Takahiro suspirou mais uma vez naquela noite, ao chegar do supermercado e colocar no seu armário antigo os potes de macarrão instantâneo. Sua dieta estava resumida a isso ultimamente.
Colocou a cabeça e se arrastou a passos lentos para o outro pequeno cômodo de sua kitnet, pensando se seria melhor tomar banho e ir dormir ou só dormir mesmo. Passou as mãos pelos cabelos, um pouco irritado. Só queria ter dinheiro suficiente para pagar suas contas em dia e se alimentar direito, nem de longe comer sopa de pote todo dia era uma dieta saudável.
Gostaria de poder dizer que depois de sair da casa dos pais estava vivendo bem e tranquilo mas as coisas não estavam saindo tão bem assim. Na verdade, nada estava indo bem. Suas notas na faculdade estavam caindo por ele não ter tempo de estudar e chegar sempre atrasado por causa do cansaço. Arranjava alguns empregos de meio período mas nunca parava muito tempo neles, muito menos recebia bem por eles.
O dinheiro que ganhava mal dava para bancar a mensalidade da faculdade, mesmo tendo uma bolsa por ter tirado uma boa nota na prova de admissão. O que sobrava, era para pagar energia, gás, água e as compras do mês. Mas agora estava realmente duro. E não era do jeito bom.
Teria que andar até a faculdade, pois ou ia de metrô ou comia. A conta de energia atrasaria e só saberia o que comeria na outra semana quando a mesma chegasse.
Decidiu só dormir mesmo. Tinha que levantar cedo se quisesse chegar na aula no horário certo.
.....
Quando chegou aos portões da faculdade, algumas gotas de suor molhavam a franja do cabelo escuro. Arrumou-a para trás e colocou o boné para segurar os fios.
- Hey, Takahiro - ouviu a voz grave o chamar.
Não demorou a sentir o ombro sendo segurado por uma mão num aperto mais forte que o necessário. Era Souichi, amigo de longa data e companheiro nas noites de Osaka, quando ele saía, é claro. O garoto tinha cabelos escuros amarrados em um coque alto.
- Oi, Souichi. Tão animado a essa hora? - perguntou num bocejo.
- E você? Tão desanimado como sempre?
Os dois riam enquanto andavam para dentro.
Souichi era muito inteligente. Mas não era um inteligente normal, era inteligente mesmo. O rapaz era mais novo que Takahiro mas conseguiu uma bolsa integral na prova de admissão. Tinha as melhores notas de sua turma, administração, sem dificuldade nenhuma; enquanto Takahiro precisava virar noites estudando para conseguir ficar ao menos dentro da média. Não que o Watanabe fosse desprovido de inteligência, o que ele não tinha era tempo. E ele tinha plena consciência de que estava a um passo de se dar mal no curso de música.
Sua cabeça não parava de pensar em um jeito de resolver sua situação financeira mas nada vinha em mente! Esperou as aulas passarem até a hora do almoço e foi para a biblioteca pesquisar e enviar mais currículos que pudessem ajudar a conseguir um novo emprego. Relaxou na cadeira e coçou os olhos, agora teria que esperar e torcer para conseguir algo.
Tentou ao máximo se concentrar nas aulas seguintes, mas era quase impossível. Suspirou ao ouvir o professor anunciar o final da aula, queria checar logo, estava ansioso. Encontrou com Souichi de novo, na saída.
- Takahiro Senpai, eu sei que você tá preocupado, fica mais ranzinza e calado que o normal - esperou o mais velho contestar, mas sem resposta, prosseguiu - Então, tudo bem se não quiser me falar, mas me diga se eu posso ajudar, tá bem?
- Tsc, eu fui demitido de novo, Souichi. Eu só preciso de um emprego novo - falou exausto.
Souichi parou por um momento para pensar e segurou Takahiro pelos dois ombros enquanto sorria.
- Então eu posso ajudar! Quer dizer... posso te indicar um.. - disse um pouco mais baixo.
- O que tá esperando pra abrir o bico? - seus olhos fixados nos do mais novo.
- É que na verdade, é na empresa que eu trabalhava, eles pagam muito bem!
- Sim... Continue.. - os lábios pequenos se abrindo num sorriso.
