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Predestinados ( Primeiro Livro Dos Dois Filhos De Kalel)

Niger et Albus

Oi, tudo bem? Vim aqui dizer que esse é um livro autônomo, mas que conta somente a história de um dos filhos de Kalel. Se não for pedir demais, depois de ler esse leiam o de Gideon, ele se chama Amarrados. Boa leitura!

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Olá, eu me chamo Sidereum Noctem*, vim aqui pra contar sobre uma noite escura e chuvosa, que uniu duas almas em um laço de irmandade naquele pequeno país, e que determinou uma ligação forte entre niger et albus**.

Então se você me permitir, gostaria de puxar uma cadeira e sentar ao seu lado, pra contar não apenas isso, mas também como um casal jovem e predestinado vai conseguir driblar a marca de um destino forte e incontrolável e escrever a sua própria história.

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Vaticano, há vinte e sete anos atrás.

Os gritos da mulher em trabalho de parto ecoaram de uma maneira tão forte pelo casarão antigo e elegante, que conseguiram se sobressair ao som da chuva forte que caia lá fora.

Aprisca era atendida por duas freiras parteiras, enquanto Kalel andava pra lá e pra cá no corredor, passando sem parar as mãos nos cabelos negros como a noite. Estava tão nervoso que via o sangue correndo forte nas veias através da pele clara dos braços.

Aprisca deu um grito mais forte do que todos os que já havia dado, Kalel ficou estático no meio do corredor. Alguns segundos de silêncio se fizeram presentes, até que o choro forte da criança foi ouvido e o homem respirou aliviado. Adentrou o quarto e encontrou a esposa com um sorriso no rosto, segurando nos braços uma criança forte.

Kalel se aproximou da cama desarrumada e marcada pelo parto, e imediatamente abriu um sorriso também ao ver o rosto inocente e angelical na sua frente, emoldurado por cabelos negros como os dele. Naquele instante foi inundado por um amor completamente novo e avassalador.

Encarou os olhinhos negros como os seus e a pele alva, ouvindo a mulher dizer:

- Ele é um menino lindo!

Aprisca estava completamente apaixonada, um pouco apreensiva pelo futuro do filho, mas inteiramente confiante de que ele seria tão talentoso quanto o pai no que fazia.

Sabia que o trabalho deles era indispensável, e que era uma questão totalmente além do controle e compreensão dela.

- É sim amore mio, assim como tudo que vem de você.

*********

Já era alto da madrugada.

Aprisca e o bebê dormiam bem aquecidos pela lareira do quarto, quando a campainha da mansão tocou. Kalel assumiu a postura de homem sombrio que estava habituado e desceu as escadas segurando o revólver cromado, estava preparado pra qualquer coisa, não que estivessem dispostos a desafia-lo ali, no Vaticano, aliás, não havia ninguém disposto a isso em nenhum lugar, mas ele sabia que sempre podia existir alguém louco o suficiente.

Encontrou com a empregada enrolada em um robe longo e fez um gesto pra ela de silêncio. A mulher de meia idade baixou os olhos e se retirou deixando que o patrão atendesse a porta. Kalel se posicionou atrás da madeira bem trabalhada e abriu rapidamente, se escondendo atrás da parede e esperando pelo ataque, mas nada aconteceu.

Ele resolveu olhar quem era e não viu ninguém na altura de seus olhos, só quando baixou o rosto foi que conseguiu perceber o cesto de vime, com um acabamento em verniz escuro e um tamanho considerável.

Kalel observou os lados e chegou até a sair na chuva que insistia em cair forte. Não havia ninguém, só o cesto. Colocou a arma na cintura e se abaixou pra ver o que era, foi quando teve uma surpresa: envolto nos lençóis brancos que estavam dentro do cesto, uma criança, outro menino, esse de cabelos loiros como sol.

