Gustavo
Quando saí de Campinas, prometi a mim mesmo que nunca mais moraria aqui. Durante todo esse tempo só vinha aqui no aniversário de meus pais e nada mais. Porém, a vida gosta de nos pregar peças, e, aqui estou eu de “mala e cuia”. Olho ao meu redor e ainda não consigo acreditar que meu pai está ali, sem vida dentro de um caixão. Meu pai teve uma parada cardíaca e não resistiu. Quando criança eu e meu pai éramos muito próximos, na verdade, até eu ir embora ainda éramos. Não está sendo fácil passar por isso, perder uma das pessoas que eu mais amo. E para piorar tudo, a pessoa que sempre evitei, está aqui caminhando em minha direção.
— Gustavo, como você está? Sinto muito pela morte de seu pai. — Ela fala e me abraça, sinto seu cheiro, sua pele. Nossa, como eu sonhei, como eu desejei ter essa mulher para mim. Mas ela me deu um fora, UM BELO FORA. — Você vai ficar aqui ou vai voltar para o Rio?
— Na verdade, se fosse por mim era só enterrar meu pai e voltar para o Rio, mas a dona Marta… — Olho em direção a minha mãe. — Não quer nem saber disso. Então o jeito é ficar, fazer o que né?
— Acredito que sua mãe tem razão em não querer ir embora daqui, ela nasceu e sempre viveu aqui, eu também não me vejo longe daqui, amo Campinas. Ela não vai se acostumar em outro lugar. E você também é daqui, não sei por que criou ódio desse lugar.
— É sério que você não sabe? — Falei olhando bem em seus olhos, do jeito mais frio que podia e sabia. Ela não conseguiu ficar me olhando, se afastou na mesma hora.
Depois, mais e mais conhecidos foram chegando, alguns amigos e parentes também, não via a hora desse dia terminar. À noite, já em casa tomei um banho e fui no quarto da minha mãe, ela já estava dormindo, fui à cozinha, bebi um copo de água e voltei para o quarto.
Deitei-me na cama e minha mente voltou no tempo.
Depois que ela me deu o fora, não fiquei mais na festa da família, aliás, nem voltei, depois de um tempo sozinho na rua meu celular tocou era o Ricardo ligando para desejar um feliz Ano Novo. Que belo ano novo aquele! Comecei o ano com um enorme buraco no meu peito.
Voltei mais um pouco no tempo.
Lembrei de quando os pais da Lidiane vieram morar no nosso condomínio, ela tinha 10 anos e eu 14. Ela era tão linda, o cabelo preto, comprido, ela adorava usar tranças e ela também tinha uma franjinha. Era a menina mais linda que eu já vi.
Voltei de novo para aquela passagem de ano,
Ricardo me chamou para ir se juntar a ele, o Rafael e alguns amigos numa “boate”. Eles reservaram um camarote e depois da virada com suas respectivas famílias, agora eles iam comemorar a virada do jeito deles. Ele me passou o endereço, enviei uma mensagem para minha mãe avisando que iria passar o resto da noite com os amigos.
Quando cheguei lá, eles já estavam, saudei a todos e fui para onde Ricardo estava com Rafael.
— Pensei que você não vinha, que ia ficar com a Lidiane, você não se declarou para ela? — O Rafael perguntou.
— Sim, me declarei. — Falei com a cabeça baixa. — Mas ela me deu um fora, está apaixonada pelo meu primo, o Miguel.
— Sinto muito cara. — Dessa vez quem falou foi Ricardo. — Vida que segue, já que todos estamos solteiros vamos aproveitar a noite!
Naquela noite, bebi como nunca havia bebido na minha vida, tentando esquecer a declaração frustrada. Lembro que peguei alguém, só não sei quem, na verdade, nem lembro seu rosto e nome.
Sacudo a cabeça, não quero e nem vou pensar em quem não merece. Na verdade, o fora que ela me deu serviu para eu deixar de ser sentimental. Depois daquela noite nunca mais dei meu coração para outra mulher. Só faço sexo sem compromisso.
Fui para a janela, olho as ruas, tudo calmo. De repente ouço uma gargalhada me viro para ver quem é. Lá vem ela, abraçada com uma garota. Ela continua linda, sinto meu coração bater acelerado. Não consigo parar de olhar para ela, o seu sorriso ainda é o mesmo, cabelos na altura dos ombros, vestida num short jeans e uma camisa de tecido manga longa. — Deus, eu ainda amo essa mulher! — Sei que continuo amando-a. Saio dos meus pensamentos quando recebo uma ligação do Ricardo.
