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Sangue De Redenção

A chegada

Todo o porto se encontrava lotado, caixas passando por todos os lados, pessoas das mais distintas saindo dos navios, embarcações das mais comuns até as mais exóticas que dependiam de magia ou tecnologia. A primeira vez na história, onde tantas nações se encontravam em um mesmo lugar. No meio de todo o caos na frente de um enorme navio os guardas abriram um corredor, a embarcação era enorme e luxuosa, alternando entre o verde e dourado. Uma enorme escada começou a se formar, degrau por degrau. Do topo do navio, três grandes pássaros voaram, as penas em tons néons que nunca foram vistos em animais. O aroma forte do mar começou a desaparecer com o tempo e no lugar um aroma cítrico tomou conta.

"Anunciamos a chegada da Décima Terceira Princesa de Telfy, Princesa Rory D'Rostal." A voz grave foi ouvida em todo o porto.

No topo das escadas estava uma mulher, o sapato completamente preto o único detalhe era em prata onde uma flor parecia estar envolvida no salto. A princesa usava um vestido curto num tom verde-escuro. A saia chegava até um pouco abaixo do joelho, ela era feita por diversas camadas de tecido, trazendo leveza e movimento à peça, o tronco era justo e cobria quase todo o colo, apenas no meio um pequeno espaço ficava aberto.

Os fios castanhos e ondulados desciam até alguns centímetros abaixo do ombro. O seu rosto com o queixo muito bem acentuado, o nariz pequeno, os lábios vermelhos e cheios, mas não muito grandes. Os olhos num tom castanho escuro, com as bordas levemente acentuadas. A sua expressão mostrava poder, era como um enorme aviso de perigo. No topo da sua cabeça uma coroa dourada, três flores diferentes adornavam a coroa.

No primeiro passo da princesa a barra do vestido começou a se tornar preta, a cada passo dela o preto subia até chegar na metade do vestido e formar um degradé com o verde, naquele momento linhas pretas subiam no vestido, delineando a roupa no corpo da princesa. Naquele momento quase todos no porto estavam olhando para aquela grande chegada.

Ela olhou para frente e observou no final do corredor, aberto pelos guardas, três pessoas. Os seus punhos fecharam-se com força, mas ela continuou o caminho. Os dois homens mantinham a cara séria e a postura ereta, enquanto a mulher continha um sorriso amigável no rosto.

"O Rei de Telfy nos informou que não haveria uma grande entrada por parte da Décima..."

"Princesa Rory." Ela corrigiu o homem "O meu pai não participou dos preparativos da viagem e mesmo se ele tivesse participado, ele não estaria errado. Isso não foi uma grande entrada." Ela olhou para a mulher que falava e direcionou o olhar para os dois homens. "Envie o cronograma dos eventos para o meu assistente, ele irá informar em quais eventos eu vou estar presente e passará as recomendações necessárias." O tom da princesa era impaciente, achando desnecessário ter que falar, o que para ela, era óbvio. "As acomodações do concelho não são necessárias, como dito antes já foi reservado um quarto de hotel. Apenas me contactem nos momentos oficiais." O sorriso falso no rosto de Rory foi visto por todos e ela não fazia questão de esconder.

"A princesa tem exigências interessantes... quando fomos informados sobre a mudança o Reis falaram que não haveriam mudanças. A Primeira Princesa teve uma boa recepção com os ideais do Conselho de Kiori. " O homem a direita deu um passo para frente, a princesa não direcionou um olhar para ele. A sua voz mostrava o total descontentamento com a mulher na sua frente.

"Os padrões da minha irmã são mais baixos que os meus, ela aceita qualquer coisa." A princesa virou lentamente o rosto na direção do homem, o loiro tinha uma aparência entediante na visão dela. "Ah! E se está tão interessado na minha irmã, eu recomendo que busque se informar pelo motivo que a minha irmã foi substituída. Ou o próximo com um substituto será você."

Ela não fazia questão de manter a educação com aquelas três pessoas, quando a mudança da representante de Kiori foi anunciada Rory deixou claro que não iria aceitar qualquer coisa vinda do conselho. Transporte, estadia e comida tudo seria organizado pelo seu conselheiro.