Quando o homem forte se abaixou e pegou o entrelaçado, a criança acordou com o balanço e começou a chorar, ele podia perceber os sinais de parto recente. Havia nascido naquela noite mesmo, como a criança que descansava no quarto, estava ainda com o cordão umbilical. Enquanto olhava nos olhinhos azuis que estavam molhados, ele teve a mesma sensação de quando viu o sangue do seu sangue pela primeira vez. Kalel sabia que aquele também seria seu filho.

Subiu ao quarto e cortou o cordão umbilical da segunda criança como havia cortado o da primeira. Limpou o bebê e o vestiu com uma das roupinhas novas do filho que dormia ao lado da mãe.

Enquanto terminava de aquecer o anjinho loiro, ouviu a voz de Aprisca.

- Me dê aqui, ele deve estar com fome.

Kalel sabia que a esposa era um ser humano de coração enorme, sabia também que não a merecia por tudo que ele fazia por aí, mas ela era o ponto de paz dele. Exatamente por isso soube que ela receberia como filho também a criança deixada alí.

A mulher recolheu a criança nos braços e o amamentou, estabelecendo ali o mesmo laço de amor que estabelecera horas antes com a criança saída de seu ventre.

***********

Quando a manhã já estava alta, Kalel colocou os dois filhos em moisés confortáveis que mandou comprarem na cidade, e se dirigiu ao lugar determinado pelo conselho. Precisava cumprir com as tradições, era imprescindível que os homens da irmandade, nascidos da família primeira, fossem apresentados diante do conselho.

Não obedecia ninguém, era o maior que existia em seu meio, mas tinha respeito pelos anciãos que ali se reuniam. Adentrou o salão enorme, e bem trabalhado com arte bizantina e ouro, carregando um filho em cada mão.

O religioso ancião, sentado na maior cadeira do salão, abriu um sorriso e dirigiu um olhar curioso para Kalel.

- As parteiras me disseram que Aprisca deu à luz a uma criança só, mas te vejo com duas. Quem é a outra?

Kalel colocou os dois filhos no chão e se ajoelhou perante o conselho.

- É meu filho também, me foi enviado essa madrugada e Aprisca e eu o acolhemos como fruto nosso.

O ancião se levantou e ajeitou a roupa vermelha que vestia.

- Você sabe o que é necessário para que ele seja aceito como seu e faça parte dos nossos, não sabe?

Kalel levantou o olhar e estendeu as mãos. O ancião o entregou uma adaga de ouro e Kalel cortou a palma da própria mão direita, deixando o sangue escorrer por cima da cabeça da criança loira e dizendo:

- Adversus hoc consilium tibi filium meum annuntiamus, et hic te facio, sanguinem sanguinis mei, et carnis carnis mee.***

Alí estava selado, Kalel oficialmente possuía dois filhos perante o conselho.

O ancião o olhou por um tempo enquanto analisava a situação, e via o homem enrolando uma faixa branca em seu machucado.

- Pois bem então...

O velho pegou a criança com cabelos negros e a levantou nas mãos a vista de todos os trinta anciãos do conselho. E disse em alto e bom tom:

- Este é Legio****, o que arrastará sob seus pés o castigo do inferno para quem o merecer. Valerá por uma centena de homens, e sua força e habilidade será multiplicada de acordo com sua necessidade.

Deixou o bebê no meio de transporte em que foi trazido e pegou o outro, a criança loira.

- Este é Angelus*****, o que vingará os inocentes e conduzirá os maliciosos ao sofrimento eterno. Será o juiz e o carrasco, agindo como assim lhe convir.

Deixou a outra criança em seu lugar e depois disse em um tom mais alto ainda do que já usava:

- Eu vos apresento, os dois filhos de Kalel!

E foi assim que niger et albus, se tornaram irmãos. Como o sol e a lua.

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Tempo presente.

A noite fria se entende normalmente, um homem alto e de constituição física considerável, fuma um cigarro e aprecia o silêncio. De repente ouve uma voz familiar.

- Boa noite, Manfred.

Manfred engole em seco e joga o cigarro no chão pisando em cima e apagando a brasa.

Cria coragem para responder, mas não para se virar.

