Garotos Mortos Não Contam Segredos
•~Capitulo 1~•
Não consigo dormir esta noite. Deito na cama, mas não durmo. Encaro o teto azulado do quarto por horas sem fim, mas não durmo. Viro de um lado para o outro. Levanto. Olho para a vista noturna através da janela fenestrada. A alguns quilômetros daqui, está o Colégio Eastview para Jovens de Elite. A alguns quilômetros daqui, está o cadáver de um dos meus colegas de sala.
Volto para a cama. Me sento. Pego meu celular pela milionésima vez, ligo para Matty pela enésima. A linha toca, toca, toca. Ninguém atende
Tomas Minori
mais uma vez.
Me jogo na cama. Volto a olhar para o teto, me lembrando da cena macabra que presenciei. Aperto os olhos tentando me esquecer, mas não consigo. A imagem estará presa em minha mente para sempre, como chiclete na sola de um sapato.
Fico assim por mais algumas horas. O céu passa de anil a azul escuro, de azul escuro a laranja. Os primeiros raios de sol se erguem no horizonte.
Apanho meu celular outra vez, mas não para ligar pra Matty. Abro a caixa de mensagens, e no topo está a que eu tanto queria que tivesse desaparecido. Revê-la faz meu coração palpitar. Pulo da cama e me aproximo da janela outra vez. Olho as duas esquinas da rua, me certificando de que a figura encapuzada não me seguiu.
Respiro fundo uma, duas, três vezes. Vejo alguns vizinhos caminhando pelas calçadas, passeando com animais de estimação, fazendo seus exercícios matinais. Isso me dá uma sensação de segurança, de normalidade. Volto à cama. Apanho o celular. Clico na mensagem outra vez. Releio a primeira linha.
E não consigo ler o resto. Começo a hiperventilar. Corro para o banheiro. De lá, ouço sons no andar de baixo. Devem ser apenas Laura e Edgar acordando. Não tenho motivos para me preocupar. Estou na minha casa. Estou seguro. Inspiro fundo. Estou seguro. Inspiro fundo.
O celular vibra sobre a cama. Fico paralisado. Até notar que é o alarme das 6h.
Aperto as laterais de mármore da pia com as mãos e me inclino sobre ela. Vomito pela décima vez desde que voltei para casa. Levo um, talvez dois minutos até me recuperar. Limpo a boca com o antebraço. Observo meu reflexo acabado no espelho. As manchas escuras e vermelhas ao redor e sob meus olhos são assustadoras, retiradas direto de um filme de terror.
Vou ter algum trabalho para sair daqui de forma apresentável, para não levantar suspeitas para os dois adultos que me esperam lá embaixo de que fiquei a noite inteira acordado e chorando.
Como eu ficaria calado diante de Edgar? E se ele fizesse perguntas demais? Como eu mentiria para um maldito policial investigativo?
Tomas Minori
💭Merda. Merda. Merda. Merda.💭
Para Matty era fácil. Ele só precisava voltar pra casa e dizer que esteve comendo uma garota qualquer naquela noite. Tenho certeza de que seu pai lhe daria um tapinha nas costas e ainda diria “esse é o meu garoto!”. Já eu tinha que voltar pra casa e encarar um possível questionário dos meus pais adotivos, ligados diretamente à polícia do bairro.
Tudo era muito fácil pra Mateus Armani. Jogador de basquete. Popular entre as garotas. Admirado pelos garotos. Todo mundo queria ser como ele. Ou foder com ele. Talvez a coisa mais difícil em sua vida fosse eu.
Abro a torneira da pia e lavo meu rosto com água gelada. Isso me desperta, me dou conta de que tenho o pior dia da minha vida pela frente na escola. Talvez as aulas sejam canceladas; talvez não. As pessoas deste bairro são sociopatas.
Escovo os dentes. Tomo banho. Tento afastar a expressão de medo e derrota que parece pintada em meu rosto como uma máscara. Saio do banheiro com a toalha enrolada na cintura. Abro meu closet. Não penso muito, apanho o primeiro uniforme de Eastview que vejo pela frente. O tecido anil parece frio e sem vida.
