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HANNA

01 • Proposal

Talvez eu seja mais forte do que imagino. Ou talvez só saiba mascarar bem as coisas e seguir em frente como se nada estivesse acontecendo.

Naquele fim de tarde em que ela surgiu em meu caminho, eu não tinha a menor idéia do que viria a seguir, mas no fundo sentia que nada mais séria como antes.

O dia está congelante. Meu sobretudo marrom surrado não é mais suficiente para aplacar o frio que abraça meu corpo e o faz estremecer enquanto estou a caminho do trabalho. Quanto mais me aproximou do prédio, mais sinto que estou prestes a pegar um resfriado. Me pergunto como suportar esse dia de trabalho, mas a resposta é óbvia; preciso do dinheiro.

Angela, minha colega de trabalho que senta logo atrás, desliza com a cadeira até meu lado.

— Tenho algo para mostrar e você vai cair dura — avisa ela passando o dedo no visor do celular enquanto espero o sistema iniciar. —  Olha essa mulher, filha de um político ricaço que ficou noiva de uma das herdeiras do império Vielmont. —  Coloca o celular diante do meu rosto. — É a sua cópia, só que loira.

— E rica, muito rica — afirmo passando o dedo na tela lendo o artigo onde diz que a mulher viveu na França e voltou ao país recentemente.

— Tem certeza que não é sua irmã gêmea?

Dou uma risada anasalada. Não tenho tanta sorte assim, meus pais são muito humildes, vivem numa cidade pequena e desde que vim morar em Nova York passo o ano juntando dinheiro para ter condições de ir vê-los para dar-lhes ao menos uma pequena quantia.

— Como é linda essa Alexa Vielmont, olha. — Mostra Angela depois que devolvi o celular.

Viro para olhar a mulher que usa um de terninho azul escuro.

— É bonitinha. — Angela fica horrorizada com minha resposta e logo em seguida mostra a foto das outras duas irmãs Vielmont, Emily e Eloise, que são bem diferentes da primeira.

Emily é uma morena tatuada com cara de rebelde e safada, afinal vive aparecendo em revistas ao lado de uma modelo diferente a cada semana.

Eloise, como a mais velha e atual presidente do grupo Vival, está sempre séria com postura de empresária, bem vestida e linda ao ponto de parecer um pecado. É muito bem casada com um cara que dizem não fazer nada da vida, mas vem de uma família rica e está sempre posando ao lado da esposa. Eles parecem felizes.

— Pare de me mostrar pessoas ricas logo cedo, assim perco a vontade de viver. — Minha colega gargalha ao me ouvir e após um suspiro pego o headphone para começar o trabalho.

...***...

No fim do dia, da estação 34 St-Penn Station para a estação Crown Hts-Utica Av A, levo quase 50 minutos. Preciso caminhar algumas quadras até finalmente chegar ao prédio caindo aos pedaços onde ficava o cubículo que chamo de apartamento.

É exatamente nesse trajeto, maçante — até então previsível — que a vejo pela primeira vez.

Enquanto atravesso a rua, de maneira inesperada o carro para a pouquíssima distância de mim. Meus olhos encontraram os dela que retira o óculos do rosto. É a mesma mulher da revista, a loira que de algum jeito parece comigo. Ela abri a porta do veículo e observo os saltos de cor prata que tocaram o asfalto. A mulher fecha a porta sem desviar o olhar de mim e caminha de forma elegante me olhando de cima a baixo, enquanto também analiso cada peça de roupa de marca que usa.

Um vestido na cor preta cai por suas curvas até a altura das coxas, por cima há um casaco que parece um daqueles tapetes felpudos, mas que claro, nada tem haver realmente com a peça decorativa, provavelmente vale uma pequena fortuna. Seus cabelos loiros caem pelo ombro direito tão bem arrumados e hidratados que me faz sentir vergonha dos meus que estão a mais de três dias sem ver shampoo.

— Quem é você?

— Eu? Bem, eu moro aqui. — Aponto para o prédio do outro lado da rua e ela faz a mesma cara que qualquer pessoa em sã consciência faria ao ver aquele lugar.

— Quero saber seu nome, não seu endereço, minha querida.

— Hanna — respondo levantando o queixo, tentando ignorar que meu sobretudo está desgastado, mas que pelo menos cobre a roupa que uso por baixo. — Hanna Coleman.

— Interessante. — A mulher leva a perna do óculo aos lábios vermelhos e novamente me analisa. — Tome mais cuidado ao atravessar a rua, Hanna. — Ela volta para o carro e eu saio da frente para que o veículo se vá.

Em frente a meu prédio, naquele horário está a minha espera ele, o embuste que me persegue desde que terminamos. Mesmo recusando suas ligações, bloqueando nas redes sociais, ainda tenho que conseguir meios de evitar um encontro pelo bairro.