- Boa noite, quem está aqui é Legio ou...

Não pôde completar a frase, sente o cano gelado do revólver na nuca e ouve a castanhola que a morte porta. Um toque só, apenas um aviso de que não devia terminar a frase e uma resposta à pergunta que ele queria fazer. Manfred trava ainda mais, sabe que se a castanhola tocar três vezes será um homem morto.

Sentindo o coração acelerado e o medo correndo em suas veias no lugar do sangue, Manfred destrava a língua novamente.

- O que você deseja Legio?

Legio dá um sorriso de canto como se o homem a sua frente pudesse ver.

- Além dos oito que estavam na entrada, quantos estão lá dentro?

Manfred não hesita, diz logo o que Legio quer saber.

- São doze homens sentados em volta de uma mesa, e mais doze em pé, portando armas.

Legio tira o revólver da nunca do homem e lhe diz:

- Você é um bom homem Manfred, trabalha pra esses caras por necessidade, eu conheço suas cinco filhas e merecem continuar tendo um pai. Exatamente por isso que vou te dar três minutos pra ir embora daqui.

Manfred corre como nunca, não quer ser o corpo de número nove no jardim e nem ser o de número vinte e cinco dentro da casa.

Legio confere as armas que trazia na cintura e adentra a mansão Tudor, carregando uma bolsa de lona preta e arrastando o inferno sob os pés.

**********

- Misericórdia Legio! Eu imploro por sua misericórdia!

O homem semi nu amarrado na cadeira não ousa levantar os olhos, tudo que ele consegue ver atravéz do seu próprio sangue que borra sua visão é o terno preto e bem cortado que a morte usa.

Legio fazia jus ao seu nome, é como uma legião, capaz de derrubar quantos forem preciso. Sem nem ao menos, em muitas vezes, ser o mais forte do lugar em termos de aparência.

O homem leva um tiro na coxa esquerda e grita de dor, logo em seguida vê a perna direita de Legio sendo erguida e o sapato italiano envernizado sendo pressionado em seu ferimento.

- Misericórdia? Você me pede por misericórdia, Jhon? Logo você que não tem misericórdia de ninguém, que manda açoitar e escravizar pessoas mundo a fora para que elas te deixem a cada dia mais rico enquanto definham no trabalho das minas e garimpos? Eu não tenho misericórdia. Qualquer dor que eu possa lhe afligir essa noite ainda será pouca mediante o sofrimento que você causa.

É verdade, Legio foi criado e preparado para não ter misericórdia de homens como esse na sua frente.

Ele anda até a bolsa em cima da mesa e dá um sorriso ao ver os onze homens mortos e sentados ainda, mais os doze estirados no chão.

Foram fáceis, como tirar doces de criança.

Legio enfia a mão na bolsa e tira um açoite romano com sete cordas.

Depois caminha até a cadeira onde o homem está sentado.

- Olhe pra mim Jhon, é uma ordem.

Jhon levanta o olhar.

- Vão ser dez, eu quero que conte.

Legio desfere o primeiro golpe no rosto de Jhon, serão todos alí.

- Eu não estou te ouvindo contar!

Jhon berra os números, e quando termina ele ouve o que achava ser lenda: A sua encomenda de alma.

Mas isso é uma burrice, essa coisa de achar ser lenda. Ele achava que o próprio Legio era uma lenda, e que os dois filhos de Kalel nunca existiram, mas essa noite ele foi provado.

- Et nocte illa animam tuam trado, coram Eo qui te definitive iudicaturus est offero.******

Jhon engole em seco enquanto escuta as castanholas soando três vezes, fecha os olhos e se prepara. Seu corpo cai sem vida depois do tiro e é assim que o mundo se vê livre de mais um monstro.

Legio ajeita a gravata, espalha gasolina no interior do imóvel e depois risca o fósforo, deixando atrás de si um rastro de morte e fogo, causado por um homem que usa somente ternos pretos.

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Tradução das palavras em Latim.

* Sidereum Noctem: Noite Estrelada.