- Mas eu não sei se você toparia... A vaga é de secretário.
- É claro que eu topo!
Sorriu tão grande que suas gengivas apareceram. Enfim, um pouco de alívio.
Takahiro não podia esconder o alívio em seu peito. Se anjos existissem, Souichi com certeza era um. O garoto não havia só indicado Takahiro como também fizera uma ótima recomendação do mesmo. Ao que parecia, o estágio era em um banco e o trabalho do Watanabe era secretariar o gerente.
Takahiro não entendia nada de contabilidade, mas segundo Souichi, ele poderia ficar tranquilo, pois apenas cuidaria da agenda do seu chefe. Respirou aliviado pela terceira vez naquele dia, deixando o corpo magro relaxar no sofá velho do seu apartamento. Olhou a carteira quase vazia e sorriu sem graça, esperava que logo estivesse estufada com notas de Ienes.
Ergueu-se gemendo baixo ao sentir as articulações cansadas estalarem, pegou o casaco no cabideiro perto da porta e saiu decidido a tomar um bom lámen, nutritivo e gostoso, para acordar bem para seu primeiro dia de trabalho.
[...]
A noite estava agradável, assim como a caminhada que fazia até o restaurante duas esquinas antes de seu pequeno prédio. Não sabia dizer se era a felicidade de ter conseguido o emprego novo ou o cheiro de algo quente e saboroso invadindo as suas narinas. Takahiro já via as luzes da frente do restaurante e as pernas quase corriam, mas parou receoso quando algo chamou a sua atenção. Do outro lado da rua, num beco mal iluminado, pensou ter visto uma silhueta, mas ignorou e continuou o seu caminho.
Chegou ao restaurante e sentou-se, fazendo seu pedido logo em seguida ao ser atendido por uma garçonete atenciosa. Não demorou muito para estar com sua tigela fumegante à sua frente. Inalou o cheiro bom que nem se lembrava mais de tanto macarrão industrializado que comia. Comeu com calma, se deliciando com cada parte que comia, queria aproveitar ao máximo aquela refeição que há tempos não fazia. Quase gemeu em satisfação ao tomar o último gole do caldo. Estava tão cheio que poderia morrer ali que morreria feliz.
Pagou e agradeceu pela refeição, curvando-se à senhorinha que preparava a comida. Colocou as mãos no bolso do casaco e saiu em direção à sua casa.
Faltando cerca de um quarteirão até a entrada de seu prédio, ouviu passos rápidos atrás de si e tentou checar quem era pela visão periférica, mas nem foi preciso.
- Vingador! Quanto tempo! - o homem alto de rosto conhecido surgiu em sua frente, o sobressaltando.
Takahiro ficou estático. De todas as pessoas no mundo, aquele homem era quem ele menos esperava encontrar no momento.
- O que foi? O gato comeu sua língua? - zombou.
- O que faz aqui? - sentiu mais pessoas se aproximando pelas suas costas.
- O que eu faço? - sorriu debochado. - Vim cobrar o que você fez.
O rosto do homem fechou-se numa carranca e Takahiro sentiu os dois braços serem segurados, impossibilitado de socar.
- Achou mesmo que se livraria de mim apenas mudando de bairro, seu estúpido?!
Takahiro arqueou ao sentir um soco preciso no estômago que levou embora todo o seu ar. Tentou voltar a respirar, mas o agressor estava muito motivado a destruir o seu abdômen à base de pancada. Perdeu a conta de quantos socos e chutes já tinha levado quando sentiu o impacto de cheio em seu rosto, o primeiro de muitos outros.
Depois de minutos batendo, o homem parou, ofegante. Takahiro cuspia sangue, manchando a camisa branca que usava.
- Precisou trazer mais dois caras pra conseguir me bater, seu filho da puta desgraçado?!
Sorriu zombeteiro, uma pancada por trás na cabeça e sua mente apagou.
....
O ouvido zumbia, a cabeça martelava de dor. Takahiro tentou se mexer, mas não conseguiu, gemeu de dor. Tentou abrir os olhos, mas sentia-os pesados. Piscou algumas vezes e olhou ao redor com dificuldade. Estava no mesmo lugar onde tomara a surra, jogado na sarjeta. O dia começava a clarear.
