Renata acordou animada naquela manhã, era o primeiro dia de aulas do semestre e ela começaria a estagiar. Ela cursa faculdade de direito à noite e o seu maior desejo, ultimamente era começar a trabalhar. Nada lhe faltava, não era por dinheiro. Filha de um conceituado médico na cidade, Renata sempre teve do bom e do melhor, mas seu desejo por independência falava mais alto. Sabia que poderia conquistar os seus sonhos com ajuda ou pelos seus próprios méritos.
Ela levantou e foi até a janela abrir as cortinas para sentir o sol no rosto. Ficou ali por uns minutos e, em seguida, foi ao banheiro fazer a sua higiene e descer para o café da manhã.
Na sala de jantar, Marisa se preparava para sentar-se à mesa ao lado do seu marido, o Dr. César Champagnat e da sua filha, Aline. Marisa não era mãe de Renata nem Eduardo, ambos eram filhos do primeiro casamento de César que ficou viúvo quando os dois ainda eram bem pequenos. Ele conheceu Marisa um ano depois do falecimento de Heleonora, logo se apaixonaram e se casaram.
Marisa sempre tratou muito bem as duas crianças e cuidou delas como se fossem suas. Renata e Eduardo nutriam sentimentos de muito amor e respeito pela mulher que entrou nas suas vidas e deu-lhes carinho, amor e cuidado na ausência da sua mãe. Os dois cresceram e continuaram a chamar Marisa de "mã", em referência ao seu papel nessa família. Anos após se casar com César, Marisa engravidou de Aline, a filha do casal e mais nova entre os três filhos do médico.
O café da manhã seguia com uma conversa trivial entre o casal e a filha mais nova:
Marisa: Essa noite você terá plantão, querido?
César: Não, meu bem. Pedi ao Jorge para me substituir essa semana. Estou estudando o caso de um paciente novo, ele tem sintomas que se confundem com o de várias doenças. Terei uma nova consulta com ele na semana que vem, então quero estar preparado.
Aline: Ebaaaaaaaaaa! Papai vai ficar em casa de noite essa semana!
Marisa: Que bom! Você tem se cansado muito com os plantões. Acha que precisa mesmo continuar fazendo plantão? Você não tem mais a mesma idade de quando começou. Rsrs
César: Eu tenho pensado sobre isso, Marisa. Estou ficando cansado mesmo e gostaria de passar mais tempo com vocês. Eduardo já saiu de casa, não demora Renata se vai também. Preciso aproveitar essa mocinha antes que ela cresça e vá bora para longe de mim. Fala apertando a bochecha de Aline.
Marisa sorriu. César era um marido e pai maravilhoso. Ela sabia da sorte que teve em conhecê-lo. Havia saído de um relacionamento abusivo, no qual sofreu todo o tipo de humilhação. Quando César apareceu na sua vida ela não imaginava que fosse se apaixonar e viver um amor tranquilo e feliz.
Renata: Bom dia, família! Renata gritou descendo as escadas indo em direção à sala de jantar.
César: Bom dia, filha.
Marisa: Bom dia, filha.
Aline: Bom dia, mana.
Renata: Estou faminta! O que temos de bom hoje para esse café, mã?
Marisa: Tudo o que você gosta, querida! Sei que hoje é um dia importante para você. Preparei o café com muito carinho.
Renata: Você é sempre a melhor! Falou dando um beijo no rosto de Marisa e em seguida sentou-se.
Os três continuaram comendo e conversando normalmente. Enquanto do outro lado da cidade, Marcelo Fazzolin desligava o alarme do celular e resmungava com sono por ter que acordar cedo naquele dia.
Marcelo levantou com muito custo. Estava com uma dor de cabeça surreal. A noite tinha sido boa: amigos e bebidas para comemorar uma causa em que o escritório de advocacia havia saído vitorioso. Ele prometeu a si mesmo nunca mais sair para comemorar vitórias no meio da semana. Marcelo sabia que era uma promessa que não iria cumprir e, apesar de estar com sono, riu sozinho de si mesmo enquanto ia para o banheiro fazer sua higiene matinal.
Marcelo era filho único de Santiago Fazzolin, um renomado advogado que há muitos anos montou um escritório de advocacia em São Paulo e que hoje é o mais renomado do país. Quando jovem, Santiago e Conrado Santorini, ambos recém formados na faculdade de direito, juntaram suas economias e abriram o escritório Santorini & Fazzolin advogados associados. Os dois mal se conheciam na época e com o passar dos anos construíram uma parceria sólida nos negócios e uma amizade duradoura.
Marcelo e o filho de Conrado, Thiago, seguiram os passos dos pais, formando-se em direito e indo trabalhar no escritório. Marcelo, ambicioso, logo se tornou advogado sênior e com o adoecimento do pai que se afastou um pouco do trabalho, assumiu a presidência do escritório. Ele e Thiago eram melhores amigos desde a infância e dividam muitos sonhos, mas Thiago nunca quis herdar o escritório do pai.