** niger et albus: preto e branco.

*** - Adversus hoc consilium tibi filium meum annuntiamus, et hic te facio, sanguinem sanguinis mei, et carnis carnis mee: Perante esse conselho eu anuncio a ti meu filho, e te faço sangue do meu sangue e carne da minha carne.

****Legio: Legião.

*****Angelus: Anjo.

****** Et nocte illa animam tuam trado, coram Eo qui te definitive iudicaturus est offero: Essa noite eu entrego sua alma, a ofereço diante daqu'Ele que vai julgá-lo definitivamente.

Lilibeth

Boston, dezoito anos atrás.

Cesare brincava com os filhos no jardim enquanto Isabel os observava de um banco.

Pensou consigo mesma que aqueles eram os três homens de sua vida, e que era uma mulher abençoada por Deus tendo a sorte de de viver nessa vida, a mesma em que seu marido vive, e ter ganhado dois filhos maravilhosos.

Álister e Gideon, ambos com nove anos, eram inseparáveis.

Falantes e espertos, prestavam atenção em tudo o que o pai fazia pra depois repetirem. A manhã estava ensolarada e o sábado feliz, até que a empregada chega no lado de fora da casa.

- Senhor Greco, o senhor Graham está aqui para vê-lo.

Cesare abriu um sorriso, Klaus é seu melhor amigo em tudo, nos negócios e na vida fora dos negócios.

- Tudo bem, já serviu algo pra ele Olímpia?

- Já sim, ele espera na biblioteca.

Cesare deixou os filhos brincando no gramado, passou próximo ao banco onde sua a mulher estava sentada, deu um beijo nela e depois entrou na casa.

Deslizou as portas de correr do cômodo e depois as fechou atrás de si.

- Bom te ver meu amigo.

Olhou para o carrinho de bebê onde Lilibeth, a filha de Klaus, dormia, e abriu um sorriso. Era uma garotinha linda de cabelos cor de chocolate, e embora estivesse dormindo naquele momento, Cesare sabia dos olhos azuis limpos que a criança tinha. Muito parecida com a mãe que morrera no parto, inclusive carregando o mesmo nome que ela.

- Bom dia Cesare, me desculpe por te incomodar em um sábado de manhã.

Cesare achou aquilo estranho. O amigo nunca o incomodava, e sabia disso.

- O que você veio fazer aqui, Klaus? Está com o semblante pesado.

O amigo de Cesare respirou fundo.

- Estou muito doente, não tenho muito tempo de vida.

Aquilo caiu como uma bomba sobre Cesare. Klaus era seu irmão de alma, aquele que ele mesmo tinha escolhido, porque amigos são isso, irmãos que escolhemos.

- O que você tem Klaus?

Klaus se sentou em uma poltrona e encarou sem emoção alguma o rosto de Cesare.

- Um câncer raro na medula. Mas eu não vim pra falar sobre minha doença, vim pra falar sobre meu coração fora do peito, Cesare.

Klaus olhou pra menina dormindo serena no carrinho.

- Lili vai ser levada para o lugar de praxe depois que eu me for. Vai receber a educação adequada e ser preparada para a vida adulta, as pessoas lá são muito competentes pra cuidar de meninas na situação em que ela vai ficar. Ela é o que de mais precioso possuo.

Cesare serviu uma dose de bebida para o amigo e pra ele.

- Deixe a menina comigo, eu a criarei como filha.

Klaus negou a oferta.

- Tenho uma proposta para te fazer, Lili vai ficar sozinha nesse mundo e vai ser criada de uma maneira pura e inocente, precisará ser cuidada e protegida quando sair de lá com seus vinte anos. Gostaria que fosse desposada por Álister, sei que ele e Gideon tem a mesma idade, mas nós os consideramos seu primogênito, não é? Pode ser um contrato de um ano, até que ela saiba como agir com o dinheiro que vou deixar e que você vai ser o responsável por administrar. Além do mais, nunca se sabe, vai que os dois se dêem bem e achem um no outro o amor? Vai ser melhor ainda, pois aí ela vai ser bem cuidada e protegida mesmo, e pra sempre.