— O que você quer, Leo?

— Você está doente? — Ele trás a mão até minha testa, mas bato antes, impedido que me toque. — Hanna, até quando vai me evitar?

— Você não cansa? Acabou! Você me traiu depois de três anos de relacionamento, me deixe em paz. — A última palavra quase não sai, mas viro para entrar.

Na semana seguinte, caminhando para casa avisto o mesmo carro que quase me atropelou antes, estacionado em frente a meu prédio. Quando me aproximo um homem sai do banco do motorista olhando em minha direção.

— Hanna? — pergunta, e mesmo incerta confirmo, então ele abri a porta traseira do veículo. — A senhorita Volkmer deseja uma conversa.

Franzo o cenho me perguntando se é aquela perua do outro dia e quando me aproximo da porta, tenho certeza. Entro no veículo e o homem fecha a porta me assustando. A mulher está com óculos escuro e não se dá ao trabalho de retirá-lo quando vira o rosto em minha direção.

— Nos encontramos novamente. — Sorriu e apenas confirmo. — Serei direta. — Retira o óculos e me encara friamente. — Quero que se passe por mim e case com Alexa Vielmont. — Arregalo os olhos e ela novamente sorri. — Sei que sua situação financeira não é das melhores.

— E-eu não entendi. — Até mesmo gaguejo tamanha surpresa diante de tal proposta absurda. — Por que faria isso?

A mulher pega um envelope ao lado e me entrega.

— Essa é a dívida dos seus pais, que poderá líquidae caso aceite minha proposta. Nós duas só temos a ganhar. — Sem entender e nem saber sobre meus pais terem dívida, retiro as folhas de dentro do envelope e meus olhos saltam ao ver a quantidade de dinheiro que eles devem tanto ao banco quanto a agiotas.

— Isso é falso — afirmo.

— Realmente acha que perderia tempo fabricando isso? — A vejo revirar os olhos. — Sugiro que aceite o mais rápido possível. Não sei se sabe, mas agiotas não costumam esperar muito tempo. A primeira parte do dinheiro você recebe depois que noivar, a segunda quando casar e a terceira que é a mais importante e vai garantir que viva confortávelmente pelo resto da vida, será bem depois de estar casada.

— Isso é absurdo, não posso fingir ser outra pessoa.

— Não seja boba. É algo fácil, afinal ninguém naquela casa me conhece pessoalmente. Além do mais é um casamento de fachada, tudo um jogo de interesse entre famílias, não haverá necessidade de se envolver fisicamente com ela.

— Suas fotos estão em vários sites, você é muito conhecida. — Ela sorri parecendo se achar grande coisa diante de minhas palavras.

— São apenas fotos, ninguém de fato conhece minha personalidade. — Puxa o envelope da minha mão e volta a colocar o óculos. — Todo homem e mulher desse país deseja casar com uma herdeira Vielmont, sabia? Pense bem e rápido, nunca se sabe o que pode acontecer a seus pais devido às dividas. Agora pode sair.

Fico encarando ela que mantém o rosto virado para frente, em seguida saio do carro.

Do lado de fora o homem me entrega um cartão com o endereço de uma galeria na França e atrás escrito com caneta está o número de Katherine Volkmer.

Assim que entro em casa ligo para minha mãe e sem rodeios pergunto sobre as dividas. Surpresa, por eu ter descoberto, mamãe começa a chorar pedindo que não me preocupe. Sinto o chão se abrir sob meus pés. Meu coração parti ao saber que estão passando necessidade e não me contaram.

Por fim, afirmo que vou mandar o suficiente para pagar tudo, em meio a mentira de que consegui um bom emprego.

Me pergunto o que fazer diante de tal situação. Se devo aceitar a proposta absurda ou tentar fazer um empréstimo, mas a segunda opção é descartada quando lembro que ainda estou pagando o último que fiz para comprar alguns eletrodomésticos. Não existe a possibilidade de conseguir aquela quantia de outra forma, só me resta ceder a aquela loucura.

...***...

Viajamos em um jatinho particular e em pouco mais de duas horas chegamos a nosso destino que fica numa propriedade privada. Logo de cara vejo que na mansão há vários profissionais contratados por Katherine para fazer absolutamente tudo comigo.

Passo um dia inteiro, até a noite, pintando cabelos, cuidando da pele e unhas. Um verdadeiro dia de princesa, mas estou tão assustada com o que vem depois que não consigo usufruir de nada.

Quando mulher finaliza meu cabelo e maquiagem, coloca um espelho diante dos meus olhos e quase não me reconheço. É como se estivesse olhando para Katherine, não meu próprio reflexo.

— Venha, temos muito o que fazer.

