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A Garota Em Coma

Capitulo 1

..."Não foi preciso que você me visse, me tocasse, ou pelo menos soubesse que eu estou aqui. Foi necessário apenas você existir para que eu me apaixonasse."...

^^^-Ethan Calisto-^^^

...PROLOGO...

Ethan encarava as águas violentas que batiam contra as rochas, se caísse daquele penhasco certamente iria morrer, mas era isso que tinha em mente. Seus olhos lacrimejavam e aquela dor nunca havia sido tão forte como era agora. Mais nada o prendia neste mundo violento, então deu mais um passo ficando apenas dez centímetros de sua morte. Abriu os braços e fitou o céu lindo e azul, pode deixar escapar um sorriso antes de tomar seu ultimo impulso.

...A GAROTA SOBRE A CAMA...

Ethan despertou assustado após ter mais um sonho com um dos vários bombardeios sofridos no tempo em que serviu o exercito. Estava afastado a dois meses e mesmo assim era afetado pelas lembranças das varias mortes e chacinas que havia presenciado. Fitou o grande relógio pregado a parede perto a porta e ele marcava exatamente quatro e vinte da madrugada. Levantou-se e foi até a gaveta mais próxima procurar seus remédios, havia sido afastado de seu cargo como fuzileiro após ser diagnosticado com esquizofrenia e ter se envolvido em uma grande confusão. Depois de tomar um dos comprimidos, olhou para a cama mas havia perdido completamente o sono, talvez pela ansiedade de ir ao seu primeiro dia de trabalho. Julian, seu amigo que também serviu ao exercito, havia lhe arrumado um emprego em um hospital que ficava aos arredores das montanhas ao leste da cidade.

Ethan foi até o banheiro e ligou o chuveiro, em seguida se sentou no chão e ficou apenas sentindo a água morna tocar seu cabelo. Cada gota que batia contra sua cabeça o trazia recordações dos tiros e das bombas, havia abandonado a guerra mas pelo visto a guerra ainda não havia lhe abandonado. Horas depois estava de frente para o pequeno espelho de seu quarto arrumando a gola e as mangas de sua blusa xadrez, não estava muito elegante mas sentia-se apresentável. Aproximava-se das sete da manha quando ele trancou toda a casa e seguiu pela calçada indo em direção ao ponto de ônibus. Pode avistar cinco aviões das forças americanas cruzando os céus rumo ao horizonte. Não sentia falta alguma daquilo, lá no fundo até agradecia por ser diagnosticado com uma doença.

Ficou sentado em um banco de pedra até a chegada do ônibus, Julian havia lhe entregue o endereço em um bilhete mas mesmo assim sentia medo de se perder pois  não conhecia bem a cidade, optava por passar o tempo preso dentro de casa sendo refém de sua propria mente. Tinha medo de sair para fora e acabar ferindo alguém devido a seu ultimo surto, mas agora com o dinheiro acabando ele precisava superar suas dificuldades e seguir em frente. Não demorou muito para o ônibus chegar e ele embarcar. Sentou-se em um dos assentos no fundo e ficou encarando a janela, apenas fitando todas as pessoas que via pela viagem. Desde que se lembrava sempre esteve sozinho, a guerra que o criou também havia retirado tudo e todos de sua vida. Meia hora depois ele deu sinal para que o motorista parasse o ônibus, desceu em uma rua suja e olhou em todas as direções. Retirou o bilhete de seu bolso e o meu novamente para confirmar se havia desembarcado no lugar certo.

Andou pela rua até chegar em uma área mais deserta com bem poucas casas e estabelecimentos, por ali parecia haver mais natureza do que civilização, o que deixava tudo mais lindo aos seus olhos. Logo pode avistar o maior prédio da redondeza com alguns letreiros no topo, para sua sorte havia encontrado o hospital sem muita dificuldades. Agora era rezar para que ocorresse tudo de acordo com o plano. Por ali haviam algumas pessoas que andavam de um lado para o outro, também notou algumas crianças que brincavam perto a uma pequena fonte. Passou pela entrada do hospital e deu de frente com um senhor de idade que andava sem prestar atenção no caminho.