Cesare entendia o pedido do amigo. Haviam coisas demais em jogo e ele precisava que a filha tivesse o reconhecimento do nome forte que a casa dele possuía em todos os sentidos. Assim, quando saísse pro mundo, o casamento dando certo ou não, seria respeitada por onde passasse.

- Tudo bem Klaus, vamos firmar esse acordo.

Depois do acordo estabelecido, Klaus fez mais um pedido ao grande amigo.

- Gostaria que Lilibeth não soubesse sobre tudo, quero minha princesa bem.

Cesare sorriu para ele.

- Como desejar meu grande amigo. Agora vamos, você almoça com a gente.

**********

Três anos depois desse acordo firmado, Lili já morava onde deveria morar, seu pai havia partido um ano antes. Era uma criança calma e brincava com as outras garotas do lugar, todas morando alí com a mesma finalidade que a dela: serem preparadas para um futuro promissor depois que ficaram sozinhas no mundo.

Cesare e Isabel sempre iam visitar a menina, nós aniversários dos filhos ela era figura presente, e nos dela o contrário também valia. Cesare queria tirar a menina dalí, mas sabia que estaria quebrando com o acordo firmado há mais de uma década, não podia fazer isso.

O tempo foi passando e a responsável pelo lugar se aposentou, dando espaço para que outra mulher assumisse o seu posto. Ela não era tão bondosa quanto a outra com as crianças, mas não ousava desafiar os tutores. Por isso se mantinha meiga e atenciosa na frente dos adultos que vinham visitar as pequenas.

Se chamava Germana, casada com um homem de nome Adolf.

Adolf era um homem sombrio, as garotas pré adolescentes e adolescentes não gostavam dele, Germana sabia disso, mas mesmo assim não afastava o marido do lugar. Parece que até se divertia com o desconforto delas., as garotas não ousavam contar aos tutores as coisas que aconteciam, tinham medo de ser desacreditadas e se isso ocorresse, os castigos seriam horríveis. Germana era perversamente hábil em castigar sem precisar bater e deixar marcas. Por isso o lugar de felicidade e união, com o passar dos anos, deu lugar a um local austero e pesado.

Lilibeth havia chegado aos doze anos, crescia em tamanho e em beleza. Um dia estava sentada brincando com algumas meninas menores, quando Adolf chegou e disse:

- Oi Lilibeth, quer ganhar um doce?

A garota inocente sorriu, era apaixonada por doces, mas só os comia em dia de visita ou quando estava com o senhor e senhora Greco. Germana não permitia tal regalo em dias em que não precisasse ser uma mulher perfeita.

- Claro!

Adolf apontou para uma porta de canto, era o lugar em que el costumava ficar olhando as câmeras de vigilância.

Lili foi andando com ele.

Adolf fechou a porta da sala e se sentou na cadeira de rodinhas.

- Pra você ganhar esse doce vai precisar fazer um favor pra mim primeiro.

Lilibeth inclinou a cabeça pra direita.

- Qual favor?

Adolf deixou balançar um sorriso perverso nos lábios.

- Você vai tirar sua roupa bem devagar para que eu veja.

Lili imediatamente entendeu que aquilo não era algo certo. Estava crescendo sob uma criação rígida e cheia de pudores, especialmente ela era ensinada sobre como devia se portar e ser discreta e casta. Embora não tivesse recebido ordens pra isso, Germana ensinava Lilibeth com mãos de ferro, sabia que ela era a obra prima de sua carreira como educadora. Queria ser reconhecida e elogiada pelos grandes.

- Não posso fazer isso, não quero mais ganhar esse doce.

Lilibeth tentou sair da sala, mas foi agarrada com força pelo braço, a ponto de deixar marcas. Tremeu de medo ao ouvir o tom raivoso que tomou conta do homem, que até então estava calmo e amável.

- Você vai fazer o que eu estou mandando, se não eu vou pegar a palmatória de Germana!