Eles continuaram o caminho até o hotel que ficariam hospedados, o caminho era um pouco longe, mas Rory não se importava. A sua expressão continuou a mesma do começo ao fim. Ela nem sabia mais quantos protocolos quebrara, não era problema dela. Quando voltasse para Telfy resolveria esse assunto com os seus pais.

"Princesa os seus pais planejam estabelecer relações mais próximas com o Conselho de Kiori, as suas ações hoje podem dificultar o desejo deles." O conselheiro tinha uma voz baixa e hesitante.

"Rast... eu não vim aqui ajudar os meus pais. Se fosse para algo assim acontecer, a minha primeira irmã estaria aqui, ou qualquer uma das outras." Ela soltou um longo suspiro e olhou para o rosto do conselheiro, a ponta do nariz dele era um tom azul e se mexia em alguns momentos. "Depois que chegarmos ao hotel avise que todos os guardas estão liberados e você também está."

Rory ficou com a cobertura do hotel, deixou as malas próximas à cama, ela apenas abriu uma para trocar a sua roupa por algo mais confortável. Retirou a coroa da sua cabeça e ela desfez-se num longo fio de prata líquida até se condensar novamente num bracelete liso.

Rory não tinha pretensão de permanecer no hotel, andava devagar pelas ruas do centro de Kiori, ela olhou o mapa duas vezes antes de sair, em pouco tempo ela estaria na praça central. As ruas estavam calmas e o único barulho que era possível ouvir era o som do ténis contra o asfalto. Ainda era dia, mas poucas pessoas andavam pelas ruas.

"Desculpe, senhorita." Rory não teve tempo de reagir quando sentiu o seu braço sendo segurado e puxado para baixo.

Ela olhou para o lado vendo um homem, que provavelmente tropeçou e se apoiou nela. Ele tinha um sorriso gentil no rosto e vestia roupas simples. Colocou a mão no bolso do casaco e entregou um panfleto para a princesa.

"Um recado de Boas-vindas para a senhorita."

Rory fez uma careta quando o homem saiu, ela imaginava ser mais um dos ridículos anúncios sobre o grande festival da noite, o mesmo para o qual ela ia. Rory olhou para o papel com total desinteresse no primeiro momento, mas logo a sua expressão tornou-se curiosa.

"Se livre dos charlatões do conselho, esta é a verdadeira festa." Em baixo do endereço "As Quatro Mortes".

"Um nome criativo para um bar..., ou seja lá o que for essa coisa." Ela guardou o panfleto no bolso das calças e continuou o seu caminho original, antes de qualquer coisa ela precisava descobrir como era esse enterro que eles chamavam de festival.

Na entrada do festival um enorme cartaz se destacava. O loiro comum estava estampado numa pose heroica ridícula, "Conselheiro Decor e o seu parceiro mudam o rumo da magia" "À época da tecnologia chegou".

"Patéticos." Ela soltou um riso abafado e continuou o seu caminho.

Todos ali vestiam roupas espalhafatosas, pareciam um enorme projeto de arquitetura e Rory se perguntava como alguns deles conseguiam andar. As coisas não chegavam a ser ruins, mas elas não eram boas. Conforme ela andava o cheiro de mar misturado com álcool tornou-se forte.

"O pirata peixe atreveu-se a dar as caras em Kiori." Uma voz desconhecida gritou no meio das pessoas, Rory virou o rosto já sabendo de quem era o cheiro do álcool.

"O conselho concordou em suspender as minhas acusações durante esse tempo e um bom pirata nunca recusa uma boa festa." Um homem com escamas visíveis estava apoiado num conjunto de caixas, na sua mão uma enorme caneca com o que deveria ser álcool, as suas orelhas diferentes das humanas, o cabelo num tom castanho e um sorriso sedutor sobre os lábios. "Além de que a Alta Realeza mágica se encontra presente, eu não poderia perder essa oportunidade." Os olhos pretos viraram-se para Rory e ele curvou-se para a princesa.

"Você e a sua capitã ainda me devem por poderem pisar em Telfy ainda. Tome um banho, o cheiro de álcool me dá náusea." Ela fez uma careta e virou o rosto. "Não causem problemas aqui, Telfy está bem longe para vocês buscarem abrigos."