Treinamos sua assinatura umas mil vezes durante horas. Ela me ensina a caminhar em salto sem tropeçar em meus próprios pés e a usar talheres. Fala bastante sobre combinações de roupas, mas bem pouco sobre os pais. Por fim e mais importante, me dá um cartão de créditos sem limite.

A todo momento eu penso estar num filme, pois nada parece real, nem mesmo ela a meu lado, toda elegante, intimidadora e tão obstinada a me ensinar tudo. Em momento algum demonstrou simpatia. Sua indiferença e frieza são como um escudo que me deixa ciente de nossas diferenças, me fazendo questionar se serei capaz de seguir com isso.

— Não seja tola — diz segurando em meus ombros. — Não há absolutamente nada que uma mulher não seja capaz de fazer. É apenas uma família rica concentrada nos próprios interesses. Se houver imprevistos, tenho certeza de que não será nada que seu charme não resolva.

Já é madrugada quando ela apenas informa o endereço do hotel que ficarei hospedada, junto a uma lista de compromissos e se vai.

Me vejo sozinha na casa imensa, só então percebendo o tamanho da loucura que estou fazendo, mas não tem volta, afinal quando entro no quarto percebo que tudo em minha bolsa está jogado sobre a cama, exceto meus documentos. A maldita levou como garantia.

Depois de uma noite em claro, quando o dia amanhece tento me arrumar o mais parecida possível com ela. Estou me acostumando com minha própria aparência depois de horas me olhando no espelho. Não vejo mais Katherine, mas sim a pessoa amedrontada que tenta fingir ser uma mulher nascida em berço de ouro.

De volta a Nova York, quando o carro para em frente do luxuoso hotel, engulo em seco e tento manter a calma.

Enquanto caminho pelo hall apertando entre meus dedos a pequena bolsa caríssima, usando um par de louboutin que apertam meus dedos, um vestido que vai até a altura dos joelhos e um sobretudo por cima, me sinto uma estrela de cinema. É como se estivesse em um filme. Mas sei que nos filmes, assim como na vida real, nem tudo são flores o tempo todo.

Paro diante das imensas portas do elevador ao lado de uma mulher que não presto atenção quem é, e assim que possível entro na frente, mas quando viro e ela levanta os olhos que antes estavam no celular em mãos, sinto o choque devido a surpresa. É ela, Alexa Vielmont, a noiva de Katherine.

— Quem você pensa que é para me fazer esperar durante quase duas horas? — Seu tom é extremamente grosso me fazendo arregalar os olhos sem saber como agir. — Vai ficar aí parada feito uma idiota? Meus pais estão esperando para o café. — Ela me dá as costas e quando as portas estão prestes a fechar, rapidamente impeço e saio.

Era de se esperar que aquele sorriso encantador nas fotos fosse tudo enganação. Me pergunto porquê a noiva tem que ser justo a herdeira que não faz meu tipo e ainda por cima é um grossa. Por outro lado, também não gostaria que fosse Emily, a pegadora. Para falar a verdade a única que me parece aceitável é Eloise.

— Concentre-se — murmuro para mim mesma, parando na frente do hotel ao lado de Alexa que recebe a chave do manobrista e vai para o lado do motorista.

Quando entro e fecho a porta do carro, o que antes era indignação por aquela riquinha ter sido grossa — dá lugar ao medo. A tensão se espalha no ar, a mulher mantém o olhar fixo na estrada e eu percebo apenas por minha visão periférica, afinal não me atrevo a olhar para ela.

Depois de longos minutos, enquanto sofro sentindo dor de barriga, atravessamos o portão principal da propriedade e avisto a bela mansão que me deixa de boca aberta. Alexa estaciona bem na frente e deixo que saia primeiro para que possa arrumar meus cabelos, mas uma batida no vidro me faz saltar pelo susto e rapidamente guardo o espelho de volta na bolsa, em seguida saio do carro.

— Nesse ritmo chegaremos para o jantar — resmunga ela impaciente me dando as costas.

A mansão é tão maravilhosa por fora quanto por dentro. Logo na entrada da sala principal umas cinco empregadas estão lado a lado, todas muito bem arrumadas com seus uniformes e cabelos bem presos. Uma delas informa que todos já estão na sala de jantar e enquanto isso a outra pega minha bolsa, já a terceira fica responsável por meu sobretudo.

Sentindo-me um pouco nua usando o vestido que não é curto ou decotado, mas fica extremamente justo nas curvas de meu corpo, sigo Alexa atravessando a luxuosa casa até chegarmos na outra sala.

Assim que coloco os pés no cômodo e todos os olhares se voltam contra mim, paro engolindo em seco. Parece que fui teletransportada para um site de fofocas sobre a família Vielmont.