Marcelo desceu as escadas e foi tomar café na cozinha. Seus pais estavam viajando de férias e ele não fazia questão de que os funcionários da casa servissem a mesa somente para ele. Ao chegar à cozinha, encontrou Tereza, a funcionária mais antiga preparando a refeição.
Marcelo: Bom dia, Tereza! Estou sentindo um cheirinho tão bom! Falou indo até Tereza e dando um abraço fraternal nela por trás.
Tereza: Bom dia, meu menino! Fiz bolo de cenoura que você adora e um café bem forte, porque pela hora que você chegou ontem, só um café bem caprichado vai te manter de pé hoje!
Marcelo: O que seria de mim sem você, Tereza?
Marcelo comeu o bolo e tomou o café sem açúcar. Despediu-se de Tereza e saiu para trabalhar. Nesta manhã ele teria que entrevistar alguns candidatos a estagiários e um deles parece que era filho de um amigo de seu pai e deveria ser avaliado "com carinho". Marcelo simplesmente odiava quando seu pai pedia esse tipo de coisa. Para ele o escritório era coisa séria, não dava para sair contratando qualquer pessoa só porque era filho de um amigo. Ao chegar no escritório, cumprimentou a secretaria, recebeu as ordens do dia e seguiu para sua sala. A primeira entrevista estava marcada para às 10h então ele teria tempo de analisar um novo caso que surgiu para decidir se aceitava ou não. Para isso, interfonou para a secretária e solicitou uma reunião com os demais advogados:
Sabrina (secretária): Pois não, Dr. Marcelo.
Marcelo: Sabrina, eu já disse para não me chamar de doutor, eu não sou médico nem tenho doutorado. Essa lei do império é ridícula! Não me chame de doutor. E antes de responder, por favor, marque uma reunião para daqui meia hora com o Thiago, Celso, Danilo e Fernando. Precisamos decidir se aceitamos ou não o caso da senhora Almira Lurdin.
Sabrina: Sim senhor, Dr... digo, advog... quer dizer...
Marcelo: Marcelo, Sabrina! Só me chame pelo meu nome que está ótimo.
Sabrina: Sim, senhor Marcelo.
Marcelo: Obrigado! Falou desligando o telefone e voltando a ler os e-mails.
Na mansão Champagnat, César e Aline saíram de carro, ele iria para o hospital, mas antes passaria para deixar Aline na escola.
Marisa e Renata ficaram na sala conversando antes de Renata sair para seu compromisso.
Renata: Estou ansiosa, mã. Hoje eu vou fazer a minha primeira entrevista de emprego.
Marisa: Não precisa ficar ansiosa, filha. Você é uma excelente aluna, tem ótimas recomendações dos seus professores. Vai se sair muito bem! Tenho certeza de que essa vaga é sua.
Renata: Eu tenho receio de que meu pai tenha forçado muito a barra para o senhor Santiago me incluir nesse processo seletivo. Eu quero conquistar minhas coisas pelos meus próprios méritos.
Marisa: Eu entendo e admiro a sua determinação, mas lembre-se que seu pai é um homem justo e honesto. O único pedido que ele fez ao Santiago foi que você pudesse participar do processo seletivo e nada mais. Santiago está de férias e passou as informações para o advogado que está cuidando do escritório em sua ausência. Ou seja, esta pessoa não deve nem ter ideia de quem você seja. Fique tranquila.
Renata: Obrigada, mã. Suas palavras são sempre sábias. Vou subir para me arrumar. Marcaram as entrevistas a partir de 10h, não quero me atrasar. Falou se levantando em direção às escadas.
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Celso, Fernando e Thiago esperaram Marcelo na sala de reuniões. Todos já haviam lido o caso da senhora Almira Lurdin e sabiam que era promissor, mas Marcelo tinha algumas ressalvas, então sabiam que estava nas mãos dele a decisão de aceitá-la ou não como cliente.
Thiago já havia se reunido dias antes com Marcelo para falar das vantagens em o escritório pegar o caso. Marcelo ouviu atento aos argumentos do companheiro de trabalho, mas estava receoso.
O caso de Almira envolvia a herança da família Lurdin e uma briga de muitos anos pelos bens do falecido patriarca da família. Almira era a esposa de Rangel Lurdin e, por direito, teria que receber 50% da empresa, mas os filhos de Rangel alegavam que ela não tinha direito sobre nada do patrimônio que seu pai havia construído. Como se tratava de uma família tradicional e que tinha negócios com outras famílias da cidade, incluindo outros clientes do escritório, Marcelo ficou pensativo.