Lembrou-se do trabalho, não poderia faltar no primeiro dia. Levantou com dificuldade e andou com mais dificuldade ainda, se arrastou. Nunca amaldiçoou tanto seu prédio não ter elevador, aquele era o pior dia dos piores dias para se subir uma escada.
Entrou em casa e agradeceu por ter deixado o celular em casa, senão não receberia as instruções que Souichi ficou de mandar. Foi até o banheiro e se apoiou na pia olhando o reflexo deplorável que ele mostrava. Ali as dores que sentia estavam bem justificadas. Tirou a roupa e se enfiou no box para uma chuveirada fria, talvez assim amenizasse o incômodo que sentia.
Secou-se com dificuldade pois nem conseguia se abaixar sem sentir dor no abdômen, vestiu a única calça jeans preta que não era rasgada nos joelhos, estava guardando para a formatura, a única camisa social que possuía, que havia usado uma única vez no baile de formatura da escola. Tinha certeza que o Nike SB Check que calçava era o mais próximo de um "sapato social" que ele tinha em casa. Tentou arrumar o cabelo, mas optou por deixar a franja na testa mesmo para esconder o corte na sobrancelha machucada, não teria como esconder o corte da boca nem o olho roxo, mas era isso. Precisava ir.
...
Pegou o metrô e aproveitou a viagem para ler o que Souichi havia enviado. A primeira coisa que viu foi que ele não estava adequadamente vestido. A segunda era basicamente Souichi pedindo para ele ter paciência com o chefe, mas isso ele já imaginava. Um velho chato e cheio de dinheiro, era assim que ele pensava. Estava realmente empenhado em manter aquele emprego, sabe-se lá quando conseguiria um que pagasse tão bem.
Teria que fazer as disciplinas da faculdade por monitoria online, indo apenas para as provas presenciais, então estava tudo se encaixando bem, se ele não tivesse acabado de levar uma surra.
O prédio era imponente, como deveria ser, bonito e com cheiro de dinheiro. Foi até a portaria e se identificou, sendo informado ao andar que deveria comparecer. Entrou no elevador e se sentiu imediatamente incomodado, todos aqueles homens e mulheres em roupas caras e bem feitas estavam o deixando intimidado.
Saiu no andar que lhe foi indicado e contemplou a imensidão daquele lugar. Era amplo e bem decorado, se atentou à secretária sentada num balcão próximo à um sofá largo.
- Hm, bom dia. Eu vim para... a vaga, sabe... - disse frente à moça.
- De secretário? - a moça de cabelos negros bem alinhados num rabo-de-cavalo sorriu minimamente, Takahiro assentiu. - pode esperar aqui mesmo. Sr. Murakami está na sala com alguns sócios.
- Ok - disse simples
Takahiro sentou no sofá e reparou como a garota não lhe olhou de modo ruim, mesmo tendo consciência do estado em que se encontrava. Ouviu a porta se abrir e conversas no corredor, levantou de imediato.
- Mayumi, remarque a reunião de hoje à tarde, por favor, estou sem cabeça pra isso hoje - um loiro disse.
- Sim, Sr. Murakami, algo mais? - ela prontamente atendeu com um sorriso.
Os olhos de Murakami foram em direção a Takahiro ao ver seus dois sócios olhando para o mesmo. E só então o Watanabe notou os olhares curiosos sobre ele.
- Takahiro Watanabe, certo? - ele disse de sobrancelha erguida, analisando o mais novo de cima a baixo.
- Sim, senhor - não abaixaria a cabeça nem para o Papa.
- Boca quebrada e olho roxo no primeiro dia de trabalho - o deboche estampado em sua voz.
O mais novo abriu a boca para rebater em uma resposta malcriada, mas decidiu ficar calado naquele momento pelo menos.
- Você ao menos sabe para o que foi contratado, garoto?
Aquele tom de voz fez seu sangue ferver de raiva. E o pior, ele não poderia fazer nada. Engoliu duramente seu orgulho a seco.
- Sim, senhor. Só tive problemas ontem à noite.
Murakami suspirou.
- Jantamos juntos, então? - falou para os dois que o acompanhavam.
- Sim, no meu preferido - o mais alto respondeu.
- Ok, ok - passou a mão pelos cabelos loiros.
