Antes de dormir, toda noite, em meio àquele quarto vazio, sem luz, sem nada, apenas eu e as quatro paredes que me pressionam e me espremem me fazendo agora ter esses tipos de pensamentos.
Quando enfim resolvo deitar, eu rolo em minha cama, não consigo dormir, me sinto incomodada e tudo que está ao redor se torna distrativo aos meus olhos. Fico olhando o ponteiro do relógio avançar os segundos, passar os minutos e encontrar as horas, enquanto tudo isso acontece, o tempo passa despercebido, desdenhoso e injuriado, não diz nada, mas ainda sim o noto por que estou acompanhando-o, seguindo-o.
Lá pelas 5 da manhã quando percebo que dormir se tornará inútil eu me ergo, me sento ainda na cama e fico ali, agora a olhar pro espelho, observando aquela figura, uma figura estranha aos meus olhos, mas ao mesmo tempo conhecida, que me encara de volta, e aos poucos me devora, com aqueles olhos ferozes, e sua imagem hostil, eu me sinto estranha, quero vomitar, mas logo esse nojo passa, pois aí a reconheço e me vejo nela... não, na verdade não, vejo como me transformaram nela, e isso aos meus olhos é aceitável. Por que? Porque senão eu teria que matá-la... um autoassasinato eu acho... mas prefiro desejar matar outras pessoas…
Estava escuro, chovia, o vento soprava forte, e os raios assustavam as vacas no pasto... e eu? … eu estava a me balançar em um pneu preso a uma árvore. Indo e vindo enquanto percebia as coisas ao redor. Eu lembro do som que o ir e vir do balanço fazia, estalando, indo e vindo, estalando...
Lembro também do barulho da chuva caindo sobre as folhas e lembro de uma casa, uma enorme casa. Eu lembro de sair do balanço, lembro de andar em direção a casa, lembro da lama formada pela chuva em meus pés... e lembro daquele grito, aquele único grito que por um segundo parou tudo ao meu redor, até a chuva voltar violentamente e eu me dar conta do que acontecia.
Estava paralisada, mas precisava ver o que tinha acontecido, precisava ver se eles estavam bem, e mesmo com o arrepio ainda percorrendo meu corpo, andei até o local do grito, subi as escadas e assim que cheguei até a porta do quarto eu parei e tentei ouvi alguma coisa vindo de dentro, mas estava estranhamente silencioso. Assim que encostei demais na porta ela rangeu e se abriu lentamente, estava escuro, as janelas estavam fechadas e o chão parecia molhado. Demorei um pouco pra acender uma vela e quando o fiz, assim que meus olhos tiveram contato com aquilo, lágrimas começaram a automaticamente escorrer, eu me senti tonta e caí de joelhos junto da vela que se apagava.
Enquanto eu olhava por todo o quarto, por todos os lados, vendo os frames clareados pelos raios que caiam, não conseguindo parar de chorar, comecei a repetir descontroladamente.
-Não é real, não é real, não é real, isso não é real, não pode ser…
Dizia com todas as forças do meu corpo, desejava até minha voz se esvair que não fosse real, aquilo que eu estava vendo, aquilo que eu sentia, nada daquilo podia ser real, não podia, não podia... eu olhei mais uma vez e repetidamente comecei a bater meus punhos sobre o chão enquanto chorava, enquanto pedia que não fosse real, não podia ser, não podia... e cada vez que o fazia minhas mãos pareciam doer mais e mais e mais.
Quando olhei para minhas mãos me dei conta de que não importava quantas vezes eu pedisse, quantas vezes eu implorasse, quantas lágrimas eu derramasse, aquilo era real. Minhas mãos estavam todas sujas de um líquido vermelho, eu estava ajoelhada no chão do quarto sobre uma poça imensa de sangue, e no sofá, bem ali, bem à minha frente, todos eles, toda minha família, eles estavam ….
Era doloroso e agonizante continuar vendo aquela coisa, todos eles, eu não conseguia mais, não conseguia, não dava pra continuar naquele quarto, a cada segundo que passava eu queria sair correndo, queria poder correr pra longe dali, então me levantei e saí do quarto...
Senti uma sensação de desconforto, uma bomba de sentimentos tinha acabado de explodir sobre mim e sentir cada um deles ao mesmo tempo estava acabando comigo. Eu ainda estava em choque enquanto andava pelos corredores, e um vento gelado soprava as cortinas, passava por mim e mexia as portas entreabertas dos outros quartos.