Marcelo sempre ouvia o que Thiago tinha para falar. Ele considerava o amigo de infância por achá-lo muito inteligente desde a infância. Os dois cresceram juntos, suas famílias eram amigas desde que seus pais montaram o escritório de advocacia.
Thiago era o filho mais velho de Conrado Santorini. Era um jovem promissor, foi o melhor aluno de sua turma na faculdade de direito, recebendo um prêmio de desempenho acadêmico ao final do curso. Passou na OAB ma primeira tentativa e logo tornou-se um dos principais advogados do escritório que seu pai fundou. Thiago nunca quis ser responsável pelo escritório, seu sonho sempre foi abrir seu próprio embora seu pai não aprovasse. Antes de realizar esse sonho, Thiago começou a trabalhar no Santorini & Fazzolin para fazer uma renda e ganhar nome.
Marcelo entrou na sala de reuniões falando ao celular, quase gritando irritado. Desligou e sentou-se à mesa cumprimentando os rapazes. Eles não estranharam a forma como Marcelo apareceu, já estavam acostumados com seu jeito impaciente.
Marcelo: Rapazes, eu sei que todos vocês já leram o caso dos Lurdin. O que me dizem?
Celso: Marcelo, por nós, pegaremos esse caso e depositamos todas as nossas forças nele.
Fernando: Não há o que esperar, se ganharmos essa causa, nos consolidaremos no direito da família, ainda não estamos totalmente estabelecidos nesse campo.
Thiago: Concordo com o que Celso e Fernando disseram. É nossa chance, no entanto, não temos pessoal suficiente para acompanhar o caso. Fernando está com o caso da Fábrica de Chocolates e Celso cuidando da reviravolta do caso de assédio envolvendo os Moreira Furlan. Esse caso ainda vai nos dar muita dor de cabeça. Cliente que mente é um tiro no pé!
Marcelo: Eu confio no julgamento de vocês e também acho que essa é nossa chance. Sobre a equipe, hoje tenho umas entrevistas para a contratação de 2 estagiários, podemos direcionar os novos contratados para serem assistentes nesse caso. O que acham?
Os três rapazes concordaram e eles finalizaram a reunião passando à secretária a ordem de entrar em contato com a senhor Lurdin informando que haviam aceitado o caso dela.
Marcelo voltou para sua sala, pois em 20 minutos as entrevistas dos estagiários iriam começar.
...
Renata estava ansiosa, não sabia qual roupa vestir. Ela era uma jovem linda. Sua pele dourada e seus cabelos castanhos faziam uma combinação harmoniosa.
Ela decidiu usar um conjunto de tailleur mostarda com uma blusa branca. Considerou sóbrio o suficiente para a ocasião. Deixou os cabelos soltos e colocou uma sandália. Embora um sapato fechado fosse mais formal, sabia que esse decoro seria necessário em audiências oficiais e não no escritório.
Ela se olhou no espelho, se sentiu confiante e sorriu. Seria o seu dia!
Ao descer para sair, despediu-se de Marisa, entrou no seu carro e dirigiu até o endereço informado no e-mail de convocação para o processo seletivo.
Chegando lá, entrou no prédio, se identificou e pegou o elevador, quando a porta estava quase fechando uma pasta foi introduzida impedindo o fechamento. Quando a porta abriu um rapaz alto, de terno entrou cumprimentando Renata.
Ela se ofereceu para apertar o botão do andar em que ele iria ficar, mas era o mesmo em que Renata iria. Isso foi um motivo para iniciarem uma conversa:
Renata: Você vai para o Santorini & Fazzolin?
Homem: Sim e você?
Renata: Também. Tenho uma entrevista de estágio lá logo mais.
Neste momento, o homem abriu um largo sorriso e continuou:
Homem: Então você é minha concorrente? Prazer, Victor Gutierrez.
Renata: Nossa! Que surpresa! O prazer é meu, Renata Champagnat.
Victor: Champagnat? Você é parente do Dr. César Champagnat?
Renata: Sim, ele é meu pai.
Victor: Então é um duplo prazer em conhecer você, senhorita Renata! Seu pai salvou a vida do meu avô anos atrás. Meu avô é a pessoa mais importante da minha vida. Sou eternamente grato ao seu pai por ter cuidado tão bem do meu bem mais precioso!
Renata: Mais uma surpresa! Fico feliz, mas acho melhor continuarmos nossa conversa ali dentro, chegamos. Falou apontando para fora do elevador.
Os dois saíram e se apresentaram na recepção. Foram conduzidos à sala de espera onde já estavam alguns candidatos e continuaram a conversa após se sentarem.
Alguns minutos depois um candidato saiu da sala onde a entrevista estava acontecendo e outro foi chamado. Pouco tempo depois foi a vez de Victor. Renata esperou ansiosa pelo término da entrevista dele. Primeiro porque estava gostando de conversar com o novo colega e segundo porque ela seria próxima. Quando ele saiu ela entrou.
