Meu nome é Pérola, tenho 20 anos, me formei no magistério mais não quero ficar sem estudar, então resolvi fazer o único outro curso da cidade, eletrônica.
Não tenho namorado, tive uma decepção amorosa há alguns anos então resolvi dar um tempo, desisti de procurar o príncipe encantado, o homem ideal, prefiro estar só que mal acompanhada.
Não sou feia, mais também não sou nenhuma beldade, morena, cabelos negros no ombro, olhos castanhos, não sou alta nem baixa, magra, demais até, em minha infância tinha o apelido de vareta.
Trabalho desde meus 15 anos como monitora, tenho guardado dinheiro pra comprar um lugarzinho só pra mim. Farei o concurso para ser efetivada em uma escola como professora.
Em minha sala a maioria é homem, somos apenas em três, Sílvia que já está há uns quatro anos na mesma série, o negócio dela não é o estudo e sim os estudantes e professores, é o que dizem, Mônica que vem de uma Cidade vizinha e eu, os outros vinte alunos são homens. Então já imaginem o papo que rola entre eles. Também o que eu queria uma turma de eletrônica? Ainda é raro uma mulher se formar nessa área por aqui.
Não sou de fazer amizade fácil, então fico na minha, observando o comportamento dos colegas e professores.
Sempre fui uma ótima aluna, nunca havia perdido uma média até hoje. Quando recebo minha avaliação de Análise de Circuitos quase tenho um treco: 0.5, nunca em minha vida tinha tirado essa nota, eu sou estudiosa, presto atenção as aulas, não converso....
No intervalo me sento em um banco no pátio da escola e fico olhando pra minha prova. '' O que você está fazendo aqui Pérola?'' ''De magistério pra eletrônica, ia dar nisso'' ''isso não tem nada haver com você'' ''Desista''.....
Estou perdida em meus pensamentos quando ouço uma voz do meu lado:
- Oi. Foi tão ruim assim na avaliação??
É um dos colegas de turma, não sei o nome dele, mas sei que é um dos poucos que não perderam média.
- Não imagina o quanto!! Eu nunca havia perdido uma média na vida até hoje! -Respondo triste- Acho que Eletrônica não é pra mim.
- Não vai me dizer que vai desistir na primeira!! Você não parece uma pessoa que desiste fácil.
- Não, na verdade não, me desculpa eu não guardei seu nome......
- André, meu nome é André e o seu é Pérola não é?? Um nome diferente. Forte.
- É sou Pérola, André, me desculpa eu não sou boa em guardar nomes, guardo rostos, posso passar anos sem te ver que me lembraria do seu rosto, mais do seu nome não.
- Meu rosto não é pra ser lembrado....
André me fala com tristeza, foi ai que prestei atenção nele, magro, olhos e pele bem morena, um pouco vesgo, cabelos negros já precisando de um corte. Não sou de dar mais valor a aparência do que ao caráter, e só prestei atenção pôr ele ter dito.
- Você não perdeu média não é ?? - pergunto mudando de assunto- Acho que foi um dos poucos.
- Eu gosto muito de Eletrônica, principalmente de Análise de Circuitos, não é tão difícil assim. Quer que eu te explique o que errou??
André pega a prova de minha mão e começa a me explicar, no início não entendo nada, mais aos poucos André consegue me esclarecer algumas coisas. André me fala que o professor Carlos sempre dá uma chance para melhorar a nota, dá outra avaliação e a nota maior prevalece, e se eu quiser ele me tira algumas dúvidas. Foi a única matéria que perdi média.
Durante os intervalos André sempre vem me ajudar, e tenta me animar para não desistir.
André tinha razão, o professor Carlos deu outra prova e graças a ele fui bem, quer dizer, peguei média, muito diferente das notas que tinha no magistério.
Fiquei tão feliz que assim que vi André corri e o abracei, ele se tornou meu melhor amigo e um dos poucos que fiz nesta escola.
Percebi que ele ficou constrangido então pedi desculpas:
- Me desculpa !!! É que fiquei tão feliz com a nota que tirei!! E você é o responsável por ela.
- Não tem que se desculpar, você aprende rápido e agora é uma das poucas que pegou média. - André me diz contente.
- E você?!? Quanto tirou?? -Pergunto pegando sua prova. - 8!!!! Não acredito!! Eu tirei 4 e já estou feliz....
- É que eu gosto, já te falei, e você como já me disse está aqui só pra não ficar em casa sem fazer nada não é ??
- Tem razão André. Mesmo não gostando não quero ser reprovada. Vamos, a aula de laboratório vai começar.