Retiro a toalha. Visto o uniforme. Aperto bem a gravata em frente ao espelho do closet. Estou mais apresentável, talvez consiga passar por meus pais adotivos sem chamar muita atenção.
Mas, por dentro, ainda me sinto como se tivesse acabado de ser atropelado por um caminhão. Não tem chance alguma de que eu consiga aguentar este dia sem uma cápsula de cafeína.
Apanho minha mochila e a abro sobre a cama. Jogo o notebook pra cá, os cadernos pra lá. Alcanço o pequeno recipiente de plástico branco onde guardo minhas cápsulas. Abro uma. Aspiro. Abro outra. Aspiro. Abro uma terceira. Penso um pouco, talvez já seja suficiente. Talvez não. Aspiro.
Guardo o recipiente no fundo da mochila. Me olho no espelho outra vez. Por um segundo, a imagem de Alexis sendo asfixiado retorna à minha mente. Fico sobressaltado e viro em direção à janela, fugindo da minha própria imagem.
O celular vibra outra vez sobre a cama. 6h15. Suspiro. Sinto meu coração acelerar por conta da cafeína. Apanho a mochila e o celular. Engulo em seco. Antes de deixar o quarto, leio a mensagem completa do assassino novamente. Um calafrio passa pela minha espinha quando relembro tudo.
•~Capitulo 2~•
Mattheus despencou sobre mim suavemente , seu peito suado colando-se ao meu, subindo e descendo no mesmo ritmo. Nossa respiração estava em sincronia; nossos olhos, fechados. Seus dedos passearam pelos fios escuros do meu cabelo por um breve momento antes de ele virar para o outro lado.
Deitamos de bruços no chão gelado da quadra de basquete, escondidos atrás da fileira mais alta de bancos da arquibancada. Inspiramos fundo, recuperando nossos fôlegos.
Abri os olhos. Fitei o teto alto e cheio de veias de metal da quadra.
ele perguntou depois de alguns minutos. Virei o rosto para encará-lo.
Matty me lançou um sorrisinho cínico e me deu um último selinho. Levantou do chão e colocou de volta as roupas que haviam ficado espalhadas ao nosso redor. Fechou o zíper da calça e, em seguida
sentou no chão para vestir as meias e calçar os tênis esportivos. O peito continuou desnudo. Observei os músculos de suas costas até sentir o desconforto nas minhas por deitar naquele chão duro e pouco ergonômico.
Tomas Minori
A gente devia arranjar um lugar mais confortável
comentei casualmente. Como eu havia esperado, Matt fechou o rosto e vestiu a camiseta número 10 do time de basquete de maneira abrupta. Apertei os lábios. Vesti minhas próprias roupas. Depois de passar a camiseta do clube de xadrez sobre os ombros, complementei:
Tomas Minori
Na academia tem aqueles colchonetes de treino. Talvez pudéssemos trazer um pra cá.
Matteus Armani
Já te disse, Tommy
rebateu imediatamente e se levantou do chão. Escondeu as mãos nos bolsos, sentou em um banco da fileira mais próxima e analisou a quadra vazia com uma expressão taciturna irritante.
Matteus Armani
Muito arriscado.
Também levantei do chão, logo sentei ao seu lado.
perguntei em um tom elevado, estava inconformado. Ele inspirou fundo e me lançou um olhar repreensivo.
Tomas Minori
Não tem ninguém na porra da escola, Matt.
Sua expressão não se desfez. Levantei do banco e gritei em direção à quadra:
Tomas Minori
Olá! Tem alguém aí?
Ele me puxou por um dos braços e me fez sentar no banco outra vez.
Matteus Armani
Para com isso!
Tomas Minori
Para de ser um covarde!
Ele esfregou o rosto com as mãos, levantou do banco e caminhou de um lado para o outro na minha frente. Por fim, descansou as mãos na nuca e murmurou:
Matteus Armani
Você é impossível. Talvez a gente devesse só acabar com isso de uma vez por todas.
Estreitei os olhos. Entreabri os lábios, mas não tinha nada a responder. Era incrível como ele só se importava consigo mesmo naquela relação. Às vezes, era como se eu não existisse.