...
Marcelo estava desanimado, nenhum dos candidatos que apareceram cumpriam os requisitos da vaga. A maioria era do segundo semestre de direito, muito crus, rasos. Não serviriam para dar assistência ao caso Lurdin.
Victor entrou para a entrevista Marcelo mal olhou na cara dele. Começou a fazer as perguntas triviais e quando entrou em assuntos mais específicos do direito se surpreendeu. Ele era seguro, tinha argumentos e alguma experiência em casos de família pela participação no núcleo jurídico da universidade. Marcelo ficou satisfeito e dispensou Victor, sinalizando no currículo dele que seria um dos contratados do dia.
Enquanto fazia algumas anotações empolgado, não percebeu a entrada de Renata em sua sala. Ela ficou parada na frente da mesa e percebeu que ele não havia notado sua presença. Decidiu pigarrear para chamar a atenção. Foi quando Marcelo levantou o rosto e se deparou com Renata a sua frente:
(Renata)
(Marcelo)
Marcelo ficou paralisado com aquela visão. Olhou admirado com a beleza de Renata por alguns minutos, deixando a moça desconfortável. Ela precisou introduzir o assunto na tentativa de desfazer a situação esquisita que estava vivendo:
Renata: Bom dia, senhor. Vim para a entrevista de estágio.
Marcelo: B-Bom dia. Desculpe, estava concentrado aqui. Sente-se, senhorita... Renata? Renata Champagnat? Falou conferindo o nome na lista e currículo. Havia uma anotação informando que ela era a filha do amigo de seu pai. Marcelo ficou confuso, acreditava que era um rapaz e não uma bela jovem.
Renata: Obrigada. Sim, sou eu. Falou puxando a cadeira e sentando-se de frente para Marcelo.
Marcelo: Então você é estudante de direito no 8° período. Falta pouco para se formar. Me diga, Renata, por que deseja estagiar em nosso escritório?
Renata: Isso, no fim do ano defendo meu TCC e recebo a graduação. Pretendo fazer o exame da ordem ainda este ano. Eu quero estagiar para ganhar experiência na área e começar minha carreira. Seu escritório é renomado e sei que irá agregar muito ao meu currículo, além disso, tenho experiência com projetos voluntários de acesso aos serviços jurídicos da faculdade em que estudo, acredito que eu também irei contribuir bastante com o escritório.
Marcelo: Ótimo, bom saber que você tem ambições. Vou fazer mais algumas perguntas para conhecer você melhor. Disse pegando uma ficha de entrevista a qual começou a preencher com os dados pessoais de Renata.
A entrevista correu tranquila e aos poucos o nervosismo de Renata foi passando. Ao término, saiu confiante. Apenas lamentou que não havia pego o telefone do Victor, o candidato que conheceu no elevador. Havia gostado da companhia do rapaz e acreditava que poderiam ser amigos.
...
Marcelo finalizou as entrevistas do dia pontualmente às 13h. Já havia selecionado seus candidatos, somente Victor e Renata tinham se destacado dentre todos os que apareceram. Mas ele não tirava Renata da cabeça e não era por seu desempenho na entrevista. Estava encantado com a beleza e desenvoltura da jovem. Como seria tê-la nos corredores do escritório e tendo que conviver com ela diariamente? Ele não queria pensar nisso, seu foco tinha que ser o caso Lurdin. Havia sido decidido com os demais advogados que os dois contratados se dedicariam a este serviço.
Ele comunicou por e-mail aos rapazes que já havia selecionado os estagiários e que estes deveriam começar a trabalhar na segunda-feira seguinte. Solicitou na mensagem que os três deixassem tudo organizado para que ambos pudessem começar a estudar o caso Lurdin já no primeiro dia e nomeou Thiago como responsável por acompanhar o trabalho dos novatos. Ele era o único dos três que não tinha estagiários sob supervisão, portanto não haveria problemas em designar-lhe essa função. Por um lado, Marcelo também lembrou-se que a sala de estudos de caso de Thiago ficava bem ao lado da sua e, com certeza, seria fácil cruzar com Renata durante o dia.
Marcelo ficou pensativo por uns minutos e sacudiu a cabeça para deixar esse pensamento longe. Era necessário ter foco e não misturar as coisas. O escritório era conhecido pela reputação e bons resultados, era sua responsabilidade manter essa imagem. Nesse instante, interfonou para a secretária implorando que lhe trouxesse um remédio para dor de cabeça. A ressaca da noitada anterior ainda estava fazendo efeito.
