O dia tão esperado havia chegado, após mais alguns meses de tratamento, finalmente saberemos se o tratamento deu certo.

Foram quatro meses, quatro meses de choro, quatro meses de ansiedade atacada.

Quatro meses que parecem quatro anos.

Somos chamados pelo médico, e como fazia quando éramos crianças, grudo a mão do meu irmão e entramos naquele ambiente frio e sem vida, que ironia não?

— Daniel eu sinto muito...— Essa frase, essa simples frase, somado a expressão do médico sabemos que não é coisa boa.

E foi o que aconteceu, os próximos minutos, sou atingida por um soco no estômago.

Paro de escutar no “ Não há mais nada que possamos fazer”

A partir dali sou apenas uma carne na Terra, pois meu pensamento está vagando nas minhas memórias com o meu irmão.

— Lis — Ouço o meu irmão me chamando, mas não consigo ficar tranquila, como ele consegue?

Saio da consulta com os olhos em lágrimas, faço tudo no automático, entro no carro e espero eles.

— Lis por favor, fale comigo — Meu irmão pede ao entrar no veículo.

— Oi Dan. — Atendo ao seu pedido.

— Sabíamos que esse tratamento poderia não funcionar, seria uma chance no escuro.  — Meu irmão diz tentando me acalmar, como se fosse possível.

— Mas é difícil maninho, você é tão jovem — passo a mão em seu rosto perfeitamente liso — Agora só nos resta apenas um ano juntos.

— Ei, é melhor que nada. Vamos viver esse um ano juntos maravilhosamente bem, iremos aproveitar a vida. — Meu irmão como sempre otimista.

Minha cunhada Elisa é a última a entrar no carro, provavelmente ficou chorando escondido, como tem feito nos últimos meses.

Admiro esses dois, o amor deles é tão bonito.

Com as minhas emoções um pouco controladas, ligo o carro indo para a casa.

...…...

Eu e o Dan temos cinco anos de diferença, eu estou com vinte e oito, ele vinte e três. Éramos em três, nosso outro irmão tinha 16 quando faleceu.

Agora só restou apenas eu e o Dan.

 Na verdade somos sobreviventes de um acidente de carro, estávamos em uma viagem de família, quando um motorista bêbado bateu no nosso carro, morreu nossos pais e nosso irmão do meio.

Agora só temos um ao outro, por isso foi muito difícil quando descobri que o meu irmão tinha câncer, mas o médico na época nos deu uma expectativa de vida. Como o câncer havia sido descoberto ainda no início, tínhamos uma boa chance de vencermos.

E realmente conseguimos, vivemos nossa vida por mais 8 meses até ele se espalhar pelo esôfago, voltamos com os tratamentos mas agora acabamos de sair da consulta, sem esperança alguma, apenas um tempo de vida.

— Oi gatinha — Meu namorado me cumprimenta com um beijo no rosto. — Que carinha é essa? — Pergunta, Biel coloca uma mecha atrás da minha orelha.

— Hoje foi a consulta do meu irmão — Suspiro.

— Ah minha linda, alguma novidade no tratamento?

— Sim, Dan não tem mais tratamento para fazer.

— Isso é bom não é? — Pergunta contente, mas eu desabo a chorar — Com certeza isso não é bom — Concluí me abraçando mais apertado.

— Ele não tem mais tratamento, porque não há mais nada que o médico possa fazer — A voz sai estranha, meio anasalada, sem demora Biel me dá seu lenço para limpar minhas lágrimas.

— Sinto muito minha linda — Biel acaricia meu cabelo até eu ficar calma.

— Como bom namorado que sou, irei levar você para comer no seu restaurante favorito.

— Eu não sei se consigo amor. — Falo desanimada.

— Consegue sim, ande, vá se arrumar, te esperarei sentado aqui no sofá — Biel praticamente me empurra em direção ao meu quarto.

Não sei o que faria sem ele, Biel me dá a força que eu preciso.