— Boa noite! Como você está?
— Bem cansado.
— Eu sei, deve ser complicado.
— Você quer mais alguma coisa?
— Queria saber se você quer jantar comigo e o Rafael amanhã.
— Não. Vou aproveitar o restante da semana com minha mãe.
Saio da janela, volto para cama e tento dormir.
Gustavo
Acordei cedo, fiz minha higiene, coloquei um terno e desci para tomar café — Bom dia, mãe! — Beijei sua cabeça e peguei um pedaço de bolo e comecei a comer ainda em pé.
— Bom dia, meu amor! Se sente e toma o café direito. — Falou minha mãe olhando para mim.
— Não posso, quero chegar cedo na empresa hoje, quero aproveitar para ver as instalações antes que os funcionários cheguem. — Falei e saí em direção a porta. — Beijo, mãe! Amo você.
Quando cheguei na empresa só estavam os seguranças e as pessoas responsáveis pela limpeza, comecei a visitar os departamentos. Meu pai e meu tio criaram a empresa há mais de 20 anos. E agora vou assumir o lugar do meu pai no comando dela.
No setor de fundição desde que foi criada, a empresa da minha família, fabrica peças em metais para diversos segmentos, além de ter uma loja de decoração com produtos de produção própria.
Às 9 horas me dirigi para a sala de reuniões da empresa, onde meu tio irá me apresentar para os funcionários da empresa, quando cheguei todos estavam em pé ao redor da mesa de reunião.
— Bom dia! — Meu tio começou a falar. — Como vocês sabem, meu sobrinho, Gustavo, irá assumir o lugar de meu irmão aqui na nossa empresa, espero que todos colaborem para sua adaptação, e que os responsáveis pelos setores da empresa passem as informações que ele precisa saber.
Antes dele terminar de falar, vi uma pessoa entrando na sala, tentando se esconder. Ficou no final, lá atrás. Por que ela está aqui? Ela trabalha aqui? Como? Saí dos meus pensamentos quando meu tio pediu para eu dizer algumas palavras. — Bom dia a todos, a partir de hoje serei responsável pela parte administrativa da empresa. Conto com todos para podermos juntos desenvolver um bom trabalho. Muito obrigado pela presença de vocês, que todos tenham um bom dia!
Terminando a reunião todos foram para os seus departamentos e eu caminhei com meu tio rumo a minha sala. Entrei, sentei e fiquei pensando por que ela estava aqui. Certo que a família dela não era rica quanto a nossa, mas porque seu marido deixava ela trabalhar? Afinal, ele era rico, a nossa família era. Por que ela estava aqui então? Estava mergulhado em meus pensamentos quando ouvi uma batida na porta, mandei entrar e fingir estar lendo algo.
— Com licença, Gustavo gostaria de saber se o senhor precisa de alguma coisa. — Lidiane ficou parada em frente a minha mesa. Fiquei em silêncio por alguns segundos.
— Sim, me envie os relatórios dos últimos meses da empresa para eu poder dar uma olhada. — Quando ela ia se virando para sair, não resisti. — Desde quando você trabalha aqui?
Ela se virou para mim. — Há cinco meses trabalho como secretária aqui. — Respondeu sem olhar nos meus olhos. — Pensei que seus pais tivessem te contado.
— Por quê? Afinal meu primo ganha bem. Lembro de você dizendo que não queria ter uma profissão, que iria se casar, ter uma família, ficar em casa esperando o marido chegar do trabalho e então perguntar como foi o seu dia, servir uma comidinha caseira, enfim, cuidar da família. O que houve? — Levantei-me e me aproximei dela.
Ela olhou para baixo e respondeu. — Há seis meses eu e Miguel nos separamos. Então tive que procurar um emprego, não achei certo que ele ou meus pais me sustentassem, quando meu pai soube que eu estava procurando um emprego ele pediu para seu Osmar arranjar um para mim. Como a secretária do seu pai iria se casar e morar em outra cidade, seu Osmar falou com seu Orlando e ele me chamou para trabalhar na vaga dela.— Ela sorriu, olhou para mim, abriu os braços e continuou. — E aqui estou eu.