— Desculpe, senhor — pediu Ethan.

— Olhe por onde anda — reclamou o homem seguindo seu caminho.

Ethan ficou sem entender nada. A sua esquerda havia uma pequena fila e esta levava até a recepção. Ficou atrás de um senhora que usava uma blusa felpuda avermelhada, possuia cabelos loiros e um jeito sofisticado de olhar. Ela o fitou por cima dos ombros.

— Um rapaz tão jovem procurando auxilio medico?

— Na verdade estou procurando emprego — ele sorriu — e não sou tão jovem, já tenho vinte e sete anos. Bom, farei em duas semanas.

— Me parece bem forte, deveria procurar em um lugar que pague melhor — ela deu um sorriso amigável, Ethan preferiu não mencionar sua doença, apesar dela não o afetar tanto como nos casos normais ele sempre escolhia não falar sobre o assunto.

Quando chegou sua vez de ser atendido, a recepcionista que parecia bem ranzinza encarou suas mãos vazias.

— Onde está sua senha?

— Eu sou o novo empregado aqui no hospital.

— Hm, e já assinou tudo?

— Sim, meu amigo Julian me enviou os papeis e eu os entreguei pelo correio.

— Seu nome?

— Ethan.

Ela o encarou mais uma vez.

— Completo.

— O que?

— O nome.

— Ethan Magnólios Calisto.

Ela vasculhou as dezenas de papeis dentro de uma caixa e a demora deixou Ethan impaciente, com medo de ter enviado os documentos errados.

— Sim, está aqui — ela se levantou e rodeou a bancada da recepção — me siga.

Ele a seguiu por alguns corredores e pararam de frente a uma porta. Ela a abriu e lá dentro havia alguns armários de metal. Abriu um deles e entregou a Ethan seu uniforme.

— Você ficara responsável pela limpeza dos quartos 4B-1, 8B-9, AF-2 e os corredores 1 e 2. Seus equipamentos de limpeza estão todos aqui, vassoura, panos, produtos — ela virou-se para ele— você sabe limpar alguma coisa?

— Sim, fui responsável pela limpeza de alguns quartéis antes de me tornar um fuzileiro.

— Veremos, preciso repetir seus locais de trabalho?

— Não.

— Tem certeza?

— 4B-1, 8B-9, AF-2, corredores 1 e 2.

— Então não demore e comece logo.

Após se vestir, Ethan pegou o que precisava e começou seu trabalho, pensava que seria fácil mas as pessoas que iam e vinham sujavam todo o corredor e ele retomava a limpar. Seus dois primeiros quartos estavam sem nenhum paciente, o que facilitou ainda mais. Após limpa-los, subiu algumas escadas no fim do corredor que levavam ao andar de cima. Lá procurou pelo quarto AF-2 e este estava fechado. Abriu a porta devagar e entrou, sobre a cama havia uma jovem loira desacordada com alguns equipamentos e tubos ligados ao seu corpo. Tropeçou em um carrinho velho que estava jogado pelo chão e deixou a vassoura cair, fazendo muito barulho. Encarou a jovem rezando para que não acordasse e para sua sorte ela nem se mexeu.

Ethan começou a limpar o quarto e tentou fazer o minimo de barulho possível, antes de fechar a porta olhou para a mulher e esta parecia estar em um sono profundo. Alguns raios de sol entravam pela janela aberta e batiam diretamente em seu rosto. Ethan escorou a vassoura e andou até a janela, em seguida a fechou para que o sol não incomodasse o sono daquela paciente. Fechou a porta e começou a limpar todo o corredor 2, estava feliz por finamente se encaixar em algo. Ao fim da tarde terminou seu horário, então trocou de roupa e deixou o hospital. O sol se escondia atrás das montanhas e ali fora não estava mais tão movimentado como antes, quase não havia pessoas e um silêncio agradável tomava conta de tudo. Fez o mesmo trajeto até o ponto de ônibus e o esperou, em menos de dez minutos já encontrava-se dentro do veículo público.