Estava escuro, a única luz no ambiente era de velas em alguns cantos do corredor, que logo foram apagadas pelo vento. Eu ainda não tinha aceitado aquilo, não dava pra aceitar. Continuei a andar meio tonta indo em direção a uma das velas que ainda estava acesa, ali eu me sentei e encolhida mais uma vez chorei, minhas lágrimas escorriam pelos meus olhos e caiam sobre o chão gelado de madeira, chorei por alguns minutos, enquanto várias coisas passavam pela minha cabeça, momentos com eles, com cada um deles, datas importantes, conquistas, sonhos compartilhados, eu suspirei bem fundo e pensei por um segundo no rosto de cada um, e aquela imagem atormentadora e frustrante vinha a minha cabeça todas as vezes que eu o fazia, eu me debati, soquei o que estava ao meu redor, tudo isso pra esquecer, esquecer aquela dor, aquela cena, aquele único momento, eu não queria mais voltar lá, não queria continuar ali, não podia mais, não podia!
Agarrei com força os meus cabelos e naquele instante minhas últimas lágrimas cairam, não enxuguei o rosto, apenas me levantei, fui até aquele quarto e fechei a porta, e mais uma vez aquele vento gélido invadiu o corredor enquanto agitava as cortinas, me aproximei para fechar a janela e me dei conta da lua enorme e brilhante que ocupava quase toda a vista do céu, continuei a olhar por alguns segundos, quando mais uma vez o vento invadiu pela janela, o céu estava escuro e a chuva batia fortemente no telhado fazendo um barulho calmo e ao mesmo tempo irritante. Pensei em sair correndo dali, pensei em pegar o carro, pegar minhas coisas e desaparecer, mas algo me segurou, algo me prendeu ali, não sei bem o que e não entendo essa parte da memória.
Assim que fechei a janela, andei pela casa, com passos calmos fui de sala a sala, ainda estava escuro e silencioso só sendo possível ouvir o barulho da chuva, então só tentei desviar os pensamentos e ocupei um dos muitos quartos daquela casa, tranquei as portas com o que achei por ali e subi na cama. Eu ainda estava toda suja mas não conseguia fazer nada, eu só queria dormir e acorda como se tudo aquilo tivesse sido um sonho, era tudo o que eu desejava, mas a noite foi longa.
Raios traçaram os céus iluminando partes do quarto, eu me revirava sobre a cama com aquela imagem na minha cabeça, chorava, sentia o frio ainda coberta pelos lençóis, sentia temor, e angústia, as paredes do quarto pareciam ser pequenas demais, o teto parecia cair sobre mim e o chão parecia gelo.
Não tinha luz no quarto, a única vinha de fora dos raios , e eu fiquei ali imóvel enquanto olhava para janela, eu estava profundamente perdida nos meus pensamentos quando me levantei e fui até a janela, a abrir… e um vento forte inundou o quarto, ainda estava chovendo, as árvores ao redor do castelo sacudiam ferozmente com sua aparência seca.
Enquanto tentava me distrair foi quando ouvi uma batida a porta, quem podia ser? Foi a pergunta que me atormentou, mas um pingo de esperança me fez ir em sua direção, e foi quando ouvi aquela voz, me afastei lentamente enquanto a maçaneta era movida de um lado para o outro, e as batidas ficaram contínuas, me afastei o máximo que pude esbarrando na parede gélida e áspera, até eu ouvi de novo a voz :
- Lisa?!
- Lisa?!
Era familiar e reconfortante ouvi-la, podia ser qualquer pessoa, mas eu sentir no momento em que a ouvi, era a voz da minha mãe, então corri na direção e tentei abri a porta enquanto ela continuava a chamar - Lisa, Lisa, Lisa, Lisa, - A porta não queria abrir, a maçaneta rodava e rodava mas nada, e a voz tinha se tornado trêmula e aguda.
- Lisa , Lisa , Lisa ...
Eu tentei com todas as forças abrir a porta, mas nada, e agora eu ouvia em sincronia a voz do meu pai e da minha mãe - Lisa, Lisa, Lisa, Lisa, Lisa - Eu me afastei até a parede contrária e com todas as forças bati contra a porta fazendo ela despencar sobre o chão com um barulho alto e abafado, nisso eu não os escutava mais, não tinha ninguém ali, ninguém…
Olhei todos os quartos mais uma vez, fui em todas as salas , e quando não tive mais escolhas, fui lentamente até o quarto deles, porém quando cheguei a porta eu hesitei, minhas pernas e mãos não se mexiam, meu corpo estava paralisado, eu realmente não queria mais ver aquilo, não queria sentir aquilo outra vez, mas naquele momento eu precisava ver, precisava ter certeza, então fechei os olhos, rangi os dentes e a abrir bruscamente, ao mesmo tempo um raio traçou o céu silenciosamente iluminando o quarto e me dando mais uma vez aquela visão que eu tentará apagar da minha mente, assim que a vi, corri de volta ao meu quarto, entrei embaixo das cobertas e enquanto eu tremia fechei os olhos e silenciosamente comecei a chorar.
O tempo foi passando e quanto mais passava a chuva parecia mais forte, os raios e trovões mais ferozes, e a dor que eu sentia no peito mais agonizante, mas com o tempo e sem perceber… eu peguei no sono
De manhã ...