Fiquei alguns segundos olhando para ela. — Bem, você pode ir agora. — Quando ela saiu, não consegui parar de pensar no que ela contou. Como isso aconteceu? O que aconteceu com todo amor que eles tinham? Peguei meu celular e liguei para o Ricardo, precisava tirar essa história a limpo.
— Alô! Ricardo? — Não deixei ele nem responder e fui logo perguntando o que eu queria saber. — O que você sabe sobre o casamento do Miguel e da Lidiane? Por que eles se separaram? Você sabia que ela era secretária de meu pai?
📲 Primeiro um bom dia para você, né? Por que você quer saber disso agora? Vai tentar conquistar ela agora?
— Ricardo, deixa de besteira e conta logo o que você sabe. — Já estava ficando irritado.
📲 Ei cara! Lembre-se que foi você que nos proibiu de falar neles para você, esqueceu? Eu me lembro direitinho o que você disse: “a partir de hoje eu não quero ouvir o nome deles ou saber de suas vidas, e se vocês forem meus amigos farão isso por mim. Também vou dizer isso para os meus pais. A partir de hoje eles não existem para mim.” Lembrou?
— Sim, eu sei o que eu falei, porra!! Agora dá para você responder o que eu quero saber? — Minha paciência já foi para o espaço.
📲 Não sabia que ela era secretária de seu pai, e nem sei muito sobre o que aconteceu com eles. Sei que ela engravidou quando eles ainda namoravam, por isso se casaram. Depois eles tiveram mais um filho, todos se espantaram quando eles anunciaram o divórcio, ninguém sabe o motivo. Aparentemente eles viviam bem, sempre juntos, felizes. Desculpe, irmão, mas não posso te ajudar.
Desliguei o celular, e fiquei olhando para o nada, foi quando o telefone do escritório tocou.
Gustavo
📞 Gustavo, acabei de enviar os relatórios para o e-mail da empresa. — Era a Lidiane.
Resolvi me concentrar no serviço, depois eu daria um jeito de descobrir o que aconteceu entre eles. A manhã passou rápido, ao meio-dia o telefone tocou novamente.
📞 Gustavo, estou saindo para o almoço, quer que eu peça o almoço para você? — Disse ela ao telefone.
— Não, obrigado, eu e meu tio vamos almoçar juntos, estou esperando ele. — Falei e encerrei a ligação.
Depois do almoço vim direto para a sala, ainda tinha muitos documentos para ler. Passado um tempo lendo os documentos, fiz uma ligação e pedi que ela fizesse um café para mim.
Cinco minutos depois ouvi uma batida na porta, pedi que entrasse. Lidiane entrou com o café na mão. — Aqui está o seu café espero que esteja do seu agrado.
Naquele momento, resolvi provocá-la um pouco. Eu sempre fazia isso quando éramos mais jovens. Tomei um gole do café e fui logo falando. — Que porra de café é esse? É só açúcar e água. Volte e faça outro café. — Mais cinco minutos, ela entrou com outra xícara de café. Tomei e esbravejei. — Porra, Lidiane! Você não sabe fazer café não? Faça outro café.
Ela quis falar algo, mas fechou a boca e saiu da sala. Saiu com tanta raiva, que bateu a porta com força. Passado mais alguns minutos ela entrou na sala novamente com outra xícara de café, colocou na mesa e eu bebi. Não resisti, e a provoquei mais uma vez. — Posso fazer uma pergunta? — Ela balançou a cabeça afirmando. — O que você fazia em casa? Todo esse tempo casada, cuidando da família e não aprendeu a passar um café? — Ela apenas lançou um olhar de raiva para mim, mas não me respondeu.
— Já posso sair ou o senhor quer mais alguma coisa? — Falou com os olhos cheios de água e vermelhos.
Fiz um gesto indicando que ela podia se retirar. Tentei ler alguns relatórios, mas sem sucesso, fui até a janela e fiquei olhando para a paisagem. Ouço meu telefone tocar, é a minha mãe.
— Mãe, aconteceu alguma coisa? — Pergunto preocupado.
📲 Pensei que você vinha para casa logo — Falou minha mãe.
A ideia era essa, porém aconteceu um imprevisto, mas não se preocupe, eu estou bem.
Falei mais um pouco com ela e desliguei. Se ela soubesse que estou aqui pela Lidiane.