Quando chegou em casa foi direto para a cozinha fazer algo para comer, em seguida tomou seus remédios e ficou escutando tudo que diziam no pequeno radio em seu quarto, esse era um de seus passatempos preferidos. O dia apesar de ter sido normal também foi muito cansativo então jogou-se na cama e acabou pegando no sono, mas não sem antes ajustar o despertador.

Capitulo 2

Uma semana depois

Ethan levantou-se da cama após ser acordado pelo despertador e foi se arrumar ainda com cara de sono. Seguiu a mesma rotina diária e ao chegar no hospital vestiu seu uniforme, decidiu que desta vez começaria a limpeza pelo segundo andar já que era o mais fácil. Empurrou a porta do quarto AF e por mais uma vez a bela jovem ainda dormia.

— Você tem uma vida muito boa, sabia? — foi em direção as janelas que desta vez estavam fechadas e as abriu — estou nesse emprego a uma semana e sempre que venho aqui arrumar o quarto você está tirando um cochilo. Ethan começou a varrer a poeira que havia se acumulado no chão mas quando foi se virar acabou tropeçando, desta vez foi no próprio pé e quase caiu se não tivesse segurado-se na cama.

— Inferno — reclamou, fitando a mulher para ver se havia lhe acordado, ela aida estava de olhos fechados mas parecia dar um leve sorriso - Disso você sorri né? - Se aproximou da cama e cruzou os braços — não precisa fingir que esta dormindo, te vi sorrindo. Eu acho. Ele começou a balançar a mulher tentando faze-la confessar.

— Vai ser assim? Espere um pouco ai — andou para fora do quarto onde havia deixado um balde preto com alguns objetos de limpeza, revirou tudo até encontrar o que procurava, um pequeno espanador.

Andou até a mulher e passou o objeto em seu rosto na intenção de fazer cócegas, mas ela não reagiu a isso.

— Eu ganhei uma medalha como um dos melhores fuzileiros, mas você merece muitas de melhor atriz. Agora é serio, pare de fingir que está dormindo só por que estou aqui, não sou tão chato assim.

Ele voltou a balançar a jovem, queria a todo custo que ela abrisse os olhos mas finalmente se deu conta de que alguma coisa estava errada, saiu as pressas do quarto e se dirigiu até a recepção.

— Temos um problema no quarto AF, aquela mulher precisa agora mesmo de cuidados médicos.

— Por que? Houve alguma coisa?

— Sim, ela não está se mexendo e nem respondendo, vai fazer uma semana que estou aqui e ela nem se quer abriu os olhos.

A recepcionista o encarou com seu típico olhar frio e por mais uma vez procurou algo entre as papeladas, pegou duas pequenas folhas amassadas e o entregou.

— Veja — ele pegou e começou a ler:

*Ficha do paciente*

Nome: Elizabeth Watson

Idade: 25 anos

Responsável pelos diagnósticos: Doutor Grumes

Estado atual: Comatoso

— Comatoso?

— Sim, está em coma a cerca de dois meses.

Ethan analisou a segunda ficha da mulher.

— Eu...— Seu semblante mudou completamente.

— Mas isso é temporário já que irão desligar os aparelhos em cinco meses.

— Mas se fizerem isso ela irá morrer.

— Essa é a intenção, não gostamos nada disso mas é a solução mais racional.

— E a família dela?

— O namorado não veio mais visita-la e a avó é paraplégica. Quase não aparece por aqui. Mesmo por que elas não tinham um afeto tão forte de avó e neta. Família complicada.

— Mesmo assim a avó dela precisaria assinar algo permitindo a desligamento dos aparelhos, estou certo?

— Sim e estes já foram assinados. O veredito foi dado Ethan, não é algo que nos orgulhamos mas os custos são muito altos com um paciente assim. A avó dela gastou muito e agora não tem mais como continuar pagando, ela ainda está viva devido aos fundos do hospital mas isso se encerrará em exatamente cinco meses.