A menina ficou assustada, Germana não usava a palmatória, mas a simples ameaça fazia as meninas andarem na linha. Adolf era grande e muito mais forte que ela, se ele resolvesse usar o objeto, não seria nada bom.

Ela o obedeceu. Ficou vinte minutos em pé, sendo observada pelo homem mau e obedecendo aos comandos dele, que pedia para a menina se mostrar do jeito que ele queria.

- O que você está fazendo, Adolf?

Germana abriu a porta de uma vez e quando viu Lilibeth, entrou em desespero, mas não por bondade. Por medo.

- *ELA NÃO, P*RRA! EU JÁ TE DISSE, ELA NÃO! VOCÊ SABE O QUANTO ELA IMPORTANTE*!

Adolf se levantou.

- Você sabe que eu não toco nelas, só as olho.

Germana ficou furiosa com o marido.

- Eu sei, mas parece que nessa aqui você tocou. O braço está marcado! Anda menina, se veste, e eu acho bom ninguém nunca saber disso!

Lili vestiu a roupa e saiu apressada do cômodo, deixando os dois discutindo.

A partir daí evitava esbarar com Adolf, mas o homem sempre a seguia. Estava paranóico, fissurado por ela.

Germana passou a castigar a menina sem motivo algum. Ela ficava sozinha por dias, as vezes tinha que rezar um terço inteiro ajoelhada no milho. Pensava que tinha desviado muito dos seus ensinamentos cedendo ao que Adolf pediu, por isso estava sendo castigada por Germana. Se colocava com culpa na história toda. Se escondia ao máximo sob roupas largas e desajeitadas, e sempre andava de cabeça baixa para não atrair o olhar do homem.

Foi vivendo assim, até que se cumprissem os anos que deveriam ser cumpridos.

Forçado

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

Tempo presente

De repente a consciência me atinge.

Antes de abrir os olhos, puxo o ar com força e sinto a maresia.

Espera...

Maresia?!

Em Boston?!

Abro o olho direito e não reconheço o quarto. Abro o esquerdo e encaro os janelões exibindo o céu azul. Minha boca está com gosto de guarda chuva, a cabeça pesada, e eu estou sentindo dois corpos em volta de mim.

Olho pra direita e vejo uma b*nd*, linda e redonda, cor de ébano, me dando "bom dia" junto com um par de pernas torneadas. Olho pra esquerda e vejo uma ruiva, que nunca vi na vida, com um belo par de t*tas cirurgicamente modificadas.

💭 Tá legal Álister, você já entendeu que o rolê foi insano, agora precisa descobrir onde está 💭

Levanto com cuidado pra não acordar as duas na cama. Dou um confere na negra e também não reconheço, mas o rosto é tão lindo quanto a b*nd*. Só pra não ficar na curiosidade dou uma olhada na b*nd* da outra também, e bingo! É linda igual ao rosto.

Procuro pelo menos minha cueca no chão e acho só a calça jeans.

💭 Vai ter que ser só ela mesmo💭

Preciso achar Gideon, aonde quer que eu esteja sei que aquele miserável também está.

Olho a paisagem e o lugar é maravilhoso. Um mar azul cristalino se estende a perder de vista.

Bato a mão no bolso frontal da calça e acho meu celular.

Duas e quarenta e quatro da tarde.

O problema é que o telefone sinaliza fuso horário europeu.

Ando até o telefone fixo e vejo um panfleto.

"HARD ROCK HOTEL IBIZA"

P*ta que pariu! Como que eu vim parar em Ibiza?!

Dou uma risada baixinha, ainda não querendo acordar as duas na cama.

💭 É Mike Posner, na sua música você diz que tomou um pílula em Ibiza. Pelo visto eu tomei uma pra chegar aqui!💭

D*sgr*c*ira!

Ligo na recepção do hotel e pergunto por meu irmão, a moça do outro lado da linha me diz que ele está no 503. Saio no corredor e vejo que estou no 502. Ok. Reparo que os quartos são suítes interligadas, eu nem precisava ter saído.

