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Entre Neves E Cinzas

O Peso do Gatilho

Durante a vida eu nunca tive tempo para refletir sobre mim mesma como tenho agora, no momento do meu último suspiro. Sempre estive lutando, lutando e lutando. Eu não possuía um sonho, mas um objetivo.

É engraçado olhar para trás e ver como abandonei aos poucos essa dolorosa ambição.

Quando eu tinha apenas sete anos de idade, eu perdi meu pai, ou melhor, ele foi arrancado de mim. Vislumbrar o assassinato do único membro vivo da minha família naquela idade não foi nada fácil. Por isso eu jurei aos céus vingá-lo, e realmente dei minha vida a isso até este inconveniente evento.

Caso exista vida após a morte, não sei se conseguiria encontrá-lo novamente. Primeiramente, apesar da semelhança do fim que tomamos, estaríamos em planos diferentes. Não trilhei um caminho digno como gostaria, não hesitei em momento algum na hora de matar inocentes apenas para concluir os meus planos de vingança. E o mesmo se repetiu quando os abandonei.

Ainda que eu pudesse reencontrar o meu herói, jamais conseguiria encará-lo. Por mais que o próprio provavelmente desaprovava meus desejos de vingá-lo, ainda sinto que o traí. E ironicamente no fim decidi proteger o sorriso de quem um dia jurei exterminar.

É tudo sua culpa, você me apresentou de novo ao mundo que eu havia abandonado há uma década. Um mundo que não me deve nada, um mundo a quem eu não devo nada. E também é sua culpa por ser um péssimo ator.

Dentre essa infinidade de mundos, será que em um poderíamos ter sido felizes? Se ao menos tivéssemos uma escolha a mais… Eu não fui capaz de encontrá-la. Todavia, permaneço grata por essa chance que o destino me deu de agir pelo que eu desejo e não continuar obedecendo a um fantasma retroativo.

O que diabos você está fazendo? Não deveria ser tão gentil com seus supostos inimigos. Mesmo depois de tudo o que eu tentei, ainda não é capaz de sentir raiva ou desprezo por mim?

Meus olhos finalmente se acostumaram à escuridão e a minha última visão será justamente o seu rosto. Há tantas coisas que gostaria de te falar, contudo já passou muito da hora de fraquejar e tentar voltar atrás.

Como partirei, eu só lhe peço que cumpra meu papel e a proteja.

Memórias da minha infância ressoam na minha mente.

Nós não estávamos tão distantes assim naquela época… se eu pudesse desejar algo seria para que nossos caminhos tivessem se cruzado mais rapidamente. Imagino o quão diferente tudo poderia se desenrolar.

Dói.

Morrer é mais penoso do que eu imaginava. Então é esta a dor que meus disparos causaram em todas minhas vítimas? Imagino que todos devem estar agora zombando de mim, bem, é um direito deles desfrutarem da minha agonia. Puxar o gatilho se tornou algo tão trivial para mim que esqueci completamente do que o ser ao lado oposto ao cano sentia. Mas foi uma atitude necessária, pois para me tornar uma máquina de matar eu precisei abandonar toda a minha humanidade.

De Repente, um Estranho Anúncio é Feito (1/2)

1º Dia

10h27

O tempo insiste em não passar, tenho dificuldades de crer que este relógio não esteja quebrado. Não que eu esteja ansioso pela próxima aula, longe disso. Todavia para que o horário de eu voltar para casa chegue, é preciso que este intervalo também acabe logo.

Ao passo no qual aguardo entediado pelo fim do intervalo, olho pela janela da sala de aula e vejo a mesma coisa de sempre. Garotas sorridentes e garotos barulhentos emanando esta escandalosa aura da juventude.

Algo quebra meus sistemáticos xingamentos a felicidade alheia. Percebo um movimento fora do padrão. Longuíssimos cabelos louros claros.