Os dois se despediram de Mayumi e foram para o elevador. Murakami voltou-se para Takahiro novamente, o semblante sério e os lábios grossos apertados numa linha.
- Minha sala, agora - virou a costa e saiu.
Murakami fez sinal para que ele o seguisse, e assim Takahiro o fez, andando depressa em direção à porta de madeira clara.
Ao entrar, o Murakami já estava sentado numa cadeira imponente, à espera de Takahiro.
- Sente-se - Takahiro o fez. - Souichi trabalhou com meu sócio, Miyagi, e me recomendou você. Eu realmente preciso de alguém para o cargo, mas não acho que você seja o mais indicado - disse cruzando os braços.
- Eu sei que pensa isso pelos meus machucados, mas eu fui assaltado ontem à noite, não é como se eu pudesse evitar - mentiu.
- Entendo, Takahiro Watanabe - seus olhos atentos pareciam ver a mentira através do rosto de Takahiro . - Espero que não se repita.
Takahiro assentiu.
- Darei o meu o melhor e trabalharei duro, senhor Murakami.
- Espero que seu melhor seja o suficiente - levantou. - Veja com Mayumi o que você precisa trazer de documentação. Ela vai te orientar sobre o que deve fazer.
....
Definitivamente, aquele trabalho não era para ele.
Mayumi passou quase meia hora explicando tudo o que deveria fazer mas já havia esquecido metade. Era muita coisa! Que diabos de homem era aquele que precisava de alguém em específico para arrumar suas gravatas por ordem de cor e tecido?
Ele seria a babá de um homem adulto, era isso. Cuidaria da agenda de Murakami e estaria lado a lado com ele, às vezes até mesmo dirigindo, resolvendo tudo. Riu sem graça. Filho da puta preguiçoso. Precisava de alguém para organizar a própria vida.
Sentou na mesa que lhe foi indicada por Mayumi, ficava à frente da grande sala de Murakami. Tinha um notebook, uma pilha de documentos organizados ao lado e uma gaveta vazia. Deveria trazer suas próprias coisas, porque sequer tinha uma caneta consigo. Ligou o computador e colocou o pedrive com a agenda que Mayumi acabara de lhe passar, estava curioso sobre o que o magnata fazia no dia a dia.
Basicamente Hashimoto Murakami estava sempre em reuniões, na academia ou viajando.
Pesquisou na internet sobre o chefe e se surpreendeu por nunca tê-lo visto, talvez por não se ligar muito em tv, mas Hashimoto Murakami era um solteiro muito cobiçado. Vindo de uma família rica, de amigos ricos, ficando cada vez mais rico. E, sim, ele era muito bonito.
A postura séria era sempre presente nas fotos, o porte físico do Murakami sempre se destacava. Os olhos baixos, sempre penetrantes; sempre elegante em seus ternos caros. Umedeceu os lábios e pigarreou ao perceber que olhava para a tela do computador de boca aberta.
Ouviu Mayumi fazer um cumprimento, ele estava de volta. Levantou-se e colocou as mãos ao lado do corpo, quase em posição de sentido
- A reunião acabou mais cedo. Vamos sair antes do almoço - disse olhando as roupas de Takahiro, aquilo já o estava incomodando. - Você dirige? - parou na frente da mesa jogando os cabelos para trás.
- Sim, Sr. Murakami - acenou com a cabeça.
- Ótimo - jogou as chaves para o Watanabe - Vamos, não gosto de perder tempo.
...
Takahiro seguia dois passos atrás de Murakami, que seguia imponente à sua frente, cumprimentando algumas pessoas ao passar pelos corredores. Chegaram no estacionamente e o loiro parou ao lado de uma Ferrari. Só isso. Apenas uma Ferrari.
- O que foi? - perguntou impaciente.
- Desculpe, não é nada - soltou o ar que segurava inconscientemente.
Destravou o carro e Murakami entrou do lado do carona, o cheiro de perfume caro invadiu as narinas de Takahiro.
- Eu não costumo vir trabalhar com ela mas foi o jeito, bati o outro carro - disse simplista.
Takahiro preferiu não questionar e dirigiu com cuidado para fora do estacionamento.
- Pegue a direita - sinalizou com a mão.- Vamos comprar um terno.