Entramos e André sempre faz parceria comigo, ele tem facilidade em tudo relacionado a eletrônica, eu tenho um pouco de medo de montar as placas, ou de levar choques, então ele sempre me ajuda.
André também é um aluno reservado, tímido até, ele tem vergonha de sua aparência.
Magro, mais até que eu, os dentes são brancos mais irregulares, acho que ele sofreu muito bullying.
Os outros alunos desta escola, na maioria de outras cidades são divertidos, alegres, mais só falam de garotas e das aulas.
Com André posso conversar sobre qualquer assunto, ele é até divertido e me faz rir, coisa difícil de acontecer ultimamente.
Alguns meses se passam, muitos desistiram do curso, resta menos da metade da turma. Mônica voltou pra sua cidade, Sílvia e eu continuamos.
A diretoria resolve unir duas turmas, isso acontece quase todo ano devido as desistência da maioria.
Na outra turma tem mais meninas, umas quatro, André continua me ajudando sempre, nessa nova turma tem dois rapazes que desde o primeiro dia de turma unida vieram conversar comigo: Milleti e Ronaldo, os dois muito simpáticos, alegres e muito inteligentes também.
Ronaldo dá um jeito de fazer parceria comigo no laboratório, preferia a companhia de André mais ele faltou e não tive escolha.
Ronaldo é um rapaz alto, bem apessoado, bom de papo, mais eu não estou afim de ninguém, prefiro amizade a rolo.
Ronaldo ficou pegando no meu pé, André até se afastou de mim, e eu não quero perder sua amizade, deixo Ronaldo falando sozinho e corro atrás de André:
- André ?! Porque faltou ontem?? Senti sua falta no laboratório....
- Não deu tempo de vir, estava ocupado....
- Quer que eu te passe o que perdeu?? Te empresto meu caderno.....
- Não precisa Pérola, não estou tendo muito tempo....
- Então você me dá seu caderno que passo pra você, te devolvo tudo copiado ! É o mínimo que posso fazer, você já me ajudou tanto....
- Minha letra é horrível, você sabe.....
- A minha não, sou eu que vou copiar pra você....
Tem alguma coisa acontecendo com André, ele está com olhar distante, triste. Eu não preciso fazer algumas aulas por já ter feito magistério então no intervalo de uma aula que não preciso fazer copio tudo pra ele. Vejo na capa de seu caderno meu nome escrito várias vezes, acho que era por isso que ele não queria que eu pegasse o caderno, não quero magoar o coração de meu amigo, finjo não ter visto nada e se ele quiser se afastar de mim não vou o incomodar.
Desde o primeiro dia quando ela entrou na sala, só penso nela, Pérola é o nome, e esse nome condiz com ela perfeitamente, uma jóia de rara beleza, morena, cabelos negros lisos, uns lábios grossos, o olhar, olhar tímido, triste.
Pérola não dá atenção a ninguém, assoviam, fazem graça e ela não dá bola. Imagina eu, que não tenho beleza física alguma. Mais já percebi que isso não chama sua atenção, ela vê além das aparências.
Procuro uma maneira de chegar até ela, vejo que ela não ficou nada contente com sua nota, então consegui a oportunidade que procurei.
Achei que ela não me daria atenção, mais foi gentil e começamos uma bela amizade.
Com a desculpa de lhe ensinar fico sempre ao lado dela, os garotos da sala desistiram dela nos primeiros meses percebendo que ela não ligava pra eles.
O dia que ela me abraçou me senti nas nuvens, seu perfume é suave, cheira jasmim.
Minha alegria acabou com a união das turmas, dois rapazes fazem de tudo para conseguir atenção dela. Estou passando por problemas em casa, meu pai tem bebido muito e minha mãe não anda bem de saúde, há dias que preciso ficar com ela.
Trabalho o dia todo na fazenda, debaixo do sol quente, por isso quero ser o melhor da turma e me formar já com emprego arrumado, não sobra dinheiro pra nada, nem pra comprar uma roupa nova. E quando mamãe fica doente é pior, médico e remédios são caros demais. Ela fez alguns exames e há suspeita de câncer.
Tenho uma irmã, Adriana e dois irmãos Adilson e Altair. Os dois foram para o exército e se engajaram lá, Adriana cuida de mamãe e da casa, é mais nova que eu, mais já quer se casar, namora já um tempo. Tenho 22 anos, já devia ter até me formado, mais a dificuldade não deixou.
Meu pai não faz nem pra bebida, nada que fizemos o fez parar, já esteve até internado mais é só voltar que bebe de novo. Me cansei de carregar ele pra casa bêbado, agora ele já passa a noite nos bares.