Passo os olhos por seus rostos e ao avistar Eloise meu coração falha uma batida ao constatar que ela é tão linda quanto nas fotos, mas ao lado está o marido, sério e concentrado no próprio café.

Do outro lado da mesa está Eleanor, segunda esposa do senhor Sebastian Vielmont, este que me encara com seus olhos opacos e intimidadores.

A única ausente é Emily, mas não sinto falta dela, afinal já tem olhos demais em minha direção.

02 • Breakfast

Assim que o patriarca Vielmont me cumprimenta, sigo para a mesa onde sou surpreendida quando Alexa puxa a cadeira para mim. Sinto vontade de revirar os olhos, mas apenas agradeço baixinho e sento ficando de frente para o outro casal.

Quando os olhos de Eloise encontram os meus fico nervosa. Ela é aquele tipo de mulher que intimida e estimula a imaginação da gente o suficiente para pensar algumas bobagens antes de dormir.

— Cadê a Emily? — pergunta Alexa sentando entre mim e sua mãe.

— Provavelmente chegou tarde depois de mais uma noite de farra — responde Eloise.

— Já pensou sobre os preparativos do casamento? — pergunta a senhora Eleanor, que tem cara de poucos amigos, mas por sorte está sentada do outro lado da filha.

Até onde sei ela é mãe apenas de Alexa e sendo ela filha única, da para entender seu temperamento, não passa de uma mimada.

— Ainda vou... começar — respondo incerta.

Na verdade não tenho a menor idéia do que fazer quanto isso. Lembro que Katherine falou que a mãe viria de Washington para me ajudar. Não sei se é bom ou ruim ter ajuda de alguém que realmente deve conhecer ela.

Outra pessoa que Katherine mencionou sobre me ajudar e saber de todo o plano é Steve, seu irmão mais velho que trabalha como advogado no grupo Vival, mas não sei nada sobre ele.

— Você deve ter estranhado o convite para o café — falou Sebastian. — Ficamos sabendo que alguns repórteres estão investigando a união de vocês duas, já que voltou recentemente da França e mal se viram desde então. Querem espalhar rumores de que será um casamento arranjado.

E não era verdade? Que mania feia as pessoas ricas tem de ficar tentando esconder o óbvio. Eles tem muito dinheiro e poder, mas sempre querem mais dinheiro e mais poder, por isso estão sempre unindo forças através de um casamento de fachada como se todos não estivessem cansados de saber que tudo se basea em negócios.

Eu apenas sorrio sem graça pegando a xícara que a empregada acabou de encher e tomo um gole do café preto.

— Você não disse que odeia café? — Viro o rosto para Alexa me perguntando quando Katherine disse aquilo.

Se encontraram apenas uma vez e ela já tinha deixado brecha para me colocar em mals lençóis diante da mimada.

— Quando passo por situações desagradáveis com pessoas grossas logo cedo, acabo tomando um pouco — falo o mais baixo possível.

Internamente julgo minha atuação digna de um Oscar por falar com tanta calma olhando nos olhos dela.

— Você deve ter gostado muito da França, viveu por tantos anos lá. — Eleanor se inclina para me ver e sorrio tentando manter a calma, antes que eles me peçam para pronunciar todo o alfabeto francês.

— Sim, gostei muito. — Pigarreio percebendo que não soou tão bem.

— Onde foi mesmo que você morou lá? — questionou Alexa levando a xícara aos lábios, mas com os olhos ainda em mim.

Aperto o garfo que seguro, pronta para começar a comer um delicioso pedaço de bolo se eles não estivesse me interrogando.

— Bem... — De repente sinto que minha atuação como atriz de Hollywood vai pelo ralo. Não faço idéia de onde Katherine viveu.

— Quem liga para isso? — A voz de Eloise chama minha atenção, ela tem um sorriso amigável no rosto e automaticamente sorrio também. — Você deve estar cansada de tantas perguntas, mas é melhor se acostumar, eles são sempre assim. — Ela pisca e eu preciso focar no pedaço de bolo sobre o pires a minha frente ou todos vão perceber que fiquei maravilhada.

— Eu também fui colocado contra a parede e interrogado — fala o marido de Eloise pela primeira vez.

O restante do café é silencioso. Os primeiros a sair são o casal e logo depois Eleanor se retira. Termino antes de minha nada adorável noiva e fico a sua espera, mas ela me ignora. Quando o pai também sai da mesa, Alexa levanta de repente avisando que o motorista me levará, pois ela vai para a empresa.

Me vejo sozinha no cômodo e suspiro não sabendo ao certo o que fazer, quando Emily Vielmont atravessa a porta e tenho que juntar toda a minha coragem para levantar e sair.

— Você é realmente um desperdício na mão da minha irmã, sabia? — Paro virando para ela que passeia os olhos por meu corpo.