"A senhorita deveria seguir o seu próprio conselho, princesa. A notícia de você ameaçando o Conselheiro Decor já está circulando por aí. Claro que eu achei uma ótima notícia. Eu e a Capitã Kaleena apostamos quanto tempo você demoraria para ameaçar algum deles e eu obviamente ganhei." Hui falava como se sempre estivesse flertando com alguém, as roupas desleixadas e os cabelos bagunçados eram o perfeito combo para atrair pessoas sem o conhecimento da fama do pirata.

Rory notou a quantidade de pessoas em volta do homem peixe aumentando, piratas sempre eram uma boa fonte de informação.

"Saiam." A sua voz severa fez com que todos que estavam em volta do pirata se afastassem.

"O cheiro do álcool me dá náusea? Se tornou piadista após esses meses?" Ele ofereceu a caneca para a mulher.

"Tire esse sorriso idiota da cara. Eu não bebo em público e para eles eu odeio álcool." A mulher tirou do bolso o panfleto que recebeu mais cedo. "Descubra de onde vem, pelo texto eles não são muito amigos do conselho."

"Ela nem chegou e já quer descobrir os inimigos do governo local. Rápida!" Ele pegou o papel e olhou para o anúncio. "Tanta cor que caos... Dev!"

A tripulação que Hui fazia parte tinha uma forma muito prática de se organizar, um nome e uma função. Eles só precisavam gritar que tudo começaria a fluir. Rory nem sabia se esse era realmente o nome deles ou a função que eles carregavam dentro da tripulação, ela também não tinha interesse nenhum em saber.

"Você fica menos desprezível quando é útil, Hui."

O castanho colocou a mão sobre o peito como se estivesse tocado pelas doces palavras da princesa, afastou-se das caixas e deixou a caneca sobre as mesmas. Hui se inclinou ficando com o rosto na altura do de Rory, se aproximou do ouvido dela e sussurrou.

"Sabemos que eu sou o favorito da princesa."

"Quando você tiver o dobro de peito... talvez." Ela colocou o dedo sobre o peito do homem e o afastou.

Era para ser um festival?

Horas foram se passando e a noite começou a cair. O festival, que já se encontrava com um alto número de pessoas, ficou completamente cheio. A diversidade de pessoas apenas aumentava, todos os convidados se encontravam ali. Elas seguiam para o mesmo destino, o centro do festival. Obviamente a abertura oficial do grande festival seria o foco.

Se tem uma coisa que todos sabem é que tentar ir pelo fluxo oposto é a pior coisa que se pode fazer, nesse momento era o que Rory estava tentando fazer. Na realidade ela estava conseguindo. Algumas pessoas davam passagem. Enquanto as outras, a princesa empurrava para o lado.

Fora do grande conglomerado de pessoas estava mais tranquilo, ela podia andar sem esbarrar em 5 pessoas toda hora. O seu caminho ia na direção de onde encontrou Hui pela primeira vez, do jeito que conhecia o pirata ele tinha preguiça demais para mudar de lugar. Ainda mais com o número de convidados aumentando a cada segundo.

O homem peixe se encontrava no mesmo lugar, mas estava acompanhado por uma mulher alta. Uma mulher muito bem conhecida e temida.

"Eu estava me perguntando quando a mulher mais temida dos mares iria dar as caras, era óbvio que ele não viria sem a sua autorização." A Princesa se aproximou dos dois, ela podia ouvir a ruiva rindo baixo.

"Hui me contou que queria informações sobre isso." A voz da mulher era aveludada e tranquila. Ela apoiou o cotovelo numa caixa e levantou a mão, dois dos seus dedos seguravam o panfleto que Rory entregou a Hui. "Eu não pretendia me meter, mas lembrei que aconteceu um pequeno acidente na sua chegada. Então achei melhor checar."

"Foi apenas um conselho, as pessoas de Kiori não sabem apreciar mais uma gentileza." Ela revirou os olhos e os braços se cruzaram na frente do seu corpo. "E um não tem relação com o outro."

" O seu temperamento só piora com o tempo." A Capitã olhou para o papel e soltou um longo suspiro antes de começar a falar. "É uma festa clandestina e uma ‘boate’ dos subúrbios, o dono participa de propagandas contra o Conselho. Bom, todos do subúrbio são contra o Conselho. Após o seu doce conselho, se eles verem você nessa ‘boate’ vão te acusar de conspiração."