Estou cansado dessa vida difícil, sempre fui trabalhador e estudioso mais sofri muito por ser feio.
Pérola é minha única alegria no final de um dia de cão. Agora há esses dois que não a deixam em paz.
Sei que ela me considera seu amigo, não me importo, mais não temos tido muito tempo juntos.
Ela deixa Ronaldo falando sozinho e vem até mim, hoje não estou em meus melhores dias, mais ela é meu raio de Sol.
No intervalo Ronaldo vem falar comigo:
- André ?! Não é?! Você não se enxerga não, Pérola é muita areia pra você.
- O que!!? Pérola é minha amiga!! - Respondo
- Sei bem como olha pra ela. Quer mais que amizade, mais meu amigo, você não tem chance.
Deixo Ronaldo falando sozinho e volto pra sala, ele tem razão, quero mais de Pérola, algo que não posso ter. Pérola me entrega o caderno que pegou, ela copiou tudo pra mim.
Em casa fico cheirando o local onde ela escreveu, toco como se estivesse tocando nela. Em sua pele macia e delicada.
Pérola também merece mais, muito mais, não um Zé ninguém e ainda por cima feio como eu.
Quero aproveitar o máximo que puder da companhia dela, guardarei para sempre em minha memória os momentos de conversa, seu sorriso, sua delicadeza, Pérola é uma das poucas pessoas que me viu além da minha aparência e eu me encantei com a aparência dela antes mesmo de conhecer seu caráter e beleza de alma.
Um ano estudando juntos, ela não aceitou as investidas de Ronaldo nem de nenhum outro, não sei o que houve com ela antes, tenho receio de perguntar e me ferir com a resposta.
Tive que me ausentar das aulas por uma semana, minha mãe passou mal, tivemos que levar ela as pressas ao hospital e ela veio a óbito. Senti tanto, mais sei que ela está melhor que nós, ela sofreu a vida toda, uma vida difícil, um marido ausente e viciado. Descansou minha mãezinha.
Minha irmã resolveu morar com o noivo e eu fiquei sozinho com meu pai.
Pedi ajuda a um professor e ele ficou de me arrumar um estágio, disse a ele que faria o que fosse preciso e iria onde me mandarem. Preciso dar um jeito em minha vida.
Quando voltei as aulas, Pérola veio me dar um abraço e diz:
- Eu sinto muito por sua mãe André. Você nunca me disse que ela não estava bem. Você precisa de alguma coisa??
- Obrigado Pérola. Sua amizade já me basta. - digo sem jeito, fico sempre assim quando ela me toca.
- André, preciso te falar uma coisa, vou parar de estudar, fiz o concurso para dar aula e passei, fui chamada pra trabalhar em uma escola rural. Não conseguirei vir de lá.
- O que ?? Mais falta apenas um ano para nós nos formarmos..... Pérola você está indo tão bem.....
- Você sabe André que Eletrônica não é o que gosto....
- E até quando vai vir?? - Pergunto já sentindo sua falta.
- Só está semana. Virei na festa do bicho e pronto. Vou sentir falta de você meu amigo.
Pérola segura meu braço e encosta sua cabeça em meus ombros, aspiro o cheiro de seus cabelos e queria que o tempo parasse, que tudo fosse diferente, que eu tivesse outra aparência e uma vida menos complicada.
Pérola, minha Pérola, minha vida ficará ainda mais sem graça sem seu sorriso, sem sua amizade.
A semana passou rápido demais, consegui o estágio remunerado e um lugar pra ficar no lugar onde irei trabalhar. Não sei se fiz certo em deixar meu pai sozinho, mais não dá mais pra continuar como estava.
No baile do bicho, Pérola estava linda com um macacão de alcinha finas todo preto. Estava rodeada de rapazes, com razão, estava deslumbrante e eu daria tudo pra ser um deles. Fiquei a olhando por um tempo, guardando em minha memória sua fisionomia doce.
Escrevi um correio elegante e mandei entregar a ela:
'' Pérola, você está linda!!
Seja feliz em sua nova jornada.
Seu amigo, que queria ser mais....
André''
Fui embora. Não queria ter que ver ela dançando ou saindo com alguém que não seria eu....
Saí do baile de fininho depois que recebi o bilhete de André, o procurei mais não encontrei, queria me despedir dele, acho que nossos caminhos se separam aqui, vou sentir muita falta de nossas conversas, de seu jeito simples e educado de falar comigo.
Não contei a ele que vou trabalhar em outra cidade, longe daqui e acho que nunca mais o verei.