Tomo um rápido banho e coloco minha melhor roupa. Sempre gostei de me arrumar, não que a gente precise agradar o homem, mas gosto de caprichar mais quando saio com o meu namorado.

Biel é lindo, corpo atlético, negro, cabelo bem cortado, sorriso branco e alinhado, fora que ele sabe se vestir.

Assim que termino de me arrumar, meu namorado ainda está na sala me esperando.

— Podemos ir? — Estende sua grande mão em minha direção.

— Sim, podemos — Respondo e entrelaço nossos dedos saindo da minha casa.

Meu restaurante favorito fica de frente ao pão de açúcar, é um ponto turístico aqui do Rio de Janeiro. Biel sabe como amo comer nesse lugar e por mais que seja um pouco caro, meu namorado sempre acha um jeito de me agradar.

— Boa Noite Lis, Gabriel — O garçom nos cumprimenta como sempre com um sorriso no rosto.

— Boa noite Murilo, iremos querer o mesmo de sempre, picadinho de carne — Falo um pouco mais animada por comer meu prato predileto.

— É pra já madame. — O garçom sai carregando o bloquinho com o nosso pedido anotado.

— Obrigada por me proporcionar isso.

— Sempre minha princesa. Você merece. — Recebo um rápido beijo nos lábios e espero ansiosamente pela comida.

Nosso pedido chega e jantamos entre conversas e risada e por uns minutos esqueço tudo. Só o Biel é capaz de me proporcionar isso.

— Espero que esteja gostando da noite.— Biel comenta me olhando.

— Você não sabe o quanto. — Digo.

Meu celular começa a tocar, atendo preocupada pois é o número do meu irmão.

— Alô.

— Lis, sou eu o Dan, então queria te comunicar que....— Nesse momento a ligação fica horrível.

— Dan? — Chamo mas nada, levanto da mesa e saio para fora do restaurante a fim de um sinal melhor mas não encontro, pelo contrário a chamada cai, mas agora só vai para a caixa postal.

— O que foi? — Biel pergunta me abraçando.

— Meu irmão me ligou dizendo que queria me contar algo mas não disse, estou preocupada. Vou até a casa dele.

— Não vai não, se for algo urgente ele irá te ligar novamente. Vamos aproveitar a nossa noite.  — Meu namorado diz mas não consigo mais aproveitar a noite, minha cabeça não sai do meu irmão.

O que ele iria me contar?

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

...Lis 28 anos...

...Biel 32 anos...

Acordo com a cabeça um pouco dolorida, acho que ficar chorando a noite toda não foi legal.

Depois que meu namorado me deixou em casa, novamente as notícias que recebi ontem me atingiram e para piorar ainda não tinha conseguido falar com o meu irmão.

Levanto tomo um banho, hoje nada de chorar. Tenho um tempo para passar com o meu irmão e é isso que eu farei, que esse um ano seja incrível.

Depois de me trocar pego o meu carrinho, esse é guerreiro, já está comigo há cinco anos.

Vou até a casa do meu irmão, o sol do Rio te castiga às vezes, mesmo abrindo todos os vidros ainda sim continua calor.

Paro no semáforo, levanto os vidros novamente, aqui é facinho ser assaltado se você estiver com os vidros abaixados.

Estaciono em frente a casa do Dan, dou uma buzinada e minha cunhada sai enxugando as mãos no pano de prato.

— Bom dia! — Falo animada.

— Menina, tu caiu da cama? — Pergunta surpresa. Tenho fama de dormir até tarde durante o fim de semana.

— Cai, não consegui dormir direito com aquela ligação do Dan. — Pego minha bolsa e desço do carro.

— Ah isso, entra que iremos te contar, estamos nos preparando para tomar café.

— Pode apostar que sim, não recuso uma boca livre.

Entro na casa e cumprimento o fofinho do pipoca, o gato do meu irmão,sempre tenho vontade levá-lo embora quando venho aqui.