"A polícia local recomenda ficar longe daquela região, eles não têm controle do que acontece ali. Pelo, o que eu soube fica para a região norte, mas ninguém sabe dizer exatamente como chegar lá." Hui se afastou da sua Capitã e ficou apenas alguns passos de distância da Princesa. Ele não queria que a conversa seguisse o rumo da Capitã. "Se for lá leve alguns guardas, ninguém sabe o que tem lá. As pessoas do subúrbio não vêm para a cidade e as pessoas da cidade não vão para lá."

A princesa pegou o papel da mão da capitã e ficou alguns segundos encarando o anúncio.

"A abertura oficial do Festival está prestes a começar, eu vou atrás desse Quatro Mortes. Capitã Kaleena não gaste a sua energia com assuntos sem importância." Ela acenou para os dois, não queria ninguém para a acompanhar e sabia que se demorasse mais os dois iriam junto.

A princesa de Telfy era orgulhosa, entre pessoas e criaturas normais não existia uma que pudesse ser uma ameaça real. A polícia local apenas mostrava incompetência, o conselho gastava tanta energia invadindo terras que não conseguia nem cuidar da própria nação.

"Patéticos, tão inúteis quanto as minhas irmãs."

Fora do grande festival, as ruas estavam bem movimentadas e iluminadas, a maioria das pessoas aparentava estar indo para o festival. Ela não ficou muito tempo prestando atenção naquelas pessoas, o seu foco logo voltou para o caminho que fazia. Iria seguir para o Norte da cidade até achar algo que parecesse um subúrbio ou procuraria alguém para pedir informação.

Por alguns segundos a dúvida passou por sua mente, uma cidade onde ela não conhecia nada e estava indo para um lugar onde nem as pessoas dali conheciam. Ela pensou nas discussões com as suas irmãs e na primeira vez que os trabalhadores de Kiori invadiram as suas terras. A ponta dos seus dedos ficaram frias e o ferro do bracelete começou a esquentar.

"Com licença você..."

As pupilas de Rory se encolheram e os olhos arregalaram, o bracelete transformou-se numa adaga pequena e a lâmina foi feita de gelo. A adaga foi apontada para o pescoço da pessoa que se aproximava dela. Uma intenção assassina dominava o olhar da princesa.

O homem não parecia saber o que falar, o seu corpo congelou e a mente ficou num completo branco. Ele levantou as duas mãos como se tentasse mostrar que não era uma ameaça.

"Eu queria apenas... avisar que o festival é para o outro lado." Rory afastou um pouco a adaga percebendo a voz trêmula. "Você parece ser uma turista... o norte da cidade não é recomendado." Os punhos dele se fecharam e ele deu alguns passos para trás.

Rory encarou ele por alguns segundos, ela mexeu levemente a adaga, mas ainda não abaixou ela. Ele não aparentava ter muita força, o seu corpo era bem magro. As roupas eram simples, o cabelo na altura do ombro se encontrava bagunçado, parecia que estava voltando do trabalho. Além da pele completamente pálida, a Princesa se perguntava se ele estava realmente bem.

Pelas palavras ele aparentava saber que para aquela região ficavam os subúrbios, Rory sorriu de lado. Perguntar para qualquer guia ou guarda da região não era uma boa ideia. Como Kaleena havia dito, ela ameaçou um dos Conselheiros logo que chegou. Rory deu alguns passos para frente e disse com a voz calma.

"Não tenho interesse no festival, leve-me até os subúrbios." A mulher tirou o sorriso dos lábios. "Se está realmente interessado em ajudar uma turista, leve-me até os subúrbios." Estava claro que ela não aceitaria um não como resposta.

O homem ficou alguns segundos em choque, provavelmente era a primeira vez que ele via uma situação como aquela. Sua boca abriu e fechou pensando exatamente no que falaria a seguir. A adaga ainda se encontrava na mão da mulher, então ele tinha medo de contrariar ela e acabar sendo manchete de jornal no dia seguinte.

"Os subúrbios não são um bom lugar nesse horário." A voz ainda se encontrava um pouco trêmula.

"Eu não me importo, leve-me até lá." Ela fechou os olhos e soltou um suspiro longo, levantou a cabeça e mordeu o seu lábio inferior com força. "Olha você me leva até os subúrbios e todo mundo fica feliz, apenas me deixe num lugar próximo." Embora ela não deixasse brechas para um não, a sua voz se tornava mais amigável. Tornando a ordem, mais como um doce conselho.