Seria uma jovem metida a delinquente? Que coisa estúpida. Achei que esse tipo de gente não poderia se matricular numa escola de renome como esta.

Ela olha para mim, e vendo seu rosto retiro as críticas que acabo de formular.

Não se trata de uma delinquente.

Não fiquei sabendo de nada a respeito disso. Conhecendo aquele ser, eu deveria estar involuntariamente muito a par deste caso.

Desvio o olhar por alguns instantes e quando volto a focar onde ela estava, percebo que ela sumiu.

A voz de uma colega de classe quebra os meus pensamentos.

— Johann-kun, tudo bem?

— Que foi? — respondo.

Antes que ela pudesse responder, outro elemento intrometeu-se em meu espaço com leves tapas em minhas costas.

— Você estava pensando no que cara? Do modo que estava tão concentrado, só poderia ser uma garota. Acertei?

Não da forma que você imagina.

— Nem todos são como você, Shoucchi. O Johann, assim como eu, prefere garotas 2D — manifesta-se o último membro do manicômio.

— Eu nunca o vi andando com bonecas e armas de brinquedo na mochila.

— Não são bonecas, são action figures!

Por que ele me incluiu nisso? De qualquer forma, estes três chatos já estão reunidos para me infernizarem.

Os dois começam a discutir erroneamente sobre minhas preferências até serem parados por um mínimo de sensatez que, de tempos em tempos, incorpora em Miyu.

— Shimizu-kun, Manabu-kun, parem, por favor!

— Ei Miyu-chan, eu já disse para me chamar de “Shou-kun”. Por que você só chama o Manabu pelo nome? — protesta Shou.

— Poxa, isso não importa agora.

Acho que eles não vão me deixar falar. De qualquer forma, tudo o que dissesse entraria por um ouvido e sairia pelo outro.

Depois da conversa deles se acalmar, os olhares voltam para mim.

— O que aconteceu Johann-kun? Você ficou olhando para fora com os olhos arregalados estaticamente por minutos. Parecia que tinha visto um fantasma.

É sério que se passou tanto tempo?

— Eu vi uma garota — começo a relatar sobre o caso da assombração.

Ao iniciar tal sentença um grito tomou conta do lugar.

—WOOOOOOOOOOW! NÃO DISSE MANABU!? O Johann não está no time 2D! — Shou aponta para Manabu enquanto esnoba sua conclusão precipitada.

— Como você pode abandonar o clube Jocchi? Eu até te emprestei os meus eroges — Manabu volta-se para mim com sua voz chorosa e inconformada.

Eu nunca estive no seu clube de fracassados.

Cubro meu rosto com minha mão direita, suspiro e reúno energias para dialogar com eles.

— Vocês entenderam tudo errado… E-eu — tento mais uma vez explicar, mas de praxe, outro comentário indesejado corta minha fala.

— Mas quem poderia prender a atenção do Johann-kun? Só poderia ser a Kaichou.

— Sinto muito por te tirar do clube do Manabu. Mas se você estiver a fim da Kaichou, desista. A Yukihara-senpai está em outra dimensão, nem mesmo eu tentaria investir nela.

Eles nunca me deixam terminar um mísero raciocínio e tiram conclusões precipitadas da forma mais aleatória possível. Seria muito trabalhoso tentar fazê-los desacreditar do que Miyu acabou de alegar, uma abordagem um pouco diferente deve funcionar.

— Não era ela. Eu vi uma garota estrangeira.

— Ah, então o seu tipo são garotas estrangeiras?! Por que estou surpresa? Você também é estrangeiro, talvez isso seja natural — pergunta Miyu.

Apenas suspiro.

Não, Miyu. A sua teoria não tem cabimento.

Mas meu plano aparentemente funcionou, é só uma questão de tempo para que Shou termine de processar a informação fisgue a isca.

— WOOOOOOOOOOOOOW! Uma estrangeira. Mal posso esperar para conhecê-la.