Ethan largou os papeis sobre a bancada e voltou ao corredor 2 onde havia deixado suas coisas, lá fitou a mulher e se aproximou dela. Levou a mão até o cobertor que a cobria e puxou lentamente revelando mais tubos de alimentação ligados a moça. Os seguiu e rodeou a cama, alguns outros aparelhos estavam em baixo dela. Ficou ali olhando o belo rosto inocente de alguém que em poucos meses deixaria de existir, mesmo que não a conhecesse, não aceitava o fato de que iriam desistir de uma vida, uma vida que estava lutando por dentro para se recuperar.

Horas depois

Ethan deitou-se na cama e ficou fitando o teto enquanto se deixava levar pelos acontecimentos do dia. Pensava em como seria ruim estar no lugar daquela jovem em coma, ou até mesmo como seria bom apenas fechar os olhos e entrar em um sono eterno. Era torturado também pelas varias vozes que sempre ouvia antes de dormir, as vozes que um dia havia escutado. Sabia que aquilo eram um dos sintomas de sua doença então fechou os olhos e se concentrou em uma única imagem que se projetava em sua cabeça.

Uma bela arvore no centro de um pasto verde, o vento batia contra ela e fazia algumas folhas voarem para longe assim como sua mente, até pegar no sono. Um menino usando calça marrom e uma blusa branca de pano fino tentava arrancar algumas cascas de uma grande árvore usando uma pedra. Uma garota aproximou-se, o fazendo parar seu ato. Ela usava um vestido azul e seus cabelos loiros estavam soltos

— Quem é você?

— Elizabeth, e você?

— Ethan, Ethan da fazenda — a garotinha sorriu.

— Ethan da fazenda? Que nome engraçado.

— Me chamam assim, eu moro lá — ele se virou e apontou para uma grande casa, ao se voltar para frente a garotinha estava deitada sobre o chão, desacordada — Elizabeth?

Ao olhar em volta tudo estava repleto de lápides e grandes aviões cortaram o silêncio do local lançando suas varias bombas catastróficas que abriam grandes lacunas ao colidirem com o chão. Ethan acordou assustado com o despertador tocando, ele estava suando, mas havia se acostumado com tudo aquilo. Tomou seus remédios e se arrumou para mais um dia de trabalho. Ao chegar no hospital espantou-se ao ver que estava praticamente vazio, não haviam pessoas e nenhum enfermeiro por ali.

— Onde está todo mundo? — perguntou aproximando-se da recepção.

— É feriado, não sabe?

— Não sou muito de contar os feriados, a propósito, qual é seu nome? Ou devo te chamar de ranzinza?

— Não se quiser continuar trabalhando.

— Acho que eu quero — Virou-se sorrindo indo em direção aos armários onde ficavam seus uniformes.

— Ethan.

— Sim - respondeu sem se virar.

— É Margareth.

— Ótimo.

Após trocar de roupa, limpou todo o corredor e estava feliz por não ter ninguém por ali o atrapalhando. Arrumou todos os dois quartos e subiu para o segundo andar. Lavou o corredor e enquanto ele secava foi arrumar o quarto de Elizabeth, entrou e fitou seu lindo rosto sonolento.

— Bom dia — disse indo em direção a janela e abrindo-a, trazendo mais iluminação ao quarto — se você pudesse ver como o céu esta lindo lá fora.

Começou a limpar tudo e logo terminou pois a bagunça era pouca. Foi até a janela mais uma vez para poder olhar para fora, esta ficava perto a cama de Elizabeth.

— Nós dois somos quase iguais, fiquei sabendo que o seu namorado parou de vir a um mês e que você não tem família. Eu também não tenho, não mais, também tenho uma doença que as vezes me faz escutar e ver coisas. Mas é bem raro de acontecer, meu medico disse que eu preciso me abrir mais com as pessoas sobre isso. Conversar para que a doença fique cada vez mais escondida dentro de mim, mas eu não gosto muito de conversar, prefiro ficar sozinho. Você nem pode me ouvir né - ele a encarou — falar sobre isso com você é bem irracional, mas idai, eu sou doente mesmo — ele riu lembrando-se da própria desgraça.