Eu estava dormindo profundamente quando algo pareceu pingar em mim. uma goteira que lentamente derramava gota por gota na minha testa me fez acordar. Já estava de manhã, podiam ser mais ou menos sete da manhã, mas eu não sabia e não importava mais, eu queria continuar deitada, queria voltar a dormir e ir pra um lugar onde o que aconteceu não tivesse acontecido, ou queria poder levantar e encarar isso como uma pessoa forte, mas eu não conseguia, talvez ninguém conseguisse ser forte em um momento como esse, a única coisa que eu conseguia fazer era não chorar mais.
Agarrei o meu travesseiro e o abracei, era confortável e o mais próximo do afeto de outra pessoa, talvez fosse tudo o que eu precisasse no momento, por isso continuei deitada coberta com aqueles lençóis agora vermelhos, devo ter ficado ali por mais ou menos três horas enquanto observa atentamente o teto, estava mergulhada em um mar de pensamentos, revivendo cada cena e cada detalhe a todo instante.
Quando enfim me senti a ponto de chorar outra vez, me levantei e fui até a janela, uma brisa refrescante soprou o meu rosto enquanto o sol entre as nuvens iluminava a janela, fiquei ali por alguns segundos perdida mais uma vez na noite passada, mas não dava pra continuar assim, eu tinha me resolvido, eu não podia só lamentar e demonstrar o quão fraca eu era, eu tinha que fazer alguma coisa, tinha algo de estranho, lembrei do carro no jardim, lembrei das chaves e pela primeira vez consegui sair da casa.
Fui até o carro ( tive sorte de ter ficado com as chaves ) peguei roupas limpas e voltei àquela casa, algo ainda me prendia a ela. Não demorou muito até eu achar um chuveiro que funciona-se, tirei as roupas sujas de sangue e entrei embaixo da água, me olhei naquele espelho embaçado enquanto passava a mãe tentando limpá-lo, meu rosto expressava tamanha agonia que até eu fui capaz de perceber que o meu estado não era dos melhores, isso me fez imediatamente desviar o olhar e enquanto a água caia eu chorei, derramei todas as lágrimas que não pude derramar, disse tudo o que sentia a mim mesma, e no fim, me senti um pouco melhor.
A água estava gelada mas eu só ignorei enquanto lavava meus cabelos, tentei tirar aquele odor de sangue enquanto observava a água cair sobre mim incolor e parar no chão avermelhada, o que me fazia muitas vezes me lembra daquilo.
Assim que terminei o banho, vesti as roupas limpas, voltei ao carro e fiquei lá por alguns segundos olhando a floresta ao horizonte. Pensei em tentar dirigir, mas o carro não ligava, tentei diversas vezes, até me irritar e desistir. As duas da tarde, resolvi voltar à casa mas aquele ambiente me destruía, uma sensação estranha percorria o meu corpo e eu queria ficar ali, queria correr para o quarto e deitar, queria viver tudo de novo e comprovar o que tinha acontecido, porém enquanto eu estava olhando para a casa, pensei ouvir uma coisa, me afastei e olhei ao redor, mas nada, então me aproximei e ouvi outra vez, era uma voz, o de uma criança, parecia ser uma criança chorando, demorei um pouco pra entender, mas quando pensei na Betty ( era como eu chamava a Elizabeth, minha irmã) eu recuei, recuei enquanto eu falava me perguntando.
- Por que eu tenho que sofrer mais, por que eu, por que logo eu, e se eu não aguentar tamanha dor, e se eu resolver desistir de mim mesma!!. - eu dizia enquanto involuntariamente as lágrimas escorriam.
- O que eu fiz pra ter que sofrer tanto !!!! - eu gritei repetidas vezes até ficar rouca.
- O'Que eu fiz ... pra ter que sofrer tanto....
Eu podia simplesmente sair correndo, podia abandonar aquele lugar, podia entrar no carro e continuar tentando ligá-lo, mas as coisas não eram tão simples, nada é tão simples. E mais uma vez a ouvi, dessa vez ela gritava alto chamando por mim - lis! lis! lis!! - eu me afastei mais, e entrei dentro do carro enquanto tentava tampar os ouvidos, minhas mãos pareciam queimar enquanto eu o fazia, e a vós dela ficava cada vez mais alta ecoando pela minha cabeça... - lis! lis! lis! lis! lis!! - repetidas e repetidas vezes eu a ouvia...
-... eu não aguento mais !! ... - eu falava enquanto chutava o inteiro do carro. - ... eu quero sair daqui !! ... eu quero que essa dor pare !!.... alguém faz isso parar ... aaaaa !!! - eu dizia, gritava, chorava...
Ela para de falar, ou melhor eu parei de falar, o olhei e ele ainda estava me olhando, me encarando com aqueles olhos sem expressão, esperando que eu continuasse, mas eu já tinha terminado.
- ... isso é tudo o que tem a dizer... senhorita LI... SA ...?
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