— Quem é o irmão mais perfeito do mundo? — Pergunto abrindo os braços perto do Dan.

— Com certeza, sou eu. — Responde me dando um abraço.

— Isso é verdade. Elisa, quero saber o que está dando para o meu irmão que toda vez que vejo ele, ele está mais alegre.

— Tem certeza que quer mesmo saber mana? — Meu irmão pergunta levantando uma de suas sobrancelhas com uma cara sapeca.

— Quer saber, melhor não — Sento na cadeira ao lado do Dan.

Me sirvo do delicioso café da minha cunhada, soprando o líquido fumegante.

— Amor quer contar a ela? O motivo da ligação ontem. — Minha cunhada pergunta.

— Gente chega de suspense e me contam — Falo curiosa.

— Iremos ter um bebê! — Meu irmão diz contente.

— Como? Você está grávida?

— Não, infelizmente não posso engravidar, não tenho mais útero, precisei fazer uma cirurgia por conta de uma infecção e perdi parte do meu útero, impossibilitando de eu ter um bebê.

— Então não entendo.

— Iremos contratar uma barriga de aluguel. — Meu irmão anuncia.

— Nossa é um passo e tanto — Falo.

— Já estávamos pensando nisso já algum tempo, mas só agora tomamos essa decisão.

— Entendo. E como funciona — Pergunto.

— Iremos primeiro encontrar uma mulher disposta a fazer isso, depois iremos passar com os especialistas, então colheremos o esperma do seu irmão e implantamos no meu óvulo, aí quando eles tiverem fertilizados colocaremos no útero da mulher e pronto teremos um bebezinho.

— Parece fácil.

— Isso é segundo as minhas pesquisas, mas temos que conversar com um ginecologista essas coisas, para entender de verdade como funciona — Elisa parece bem animada com a ideia e meu irmão também.

— Que vocês consigam então. — Falo feliz por eles.

…

Estive pensando o tempo todo no que o meu irmão falou e porque não eu?

Eu sou a irmã dele, tenho certeza que não irei me arrepender de última hora, pesquisei bastante sobre isso. Acho que consigo fazer isso, primeiro falarei com o meu namorado, não posso tomar nenhuma decisão antes de o consultar, afinal é uma decisão e tanto.

Meu celular apita notificando uma mensagem, olha só quem é vivo sempre aparece.

Brenda: Oiii como você está?

Lis: Estou bem, na medida do possível.

Brenda: Sinto muito, Biel me contou, assim que eu sair da loja vou passar aí pra conversarmos, tudo bem?

Lis: Vou te esperar.

Brenda é minha cunhada e melhor amiga, somos carne e unha, conheci meu namorado através dela e nos tornamos os três patetas, até ela começar a se envolver com o Paulinho. Então raramente nos vemos agora, mas continuamos melhores amigas.

Mal posso esperar para vê-la.

Ouço a campainha e sei que Brenda chegou, enrolei a toalha no cabelo e vou atender a porta.

— Oi! — Brenda pula nos meus braços. — Que saudades.

— Eu também, mas você só tem olhos para o Paulinho — Brinco e recebi um empurrão no ombro.

— Deixa de ser ciumenta, eu sei que você e meu irmão aproveitam muito, tá!

— Não posso discordar. Quer beber alguma coisa? — Ofereço indo até a geladeira.

— Uma cerveja, por favor, esse calor ninguém merece. É um sol para cada pessoa. — Ela senta em meu sofá.

— Nem me fale. — Pego uma cerveja gelada e entrego para ela e para mim um refrigerante, sento ao lado dela, brindando nossas latinhas.

— Então, quais são as novidades?

— Fora a doença do meu irmão? Nenhuma. — Faço uma careta.

— Pois eu tenho — Brenda conta alegre.

— Paulinho me pediu em casamento! — Conta eufórica mostrando o dedo com o anel.

— Uau, parabéns amiga.

— Já vou logo avisando que quero você como minha madrinha.

— Não pensaria em recusar um convite desse tão especial. — Dou um abraço nela.