Ethan pegou uma cadeira que estava no canto do quarto e colocou ao lado da cama, se sentou e ficou fitando o lado de fora pela janela mais uma vez.

— Essas montanhas me lembram do meu passado, não que eu me orgulhe dele. Vamos fazer um trato? Se você acordar antes desses cinco meses acabarem eu te levo para ver uma linda arvore na minha cidade natal. Eu nem sei se você aceitaria isso mas seria melhor do que morrer sem ter a chance de escolha. Eu não te conheço e sei que não deve me escutar, mas não quero que morra ai nesse estado, já vi muitas mortes e tomei trauma disso. Muitas coisas ruins que guardo só para mim, posso mudar nosso trato? Eu te conto tudo o que tem guardado dentro de mim e quando eu terminar você tem que prometer que ira abrir os olhos e se levantar dai. Mesmo que não saiba quem sou e que não se lembre do trato. Eu preciso conversar, como disse o medico e você precisa acordar, até que formamos uma bela dupla.

— Ethan, o que faz sentado ai? — perguntou Margareth o olhando da porta

— Estava esperando o chão secar e aproveitei para conversar com ela, talvez ela escute apesar de não poder escolher entre viver e morrer, afinal vocês já fizeram isso para ela.

— Que seja então, quem sabe ela não acorde com essa sua falação insuportável — foi a primeira vez que ele viu Margareth sorrir, ela voltou a andar pelos corredores checando tudo já que não havia muita coisa para se fazer no feriado.

— Aquela é a recepcionista, Margareth, ela tem esse jeito de ogro mas com certeza deve ter um bom coração, de ogro, mas tem. Não conte isso a ela, será o nosso segredinho. Sabe a arvore que eu mencionei antes, você ia adorar vê-la já que mulheres gostam dessas coisas. Ela é linda, assim como você " ele ficou tímido ao dizer essas palavras mesmo sabendo que ela não o escutava, ou talvez até escutasse - vou te contar algumas partes da minha vida e quando eu terminar você vai se levantar e se quiser, pode me contar a sua.

Capitulo 3

...O ORFANATO ...

Eu ainda consigo me lembrar de cada rua feita da terra marrom por onde eu corria segurando a alça de um balde branco, dentro dele haviam três litros de leite. Naquela época eu estava com nove anos e já era bem prestativo nos negócios da família, eramos fazendeiros e vendiamos os nossos produtos em uma vila perto a nossa fazenda. Era tudo bem organizado, os pequenos comércios, os vendedores ambulantes e as moradias, a maioria feita de madeira. Eu já entregava os produtos a um bom tempo então não corria o risco de me perder e nem de errar os endereços. Eram quase sempre os mesmos, a senhora Almeida, esta sempre estava sorrindo e na maioria das vezes me dava um de seus deliciosos doces de coco.

Will, este era um dos poucos comerciantes e estava sempre de mal humor. As irmas Grimes, eram gêmeas e moravam sozinhas em um pequeno bangalô, na época eu não entendia o por que tantos homens entravam e saiam daquele lugar. Após entregar tudo eu sempre ouvia a mesma coisa "Obrigado, Ethan da fazenda", recolhia o dinheiro e voltava da mesma maneira que havia ido, correndo. Uma vez ou outra minha boina caía devido a minha pressa mas eu nunca a perdia, meu avô havia me dado antes de se mudar para longe. Caminhava sempre seguindo uma trilha de terra no meio de um grande pasto verde até chegar em minha casa, na porta avistei minha mae segurando meu pequeno irmão no colo, seu nome era Nolan e ele tinha uma fome insaciável por leite.

— Que bom que já voltou, tem queijo em cima a mesa mas não coma tudo.

— Mãe, as irmãs Grimes, por que tantos homens as visitam? Elas são curandeiras?