Shou explode de emoção e fica correndo em círculos pela sala de aula, completamente eufórico. Ele para por alguns instantes a minha frente e pergunta.

— Ei Johann, como as garotas estrangeiras são?!

O que ele espera que eu responda? Que tenham algum interesse amoroso em malucos feito ele?

— Normais, eu acho.

O brilho em seus olhos some e seu sorriso se desfaz.

— Detalhes, por favor, você morou por bastante tempo na Alemanha. Deve saber alguma diferença que posso usar a meu favor — responde com um ar de insatisfação.

Detalhes? Eu sinceramente não faço ideia do que ele espera que eu diga.

Apenas desvio o olhar para tentar encerrar a conversa.

— Ei, Johann. Diga alguma coisa, não é justo que você tenha essa vantagem sobre mim! — exclama inconformado com o fato de estar sendo ignorado.

Vendo a cena, Manabu e Miyu riem da situação de Shou.

Toca o sinal para a próxima aula.

12h33

Aquela aula insuportável finalmente acabou.

Deixo minha mochila em minha mesa, pois, excepcionalmente, teremos aula nesta tarde.

Saio da sala e ando na velocidade mais rápida que posso sem começar a correr.

Por mais rápido que eu tenha me deslocado até o refeitório, eles ainda estão na minha cola. Não há mais ninguém a quem eles possam infortunar no meu lugar?

Decepcionado, pergunto a Manabu, o qual acabou de me alcançar.

— Por acaso você não tem nenhum amigo, Manabu?

— Claro que tenho, sou amigo do Shoucchi, da Miyucchi e de você — olha desentendido para mim e responde.

— E desde quando estabelecemos que somos amigos?

— Não precisamos estabelecer isso, naturalmente ocorreu por sermos excluídos da sociedade convencional.

É o tipo de resposta que eu daria estando na posição dele.

Noto certa movimentação enquanto nos servimos. Ou melhor, falta de movimentação. A fila simplesmente parou. Constato que as garotas que estavam se servindo pararam para conversar com alguém.

— Ei, Manabu. Consegue ver daí que droga é essa? — pergunto.

Estando em um ângulo melhor que o meu, Manabu avista o que está chamando atenção.

— Hmmm, aparentemente tratam-se dos populares do conselho — responde.

Ah. Nestas horas eu gostaria de criticar as garotas por agirem sem o mínimo de racionalidade, mas não posso. Pois os garotos são no mínimo mil vezes piores, e tendo uma presidente do conselho tão bela, esta proporção torna-se quadrática.

A fila volta a andar conforme alguns estudantes desinteressados conseguem “furar” a fila. E então posso ver mais claramente do que se tratava.

Hasegawa Haruki e Arai Asahi. O primeiro é apenas um rapaz sorridente e carismático, mas isso o tornou muito popular, e não apenas com as garotas, afinal todo mundo quer ser amigo de gente assim. Já o segundo, apoia-se na suposta beleza, ele deve fazer o perfil de algum cantor ou artista que encanta as garotas que possuem um parafuso a menos, ou seja, quase todas desta faixa etária.

— Podemos continuar a conversa outra hora, Asahi-kun e eu precisamos ir. Se não tomaremos uma bela bronca da Kaichou hahaha — diz Haruki.

— Ah, que pena! Mas eu também teria medo da Kaichou — responde uma das garotas.

— Fiquem tranquilas garotas, acho que posso almoçar com vocês. O Haruki vai me dar cobertura não é?! — Asahi discursa cheio de marra.

— Por favor, Haruki-senpai! Devolvemos o Asahi-kun daqui a pouco! — outra garota anima-se com a proposição de Asahi.

— Hmm. Eu não sei se isso dará- — Haruki tenta responder, mas é interrompido.

— Isso não seria um problema para o nosso futuro presidente, não?!

Haruki, então, rende-se. E desta forma apenas retribui com um sorriso enquanto observa o rapaz galanteador sair do recinto cercado de garotas.

