusto e se concentra, é então que das mãos dela começa a brotar um belo brilho verde se derramando sobre o arbustos que de pouco em pouco vai melhorando o seu aspecto. Quando Elísis para, a planta parece nova, folhas mais erguidas mostrando um verde vívido e algumas pequenas flores lilases entre elas, terminada a missão a jovem florista volta a vasculhar o campo parando apenas quando a cesta no braço direito estava completamente cheia.

Tendo tudo que precisava no momento Elísis anda rumo a mesma trilha pela qual veio, quando de repente surge uma ventania pela suas costas tão forte que quase não dá tempo de segurar as flores colhidas e bagunça completamente seu cabelo, achando estranho algo assim acontecer ali ela olha para trás acabando por se surpreender com a presença de alguém surgido do nada.

Um belo homem, com cabelos brancos ficando entre os ombros e a cintura, olhos verdes tão chamativos quanto os da Nelle, uma pele pálida com toques avermelhados, ombros largos e vestido com roupas de aparência super elegante como a de um nobre, porém o mais impressionante foram as longas asas de um tom verde translúcido que são encolhidas até sumir segundos depois, aquele homem era uma fada. Sem querer devido a surpresa Elísis acaba por o encarar durante muito tempo e ela só se dá conta quando o mesmo diz em tom bastante frio:

– Algum problema?

– Não desculpe… só não esperava encontrar com ninguém aqui – ela explica de forma nervosa.

O homem não diz nenhuma outra palavra apenas dá as costas para ela e adentra o campo florido, Elísis teve curiosidade em saber o que um fada estaria fazendo do outro lado da fronteira entretanto levou em consideração a atual relação entre as espécies decidindo por ir embora dali.

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