Começamos a conversar sobre os nossos trabalhos, Brenda é dona de uma boutique e eu sou uma simples secretária de uma empresa. Logo mais minha amiga vai embora e eu coloco uma roupa mais fresca, ligo o ventilador no máximo e parece que não adianta de nada.

— Ah não, por favor ventilador eu preciso de você — Falo, como se ele a qualquer momento fosse funcionar e trazer o ar gelado que eu tanto preciso. Levo um susto quando sinto as mãos em minha cintura, dou um pulinho fazendo meu namorado rir.

— Amor, nossa que susto. — Digo.

— Desculpa. — Pede ainda rindo. — O que está fazendo aí?

— Tentando fazer esse ventilador trazer ar gelado.

— Você precisa de um ar condicionado isso sim.

— Como se fosse fácil.

— Vou dar um para você.

— Não, é muito caro, vida. Guarda seu dinheiro para expandir a empresa.

— Não, faço questão. Amanhã mesmo iremos a uma loja e compraremos um. Enquanto isso não acontece, o que acha de tomar um sorvete?

— Já disse que eu te amo hoje?

— Não, ainda não.

— Eu te amo — Grudo na sua mão, saindo de casa, vamos andando mesmo, tem uma sorveteria aqui próximo de casa.

— Vi a Brenda hoje.

— Ela falou que ia vir aqui. Então, fofocaram muito?

— Não gostamos de fofocas. — Me defendo.

— Ah não? Então porque quando andávamos nós três juntos, as duas não paravam de fofocar.

— Não era fofoca, só comentávamos sobre algum acontecimento.

— Fofoca! Tudo bem eu amo você mesmo assim, minha fofoqueirinha — Biel me beija, bem na hora que chegamos na sorveteria.

Pedimos dois sundaes grandes com bastante calda de chocolate.

Aproveito a oportunidade para conversar com meu namorado sobre o que estou em mente.

— Amor queria conversar uma coisa com você.

— Pode falar.

— Então, hoje estive com o meu irmão, ele me deixou saber da vontade de ser pai.

— Nossa que bacana! — Meu namorado diz contente.

— Porém, minha cunhada teve um problema perdendo parte do útero, ou seja, ela não consegue engravidar.

— Então irão adotar?

— Não, sabe como funciona a adoção aqui no Brasil, demoraria demais e meu irmão não tem tanto tempo assim.

— Desculpa, não quis ser um estúpido.

— Não tudo bem, eu entendo. Como eu estava falando, minha cunhada irá contratar uma barriga de aluguel.

— Certo, tô entendendo.

— Aí chega o ponto que eu quero chegar. Eu pesquisei bastante sobre isso e acho que posso fazer isso, vou ser a barriga de aluguel do meu irmão. — Falo de uma vez, meu namorado a princípio fica paralisado — Biel?

— Espera, só estou surpreso. Mas por que tomou essa decisão?

— Não é óbvio? Meu irmão não tem muito tempo de vida, vou poupá-los de procurar pessoas, não vou me arrepender e querer ficar com o bebê, e além do mais irei está fazendo algo pelo meu irmão antes dele…dele… — Não consigo terminar a frase, sem que os meus olhos se enchem de água.

— Certo, já entendi. — Meu namorado pega minha mão que está em cima da mesa.

— E o que seu irmão acha?

— Ainda não falei com ele, queria comunicar você primeiro.

— Eu amo isso em você. E amo como você se importa com as pessoas a sua volta. Eu amo você Lis. — Recebo um beijo com gosto de chocolate.

— O que acha de tomarmos o sorvete antes que ele vire água. — Digo rindo.

Vou conseguir, e estou tão feliz com isso.

Tomamos nosso sorvete e a primeira coisa que faço quando chego em casa é contar a novidade para o meu irmão, a princípio, acha que estou louca, mas então aceita e combinamos de segunda-feira irmos ao ginecologista para começar o processo de fertilização in vitro.