Bem, é uma cena interessante de se observar. É como visitar o zoológico e tentar captar o comportamento animal. Mas eu realmente agradeço que ele tenha ido embora, e desta forma a fila possa voltar a andar normalmente.

Terminamos de servir-nos e nos dirigimos até uma das mesas mais afastadas no refeitório.

Poucos minutos depois, Miyu e Shou chegam à nossa mesa, provavelmente também foram vítimas da lerdeza da fila. Mas não parecem estar incomodados com isso, Shou até demonstra um olhar demasiadamente aguçado.

— Caramba, não consigo avistar a garota intercambista em lugar nenhum — diz Shou ao mesmo tempo em que olha para todas as direções, inclusive para cima e para baixo.

Por que ainda me surpreendo? Qualquer alteração no comportamento dele só poderia ser causada por isso.

— É possível que nem exista uma. Talvez o Jocchi começou a alucinar com sua waifu — replica Manabu.

— Faz sentido. Eu provavelmente seria o primeiro a ter conhecimento disso. Meus informantes não deixariam um alvo tão interessante passar batido pelo nosso radar de garotas.

— Radar? Você realmente está levando isso a sério. Bem, mas a questão de informantes não é muito diferente do que eu e meus semelhantes fazemos nos chans.

E depois eles ficam chateados quando finjo que eu não os conheço.

Então Miyu, um pouco irritada, interrompe o andamento da conversa.

— Ei, chega desse papo. Já está nojento. Eu quero falar de outro assunto.

Não é difícil que ela escolha um assunto tão ruim quanto.

— E sobre o que você quer falar Miyucchi? — pergunta Manabu.

— Jogos! Terá uma competição de jogos de tabuleiro, e a premiação está muito boa! — seu rosto sorridente vira-se para mim e continua — Johann-kun, quer participar?!

— Não.

— O quê? Achei que você gostasse de jogos de tabuleiro — Miyu surpreende-se.

— Por que achou isso? Não gosto de jogos em geral, são entediantes. Para não dizer inúteis.

— Achei que você fosse bom com jogos de tabuleiro porque é inteligente.

— Minhas notas não têm muito a ver com isso. Jogos para mim, sejam eletrônicos ou de tabuleiro, são uma perda de tempo. Prefiro focar minhas energias em algo que possa trazer-me um melhor retorno.

— Nossa, Jocchi. Nem mesmo eroges? Você é muito estranho — diz Manabu.

Você é o último que poderia falar algo a respeito.

13h03

Logo após terminar de comer, levanto-me e ando em direção à sala. E como uma fatalidade, mais uma vez, os três resolveram me seguir.

Enquanto subimos as escadarias do bloco principal, Manabu e Shou conversam sobre algo que não me importa o que seja.

Os dois cessam a fala, bem como param de subir as escadas. Miyu em seguida também para e olha para cima.

Viro o meu rosto para cima, enquanto escuto sons de passos se aproximando. São nada mais, nada menos que os membros principais do conselho estudantil.

A maioria deles não parecem ser nada demais, tanto que vejo a nossa representante de turma, Kobayashi Keiko, diariamente na nossa sala.

Todavia, a atmosfera sobre a presidente Yukihara Mikoto é completamente diferente. Parece que estou diante de uma princesa, ou algum membro da alta nobreza. Como meros plebeus, deveríamos apenas sair da frente dela.

Ela está em um patamar completamente diferente de uma mera estudante popular como Haruki ou Asahi. Seus admiradores nem ao menos se atrevem a cogitar sobre qualquer proximidade a ela.

Porém, não é o meu caso. Desta forma, apenas sigo em frente, e, sem nem ao menos trocar um olhar, cruzo com a bela aluna de longuíssimos cabelos pretos.

Após terminar o lance de escadas, viro-me e vejo que os três ainda estão estáticos como ordinários reverenciando seus superiores. Apenas quando o conselho estudantil saiu do nosso campo de visão que o tempo voltou a passar para eles.