Não consego dizer nada, apenas saio caminhando, sentindo meu rosto esquentar. Na sala principal uma das empregadas vem a meu encontro carregando meus pertences e me informa que o carro está a minha espera. Ninguém se despediu de mim e de certa forma agradeço mentalmente.

Apenas coloco o sobretudo no braço esquerdo junto a bolsa, enquanto caminho para a saída. Quando chego na frente da mansão um porsche azul num piscar de olhos estaciona atrás do carro onde o motorista me espera.

— Tom, pode ir porque ela vai comigo — fala Emily que sai do veículo jogando um sorriso em minha direção.

Não é como se tivesse escolha. O motorista entra no carro e o retira do caminho me deixando nessa situação que nem em meus sonhos mais loucos imaginei. Emily abre a porta do carona e obrigo minhas pernas a caminhar até lá, onde entrp no veículo observando a mulher dar a volta até o outro lado. Assim que senta no banco me olha com um sorriso e sua ação seguinte me faz petrificar enquanto o coração treme em meu peito. Ela inclina em minha direção deixando o rosto muito próximo ao meu, sem desviar o olhar. Tenho certeza de que serei beijada. Não sei por qual razão fecho os olhos, mas volto a abri-los assim que escuto o clic do cinto de segurança. Devagar e com uma vergonha que não cabe em mim, abro os olhos novamente, percebendo que ela ri.

— Achou que eu ia te beijar? — pergunta e minhas bochechas esquentam. — Não sou esse tipo. — Ela pisca antes de dar partida no carro e arranca saindo tão rápido que tenho que me segurar para não balançar feito geléia no banco enquanto faz a volta na imensa fonte no meio da propriedade.

Não me recupei do mico, mesmo assim tento me manter séria e segura. Nessee momento sou Katherine Volkmer, não a idiota Hanna que cai na lábia de qualquer uma. Sim, é difícil admitir, mas costumo ser esse tipo de pessoa que se deixa levar por um charme qualquer.

Emily é o sonho de consumo de toda mulher, no entanto não para com ninguém. Sem dúvidas, para uma aventura ela é perfeita, mas para as bobas que se apaixonam depois de um beijo — feito eu — é melhor manter máxima distância.

— Está mesmo preparada para entrar naquela família? — pergunta de repente, alternando olhares entre mim e a pista.

— Sim. Por que não estaria? Não é como se estivesse casando por amor ou fazendo um favor.

Estou sendo muito bem paga por sinal.

— Você não é mesmo boba — afirma com um sorriso de canto.

Com certeza não sou. Sei que não será fácil conviver com aquela gente, mas imagino que Katherine no meu lugar não agiria como se estivesse fazendo um favor a eles e não gostaria de ser humilhada em momento algum. Mesmo que no fundo eu já tema comer o pão que o diabo amassou na mão daquela sogra, ainda assim não pretendo baixar a cabeça.

— Só espero que não seja como o seu irmão, aquele filho da puta — continua ela e arqueio as sobrancelhas. — Você deve saber que não nos damos muito bem. — Apenas fico quieta, afinal não sei nada sobre Steve. — Entregue.

— Já? — digo surpresa ao confirmar que de fato estamos em frente ao hotel, mas não tão surpresa quanto quando sinto sua mão em minha coxa.

Meus olhos encontram os dela e engulo em seco. Devagar, ela desliza a mão por cima do vestido indo para a lateral até chegar no cinto de segurança e mais uma vez escuto o clic.

Essa cretina realmente sabe deixar uma mulher desnorteada.

— Nos vemos em breve. — Ela sorri, ciente do efeito que causou e desvio o olhar rapidamente.

— Obrigada pela carona. — Abro a porta do carro e saio sem olhar para trás.

Enquanto subu até o último andar, não consigo acreditar que tudo aquilo tinha acontecido apenas em meu primeiro dia como noiva de um Vielmont. Quando entro na suíte de luxo meus olhos ainda custam acreditar que tudo isso era meu. Quero dizer, pelo menos temporariamente.

Jamais teria a oportunidade de usufruir disso levando a vida de antes, nem mesmo andaria em um carro como aquele ao lado de uma herdeira que costuma viver na presença das mulheres mais lindas do país. Ainda por cima tomar café na mansão ao lado de toda aquela gente que cheira a dólar.

Depois de um longo banho de banheira passo horas experimentando todos — ou quase todos — os modelos de Katherine, que por sinal ficam ótimos em mim.

Na hora do almoço peço tudo que tenho direito ao serviço de quarto. Como na mesa da varanda com uma bela vista para Nova York, me sentindo uma verdadeira rainha até alguém bater na porta e atrapalhar meu momento.

Usando um robe de seda preto por cima de uma camisola rendada, abro um pouco a porta e avisto um cara loiro que rapidamente força a porta para entrar no quarto.

