Escolhas podem mudar tudo...
Jéssica Medeiros apenas tinha um objetivo: ser feliz novamente. Porém, o
homem o qual desejara era casado, e pior, nunca a olharia como sua. Não
daquela vez. Assim, ela enfrentava seus próprios demônios, decorrentes de um
relacionamento abusivo, que lhe deixou marcas para toda a vida. Era difícil confiar
em homens, ainda mais os quais ostentavam sorrisos fáceis e um carisma
gratuito. Guilherme Rivera era tal personificação. Entretanto, um homem como ele
não precisa se tornar algo mais, apenas seria uma noite... que lhe resultou muito
mais.
Uma mulher que não confia
Um homem confrontado por escolhas
O destino parece interferir em cada momento
Um amor pode surgir em meio as maiores indecisões?
“você pode não ter sido meu primeiro amor
mas foi o amor que tornou
todos os outros amores
irrelevantes”
outros jeitos de usar a boca
Ajeitei minha caneca e liguei a máquina de expresso. Andei
em direção a enorme porta de vidro da sala de estar, e coloquei
uma de minhas mãos contra o vidro gelado. Caía uma leve chuva,
que parecia marcar a cidade que tanto amava. Vestia apenas um
moletom duas vezes maior que os meus, que pertencia a meu
irmão, e que desde os meus dezoito, não fiz questão de devolver.
Meus cabelos estavam presos num coque no alto da cabeça e
apenas uma calcinha como peça de baixo.Encarei meus pés com a meia de emojis e sorri: look
perfeito para um dia de chuva dentro de casa. Na realidade,
sentia-me forçando um sorriso. A noite anterior deixara meu
coração em perigo e ansioso, e finalmente, tomara minha decisão.
Diria a Guilherme o que tanto guardei e o que tanto queria. Talvez
ele entendesse. Talvez ele realmente compreendesse. Talvez ele
o quisesse.
O barulho da máquina de expresso chamou minha atenção
e saí de meu cenário perfeito de clipe, e fui até a cozinha. Peguei
minha caneca e por um segundo, um pequeno flashback se
passou por minha mente. Sobre tudo o que vivi nos últimos
meses, e que sequer entendi por onde ia. Apenas fui. Naquele
momento, finalmente, entendera os porquês. A caneca em
minhas mãos era uma das provas de que o caminho apenas
surpreendeu, mas não foi um erro.
Passei a mão por minha barriga e senti meu coração
disparar. Apenas alguns dias, e tudo mudara, e começara a
entender que existia uma vida ali. Mais de dois meses, próxima
aos três, e pela primeira vez, buscava nele ou nela a calma que
precisava. Sentia-me ansiosa de repente, mesmo que nunca
planejara ser mãe. Aconteceu... Uma única noite fora o bastante
Para unir-me a Guilherme para sempre. A noite em que fizemos
amor pela primeira vez.
Não teria como imaginar que estava grávida, ainda mais,
por não ter nenhum sintoma óbvio, além do atraso da
menstruação, que era algo comum de me acontecer. Porém, ali
estava eu. Começando a querer algo como olhá-lo de uma vez,
além das imagens esquisitas do primeiro ultrassom. Queria olhar
para ele ou ela, e saber se os olhos teriam o verde profundo do
pai que assumia novas tonalidades dependendo de seu humor, ou
o azul claro dos meus. Se o cabelo sairia loiro clarinho como o da
mãe, ou até mesmo, os tons mais escuros de Guilherme. Respirei
profundamente, pegando-me pensando nele mais uma vez. Era
como um vício. Entretanto, uma realidade.
A caneca com um personagem do meu jogo de vídeo game
favorito, que ganhei de presente quando voltou da Espanha, dizia
mais sobre ele, do que a respeito de mim. Ou melhor, falava muito
a respeito de nós. Levei a caneca a boca e tomei um longo gole
do chocolate quente. Barulhos vindos do quarto chamaram minha
atenção e tentei imaginar como começar aquela conversa. As
coisas poderiam sair de um jeito inesperado. Ainda mais, porminha decisão ser tão pensada, ao contrário de estar grávida de
um homem que mal conhecia.
Naquele momento, conhecia. Os meses me mostraram
aquilo, assim como, sua forma de ser nada parecido com o que
um dia tive. Já conhecera a dor com alguém, que simplesmente,
não conseguia colocar como um relacionamento. Não mais.
Porém, já conhecera o amor em uma outra ocasião, mas nada
comparado ao que vivi nos últimos tempos. Suspirei fundo, no
momento em que meus olhos se depararam com a visão de
Guilherme saindo do corredor, em direção a sala.
Era como seu ritual matinal.
Deus, até aquilo decorara!