Entreolham-se, percebem o que acabou de acontecer e então aceleram o passo para me alcançar.

— Ela realmente está em outra dimensão. Por isso não a coloco na minha lista de garotas a conquistar — comenta Shou.

Outra evidência da presença sobrenatural dela é o fato do Shou adquirir o mínimo de racionalidade para concluir que não teria a mínima chance com ela.

— É… a Kaichou é uma garota 3D com alma de 2D — fala Manabu.

— Yukihara-sama… — murmura Miyu.

— Vocês não acham que estão exagerando um pouco? — pergunto.

— Exagerando?! Você não acha a Kaichou uma líder fantástica? — indaga Miyu inconformada.

Por acaso feri o seu ídolo?

— Sim, eu acho. Mas no fim, ela é apenas um ser humano comum assim como você ou eu.

Olho para eles, e vejo seus rostos chocados. É como se eu tivesse quebrado um tabu.

— Jocchi, você tem algumas opiniões tão estranhas — replica Manabu.

— Estranhas? Você não pode estar falando sério que julga a conduta de vocês com ela como algo normal.

— Pela definição de normal, sim. Você é a exceção por aqui.

De fato. Às vezes eu esqueço que essa escola inteira não passa de um grande manicômio.

De Repente, um Estranho Anúncio é Feito (2/2)

13h08

No momento estou torcendo para que o professor chegue logo. Pois sempre quando o professor se atrasa, ele faz um acréscimo no final da aula.

Sinceramente, por que preciso estar nesta aula de reforço? Ah, é mesmo, isso é minha culpa. Eu fiz um acordo com o diretor de manter 100% de presença, e desta forma não preciso participar de nenhuma atividade extracurricular como clubes.

Kobayashi Keiko, a representante da turma e primeira secretária do conselho estudantil, entra cabisbaixa na sala de aula. É notável a aura de derrota que transpira pelo seu corpo.

Miyu vai até ela puxar assunto, pois é natural querer ter proximidade de alguém da alta casta do convívio escolar.

— Kobayashi-san, aconteceu alguma coisa? — fala toda sorridente.

— Ai… cara. Sinto como se eu tivesse tomado um belo de um sermão — desajeitada coça a cabeça.

— Da Kaichou? — pergunta surpresa.

— É… eu avisei-a que precisaria vir a aula de reforço de matemática. Foi terrível — pausa seu relato enquanto se senta, respira fundo e conclui — Ela não me depreciou verbalmente por nenhum instante, apenas o “Hmmm. Entendo” dela foram o suficiente para me jogar para baixo.

Miyu continua sorrindo preocupada.

O professor entra na sala e todos que estão em pé voltam aos seus respectivos lugares.

Levemente irritado, abre sua bolsa e retira uma pilha de papel. Encarando com muito desgosto as folhas em suas mãos começa a discursar.

— Muito bem, como vocês bem sabem, a média da turma no exame de matemática foi tenebrosa. Por isso o coordenador solicitou que eu aplicasse aulas de reforço no horário que seria destinado a tarefas de clubes.

Ele suspira com um olhar cansado e prossegue.

— Estou muito decepcionado com vocês, apenas um aluno não ficou com nota vermelha. Eu esperava mais dos meus alunos, especialmente de você Kobayashi.

Ela desvia o olhar para baixo como um cachorro que acabou de comer o sapato do dono.

Então ele olha para mim e diz.

— Johann, todavia você merece os parabéns por ter gabaritado o teste.

Assinto por educação e ele prossegue com o sermão explicando que os estudantes deveriam tirar pelo menos uma hora do seu tempo livre para revisar a matéria.

Já eu não consigo entender como eles conseguem ir mal em algo que não é preciso decorar absolutamente nada. Tudo pode ser deduzido na hora.

O professor começa a aula fazendo os fáceis exercícios de matemática que caíram na prova.