Na sala ao lado, Thiago recebia os currículos de Victor e Renata. Já sabia que seria responsável por acompanhar o trabalho dos dois no escritório e queria fazer o possível para deixar os novatos à vontade, ao mesmo tempo em que desejava ser um supervisor que os ajudaria a se desenvolver profissionalmente. Sua única preocupação era o fato de que em breve sairia do escritório para montar o seu próprio. Essa informação ainda não era pública, ele estava se organizando aos poucos. Nem seu pai sabia disso. Seria um choque para Conrado saber que o filho iria se afastar dos negócios da família. Mas Thiago nunca teve o interesse em cuidar do escritório do pai. Desde que entrou na faculdade tinha seu sonho de seguir sozinho e este ano, finalmente, iria conseguir concretizar.
Marcelo era o único que sabia dessa possibilidade, os dois eram melhores amigos e sabiam bastante um da vida do outro. Ele já havia tentado demover Thiago dessa ideia, mas não teve sucesso. Ainda assim designou os novatos para Thiago supervisionar, pois acreditava que essa responsabilidade poderia fazer o amigo voltar atrás na decisão de sair do escritório.
Eduardo chegou em casa apressado, os dias frios e nublados de Londres pareciam deixar todos os problemas mais difíceis de serem resolvidos. Em alguns momentos de angústia ele se perguntava porque ainda estava lá, mas quando se lembrava do motivo a pergunta deixava de ter sentido. Esse era um desses momentos.
Eduardo Champagnat era o filho mais velho de Heleonora e César Champagnat. Após a morte de sua mãe quando ele ainda tinha 5 anos, Não demorou muito, César se casou novamente e escolheu por esposa, a bela Marisa D'Almory. A morte de Heleonora foi um choque para Eduardo, ele era muito ligado à mãe. A presença de uma nova mulher na vida de seu pai não foi bem-vinda pelo menino que não aceitava alguém ocupando o espaço em que antes sua mãe reinava.
(Eduardo)
Mas Marisa foi paciente, apesar dos protestos, manhas e birras de Eduardo, aos poucos foi conquistando o garoto. Seu jeito calmo e carinhoso fez o primogênito de César se render e deixar o amor de uma mãe substituta chegar o seu coração. Assim como Renata, Eduardo chamava Marisa carinhosamente de "mã" e vibrou com a chegada da irmã mais nova, Aline.
Pouco depois de completar 24 anos, Eduardo foi se especializar na Europa, passou por diversos países até se fixar na Inglaterra. Em Londres, concluiu a pós-graduação e começou a trabalhar. Vinha poucas vezes ao Brasil, mas sempre manteve contato com a família, principalmente Renata, com quem tinha uma ligação muito forte.
O que ninguém da família sabe, exceto Renata, é o real motivo de Eduardo ter ido embora do país.
Alguns meses depois de completar 18 anos, Eduardo foi convidado para a festa de aniversário de um amigo do colégio, Bartolomeu Carrarezi, o Bartô. Bartô e sua família, imperadores dos automóveis luxuosos, eram conhecidos pelo dinheiro e as festas que davam na cidade, além de suas inúmeras lojas de carros. Aquele aniversário estava sendo esperado por todos os amigos do grupo há bastante tempo. Nesta festa estariam todos os jovens da mais alta classe Paulistana e, além de ser um momento de comemoração, seria também uma oportunidade excelente para Demétrio Carrarezi, o pai de Bartô, fechar negócios e fazer parcerias importantes. Era sempre assim, Demétrio não perdia uma chance de usar os eventos familiares para ganhar mais dinheiro.
Eduardo compareceu à festa assim como todos os colegas de turma e lá conheceu vários outros jovens da alta sociedade. Entre as meninas, estava Laura Medeiros, a queridinha das colunas sociais. Ela era a menina "colunável" em que os jornalistas de revistas, jornais e sites de fofoca depositavam todas as esperanças de ter um furo de reportagem sobre a roupa que usaria em algum evento ou o seu mais novo esporte radical favorito. Aliás, toda a família era perseguida pelos fotógrafos e jornalistas e sabiam fazer bom uso disso. Não eram os mais ricos da festa, mas tinham sobrenome e um ateliê de alta costura que atendia à alta sociedade. Uma das formas que faziam para conseguir dinheiro além do ateliê era aproveitando parcerias com marcas que faziam questão de que Laura, seus pais ou seu irmão fossem os "garoto-propaganda".
Laura era uma loira deslubrante, parecia ter sido desenhada por um artista muito talentoso. Além de linda, era perspicaz, inteligente e muito articulada. Por onde passava virava o centro das atenções, era muito comum vê-la rodeada de pessoas onde quer que estivesse. Por sua aparência e sobrenome, estava sempre no topo das listas de convidados de festas e eventos, chegando até a receber cachê para participar de alguns, embora esse não fosse o caso da festa de Bartô.