E, honestamente... talvez eu já estivesse cansado de tudo isso.
Deixei a arquibancada para trás e caminhei para longe de Matty, bufando. Tentava me convencer de que as lágrimas em meus olhos eram de raiva. Quando coloquei a mão sobre a maçaneta da porta da quadra, o ouvi gritar atrás de mim, mas estava irritado e frustrado demais para parar.
Matteus Armani
Tommy! Tommy, espera, porra! Eu não quis...
Matt começou a correr atrás de mim. Precisei apressar meus próprios passos para sair daquele colégio sem que ele conseguisse me alcançar. Mas, de qualquer forma, ele o conseguiu em um dos corredores do primeiro andar. Cruzei os braços diante do peito, minha mandíbula retesada, meu sangue fervendo. Como eu podia ser tão estúpido? Como podia me submeter a uma relação como aquela? Era melhor ficar sozinho do que
continuar naquela porra de armário com ele.
Matteus Armani
Tommy! Tommy, me escuta!
ele me puxou por um dos braços novamente.
Me desvencilhei de seu toque e segui andando. Meus tênis idiotas faziam um som agudo e irritante quando eu andava rápido daquele jeito, ainda mais no linóleo polido dos corredores. Matt ficou para trás. Cruzei um novo corredor e parei.
Eu tinha dezesseis anos. Ele também. Apesar disso, estávamos agindo como crianças de dez. Fechei os olhos e me apoiei contra a parede mais próxima, onde ficava o mural com avisos impressos. Esperei até ele me alcançar novamente.
Matteus Armani
Não quis dizer aquilo, tudo bem?
continuou com o tom exasperado. Encarei o vidro da porta da sala dos professores à minha frente. Estava silenciosa e escura, bem como a escola inteira. Ninguém costumava ficar em Eastview depois das 19h, e já eram mais de 20h. Essa era a razão pela qual só podíamos ficar juntos naquele momento do dia o momento em que não havia ninguém por perto para nos ver.
Tomas Minori
É claro que quis
rebati. Tentei não soar tão magoado, mas não consegui. Matt se aproximou com um pouco mais de cuidado. Escondi as mãos nos bolsos da minha jaqueta grossa e cinza de moletom.
Tomas Minori
É isso que você quer, não é?
Tomas Minori
Terminar tudo?
Ele ficou em silêncio. Espalmei as mãos em seu peito e o
Tomas Minori
Só diz logo e pronto!
Ele me olhou assustado, quase contemplativo. Algo passava por sua mente, mas eu não sabia o quê. Seus lábios se abriram, mas logo se fecharam. Suas mãos se aproximaram, e então se afastaram.
balbuciou depois de um tempo.
Inspirei fundo. Era melhor que ele arrancasse o band-aid logo, que acabasse com aquilo de uma vez por todas.
~•Capitulo 3•~
Meus braços penderam inertes ao lado do corpo. Meu cenho se franziu, e fui consumido por uma desconfiança vertiginosa.
Matteus Armani
Eu te amo, seu idiota
insistiu em um tom sóbrio e firme. Se aproximou, os olhos castanhos me fitando profundamente.
Matteus Armani
Eu te amo, e quero ficar com você.
Tocou as laterais do meu rosto com as mãos, os polegares acariciaram minhas bochechas. Tive uma sensação estranha no estômago, meus pés ficaram mais leves. Não sentia nada que não fosse seus dedos me tocando. Matt fez uma pausa antes de prosseguir em um tom triste:
Matteus Armani
Mas não posso. Não ainda.
Cerrei os olhos. Umedeci os lábios.
Matteus Armani
E você sabe disso.
Acenei sutilmente com a cabeça. Toquei as mãos dele no meu rosto, apertando seus dedos.
Matteus Armani
Então, me desculpa, tá bom? Às vezes, falo umas merdas que não quero dizer de verdade.
Meus braços penderam inertes ao lado do corpo. Meu cenho se franziu, e fui consumido por uma desconfiança vertiginosa.
Abri os olhos outra vez. Ele ainda me encarava daquela forma contemplativa. Não havia qualquer dúvida em sua voz.