...
Quando o loiro falou em comprar um terno, Takahiro jamais imaginaria que seria para si.
- Senhor... Eu não tenho como pagar um terno dessa loja, eu sei que não vim vestido adequadamente mas-
- Considere como um adiantamento, Takahiro. E não vamos comprar o mais caro da loja, não se preocupe.
Takahiro estava constrangido. Seu chefe que mal conhecia, havia o levado a uma loja de ternos porque não fora vestido adequadamente em seu primeiro dia de trabalho. O auge da vergonha alheia. Murakami mexia no celular enquanto o alfaiate tirava as medidas de Takahiro.
- Pelo menos dois, Akame - falou sem nem tirar os olhos da tela. O alfaiate assentiu e sumiu em busca de ternos para Takahiro, que desceu da plataforma onde estava.
- Takahiro Watanabe - a voz baixa se fez ouvir e os olhos de Murakami caíram sobre o corpo encolhido do Watanabe. - Estava pesquisando sobre você - Takahiro engoliu em seco. - Você cursa música, por que veio ser meu secretário? - cruzou os braços ainda encarando o outro.
- Eu estava desempregado - falou baixo. - E depois desses dois ternos, estarei endividado.
Murakami riu soprado, mas cobriu a boca.
- Esses ternos não me custam nada, a maioria eu ganho só para usá-los. Feche a boca.
Só então Takahiro se deu conta que novamente estava com a boca aberta, abaixou o rosto. Era muito estranho como se sentia intimidado, logo ele, que desafiava Deus e o mundo. Mas precisava manter aquele emprego, era isso, apenas manter o emprego.
- Mayumi explicou o que precisa fazer?
- Sim, Sr.
- Muito bem. Pode usar esses sapatos com os ternos, gosto de como combinam.
'Ainda bem, menos uma conta', Takahiro pensou.
Akame não demorou a voltar e colocar Takahiro em ternos totalmente pretos, que combinavam bem com seu tom de pele.
Voltaram ao prédio a tempo do loiro sair com Sr. Hyuga e Sr. Takahashi, que agora já sabia que eram os sócios de Hashimoto Murakami.
Sentou-se à mesa novamente, olhando para as sacolas de compras ao seu lado. Mayumi chegou caminhando pelo corredor com um sorriso no rosto, ela parecia tão tranquila ali, talvez o Murakami não fosse tão amedrontador quanto pareceu na primeira vez que falou com ele.
- Tudo bem por enquanto, novato? - Takahiro assentiu, a moça colocou uma caixa com curativos sobre a mesa. - Não esqueça de enviar a agenda de amanhã hoje à noite para ele, e mesmo assim, ele vai te perguntar tudo de novo amanhã.
- Muito obrigado pela ajuda, de verdade.
- Não precisa agradecer, você só precisa de paciência, hoje foi um dia bom, mas nem sempre é assim. E deixe o celular ligado.
- Sim, Sra. Tanaka - disse com a voz rouca, estava obedecendo ordens demais e pessoas demais para seu gosto.
Mayumi sorriu e saiu.
Quando foi ao banheiro higienizar os machucados, seu celular apitou ao receber uma mensagem.
Número desconhecido:
Está dispensado por hoje, Takahiro Watanabe. Amanhã esteja antes de mim na empresa. Salve meu número.
Hashimoto Murakami.
Comemorou internamente, ainda tinha toda a agenda do dia seguinte para decorar.
Mas que inferno! – vociferou o loiro.
Takahiro sentiu vontade de rir pois a voz do chefe não era assim tão grave e era até engraçado vê-lo tentando engrossar a voz pela raiva. Arrependeu-se imediatamente quando os olhos do Murakami pousaram sobre ele.
As feições bonitas muito sérias, os lábios grossos espremidos numa linha fina.
- Secretário Watanabe! Ligue agora pra esses idiotas! Eu quero uma reunião o mais rápido possível! No máximo amanhã de manhā!
- Sim, senhor - disse baixo.
- Que?! - exasperou-se.
- Marcarei imediatamente, senhor Murakami.
Hashimoto o olhou com as mãos na cintura.
- Certo, então por que diabos ainda não está discando?!