A personalidade irritante de Rory se tornava mais maleável quando estava em momentos onde ela não precisava ser A Princesa Rory. Não que ela se tornasse legal, a própria princesa não se considerava uma pessoa legal, apenas se tornava mais suportável.

Ela viu o olhar hesitante do homem e abaixou a mão se afastando. Era uma forma de mostrar que ela não iria machucá-lo, afinal Rory não pediria desculpas.

"Certo." A voz do homem pareceu mais firme.

Ele parecia mais confiante sem algo afiado contra a sua garganta, os seus olhos procuraram a adaga na mão da mulher, mas ele não encontrou nada. Os seus olhos se arregalaram, ela tinha acabado de abaixar a arma. Tudo que ele podia ver era um bracelete de prata, mas a adaga parecia ter sumido completamente.

"As entradas principais estão fechadas pela guarda, você vai ter que entrar pelas entradas secundárias. Ninguém está permitido entrar ou sair de lá."

Nenhum dos dois falava algo, Rory era acostumada a fazer as suas viagens em silêncio. Na realidade as viagens eram bem movimentadas, mas o assunto nunca era com ela, então aprendeu a se manter em silêncio. Com o passar do tempo virou um costume, ela raramente fala enquanto estava andando ou dentro de algum veículo.

E o homem, bom ele estava com medo de falar algo que pudesse ser visto de forma ruim. Só por conversar com aquela mulher ele já tinha tido uma adaga no seu pescoço e estava sendo um guia para os subúrbios. Essa não era a caminhada tranquila para casa que ele tinha planejado.

Quanto mais eles andavam a iluminação ficava cada vez menos presente e as ruas mais estreitas. Rory mantinha os olhos atentos em cada rua que viravam, ouvindo cada movimento próximo. Confiar num estranho não era algo que ela faria.

"Aqueles muros dividem os subúrbios da cidade. Existem alguns buracos com escadas para lá." Ele parou de andar e apontou para o enorme muro a alguns metros de distância.

"Você pode ir." Ela não precisava dele ali dentro, afinal ele não aparentava ser uma pessoa que conhecia lá dentro. Na realidade Rory achava que ele iria desmaiar a qualquer momento.

Ela não olhou para trás e apenas seguiu seu caminho. Olhando para os lados ela encontrou algumas pessoas entrando e saindo dos muros, ela se aproximou devagar. A sua guarda permanecia alta durante todo o caminho.

O buraco no muro não era muito grande, duas pessoas poderiam passar ao mesmo tempo e as escadas pareciam ser bem pouco confiáveis. 

Os subúrbios

As escadas rangiam a cada passo da mulher, desenhos e respingos de tinta iam desde as paredes até os degraus da escada. Rory olhou para baixo vendo a cidade a alguns metros de distância. O ambiente era rodeado por luzes laranjas e verdes, Rory apoiou as mãos no corrimão gasto e olhou com atenção para o ambiente.

 

"Apesar do cheiro..." Ela fez uma careta. "É mais agradável que lá."

 

A região era diferente, mais bagunçada que a cidade, o neon se encontrava presente em todos os lugares. Paredes pichadas, cabelos nos tons mais diversos, roupas em uma mistura absurda de cores. Era uma enorme explosão de informação, mas não chegava a ser desagradável. Na realidade Rory achava que era muito mais agradável que Kiori.

 

A multidão começou a se mover, um garotinho corria no meio das pessoas. Ele pulou e gritou no meio de todos.

 

"Os Dockz estão vindo!"

 

Naquele momento a luz de toda a cidade se apagou, Rory franziu as sobrancelhas. Esperou ouvir gritos de medo, ou pessoas falando para todos correrem, mas tudo que aconteceu era justamente o contrário. Todos estavam animados, falaram para olhar para cima e ela conseguia ver a sombra de mãos apontando. De longe ela conseguia ver pontos de luz no céu, junto do som de uma música ficando cada vez mais alta.