— Ei! — reclamo me segurando para não cair quando ele entra de uma vez.

— É você? — Ri. — Não tem como acreditar que não é ela. — Ele se aproxima e dou um passo atrás. — Isso vai ser divertido.

— Você é o Steve? — pergunto apenas para ter certeza.

— Vou te ajudar no que for preciso e... — Tira o celular do bolso e após procurar algo me entrega o aparelho.

Na tela tem um vídeo e quando dou o play vejo a cena de meus pais chorando no que parece ser um hospital.

— O que significa isso? — pergunto horrorizada.

— Significa que seus pais agora pensam que você está morta e todo o dinheiro que vão receber é uma grana que ganhou antes de morrer, ou algo assim. Não se preocupe, cuidarei de tudo.

— Isso não estava no plano! — grito.

— O plano é Katherine casar com a Vielmont. E se para isso você tem que morrer... — Ele ri parecendo se divertir.

— Mas e depois? — Minha voz sai embargada. — Eu não posso viver para sempre naquela casa!

— Depois de um ano você pede o divórcio e com a grana que vai ganhar de minha irmã e um outro nome, vai viver de boa em outro país. — Caminhp até o sofá onde sento me perguntando porquê me meti nessa enrrascada.

— Estou perdida — murmuro para mim mesma.

— Amanhã minha mãe chega para ajudar com o noivado, lembre-se de ser grossa com ela. — Arqueio as sobrancelhas olhando ele que de pé parece pensar em algo.

— Por que preciso ser grossa?

— Ela não é a mãe biológica da Kathe e as duas não se dão muito bem. Na verdade a Kathe quem se recusa tratá-la bem, mas enfim por enquanto é apenas isso.

Ele vem até mim e puxa o celular de minha mão, em seguida sai.

Eu sinto um bolo se formar em garganta ao lembrar da imagem de meus pais chorando por minha causa. Pensei que estivesse fazendo o certo para ajudá-los, mas acabei causando uma dor terrível. E pior, eu não posso voltar a vê-los.

03 • Engagement

— Volkmer! — Sobressalto levando a mão ao peito enquanto Emily ri se divertindo.

Estou de pé diante da enorme mesa da cozinha na mansão Vielmont provando diferentes tipos de doces para a festa de casamento. Ainda não aconteceu o noivado oficial, mas quando eu e Margot — madrasta de Katherine — chegamos, Eleanor já havia marcado a degustação.

— Hmm esse é bom — fala Emily, em seguida pega outro doce fazendo careta o observando. — Você está se empenhando mesmo nisso.

— O quê mais posso fazer? — Puxo uma cadeira e sento, sentindo minhas panturrilhas protestar devido o salto.

Antes de vir com Margot para a mansão, passamos em uma loja de departamento onde ela comprou várias roupas para doar durante o natal que será em breve.

— Deve ser difícil para uma mulher como você. — Arqueio as sobrancelhas me perguntando o quê ela quis dizer com isso e a observo se aproximar, parando ao meu lado encostando o próprio corpo na mesa. — Ouvi dizer que você sabia se divertir na França. — Quase engasgo com a água que bebo. — Alguém me disse que costumava ser uma mulher de muitas amantes. — Arregalo os olhos.

— E-esteve investigando sobre mim? — Tento usar meu melhor disfarce para não demonstrar o quanto estou assustada, me perguntando o quê Katherine esteve aprontando. — Pelo que vejo coletou informações falsas.

— Emily, já começou incomodar nossa cunhada?

Viro o rosto para a entrada da cozinha ao ouvir a voz de Eloise que parece ainda mais linda que em qualquer outro dia.

— Estamos apenas conversando, não é mesmo Kathe? — Emily pisca para mim e sai dando um tapinha no ombro da outra que se aproxima com as mãos nos bolsos da calça esbanjando aquele charme que me deixa até mesmo tonta.

— Tenha cuidado, minha irmã não tem senso de responsabilidade e desconhece a palavra limite.

Apenas confirmo com a cabeça. Mesmo que queira dizer alguma coisa, não consigo.

— Katherine, vamos embora querida — chama Margot entrando na cozinha. — Olá Eloise.

Levanto da cadeira e caminho para a saída sem nem mesmo olhar para ela. Consigo conversar com Emily sem problemas, mas a irmã que mais desejo poder conhecer melhor, me deixa muda.

Volto para o hotel com Margot que por sinal é o oposto do que imaginei. Não chega a ser uma perua igual Eleanor, pelo contrário, a mulher é simpática, por isso não consegui ser grossa com ela em momento algum.