Desde pequena tinha dois sonhos, o primeiro já é impossível o de ser bailarina, ficava horas rodopiando e dando salto, minha mãe achava lindo e até me fez uma saia de tule, amava aquela poesia que dizia:
''Essa menina tão pequenina quer ser bailarina, não conhece nem nem dó nem ré mais sabe ficar na ponta do pé.....''
mais onde moramos não tem balé e nós não tínhamos condições de pagar aulas também, o segundo sonho eu vou atrás , o de tocar piano. Na cidade onde fiz o concurso tem aula de piano, até já me inscrevi, aqui não tem aula de música nenhuma, nesse ponto queria ser como papai que aprendeu sozinho, um auto didata.
Minha mãe dizia que eu tinha dedos longos próprios pra tocar piano e quero um dia realizar o meu sonho e o dela e tocar para muita gente.
Minha mãe faleceu há dois anos, sinto muito a falta dela, era meu porto seguro, minha amiga e confidente, me ajudou muito quando precisei.
Era uma mulher reprimida, que se apagou na sombra de meu pai. Que foi levada pela tristeza e depressão.
Meu pai é um homem muito bonito, um galã mesmo, moreno alto, cabelos negros e um sorriso cativante, mais nunca parava em casa, saia para cantar em rádios, tocava violão, viola e cavaquinho muito bem, acho que puxei dele o sonho de tocar, o amor pela música. Ele não perdia uma festa mais nunca, nunca levou minha mãe. A beleza dele foi um castigo pra ela, ele era e é muito assediado.
Há alguns meses ele me disse que está namorando e quer trazer a namorada pra casa. Não vou ficar pra ver outra no lugar de minha mãe, pode ser até uma boa pessoa mais eu não suportaria, não mesmo.
Meu pai não é má pessoa, mais sempre aproveitou de sua aparência pra conseguir o que queria, ele gosta de ser notado, de fazer sucesso, de ''aparecer'' como dizia minha mãe.
E eu me deixei enganar pela aparência também. Quando eu tinha dezesseis anos fiquei encantada por um rapaz, lindo, loiro de olhos verdes, encantador, a primeira vista, pela primeira vez achei estar apaixonada e Silvio me notou, começamos a sair algumas vezes pra tomar um sorvete ou ir ao cinema. Ele sempre tentava alguma coisa a mais que uns beijos e amassos, mais eu achava cedo demais pra um passo maior que esse.
Um dia ele não apareceu e eu resolvi ir ao cinema sozinha. Algumas poltronas a frente estava um casal abusando dos carinhos, as pessoas já estavam comentando quando ouço a voz do rapaz, era ele, sim Silvio, com uma prima minha, Luzia, perdi o chão quando os vi, me levantei e ele me viu, saí correndo dali chorando e ele me alcançou segurou meu braço com força:
- Pérola, espere eu posso explicar.... Não é o que pensa....
- Explicar o que?!? Porque você estava quase engolindo Luzia?? Ou porque sua mão estava dentro da blusa dela.....
- Pérola, você é linda, mais eu sou homem, preciso de mais que alguns beijos que você me dá, e sua prima estava me dando bola, não sou de ferro....
- Eu tenho culpa então?!?!.....
- Se você me desse o que quero..... Não precisaria de outra.....
- Você é um idiota.....um cafajeste....
- Mais sou um idiota lindo, você sabe disso, vem cá...
Ele tenta me abraçar e me beija sem eu querer. Dou um tapa nele e ele ainda debocha de mim:
- Pérola, só no nome não é?!?! Você nunca vai encontrar outro tão gostoso e bonito como eu, vai se arrepender..... bonitinha azeda......
Ele me deixa e volta pra dentro do cinema, certamente pra continuar o que estava fazendo.
E me arrependo mesmo, de ter me apaixonado pelo físico primeiro, de achar que beleza física é melhor que caráter, Silvio agiu como meu pai.
Minha mãe me consolou e me aconselhou muito, por isso resolvi estudar eletrônica para não pensar mais nele, principalmente a noite, depois que minha mãe se foi fiquei muito só.
André foi um dos poucos que se aproximou de mim sem cantadas baratas ou piadinhas sobre meu corpo. Me ajudou muito nas aulas, me fazia rir com suas histórias do trabalho......
Vou sentir muita falta da amizade que tínhamos, Luzia era uma das minhas melhores amigas e não hesitou em ficar com meu namorado, depois disso evitei até de fazer amizades ou de confiar em alguém de novo. E em André eu confio, quem sabe um dia nós possamos reatar essa amizade. O pior é que nem André, nem eu temos telefone. Guardarei nossa amizade na memória, será uma lembrança boa.
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