Não entendi o motivo que levou minha mãe a rir de uma pergunta tão inocente, ela apenas me respondeu fazendo um gesto para que eu adentrasse na casa. Após comer um pedaço daquele queijo caseiro fui cuidar das ovelhas e dos porcos enquanto meu pai ainda estava fora. Sempre que era possível ele nos levava até a grande árvore que ficava a alguns metros no pasto atrás da casa e nos contava suas histórias. Dizia que aquela arvore estava no centro do planeta, ele a chamava de a arvore no centro de tudo.Naquela mesma tarde nos reunimos perto a ela, minha mãe cobriu a grama onde estávamos com um lençol azulado e ficamos ali apenas observando o horizonte. Estávamos em cinco, eu, meu irmão mais velho, meus pais e o bebê que sempre estava a mamar. Meu pai falava sobre as batalhas da vida e como minha mãe havia sido essencial em suas conquistas, foi ai que se beijaram, aquele beijo, aquele ultimo beijo que eu veria das pessoas que eu amava. Me levantei e me aproximei da arvore para arrancar uma de suas lascas, eu sempre fazia aquilo.

...*** ...

Ethan ficou em silencio encarando Elizabeth, não havia reparado como o contorno de seu rosto era tão bem feito, mas não foi isso que o fez parar de falar e sim as lembranças começando a se tornar ruins em sua mente. Se debruçou sobre Elizabeth e arrumou seu travesseiro, em seguida seus lençóis. Um pouco da luz do sol tocava seu rosto mas ele decidiu não fechar a janela, era como se sentisse que ela pedisse isso "Não feche, deixe aberta, o dia esta incrível". Voltou a se sentar e seu olhar ficou perdido no meio do nada por alguns segundos.

— Essa é a parte que dá sequência a todos os outros acontecimentos da minha vida e você será a terceira pessoa para quem eu conto isso. Uma delas foi o tenente Edgar, e olha que nos odiavamos, mas ainda não chegou a hora de falar dele.

...*** ...

Quando toquei aquela grande árvore senti uma dor insuportável nas costas, algo atravessou meu corpo e bateu contra a madeira solida da arvore a minha frente. "Mamãe" foram minhas ultimas palavras antes de tudo ficar escuro e meu corpo cair sobre a grama.

...*** ...

Ethan foi interrompido por duas enfermeiras que adentraram no quarto.

— Você é? — perguntou uma delas enquanto a outra rodeava a cama indo checar os aparelhos.

— Ethan, sou responsável pela limpeza deste quarto e como já terminei tudo estou apenas contando uma de minhas histórias para Elizabeth.

— A conhecia?

— Sim... Bom, na verdade não.

— E por que está contando sua vida a ela?

— Não quero que os últimos meses dela sejam monótonos, ela me escuta?

— Alguns estudos sobre pacientes assim indicam que sim, eles escutam mas não possuem a capacidade de processar e se lembrar de tudo que ouviram enquanto estavam nesse estado. Terei que pedir para dar licença e fechar a porta, temos que cuidar dela.

— Sim — ele se retirou e fechou a porta, escorou-se do lado de fora e olhou para o teto branco, agora tinha a certeza de que ela o escutava, não estava contando sua vida para alguem que não o entendesse, talvez não devesse continuar a se lembrar das coisas ruins que o cercaram por toda a vida. Ou talvez simplesmente se abrir para mais uma pessoa o ajudasse a se livrar de todo aquele peso em seu peito. Ethan andou pelos corredores a procura de algo para limpar mas não encontrou nada. Minutos depois as enfermeiras deixaram o quarto e ele as observou descer as escadas rumo ao primeiro andar. Ethan voltou ao quarto e se sentou novamente na cadeira, fitou a janela aberta notando alguns pássaros voando no céu do horizonte, em seguida olhou Elizabeth pelo canto de sua visão.