Quando Eduardo chegou à festa, foi logo se aproximando dos amigos e também se enturmando com os jovens que não conhecia. Para ele seria a primeira vez em que poderia beber bebida alcoólica, pois acabara de completar 18 anos e seu pai não havia permitido álcool em sua festa. Ele estava empolgado. Com um drink na mão, saiu para "explorar" o ambiente. A boate estava lotada, música alta, iluminação impecável, um bar fantástico e barmans dando um show na hora de preparar as bebidas. Estava tudo quase perfeito na visão de Eduardo, só faltava ele descolar uma companhia feminina. O jovem já havia ficado algumas vezes com umas colegas de colégio e até uma vizinha, mas seu foco sempre foram os estudos, não seguia em frente com nenhum relacionamento. Agora que já havia concluído a escola e iniciado a faculdade, sentia que estava na hora de conhecer alguém para algo mais sério.
Ao tentar desviar de um garçom com uma bandeja cheia de taças, Eduardo deu dois passos para trás e esbarrou em uma pessoa no meio do salão. Virou-se imediatamente para pedir desculpas e ficou paralisado quando viu a pessoa em quem havia esbarrado. Era Laura.
(Laura)
Eduardo: Me... Me desculpe, senhorita! Eu fui desviar do garç...
Antes que pudesse concluir a fala, Laura calou sua boca com o dedo indicador e o puxou pelo braço para a pista de dança dizendo:
Laura: Vem! Vamos dançar!
Eduardo foi arrastado pro ela no meio da multidão que se espremia no salão dançando uma música eletrônica agitada. Tinha absoluta certeza que deveria ter pisado no pé de umas 3 pessoas e empurrado mais umas 4 até os dois pararem na pista. De início ele ficou parado meio sem ação ao ver Laura com uma desenvoltura fantástica dançando no ritmo da música, mas logo em seguida começou a se movimentar e a acompanhou, deixou seu drink na bandeja de um garçom que passava perto e não demorou muito abriu-se uma roda no entorno dos dois: o público queria ver Laura dançando.
Outras meninas cochichavam entre si: Quem é esse rapaz que está com a Laura?
Fotógrafos aproveitavam a oportunidade para registrar o momento e escrever mais alguma nota sobre a queridinha de São Paulo.
Os dois dançaram até cansar. Dessa fez, foi Eduardo que puxou Laura para longe dali. Ele procurou um local mais reservado na festa, havia uns sofás em uns locais específicos que ele notou enquanto explorava o lugar e decidiu levar Laura para lá.
Eduardo: Nossa, não lembro há quanto tempo eu não dançava assim!
Laura: Você dança bem, se eu pudesse, passava o resto da noite naquela pista com você.
Ele riu e lembrou-se que não haviam se apresentado ainda.
Eduardo: É a primeira vez que eu danço com alguém sem nem saber o nome. A propósito, me chamo Eduardo Champagnat.
Laura: Sou Laura Medeiros. Prazer em conhecer você, Eduardo. Disse com um sorriso infantil e ao mesmo tempo jovial.
Eduardo: O prazer é meu, Laura! Respondeu sem tirar os olhos daquele sorriso encantador que o deixou confuso.
Os dois ficaram lá conversando, beberam juntos e voltaram a dançar. Não se desgrudaram mais e na hora que os pais de Laura a chamaram para ir embora, trocaram telefone.
Eduardo voltou para casa extasiado, pensando:
Que garota! Linda, divertida, inteligente! O que eu mais poderia querer?
Dormiu pensando nela e no dia seguinte mandou uma mensagem marcando um encontro. Logo foi respondido e na tarde do domingo se encontraram.
Esse foi o primeiro de vários encontros, passeios, cinemas e viagens que Laura e Eduardo fariam juntos nos próximos anos. Não demorou muito, após o dia da festa, para Eduardo pedir Laura em namoro. O relacionamento teve a aprovação das duas famílias e logo virou o assunto do momento. Embora Eduardo não gostasse de exposição, ele sabia que Laura era essa pessoa e por ela ele aceitaria estar nos holofotes e faria o que fosse necessário para vê-la feliz.
O relacionamento ia bem, Eduardo era um pouco mais reservado e Laura queria estar em todas as festas e eventos, às vezes isso gerava algum conflito, pois ele precisava estudar e estagiar e ela queria ficar nas baladas, nem sempre seus compromissos combinavam. Mas ele sempre dava um jeito de acompanhá-la, pois não aguentava ver a manha que Laura fazia quando ele negava algum pedido.
Eduardo se formou e começou a trabalhar, aí as coisas foram ficando um pouco mais difíceis. Ele se graduou em jornalismo e seu primeiro emprego era como jornalista investigativo, então precisava ficar muito tempo nas ruas procurando as informações para as notícias, além de não ter fim de semana nem feriado. Com isso, diminuiu muito a quantidade de eventos em que podia acompanhar Laura. Ela também já não fazia muita questão da presença dele, pois além de sempre cansado, Eduardo mudou até seu jeito de ser vestir e isso não estava agradando Laura. Frequentemente ela implicava com as roupas que ele estava usando e os dois acabavam brigando.