Takahiro fez uma reverência desajeitada e saiu da sala do chefe quase correndo. Ao fechar a porta, ouviu os gritos raivosos do mais velho e não ousou rir.
Nunca foi medroso, sempre encarava tudo de frente, mas Hashimoto era o tipo de homem que conseguia tudo o que queria e tinha tudo aos seus pés. Ele era o tipo de homem que Takahiro queria ser e isso lhe deixava estranho, de alguma forma que ele ainda não compreendia.
Suspirou e coçou a nuca. Não queria pensar nisso, mas era inegável o quanto a personalidade do chefe o afetava. Ridículo. Sentiu-se ridículo. Estalou a língua e abriu a agenda no Tablet em busca do número que precisava.
A porta à sua frente se abriu num baque e Hashimoto saiu pisando duro e bufando por ela.
- Conseguiu?
- Ainda não, senhor Murakami. Eu estou procurando o número e-
- Quantos anos você demora pra achar um simples número de telefone?! – disse de maneira impaciente.
- Se eu pudesse fazer meu trabalho sem ser interrompido a todo momento, talvez fosse mais rápido! - Takahiro despejou sem pensar.
Os olhos de Hashimoto se estreitaram e os lábios se contraíram. Ele passou as mãos pelos cabelos e soltou o ar numa lufada.
- Vou fingir que não ouvi isso. - Olhou para o garoto à sua frente, ele parecia rebelde demais para seu gosto. - Eu vou tomar um ar. Espero que o problema já esteja solucionado quando eu voltar.
Não esperou resposta, muito menos outro afronte. Saiu dali sacudindo o terno caro a fim de se refrescar, pois estava queimando de raiva.
Takahiro soltou o ar que até então estava segurando. Sentou-se na cadeira e voltou a buscar o número de que precisava, repensando se seria tão ruim assim comer só macarrão instantâneo por mais alguns meses. Teria que falar com Souichi e brigar com o mesmo por tê-lo colocado nessa furada, mas imediatamente afastou o pensamento, seu amigo havia o ajudado. Não tinha culpa se seu chefe era um filho da puta mimado que não pode esperar cinco minutos.
Conseguiu marcar a reunião que Hashimoto exigiu e orgulhoso de si mesmo, fez questão de avisar imediatamente, para mostrar proatividade.
Secretário Watanabe:
Resolvido, marcada para às 9h.
Hashimoto Escroto Murakami:
Desmarque.
Marque um vôo para Tokyo, amanhã antes das 6h.
Olhou para a tela do celular incrédulo. O loiro havia feito todo aquele show para pedir que desmarcasse a reunião para viajar?
Conteve a vontade de jogar algo na parede, respirou fundo. "Manter o emprego, Takahiro, estamos aqui pelo salário." Pelo menos teria um dia livre de seu chefe.
Entrou na internet, comprou a passagem o mais rápido que pôde e relaxou na cadeira. Ainda teria que desmarcar a reunião e só de lembrar lhe dava nos nervos. Um mês nesse emprego e nem precisaria descolorir os cabelos, eles já nasceriam brancos.
(...)
Chegou em casa bastante cansado depois de vir apertado e em pé no metrô. Deixou os sapatos na entrada e andou quase se arrastando pela sala pequena do apartamento.
Jogou-se no sofá e adormeceu ali mesmo.
O telefone vibrava e zumbia perto de seu rosto no sofá velho. Piscou os olhos algumas vezes e ainda era cedo. Muito cedo. O relógio na tela do celular mostrava que ainda eram quatro e meia da manhã.
Destravou o telefone e ficou mais pálido do que já era normalmente.
35. Exatas 35 ligações do seu chefe.
Sentou-se de supetão e retornou a chamada. Ouviu o primeiro toque.
- Classe econômica - disse a voz seca do outro lado.
- Sr Murakami, eu pensei-
- Pensar? Você não pensou, Takahiro! - Podia quase ver o rosto do chefe irritado olhando para si.
- Achei que era uma passagem comum, sinto muito. - Sua voz rouca saiu baixa e ele estava realmente sentido por estar errando tanto.
O silêncio reinou por alguns segundos e pôde ouvir a respiração pesada do chefe.
- Marque a minha volta para amanhã às 19h. Não faça nenhuma bobagem!
- Senhor... - disse incerto.
- O quê?