— Você tem cara de burguesa, sabe, aquelas mulheres bem sucedidas que compram e tem o que desejam. Mas creio que não seja assim, Margareth não me falou muito sobre você, apenas sobre a falta de dinheiro para pagar os custos com seu tratamento. Continuando...

...*** ...

Quando eu abri os olhos minha visão estava embaçada, apenas conseguia ver um borrão branco. Na mesma da hora pude escutar algumas vozes mas não entendia o que estavam dizendo. Meu corpo ficou imóvel enquanto me recordava dos últimos acontecimentos antes de desmaiar, apenas me lembrava de olhar a grande árvore. Não demorou muito para que eu conseguisse enxergar normalmente, o borrão branco que eu via antes agora estava bem nítido, era o teto de algum lugar. Lentamente e com muita dificuldade me levantei e fiquei sentado na cama. Um homem usando roupas brancas aproximou-se de mim.

— Você é mais forte do que pensavamos — Ele se abaixou e direcionou uma pequena lanterna nos meus olhos, como aquilo era irritante.

— consegue seguir a luz?— voltou a repetir alguns gestos com a lanterna — consegue se mexer?

— Onde estão os meus pais?— perguntei olhando em volta, ao mexer meu corpo mais uma vez notei que por baixo da minha blusa havia algumas faixas, mas também pude perceber que aquelas roupas não eram as minhas.

— Você não tem pais.

— Eu tenho.

— Não mais, você foi encontrado sozinho sangrando em uma cidade vizinha, ficou desacordado por duas semanas e já que acordou será  levado para um orfanato ao anoitecer. Se lembra de algo?

— Estava com meus pais e meus irmãos, depois tudo ficou escuro.

— Você foi atingido por uma bala, sair vivo foi um milagre, já vi adultos morrerem com aquele ferimento mas você conseguiu se recuperar.

— Meus pais.

— Você não tem mais pais garoto, conforme-se, agora fique ai até a hora deles te buscarem, e calado.

A única coisa que pude fazer após aquele homem deixar o quarto foi chorar, eu queria os meus país, eu precisava deles. Desci da cama com dificuldades e andei até a porta, estava trancada e tive que me afastar ao ver a maçaneta girando. Uma mulher usando um uniforme de enfermeira abriu a porta e ela segurava um prato de alumínio, ou uma tampa, não sei bem. Sobre ela havia arroz e um pedaço de carne.

— Hora de comer — Ela jogou aquilo sobre mim e em seguida fechou a porta, a trancando novamente. Estava com muita fome então peguei a carne que havia caído sobre o chão e comecei a comer.

Não entendi o por que dela ter feito aquilo. Não pude segurar a vontade de chorar outra vez e tempos depois o mesmo homem de antes adentrou novamente no quarto.

— Hora de te apresentar a sua nova família — Ele segurou meu braço e me levou para fora dali, andamos por um longo corredor e aquele lugar não se parecia nada com um hospital, estava tomado por um silêncio muito estranho.

Descemos algumas escadas até chegar em uma ala enorme onde havia varias outras crianças, algumas até mais novas que eu, todas estavam viradas para uma parede de cabeças baixas e usavam uma roupa clara parecida com a minha.

— Aqui está sua nova família — Ele me empurrou para perto de um dos garotos e acabei me esbarrando nele, este se manteve da mesma maneira, virado para a parede de cabeça baixa.

— Eu quero ir pra casa.

Aquele homem me olhou e sorriu, em seguida deixou o lugar e quando tentei sair dali a garoto ao meu lado segurou minha mão me impedindo.

— Nao faça isso, eles vão te torturar.

— Quero minha família.

— Apenas obedeça ou todos nós vamos ser punidos, abaixe a cabeça, está quase na hora do banho.

Ele sussurrou para mim como se estivesse com medo de que mais alguém escutasse, eu simplesmente não entendia nada do que estava acontecendo naquele lugar.

— Eu não quero ir para um orfanato.

— Você já esta em um.

NOTA DO AUTOR:

Sempre que o personagem for contar a sua história, irá aparecer os três pontinhos. (***) usarei isso para separar o passado do presente.

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