Passado algum tempo as caixas de som ligam chiando às 14h17. Todos voltam seus olhares para ela como um refúgio para o tédio. Eles provavelmente estão esperando algum comunicado inusitado do diretor ou da presidente, qualquer coisa que os tirem dessa entediante aula.

Para a infelicidade dos meus colegas, a voz esperada não surge, o que gera uma pequena ansiedade coletiva.

— Será que está com defeito? — cochicha um estudante.

Logo em seguida o ruído cessa e finalmente um comunicado é executado.

— Olá a todos! A partir de agora vamos jogar um jogo!

Isto foi duplamente inusitado. Além do conteúdo sem nexo, é a voz de uma criança. Serviu para chamar a atenção de todos, inclusive do professor.

— Ei, onee-chan, sou eu que deveria anunciar desta vez — surge uma segunda voz.

Outra criança? O que diabos está acontecendo?

— É verdade. Desculpe, vá em frente.

Olho em volta e vejo todos murmurando entre si. O professor permanece fixado no alto-falante com expressão de irritado por ter sua aula interrompida.

— Certo, o jogo funcionará da seguinte forma. Há apenas três jogadores, todavia não se preocupem todos podem participar! — a segunda voz prossegue animada.

Não há estudantes de uma idade correspondente a essas vozes. Ou seja, provavelmente algum funcionário trouxe os filhos juntos, e os travessos adentraram a sala de áudio para aplicar um trote.

— E as regras também são muito simples, o jogo acaba imediatamente com a morte de um dos três jogadores — continua com a explicação.

A turma tem uma leva perturbação ao ouvir a palavra “morte”. O que essas crianças andam assistindo para ter uma ideia dessas? Talvez alguém mais velho seja responsável pelo trote e as obrigou a fazer isso.

— Porém, o responsável pela morte do jogador em questão sofre uma penalidade, seja ele outro jogador ou não, terá o mesmo fim de sua vítima. Ao todo o jogo dura 150 horas contando a partir de agora — a voz animada sofre aos poucos uma transição para algo mais sério e sem vida.

Todos estão com o rosto estático sem entender nada, isso está realmente ficando perturbador. Obviamente isso não tem a menor chance de ser verdade.

Mas por quê? Por que esta brincadeira está me perturbando tanto assim? Estou sentindo uma angústia muito forte a cada palavra emitida, uma pressão arrasadora toma o meu corpo, como se eu estivesse no ponto mais profundo de um oceano sendo sufocado por uma imensa coluna d’água.

— E não menos importante, ninguém é obrigado a participar! — a animação na voz volta por um instante, mas na sentença seguinte já volta ao padrão anterior — Vocês podem simplesmente desistir saindo pelo portão principal, dessa forma terão sua alma consumida e desaparecerão. Não esqueçam: o preço para sair do jogo é uma vida. Os três jogadores, logo perceberão que são os próprios.

14h19

As vozes das crianças param e os alto-falantes desligam-se subitamente. Olho à minha volta e percebo todos boquiabertos.

Esta estática é então quebrada por um comentário do professor.

— Voltem a prestar a atenção na aula! — vira-se para o quadro e resmunga sobre o ocorrido — Essas crianças de hoje em dia… Se prestam até para invadir uma escola para pregar uma peça.

— É como se uma coisa dessas fosse ser real, não estamos em um filme. Aqui é a vida real — Keiko fala coçando a cabeça.

É bem provável que ela tenha acreditado nessa loucura e agora está disfarçando para não parecer uma imbecil.

— A história deles foi bem bolada. Hahahaha — outro aluno comenta em risadas.

E assim, aos poucos, o foco dos demais estudantes volta-se para o quadro negro e ao som emitido pelos impactos do giz do professor ao escrever.

— Neste problema, facilmente a dimensão é encontrada pela lei dos cossenos — continua escrevendo no quadro.