Nas vésperas de seu aniversário de 24 anos, Eduardo estava planejando uma grande festa. Queria fazer em uma boate como no aniversário de Barthô 6 anos atrás. Laura ficou animada com a ideia, finalmente ela iria ser a protagonista de um evento social a sua altura, pensava. O que ela, nem ninguém sabia, a não ser Renata, é que Eduardo planejou esse aniversário pensando em reviver o momento em que ele e Laura se conheceram, pois seu objetivo era fazer-lhe uma surpresa no momento em que tivessem na pista de dança: pedir a sua mão em casamento na frente dos convidados. Assim que a rodinha se formasse ao redor deles, ele ajoelharia, tiraria do bolso uma caixinha com um anel de brilhantes e faria o pedido. Assim, tudo bem instagramável, do jeito que ela gostava.
E o dia da festa chegou. Estava tudo perfeito, como ele e ela planejaram. Eduardo estava tenso. Enquanto se arrumava para ir buscá-la, conversava com Renata:
Eduardo: Você acha que ela vai aceitar?
Renata: E você tem alguma dúvida?
Eduardo: Eu não sei... Nós temos brigado com mais frequência, por coisas que eu acho que são pequenas. Eu amo a Laura, mas tem horas que a acho muito mimada.
Renata: Ela é, todos nós sabemos disso e você não ajudou muito para que ela melhorasse nesses anos todos, né? Tudo que ela queria você fazia!
Eduardo: Eu sou completamente apaixonado por essa mulher!
Renata: Eu sei! Todos sabem! O que vai acontecer agora é vocês dois começarem a acertar os ponteiros para que parem de brigar. Casamento é algo sério, precisa ter harmonia, ainda que não seja harmonioso 100% do tempo, precisa ser em 99,9%. Falou rindo do absurdo que acabara de falar.
Eduardo riu junto enquanto ajeitava a gola da camisa. Olhou-se mais uma vez no espelho e perguntou à irmã como estava. Ela se levantou, olhou de cima abaixo, colocou a mão no queixo e arqueou uma sobrancelha:
Renata: Está lindo!
Foi quando ele percebeu o quanto a irmã estava bonita.
(Renata)
Quando foi que sua irmã tinha deixado de ser aquela menina dourada que andava com ele para cima e para baixo e tinha se tornado uma adulta? Em todos esses anos era era mais que uma irmã, era sua melhor amiga e sua confidente. Ele estaria se casando e iria deixá-la para trás? Pensando isso, seu coração ficou apertado. Aproximou-se dela pegando seu rosto com as duas mãos e olhou no fundo de seus olhos com o olhar mais fraternal do mundo.
Eduardo: Eu nunca vou te abandonar. Disse abraçando-a em seguida.
Renata: Eu sei, mano. Ela respondeu retribuindo o abraço.
A festa estava perfeita: decoração, música, bar, iluminação. As pessoas estavam sorridentes e se divertindo. Quem passava por Eduardo e Laura os cumprimentava. Eles estavam lindos, perfeitos.
(Eduardo e Laura)
Laura se afastou com umas amigas. Eduardo aproveitou para combinar os últimos detalhes com Renata. Estava nervoso. Chegara a hora! O Dj já tinha começado a tocar a música que tocou quando se esbarraram no dia do aniversário de Barthô anos atrás. O anel estava na caixinha dentro do bolso. Só faltava a futura noiva. Olhou ao redor, não a viu. Assim como naquele dia, saiu "explorando" a boate, mas dessa vez sabia o que queria encontrar. Perguntou a um e a outro, sem resposta. Achou um grupo de amigas dela que indicaram a direção por onde ela havia ido. Que estranho! A saída dos fundos da boate. Por que Laura teria ido para lá? Estaria passando mal? Precisou atender uma ligação? Pensava enquanto se dirigia até a saída.
Ao passar pela porta, se deparou com um beco escuro e sem movimentação. Ouviu vozes, risos e gemidos baixos. Eram familiares.
Homem: Gostosa! Queria arrancar esse seu vestido agora! Disse enquanto beijava o pescoço da mulher.
Mulher: Você é louco, sabia? Já deveríamos ter voltado, alguém vai desconfiar.
Homem: Louco por você! Deixa só um pouquinho, vai! Falou enquanto massageava as partes íntimas da mulher por cima da calcinha.
Mulher: Só um pouquinho. Nem sei o que estou fazendo aqui. Era para estarmos bem longe, aproveitando essa noite juntos.