Um passo para perto do sofá, e ele levanta os braços e
espreguiça. Feito. Mais um passo, e ele simplesmente se joga
sobre o estofado. Feito. Ele leva a mão direita e passa pela barba
rala, como se pensando a respeito da vida e ao mesmo tempo
sobre nada. Um dia lhe perguntaria o que tanto fazia ali, por cerca
de cinco minutos, claramente, fechado em seu mundo. Os
minutos passaram, e feito. Ele então se levanta e logo seus olhos,
recaem nos meus.
Analisei sua expressão e notei o franzir de seu cenho por
um segundo. Talvez ele quisesse tudo, menos a minha visão em
sua cozinha depois da noite anterior. Entretanto, ali estava eu.
Pois tinha conseguido o dia de folga. Como ele mesmo diria:
surpreendente e imprevisível. Talvez eu fosse. Naquele momento,
por um bom motivo.
— Bom dia.
Apenas aquela simples fala em português, pegou-me
completamente desprevenida. Não era o Guilherme brincalhão e
bem-humorado pela manhã. Era a versão mais perto de fria que já
conhecera dele. Ele geralmente gritava buenos días e me dava
um beijo na testa. Em que momento perdemos tal coisa?
Minha mente me castigava, assim como, cobrava que
fizesse algo. Aquele era o momento. Olhei diretamente em seus
olhos e tomei coragem. Vamos lá! Não era algo tão difícil assim.
Talvez fosse, para mim. Deveria seguir seu conselho e não me
forçar. Porém, não era um esforço, era mais o fato de estar
sufocada com meus próprios sentimentos.
Abri a boca para falar, ao mesmo instante que a campainha
soou alta. Paralisei e soltei o ar que mal sabia que segurava.
Guilherme me encarou por alguns segundos, e então, o som da campainha soou mais uma vez. Vi-o se virar e praguejar algo em
espanhol. Sorri, pois era completamente engraçado vê-lo se
enrolar com as duas línguas.
Permaneci com a mão em minha barriga e pensei o que
poderia fazer para confessar meu amor e para ele acreditar.
Sentia-me pronta para aquilo.
— Olha, Gui, eu...
Minha frase morreu, assim como aquele momento. Tinha
uma mulher sobre Guilherme, abraçando-o com afinco, e poderia
mentir que não a reconheci, mas a conhecia de fotos em seu
notebook. Melina.
Esperei que Guilherme a afastasse prontamente, porém,
ele não o fez. Pelo contrário, ele passou as mãos em suas costas,
como se assegurando-a de que era seu lugar. De que ele esperou
por ela. Abaixei a cabeça e fui para o quarto no mesmo segundo.
Finalmente entendendo, que entendi completamente errado. Eu
era sua amada, até que ela chegasse. No fim, talvez ele
duvidasse de meus sentimentos, por não ter certeza sobre os
próprios. Não era sua insegurança, era por conta de seu
verdadeiro amor.Aquilo explicava a forma como me olhou minutos antes de
ela aparecer. Ali não era o meu lugar. Era o dela. Sorri sem
vontade, e senti as lágrimas descerem. Arrumei-me rapidamente,
e joguei a mochila que deixara com algumas coisas, nas costas.
Precisava sair dali. Não era a protagonista daquela história. Como
sempre. Tinha que aceitar a realidade de que aquele homem
fizera uma escolha bem antes de nos conhecermos.“confie no seu corpo
ele reage ao que é certo e errado
melhor do que a sua mente
- o corpo fala com você”
o que o sol faz com as flores
Meses antes...
— Eu não preciso disso, Will.
Meu cunhado sorriu abertamente e deu de ombros, saindo
em seguida, sem dar atenção ao que falava. Bufei baixinho e
ajeitei o microfone na altura necessária. Olhei rapidamente ao
redor e sorri, pois, aquele restaurante era como ele descrevera –
misterioso e aconchegante. As pessoas comiam e conversavam,
sem dar atenção ao redor, era como se cada um estivesse emseu próprio mundo, ou compartilhando algo apenas para os
companheiros de mesa.
Encarei mais uma vez as músicas escolhidas para aquela
noite e sorri, era completamente apaixonada por cada uma delas.
Coloquei uma mecha insistente em cair no rosto, atrás da orelha,
e me sentei no banco alto, ajeitando-me ali. Encarei o relógio e
faltavam cerca de cinco minutos para começar.
Suspirei fundo e olhei para o lado, vendo Will fazer um
sinal de positivo com as mãos, assenti com a cabeça e logo uma
fraca, mas suficiente luz, iluminou o pequeno palco até então
vazio. Ter música ao vivo era o que diferenciava alguns
restaurantes de muitos outros, as pessoas se sentiam curiosas a
respeito, e se o cantor fosse bom, sentiam-se ainda mais parte do
lugar. Música unia pessoas, e era por isso, que tanto amava
passar as noites cantando em lugares diferentes. Música me
ajudava a unir pessoas.