 

As luzes acenderam, mas apenas algumas, a iluminação era roxa fazendo o neon se sobressair. Rory olhou para seu próprio pulso para verificar o bracelete, mas sua expressão se tornou ainda mais confusa. Havia uma marca de mão verde ali. Ela passou a mão querendo se lembrar de onde aquilo tinha vindo.

 

"O que.." Antes que ela conseguisse pensar em algo, sentiu alguém a segurando pela cintura e a puxando para cima.

 

Os olhos da princesa se arregalaram, a bracelete se transformou em um corda e envolveu o pescoço da pessoa que a segurava.

 

Ela olhou para baixo e notou que estava a vários metros do chão, seus pés em cima de um pedaço de metal. Ela levantou o rosto e olhou para a pessoa que a segurava, era uma mulher.

 

"Ei, ei. Vamos com calma. Estamos a alguns, vários, metros do chão." A mulher sorriu, o vento batia contra os longos fios pretos. "Apenas aproveite as boas vindas dos subúrbios! No final desse maravilhoso tour estaremos nas Quatro Mortes" Seu tom era divertido, e o maldito sorriso não parecia desgrudar de seus lábios.

 

"As pessoas dessa maldita cidade tem a infeliz mania de encostar nos outros sem permissão." Rory puxou a corda. "Me solte e depois me leve até as Quatro Mortes." Suas palavras soavam como ordens.

 

"Nossos métodos não são os melhores" Ela fez uma pausa por alguns fazendo, fazendo uma careta exagerada e pensativa. "Mas pensei que já soubesse o que te esperava." A mulher olhou em volta e uma expressão pensativa se dissipou, no lugar um sorriso estranho tomou conta. "Bom, se é isso que você quer, irei atender o pedido de nossa estimada convidada."

 

A mulher soltou Rory para fora da plataforma de metal, a corda sumiu de seu pescoço causando uma sensação de alívio. Ela esperou ouvir gritos da outra, mas nada veio. Ela olhou para baixo apenas para ver Rory sentada em cima de algo que parecia ser uma nuvem.

 

"Eu não preciso dos truques inúteis que vocês usam." Ela sorriu e acenou para a outra, seus gestos eram calmos e ela manteve seu olhar sobre a outra. "Vamos, eu não tenho o dia todo."

 

A mulher parecia sem palavras, ela balançou a cabeça e não disse nada. Focou seus olhos no céu em sua frente e começou a guiar a princesa até o local desejado. Nenhuma das duas falou durante o trajeto, Rory não sentia vontade de falar com as pessoas daquele lugar.

 

"A Quatro mortes" A mulher apontou para um enorme prédio, aquilo era uma enorme explosão de cores. "Agradecer pela minha gentileza seria bom."

 

"Que eu me lembre não pedi para me pegar no meio de uma multidão de pessoas." A nuvem que Rory se encontrava sentada foi em direção ao chão e ela desceu. "Me trazer até aqui era o mínimo."

 

Ela olhou para as pessoas e percebeu que a maioria delas eram pessoas que tinham vindo de outras nações. Todos tinham uma marca de mão pelo corpo, Rory se virou para a mulher de pele escura e levantou o pulso marcado.

 

"Não se preocupe princesa... sai com água! Precisamos diferenciar os turistas autorizados a entrar na festa. Dos curiosos."

 

"Como se vocês tivessem muita coisa para esconder."

 

Rory olhou para os dois homens grandes parados na frente da porta, ela andou na direção deles, os dois nem se moveram. Sua expressão se tornou feia, ninguém tinha a permissão de impedir sua entrada.

 

"Polt ela é a princesinha que ameaçou o Decor na frente de todo mundo."

 

"Foi um aviso amigável." Ela corrigiu a mulher.

 

"Quero nem imaginar como são as suas ameaças." Os dois homens abriram a porta e Rory entrou no bar.

 

A mudança brusca de temperatura fez Rory ficar parada por alguns segundos, além do ambiente se encontrar extremamente quente, era completamente escuro. As únicas luzes ali eram fracas e coloridas, o cheiro forte de bebida e algo adocicado eram a maior marca do lugar.

 

"Lindyz! Meu pássaro dourado voltou com a nossa estimada convidada!" Um homem alto e magro se aproximava das duas. "Liev veio e ele parece um pouco em choque, vá ver ele. Eu vou entreter a nossa convidada."