O homem ergueu o vestido deixando a calcinha molhada à mostra quando ambos foram surpreendidos por uma luz de lanterna de celular em seus rostos deixando-os cegos e assustados. Eles colocaram uma mão no rosto e com a outra tentavam ajeitar as roupas. A pessoa com o celular na mão soltou duas palavras abafadas que mais pareciam um choro, mas era possível de reconhecer a voz de Eduardo.
Eduardo: Laura... Barthô?
Antes que pudessem responder, Renata chegou correndo até o irmão sem perceber o que estava acontecendo.
Renata: Mano, já está tudo pronto! Você precisa se apressar senão...
Ela foi interrompida pela visão que acabara de ter: Laura estava contra o muro da boate, com o batom totalmente borrado, tentando a todo custo ajeitar o vestido justo e Bartholomeu, atrapalhado, com a camisa para fora da calça, e o zíper aberto que ele não conseguia fechar. Estava visivelmente excitado, era possível de ver pela cueca.
Renata estava com os olhos arregalados, não acreditava no que via. Eduardo ainda segurando o celular na direção dos dois estava paralisado, com a boca aberta.
Laura tentou falar algo, mas antes que pudesse começar, Renata puxou Eduardo pelo braço.
Renata: Vamos! Vamos embora daqui agora!
Barthô impediu Laura de ir atrás e começou a falar com ela algo que Renata e Eduardo não conseguiram ouvir pois já haviam se afastado.
Ela o arrastou até a esquina e pediu um Uber que chegou em questão de segundos. Ele seguia em silêncio, com o olhar atônito. Renata tentava manter a calma, também estava em silêncio. Não havia nada a falar naquele momento. Percebeu que os olhos de seu irmão se encheram de lágrimas. Ela o abraçou e o deitou em seu colo enquanto ele chorava silenciosamente. Renata também não aguentou, seu irmão fora traído, estava sofrendo.
Mil pensamentos vinham na cabeça da jovem: Ele iria pedir Laura em casamento naquela noite. Se o pedido tivesse dado certo, como seria? Ela iria continuar traindo o noivo? Ele iria casar com uma mulher que não o amava?! Os dois cresceram em um lar de muito amor. César era completamente apaixonado por Heleonora e, após ficar viúvo, Marisa trouxe amor e alegria para a vida do médico. As crianças viam isso diariamente: o relacionamento saudável entre o pai e a madrasta. Era esse o ideal de amor que Renata esperava da vida. Pensando nisso, apertou os olhos com força e deixou as lágrimas escorrerem. Ela sentia a dor do irmão.
As pessoas na festa não entenderam o sumiço do casal, mas deduziram que foram "curtir" em outro lugar mais apropriado. Portanto, os comentários foram logo morrendo.
Em casa, Eduardo e Renata fizeram um pacto de silêncio. Nada deveria ser falado a ninguém. Eduardo também não procurou Laura. Ela mandou mensagens que ele não respondeu. Telefonou e ele não atendeu. Barthô sumiu. De repente ele e a família tiveram que fazer um cruzeiro pelo mediterrâneo. O tempo foi passando e César e Marisa acharam estranho a ausência de Laura na casa, até que em um jantar decidiram perguntar:
César: Filho, onde está Laura? Nunca mais ela veio aqui em casa.
Eduardo: Ah, nós terminamos. Falou antes de colocar um garfo de comida na boca como se estivesse falando algo absolutamente normal.
Silêncio mortal na mesa. Era possível ouvir o som das folhas das árvores da rua balançando com o vento.
Marisa: Como você está, meu filho? Perguntou passando a mão no ombro do rapaz.
Eduardo: Estou bem, mã. A gente já não estava mais como antes, eu tenho trabalhado muito estou com planos novos, ela sempre ocupada com os compromissos sociais. Decidimos assim. Foi melhor.
Aline: Graças a Deus! Aquela mulher era uma bruxa!
- ALINE! Bradaram César, Marisa e Eduardo ao mesmo tempo repreendendo a menina que voltou os olhos para ao prato e tornou a comer.
Eduardo: Vou aproveitar que estamos todos aqui para informar que no fim do mês eu vou me mudar para Amsterdã. Disse olhando de canto de olho para Renata que fazia cara de surpresa, embora já soubesse há tempos do plano do irmão.
César: Você vai embora, meu filho? Por que?
Marisa colocou a mão na boca como se quisesse impedir a si mesmo de falar algo e seus olhos brilharam, ela queria chorar.
Eduardo: Eu consegui uma oportunidade de trabalho em um jornal digital europeu, estou muito satisfeito com a proposta. Eles pagam bem, eu terei estrutura e trabalho e vou ficar viajando por vários países para escrever.
A conversa no resto da noite seguiu sobre os planos de Eduardo de ir morar na Europa e no fim foi apoiado por toda a família. Havia dado certo, Ninguém desconfiou que Eduardo estava fugindo da dor de um amor que terminou em traição.
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