A calmaria não dura muito, desta vez um grito externo joga o clima de volta para um estado de tensão.

— O que foi isso?! — exclama um estudante ao mesmo tempo em que corre para a janela.

Aproximadamente setenta por cento da sala levantam-se bruscamente e vão até a janela ver o que acabou de acontecer. Eles espremem-se para matar a curiosidade enquanto o professor tenta fazê-los sentarem novamente.

— Pessoal, mantenham o foco na aula! Eu não tenho o dia todo! — reclama o professor.

— Meu Deus! Parece que alguém morreu! — grita uma colega.

Morreu? Como assim?

— Permaneçam aqui, eu vou verificar o que aconteceu! — fala o professor.

Eles ignoram completamente as palavras do professor, e saem correndo porta a fora em direção ao pátio.

— Oh, céus. Eu não ganho o suficiente pelo trabalho — resmunga e vai atrás deles.

Aproveito que agora não preciso me espremer para observar e vou até a janela. Vejo um amontado de estudantes em volta do portão principal, aparentemente há gente de todas as outras turmas. Logo em seguida, também avisto os meus colegas de aula aumentando a multidão.

Deste ângulo está complicado de entender o que se passa por lá. Talvez eu deva ir para alguma janela dos corredores para ter uma perspectiva mais ampla.

Quando decido ir para outro local observar a situação, meus olhos vislumbram a mesma cena de hoje cedo. À margem da multidão, a figura misteriosa da tal estudante intercambista está mais uma vez me encarando.

Ela de novo? Por que a presença dela me perturba tanto assim?

14h28

Saio correndo da sala de aula, desço as escadas o mais rápido possível e então me aproximo do local. A princípio não estou dando a mínima para o espetáculo que intriga a multidão, apenas preciso aliviar este mau pressentimento que sufoca o meu peito.

Caminho de um lado para o outro contornando o aglomerado, mas nenhum sinal da garota. Tento averiguar se ela está oculta no meio da massa, todavia também não parece ser o caso. Ela simplesmente sumiu.

Confesso que é até estranho o fato de eu estar tão incomodado com a presença dela na escola. Mas não posso ignorar os meus instintos gritando para que eu suspeite da chegada de um desconhecido coincidindo com este bizarro incidente.

Conforme desisto de procurá-la, passo a dar mais atenção ao assunto que está focando a atenção de todos. O tal trote das crianças. Aproximo-me do portão e vejo várias roupas caídas na entrada da escola. Há muitas roupas de funcionários e professores, e a que chama a atenção de todos é a de um estudante.

— O Asahi-kun desapareceu na frente dos meus olhos! — exclama uma garota com o rosto em lágrimas.

Algumas alunas do primeiro ano estão bancando as testemunhas. Mas o que elas dizem é impossível de acontecer. Se bem que eu não ficaria nada chateado se aquele jovem metido e escandaloso tenha realmente desaparecido.

— Bem, chega de baderna. Voltem já para dentro da escola! — o nosso professor resolve colocar ordem na casa.

— Mas estamos em perigo! — outra protesta.

O professor caminha em direção à saída da escola, observa atentamente as roupas dos funcionários e o suposto uniforme de Asahi. Vira-se para a massa de estudantes e fala enquanto cruza o portão.

— Bobagem! Isso é completamente irreal. Vejam só, eu posso sair livremen-

No instante em que o professor estava encerrando sua sentença, o próprio desaparece deixando apenas suas roupas caindo como prova de que por um momento esteve ali.

As meninas mais próximas gritam apavoradas.

— O professor desapareceu também! — outro aluno exclama.

Bem, julgando pela reação alheia, isso é o que aparentemente os outros enxergaram. O que eu vi me abalou pesadamente, tanto que mal teria condições de gritar ou sair correndo. Estou simplesmente paralisado.

A responsável pelo “sumiço” do professor está parada logo à frente do portão.

A Morte.

Foi ela quem ceifou o professor.

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