 

Lindyz sorriu para Rory e se afastou. A princesa começava a se arrepender de ter ido até ali, aquelas pessoas pareciam apenas serem malucas. Pensou que eles teriam alguma coisa de útil no meio de todo aquele caos.

 

"Toda a cidade ficou sabendo sobre sua chegada, parece que o Conselho de Kiori não te fez muito feliz... apesar das pessoas falarem que Telfy tem a intenção de selar acordos com o Conselho. Sua irmã estava vindo com uma proposta, mas ela foi substituída de última hora."

 

"Se veio para falar o óbvio eu irei me retirar." Se fosse para ouvir o mesmo que as fofocas ou o proprio conselheiro idiota, ela teria ficado naquele maldito festival.

 

O homem pareceu perceber a intenção da mulher e deu um passo para trás.

 

"Eu, chefe dos subúrbios, Lian. Tenho o enorme prazer de receber a Décima Terceira Princesa de Telfy." Ele fez uma reverência para a mulher. "Se sua Alteza estiver interessada gostaria de falar sobre um humilde projeto... algo que poderia prejudicar a produção dos núcleos de energia de Kiori."

 

A princesa abriu um sorriso singelo. Ela cruzou os braços na frente do corpo e se aproximou um pouco mais do homem.

 

"Amanhã um de meus guardas vai se encontrar na entrada pela qual eu entrei, entregue para ele uma pasta com todas as informações. Antes de sair de Kiori eu lhe dou uma resposta."

 

Rory era jovem, mas não iria aceitar qualquer proposta sem antes saber dos detalhes. Já estava se arriscando o suficiente indo até ali. Seu ódio pelo conselho era grande, mas não deixaria ele ultrapassar a sua razão.

 

"Claro... apenas temos que a Princesa pode se arrepender se aceitar o acordo muito tarde."

 

"Eu não costumo me arrepender."

 

O homem sorriu e levantou um dos braços apontando na direção do bar.

 

"Espero que aproveite a noite, afinal já que está aqui... porquê não a se divertir um pouco?"

 

Rory não falou mais, ela apenas seguiu na direção do bar. O ambiente se encontrava praticamente vazio. A maioria das pessoas ali eram funcionários. Pela confusão lá fora, eles só liberariam a entrada mais tarde.

 

Ela se sentou em um banco e cruzou as pernas, olhou para o cardápio sobre o balcão. O nome das bebidas eram estranhos, ela não conhecia nenhuma ali. Era melhor se manter na água.

 

Seus olhos percorreram o lugar, na parede ao lado de uma enorme prateleira de bebidas tinha um um cartaz, as pessoas daquele lugar realmente gostavam de coisas exageradas.

 

No centro do cartaz duas pessoas lutavam, pingos de tinta espalhados de forma aleatória por todo o papel, uma fonte extremamente grande e esticada.

 

"Venham assistir o melhor campeonato dos subúrbios. Estrangeiros são extremamente bem-vindos, inscrições a partir do dia 9."

 

No dia 9 todos teriam voltado para sua nações. Só aqueles que tinham reuniões marcadas ficariam.

 

"Ele é louca se pensa que alguém vai ficar apenas por isso." Ela duvidava que as pessoas soubessem daquele tipo de competição.

 

"Parece que Lian estava errado, ele achou que você iria aceitar a proposta no primeiro segundo." Ela escutou a voz de Lindyz e revirou os olhos.

 

"Não sou a primeira na linha de sucessão, mas recebi a mesma educação que minhas irmãs. Nunca irei aceitar uma proposta sem ler ela."

 

A morena colocou um copo na frente da princesa, Rory franziu as sobrancelhas e encarou Lindyz.

 

"Beba, é a especialidade da casa."

 

"Eu não aceito bebida de estranhos." Afastou o copo de si e o colocou na frente de Lindyz.

 

A mulher pareceu não ligar para o comentário da princesa. Ela apenas deu de ombros e bebeu o que tinha no copo.

 

Rory ouviu um som alto vindo da entrada, virou o rosto e viu as portas sendo abertas. Uma multidão de pessoas começou a entrar. A maioria ali não parecia ser como os típicos diplomatas que ela viu no festival.

 

O ambiente começou a ter uma aura tímida de festa, as pessoas pareciam com medo de realmente se soltar. Eles já tinham chegado até ali, era apenas uma festa.

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