Mais uma vez voltei no tempo, precisamente para o dia em que meu primo anunciou para as nossas famílias que eles estavam namorando, foi no tradicional almoço das famílias no primeiro domingo do ano. Quando eles fizeram o anúncio todos festejaram, menos meus pais e eu. Na verdade, eu não queria ir para esse almoço, porém meu pai insistiu.
— Filho, por que você não quer ir?
— Pai, eu me declarei para Lidiane, mas ela disse que está namorando o Miguel. Por isso, não quero ir, sei que vou encontrá-los lá.
— Filho, você tem que encarar os fatos, vida que segue, ela não é a única mulher no mundo. Você vai superar isso. — Depois do almoço, fui para área próxima da piscina.
— Filho, o que você tem? Não falou nada durante o almoço. Se gosta tanto assim dela, lute por ela. Eu e sua mãe estamos aqui para lhe apoiar.
— Pai, quero ir embora daqui.
— Filho, fugir não é nem nunca será a solução.
— Gustavo! — Ouvi a Lidiane chamar-me.
— Oi! Lidiane. — O meu pai a cumprimentou.
— Olá, seu Orlando! Eu poderia conversar com o Gustavo?
— Claro. Eu vou deixar vocês sozinhos. — Disse o meu pai e saiu.
— Por que você quer ir embora? — Olhei para ela. — Eu ouvi você falando com seu o pai. — Falou desconfiada.
— Por que eu deveria ficar aqui?
— O que eu vou fazer sem você?
— Você quer que eu fique? Vai deixar o meu primo e ficar comigo?
— Não. Eu…
— Então, eu não tenho motivos para ficar. Se eu ficar aqui vendo vocês juntos diariamente vai ser mais difícil para mim. Já que você não me quer eu tenho que lhe esquecer.
— Você está com raiva de mim?
Antes que eu respondesse, ouvi o meu primo chamando por ela. — Acho melhor você ir, o seu namorado está te esperando.
O meu celular tocou mais uma vez, me trazendo de volta a realidade. É uma mensagem do Rafael:
📨 VAMOS SAIR PARA JANTAR HOJE?
Respondo com uma única palavra:
📨 OK.
Graças a Deus a tarde passa rápido.
— Gustavo, você está indo para casa? — Escuto a voz do meu tio atrás de mim.
— Não, combinei de me encontrar com o Rafael. — Falo abrindo a porta do meu carro.
— Certo, então, tenha cuidado ao dirigir.
Quando cheguei no restaurante que nós combinamos, o Rafael estava acompanhado pelo Ricardo.
— Nossa, quem diria que o senhor Gustavo Fernandes ainda seria morador da nossa linda cidade. — Zoou Ricardo.
— Vá à merda. — Mostrei meu dedo do meio para ele. — Já pediram?
— Sim. Sente-se e vamos começar os trabalhos. — Pedi um vinho para apreciarmos enquanto a comida é preparada.
— O Ricardo me contou que você queria saber porque o Miguel e a Lidiane se separaram.
Olhei para o Ricardo com um olhar de repreensão.
— Ei! Não me olhe assim. Nós três somos como irmãos, o problema de um é também do outro.
— Deixa de frescura, Gustavo. — Falou o Rafael enquanto chutava minha canela por baixo da mesa.
— Para de me chutar, seu bosta. — Devolvo o chute enquanto coloco vinho na minha taça.
— Ok. Mas garanto que você iria gostar de saber o que eu descobrir.
— Tenho certeza que você vai me contar sem eu perguntar. — Bebo um gole de vinho.
— Ok. Há algum tempo eu tive um rolo com uma advogada que trabalha no mesmo escritório do seu primo e ela me disse que uma vez uma aluna foi procurá-lo lá e ela ameaçou fazer um escândalo se ele se recusasse a atendê-la. — Ele parou de falar e olhou-me. — Ela disse que poderia apostar como provavelmente ele e essa aluna tinham um caso.
— Quando foi isso?
— Há uns dois anos.
— Acredito que não foi traição, se fosse ela teria se divorciado na época e não agora.
— Mas quem trai uma vez pode trair outra vez.
Fiquei em silêncio por alguns instantes. — Vou dar uma sondada com minha mãe, vê se ela sabe de alguma coisa. Agora mudando de assunto, tô precisando de um apartamento para alugar. Você me indica algum?
— Essa parte é com meu pai. Vou conversar com ele e depois te falo. Mas por que você quer alugar um? Pensei que iria morar com a sua mãe.
— Já estou acostumado a morar sozinho, gosto de ter privacidade.
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