A semana segue agitada. Sou obrigada a ir a tantos lugares com Margot e Eleanor que quando o dia da festa de noivado chegou estou exausta e meu nervosismo em níveis absurdos. Sei que terão muitos repórteres e não estou pronta para aparecer publicamente.

Usando um vestido de cor pérola, com detalhes em bordado, uma leve maquiagem e penteado feito por profissionais, sigo para o local do evento.

Assim que o carro para na entrada do local onde acontece a festa, sinto minhas mãos frias. Engulo em seco. Não estou pronta para isso, ser oficialmente noiva de Alexa, quem eu nem tinha visto desde aquele café da manhã, uma semana antes. Sei que o próximo passo é o casamento e esse é o que mais temo.

A porta do carro é aberta e respiro fundo retirando o casaco que tenho sobre os ombros, antes de sair. Há uma confusão de gente vindo em minha direção assim que fico em pé e os flashs quase me cegam. Levo a mão aos olhos protegendo minha visão e no mesmo momento sinto mãos em meus ombros me ajudando a caminhar passando por aquele bando de fotógrafos mal educados. Mantenho a cabeça baixa até finalmente entrarmos e quando me vejo livre daquela loucura levanto a cabeça, só então vendo que foi Emily quem me ajudou.

— Sua noiva quem devia estar aqui — comenta ela arrumando o próprio cabelo.

— Obrigada pela ajuda. — Olho ao redor a procura de Margot.

— Vamos entrar. — Emily me ofereceu o braço e observo decidindo se devo ou não entrar com ela. — Vamos, sou sua cunhada. — Abre um belo sorriso e tento relaxar entrelaçando o braço ao dela.

Entramos no salão, que está cheio. As várias mesas estão rodeadas por pessoas influentes, algumas que eu nunca vi, outras que vi algumas vezes em sites ou revistas. Caminhamos até na frente onde fica a mesa da família Vielmont e observo que Alexa ainda não está presente.

— Katherine, como está bonita — diz Sebastian assim que me aproximo e sorrio agradecendo. Ao lado dele esta Eleanor tomando champanhe e também Eloise que sorri assim que nossos olhos se encontraram. — Onde estão seus pais?

— Ah... Devem estar chegando.

— Alí estão eles — avisa Emily e só então percebo que ainda mantenho o braço entrelaçado ao dela, então aproveito para me afastar pedindo licença, indo até a mesa de meus falsos familiares.

— Querida, você está linda. — O primeiro ministro Joseph Volkmer segura meu rosto assim que me aproximo e tenho que me esforçar para não fazer careta devido o aperto.

— Pai... — Sorrio sem graça dando um passo atrás, logo vendo Steve que como sempre tem um sorriso divertido nos lábios.

— Onde está sua noiva? — pergunta o ministro.

Eu também gostaria de saber. Penso.

— Perguntaram por mim? — Viro assim que escuto a voz de Alexa que trás uma mão para minhas costas enquanto com a outra cumprimenta Joseph.

Sento com ela na mesa da família Vielmont e logo começaram os discursos. Claro que a celebração não é de um noivado, mas sim de uma união de poder entre famílias e eles não perderiam a oportunidade de discursar e declarar muita alegria por estarem se fortificando.

Joseph faz o maior discurso, afinal o motivo de tantas pessoas influentes estar presentes é na intenção de conseguir apoio político.

Eu já quase bocejo tomando um gole e outro de champanhe quando de repente Alexa fica de pé estendendo a mão para mim que arqueio as sobrancelhas, mas mesmo insegura levo a mão até a dela e levanto da cadeira.

Seguimos até lá na frente enquanto me pergunto qual saia justa vou me meter dessa vez. Alexa pega o microfone e estou tão envergonhada que não sei para onde olhar.

— Como todos aqui sabem e já foi dito por meu pai e sogro anteriormente, estamos noivas há algum tempo e essa cerimônia não passa de uma mera formalidade. No entanto, ainda não fiz algo essencial. — Ela que até então falava olhando para os convidados, vira para mim sorrindo, ainda segurando minha mão. — Mesmo já tendo feito o pedido, não poderia noivar com a mulher maravilhosa que é você, sem presentea-la com um presente à altura.

Fico embasbacada por ela parecer tão verdadeira em cada palavra, até mesmo a forma de olhar é convincente. Será que pessoas ricas frequentam um curso de teatro para passar por esse tipo de situação falsa, que com certeza é constante em suas vidas?

Alexa larga o microfone e com uma caixinha em mãos abri a mesma virando em minha direção. Arregalo os olhos vendo o enorme diamante no anel.

— Sorria — ordena entredentes sem tirar o sorriso do rosto.

Eu pisco confusa, mas ao voltar a me situar sorrio levando a mão livre ao rosto, em minha melhor atuação de surpresa e emoção.

Jamais imaginei passar por uma situação desse tipo. Estou morrendo de vergonha, mas não posso deixar transparecer.