Talvez eu não devesse desculpá-lo. Não importava o que ele sentia por mim, ou o que eu sentia por ele. Aquela relação era dolorosa. Ter que fingir que eu não estava perdidamente apaixonado por ele durante o dia para então ter alguns poucos minutos com ele de noite era torturante. Não era bom pra mim. Não era bom pra ele.
Mas era a única coisa que tínhamos por agora. Então sussurrei contra seu rosto:
E ele assentiu de volta, da forma como sempre fazia quando tínhamos aquela mesma discussão. Sempre começava do mesmo jeito. Sempre terminava do mesmo jeito.
Ele me puxou contra seu peito. Seus quinze centímetros a mais de altura faziam minha cabeça encaixar perfeitamente no ponto entre seu pescoço e seu peito. Envolvi suas costas com os braços; ele fez o mesmo, e apoiou o queixo sobre minha cabeça.
Depois de alguns segundos daquela forma, rodeados por armários azulados e portas para salas de aula naquele corredor longo e envolto em penumbra, me afastei de seu peito e o encarei.
Tomas Minori
Agora você pode me abraçar, então?
Ele riu baixinho e me deu um beijo na testa.
Matteus Armani
Pode calar a boca e só aproveitar?
Eu podia, e o fiz. Ele envolveu meus ombros com um dos braços e caminhamos pelo corredor. Seguimos em direção ao primeiro andar, e então iríamos para a saída do colégio e para a moto de Matty no estacionamento. Eu subiria na garupa e ele me levaria de volta pra casa. Como sempre. Como toda noite.
Calados, o único som na escola inteira era o estampido de nossos passos. Vez ou outra, eu virava para encará-lo de relance. Tínhamos algum futuro além do Ensino Médio? Ou seríamos apenas uma relação efêmera que esqueceríamos assim que entrássemos na universidade?
Amor bastava para manter uma relação como essa? Eu não sabia, mas sentia que,Algo foi derrubado em uma sala próxima, no corredor logo à frente. Merda. Matt retirou o braço dos meus ombros.
Tomas Minori
O que foi isso?
Encarei sua expressão de completo assombro. O barulho se repetiu, dessa vez mais alto.
sussurrei. Ele parecia tão perdido quanto eu. Talvez fosse apenas um animal que havia invadido a escola ou algo do tipo. Não era possível que ainda houvesse alguém ali. Não naquele horário, certo? Não havia seguranças em Eastview. Quase ninguém naquele bairro saía para fora de casa quando a noite chegava.
A respiração de Matt começou a ficar mais pesada. Ele deu alguns passos à frente, em direção ao corredor de onde os sons vieram. Era a primeira sala à direita, 009, o laboratório de biologia. Segui Matt com um pouco de hesitação.
Como todas as salas de aula em Eastview, a parede junto do corredor tinha enormes janelas de vidro. Sobre nossas cabeças, as luzes das lâmpadas embutidas ao teto do corredor estavam quiescentes. Havia penumbra demais particularmente naquele corredor.
Engoli em seco. Toquei no braço de Matt e o fiz se voltar para mim.
Tomas Minori
O que você tá fazendo?
sussurrei quase sem voz. Ele deu de ombros, curiosidade mórbida estampada em seu rosto. Eu também estava curioso, mas algo em minhas entranhas me dizia que era melhor darmos o fora dali imediatamente. Mas como diria isso a ele sem parecer um idiota?
Outro barulho veio da sala, mais vivo e agudo. Definitivamente havia alguém ali. Puxei a manga de Matt novamente, mas ele se virou em direção à janela escura da sala. Logo depois, se inclinou em direção a ela, tentando ver que merda estava acontecendo lá dentro. Olhei para os dois lados do corredor, que subitamente havia adquirido um tom macabro. Inspirei fundo e dei alguns passos à frente até estar ao lado de Matt. Estreitei os olhos para ver o interior da sala.
Estava completamente imersa em escuridão. Consegui identificar as silhuetas de algumas cadeiras, os cabos de eletricidade no chão, a lousa digital gigantesca.
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