— Boa noite a todos. — saudei-os, testando meu espanhol
que há muito não era usado. Segundo Will estava ótimo, mesmo
assim, para os espanhóis que me encaravam atentos naquele
momento, resolvi me explicar. — Me chamo Jéssica Medeiros.
Esse leve sotaque, ou não tão leve, se deve ao fato de não ser
Daqui. — expliquei-me e notei alguns sorrisos condizentes nas
mesas mais próximas. — Fui convidada por um dos donos a
cantar aqui hoje, e espero que possa contribuir para o melhor
jantar de suas vidas. — sorri e peguei o violão que estava ao meu
lado. — A primeira música tem um tom pessoal, admito, e como a
acho incrível, resolvi fazer uma versão. Espero que gostem!
Muitas pessoas não tinham sua atenção no palco, e era
acostumada com tal coisa, até porque não era a estrela da noite,
nunca quis ser. Era mais como colocar o coração para fora de um
jeito saudável, colocar as emoções mais perturbadoras em viva-
voz. Cantar me fazia sentir livre. Liberdade era a palavra com
maior significado em minha vida, e estava marcada em minha
pele como lembrança constante de como cheguei até ali.
Toqueis os primeiros acordes e muitas cabeças se viraram
para o palco. Aquela música realmente conquistava, o tanto
quanto, intrigava. Não existia a forma certa de definir como era
bonita, ao menos, em minha concepção. De certa forma, ela me
ajudava a colocar várias verdades íntimas para fora. Uma forma
de protesto muitas vezesAbri os olhos novamente e notei que praticamente todos
estavam conectados ao violão e minha voz, e não quis
decepcioná-los. Dei meu melhor e Take Me To Church pareceu
tocar cada pessoa presente. Minutos depois, encerrei a canção e
uma salva de palmas fora dada. Sorri, pois não era comum ter
felicitações nessas apresentações. Não estava ali por fama ou
dinheiro, era apenas para cantar. Mas fazia-me feliz saber que
tinham gostado.
Continuei minha playlist e sorri por saber que a maioria
parecia com o coração tão aberto quanto o meu naqueles poucos
instantes. Quando finalmente terminei, ao fim da noite, agradeci
brevemente e saí do pequeno palco.
Will me recebeu com um abraço, e foi impossível não
retribuir. Dei-lhe um beijo no rosto e sorri em sua direção.
— Acho que mereço uma bebida. — sugeri e ele assentiu.Tudo para a dona da porra toda. — gargalhei de seu
vocabulário e segui com ele até o bar. — A estrela da noite.
Assim que parei, Will se adiantou e pediu a dose de meu
uísque favorito.
— Vou andar por aí, meu amor. — assenti para seu olhar
atento. — Precisa de algo?
Beijei seu rosto mais uma vez e agradeci internamente por
ter aquele homem em minha vida. Ele era um dos poucos, os
quais realmente, poderiam se aproximar. Will era como um irmão
para mim, e cuidava de meu real irmão como deveria. Senti falta
de Lucas no mesmo instante.
— Lucas ainda está no escritório? — perguntei, e ele
assentiu. Uma careta emoldurou seu rosto.
— Eu sou o sociável no restaurante, e seu irmão, o que
posso dizer? — bufou, fazendo-me sorrir. — Adora seu próprio
espaço e cuidar dos papéis chatos.
— Lucas e sua mania de ser entediante quando quer. —
provoquei.
— Reconheço que em alguns momentos ele não é nem um
pouco...Will! — bati em seu peito e ele gargalhou. — Vai
atazanar outro! Não quero saber da forma como você e meu
irmão transam.
— Mas eu...
— Tchau, Will!
Levantei a mão e virei o uísque. Deixei o copo sobre o
balcão e meu cunhado para trás, seguindo por entre as pessoas.
Assim que saí do estabelecimento, respirei fundo e tentei evitar a
vontade de fumar. Aquela merda ainda me atormentava, e tentava
evitá-la ao máximo. Os remédios controlados tomados toda noite
eram o bastante para deixar meu organismo uma grande bagunça
“organizada”.
Passei as mãos por meus braços e respirei fundo mais
uma vez, sentindo falta da música que cantara há poucos
minutos. Cantar me mantinha sã, lembrava-me de momentos
bons e inesquecíveis. Lembrava-me do homem que tanto queria
de volta, mas não poderia ter. Era uma merda apenas conseguir
confiar seu coração a um, que só tinha olhos para outra.
— Com licença.
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