Passo o cartão na fechadura eletrônica, e assim que se abre eu dou de cara com Gideon deitado de boca aberta, e com a cabeça virada pra porta.

Tem dois colchões de casal no chão, o p*to está pelado e cercado por quatro mulheres. Duas loiras e duas morenas

Me aproximo e empurro de leve, com o pé direito, a cabeça dele.

Gideon balança a cabeça de um jeito rápido.

Assim que ele abre os olhos, franze a testa pra mim.

Ainda está raciocinando o que está acontecendo quando eu digo de um jeito sussurrado:

- Como nós viemos parar em Ibiza?

Meu irmão se espreguiça e depois se levanta tomando o mesmo cuidado que eu.

- Acho que a gente deu uma exagerada Álister, dessa vez nós temos que admitir. Ou talvez nós tenhamos sentido falta da terra da mamãe.

Ele está segurando a crise de riso.

Tento puxar os flashs de memória. Nós estávamos em uma social na casa de um conhecido, depois disso eu lembro de mim no quarto, com as duas que estão no meu colchão de quatro na beirada da cama.

É só, não tem mais nada.

- Que inferno, cara! Como nós passamos nove horas e vinte minutos em um avião e não lembramos de nada? Me diz que você lembra, Gideon.

Meu irmão está vestindo a cueca. Pelo menos ele achou a dele.

- A única coisa que eu lembro é de ter quatro pares de mãos me acariciando.

Estreito os olhos pra ele.

- Hum, por falar nisso... essa divisão está desigual. Na minha cama só tem duas.

Gideon me dá um sorrisinho de canto.

- Eu não tenho culpa se tenho mais potência que você.

Mostro o dedo do meio pra ele e sigo pra sala que liga as duas suítes.

Depois de dar uma olhada no lugar e achar minha cueca, o que é estranho porque a calça estava no quarto, eu vou tomar um banho.

Estou em baixo do chuveiro quando as duas da minha cama aparecem. Abro um sorriso pra elas.

- Oi, eu preciso que vocês me digam quem são. Eu não lembro.

A ruiva abre um sorriso.

- Eu sou Mandy.

A outra também abre um sorriso e me mostra um preservativo.

- Eu sou Cindi.

Elas entram no box e eu aproveito pra dizer:

- Preciso que vocês refresquem minha memória. O que nós fizemos ontem?

**********

Estou sentado no meu escritório tomando um café.

Meu pai entra de repente.

- Onde você e seu irmão se meteram nesse feriado? Sua mãe e eu quase demos queixa sobre o desaparecimento de vocês dois. Álister, está na hora de sossegar!

Encaro o senhor Cesare, ele estava vestindo um terno cinza chumbo, e sempre que estamos frente a frente é como se eu olhasse um espelho que projeta minha imagem no futuro.

- *Eu estou na flor da idade pai, sossegar agora seria o mesmo que cometer su*cidio*.

Meu pai coloca as mãos nos bolsos e respira de um jeito pesado.

- Meu filho, nós precisamos conversar.

Iiiiii... lá vem.

- Sobre o quê senhor Greco?

Ele fica em silêncio por uns instantes, me encara pensativo. Depois anda até o balcão de bebidas, e enquanto serve uma dose de rum pra si, volta a me encarar.

- Sobre um acordo firmado há dezoito anos atrás, e que chegou a hora de cumprir.

Me levanto devagar da minha careta.

- Acordo firmado por quem pai? O que eu tenho a ver com isso?

Mais um instante de silêncio e eu juro que já estou quase morrendo aqui.

- Você vai se casar meu filho, e com Lilibeth.

Quem fica em silêncio agora sou eu, fico assim por um tempo, até que não resisto.

Solto uma gargalhada alta jogando a cabeça pra trás, dou risada até perder o fôlego e sentir dar água nos olhos.

- Ai senhor Cesare, eu prometo que da próxima vez Gideon e eu vamos avisar onde estamos, que é pra evitar o senhor em uma tentativa frustrada de me fazer medo. Medo não, terror!