- Qual classe eu compro? - perguntou coçando a cabeça.
- A primeira, Secretário Watanabe!
- Tá, tá! Também não precisa esse drama todo, é uma viagem de menos de duas horas!
Takahiro tapou a própria boca. Seria demitido e ia ser agora.
- O que disse? - Depois de um silêncio de segundos, a voz do Murakami sibilou baixa.
- Me desculpe, senhor. Vou comprar a passagem certa.
Ouviu um riso soprado do outro lado da linha.
- Aproveite para organizar minha agenda da semana e a viagem para Hong Kong. Quando chegar, vamos ter uma conversinha.
Takahiro engoliu em seco. Passou as mãos pelo rosto assim que ouviu a ligação desconectar. Olhou em volta para seu singelo - e apertado - apartamento.
Em menos de uma semana, estaria de volta à sua vida de miséria.
Não conseguiu dormir mais depois da ligação. Fez um café, tomou um banho e sentou na frente do computador para comprar as passagens de volta de Hashimoto.
Pegou a agenda e pensou se deveria arrumar aquilo se seria demitido assim que o chefe chegasse.
Quase dez da manhã a campainha tocou. Levantou resmungando do sofá e checou o olho mágico.
- Oi, Souichi - disse quando abriu a porta. - Não esperava te ver hoje.
- Tive que buscar meu meio irmão na rodoviária, pensei em tentar a sorte e passar aqui. - Entrou e tirou os sapatos.
Takahiro já andava para dentro do apartamento novamente, indo em direção à pequena cozinha.
- Mitsuya está vindo? Faz tempo que não o vejo. - Serviu café numa xícara e entregou a Souichi.
- Sim, sim. Aquele louco. - Pegou a xícara da mão do mais velho. - Só me avisou hoje, acredita? No meio da madrugada!
- É meio estranho mesmo, mas gosto dele.
Os amigos voltaram para o sofá e Takahiro deu um longo suspiro.
- Eu acho que vou ser demitido, Souichi.
- Que?! Não faz uma semana, Takahiro Senpai... -- disse preocupado.
- Ele é um mimado! - Desabafou. - Eu não sirvo pra isso, não mesmo! - Colocou a caneca na mesa de centro. - Ele age como se eu fosse escravo dele e não faz nem uma semana!
Souichi suspirou e ponderou. Lembrava-se bem de quando trabalhava nessa empresa. Hashimoto Murakami andava sempre de nariz em pé, mas nunca teve contato direto com o homem.
- Bom, você deve pensar, Senpai.
- Eu tenho pensado.
- É uma ótima empresa, tem muito reconhecimento. - Virou para o Watanabe. - Fora que o salário...
- Tsc! - Estalou a língua. - Eu sei! Mas esse desgraçado vai me deixar doido!
- Ele não tem porquê te demitir, pra início de conversa.
- Na verdade.... - Takahiro se encolheu no sofá.
Takahiro contou o que havia acontecido com as passagens que comprou para Hashimoto. E o amigo tentou tranquilizá-lo dizendo que não era tão ruim assim e sugeriu que ele controlasse mais a língua perto do chefe. Depois que Souichi saiu para buscar seu meio irmão na rodoviária, Takahiro voltou a verificar a agenda do chefe.
Secretário Problemático:
Senhor, desculpe o incômodo, só queria avisar que está tudo pronto para sua viagem à Hong Kong.
Hashimoto Escroto Murakami:
Certo.
Não esqueça de fazer as reservas do hotel. Quero no The Langham.
Secretário Problemático:
Reservas?
Devo fazer mais de uma?
Hashimoto Escroto Murakami:
Sim, garoto.
A minha e a sua.
Mas se quiser ficar na rua, não me importo.
Secretário Problemático:
Espera, eu vou também??
Hashimoto Escroto Murakami:
Não é óbvio?
Você é MEU SECRETÁRIO!!!
Takahiro olhou para a tela do celular e depois para a agenda do chefe. É óbvio que ele não iria em uma viagem de negócios sozinho. Era óbvio! Mas isso significava que ele teria que passar dois dias inteirinhos com o chefe sem descanso!
Engoliu em seco e ligou para Souichi.
- Souichi... você teria uma mala pra me emprestar?!
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