Alexa desliza o anel em meu dedo e o objeto parece até mesmo pesar.

O lugar explode em palmas.

Quando penso em voltar para a mesa dando um fim essa situação constrangedora, minha mais nova noiva me surpreende puxando em minha cintura de repente e num novimento rápido me gira inclinando meu corpo para trás. Meus olhos arregalados encontram os dela que dá um sorriso um tanto perverso antes de unir nossos lábios.

Permaneço com os olhos arregalados, mas quando todos voltam a bater palmas, os fecho rapidamente sentindo a pressão daqueles lábios contra os meus. Mas dura somente até que seu perfume se infiltre em minhas narinas me deixando entorpecida. Ela me gira tão rapido quanto antes, me colocando de pé novamente. Estou tonta. Desnorteada. Por sorte seguro em sua mão quando voltamos para a mesa.

Ainda não posso acreditar no que aconteceu, quando o jantar começa a ser servido. A vergonha segue durante o resto da noite. Conto os minutos para voltar a me trancar no hotel e poder ser apenas eu, a Hanna que deseja gritar para extravasar toda essa tensão desde o começo da tarde quando dei início a toda a arrumação para o evento.

Depois do jantar peço licença e vou ao banheiro, onde aproveito que esta vazio para me olhar no espelho me perguntando o quê estou fazendo.

Observo a pedra em meu dedo e suspiro imaginando quanto dinheiro conseguiria com a venda, mas algumas mulheres entram e disfarço passando as mãos arrumando o cabelo. Em seguida saio, me deparando com Eloise que me causa um grande susto.

— Está tudo bem? — pergunta me vendo com a mão no peito.

— Sim, claro.

— Percebi que ficou desconfortável com o que Alexa fez.

Eu quase sorrio achando ela adorável por se preocupar comigo.

— Tudo bem, era necessário para tornar a coisa real. — Forço um sorriso.

— Vamos lá, sua tortura está prestes a acabar. — Sorrio confirmando e caminhamos de volta ao salão.

Quando nos despedimos de todos, Alexa segue comigo passando por toda aquela loucura dos paparazzis novamente, até chegar ao carro onde entramos juntas.

Suspiro aliviada por finalmente ir embora. Até mesmo sorrio sentindo uma certa paz depois de tanta tensão. Desço um pouco o vidro do carro, aconchegando a cabeça no encosto, apreciando o vento frio em meu rosto, durante alguns minutos.

— Você e sua mãe quem organizaram aquele jantar? — Viro o rosto, só então lembrando que Alexa esta a meu lado. — Não dava para ter contratado uma equipe e ficado longe disso? Contrataram o pior buffet...

— Com licença — interrompo —, se você não sabe, sua mãe praticamente me obrigou a fazer tudo pessoalmente, por sorte a Margot veio me ajudar.

— Agora a culpa é de minha mãe? — Estreito os olhos encarando ela. — Você nem mesmo serve para fazer uma atuação que preste. Senti como se estivesse beijando um cadáver.

Arregalo os olhos, e minha boca se escancara. Não acredito que estou ouvindo isso.

Quem ela é para julgar minha atuação?

— Escuta aqui senhorita diretora de Hollywood, não estava em meus planos passar por aquela situação bizarra que você criou de uma hora para outra. Algo digno de filme cafona! Não dava para ter preparado uma fala melhor? E aquela puxada pela cintura. Oh, céus, se eu pudesse teria...

— Teria o quê? — Nós já estavamos frente a frente quase nos peitando, quando percebo o motorista olhando através do retrovisor e sem graça volto a me encostar no banco. — Você devia agradecer ao fato de seu pai ser alguém com poder, caso contrário jamais poderia sequer cogitar encostar em uma mulher como eu.

Tenho que rir ao ouvir tal frase.

— Por que será que de todas as irmãs foi necessário um casamento arranjado para você, hein? — Vejo a furia nos olhos dela, mas quando abre a boca para revidar o motorista interrompe avisando que chegamos ao hotel. — Boa noite, noivinha. — Saio do carro com raiva quase tropeçando, e fecho a porta com força, ainda bufando.

Quando entro em meu quarto me encosto na porta fechando os olhos, agradecendo a Deus mentalmente por aquela sessão tortura ter chegado ao fim.

Retiro os sapatos e sigo até a cama onde me jogo toda esparramada, fitando o teto do quarto que é todo trabalhado em cores douradas. Relembro as palavras de Alexa. É difícil admitir, mas se não fosse todo o dinheiro de Katherine e a família, eu jamais chegaria a frequentar o mesmo ambiente que uma mulher daquela, que dirá ser beijada.

Mas eu realmente não quero ser beijada por Alexa Vielmont. Que insuportável!

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