Mas meu pai continua sério me olhando.

Ele não está brincando.

- Pai, eu tenho vinte e sete anos. Nós estamos no século 21, de onde o senhor tirou que eu vou me casar?! Não, e o pior: me casar obrigado?!

Ele anda até parar de frente pra mim.

- Você e ela vão ter obrigação legal com esse casamento só por um ano, Álister, depois disso vocês vivem do jeito que quiserem. A única coisa que vou pedir é que mantenham as aparências nesse tempo, pelo nome da empresa. Sei que eu posso ter sido leviano firmando esse acordo sem saber se seria da sua vontade, mas eu fiz isso por meu irmão de alma que estava desesperado pelo futuro da filha que só tinha dois anos.

Amo meu pai e o respeito acima de tudo que é terreno, mas essa vontade dele não vou fazer. Ele nunca foi um pai autoritário e carrasco, não estou entendendo o porquê de estar insistindo nisso.

- Eu. Não. Vou. Me. Casar. Com. Essa. Garota.

Meu pai fecha os olhos e abaixa a cabeça por um momento. Fala comigo de olhos fechados ainda.

- Ah, você vai sim meu filho. O acordo firmado não foi uma mera troca de palavras e assinatura de papéis.

Desabo na cadeira ao ouvir isso.

Inferno!

Passo as mãos pelo meu rosto e depois pelos meus cabelos sentindo a raiva tomando conta de mim.

Não vou poder fugir. Vou ter que entrar nessa merda!

- Pai, eu quero ficar sozinho.

Ele não me diz mais nada, se retira da minha sala e eu fico pensando nisso tudo. Lilibeth é uma garota que só via em ocasiões determinadas, e mesmo assim quando Gideon e eu eramos obrigados a ir com nossos pais. Assim que crescemos, passamos a frequentar só os lugares que queríamos. A última vez em que a vi eu estava com vinte e dois e ela dezesseis, foi em uma festa de aniversário, e ela usava uma merda disforme, era um vestido estilo Maria mijona, cheio de babados.

Nós até brincávamos quando crianças, mas o tempo foi passando e eu fui criando gosto pela vida e ela foi ficando cada vez mais retraída.

Eu me lembro bem da última vez em que nos vimos, porque ela viu uma cena um tanto quanto constrangedora. Eu estava no jardim com uma empregada da minha idade, e ela estava ajoelhada fazendo... bom, vocês já devem imaginar.

Lilibeth quase teve uma síncope. Abaixou o rosto e correu, eu fui como louco atrás, crente que ela devia estar fazendo minha caveira para os meus pais e todo mundo, mas ela não disse nada. Na verdade, não a vi mais. Naquela ocasião minha mãe me disse que ela tinha ido dormir mais cedo porque não não se sentia bem.

Essa foi a última vez que eu vi aquela garota, e agora meu pai vem e simplesmente me diz que nós dois vamos nos casar.

💭 Pelo menos vai ser por um ano só 💭

Meu bom humor foi totalmente pro espaço, não consigo me conformar com essa situação.

P*rra minha vida é agitada demais, não só no sentido das baladas. Tenho uma infinidade de trabalho e negócios, minha cara é conhecida por aí e eu vou ter que viver de um jeito que não quero e não gosto por um ano inteiro.

Pego o telefone e ligo pra Gideon.

📲🔊 - Quê que foi Álister, quer que eu te ajude a lembrar de mais alguma coisa do feriado?

📲🔊 - *Não irmão, quero que você me ajude a esquecer. Preciso de um outro apagão, f*da-se que é terça feira, vou ficar um ano fora de combate. Nosso pai acabou de me dizer que vou me casar e com a Lilibeth*.

Gideon fica mudo do outro lado da linha em um primeiro momento, depois consegue destravar e dizer:

📲🔊 - Não acredito que você vai casar com a Maria mijona! Nossa Álister, que merda!

Pois é... que merda!

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