Desde o começo, minha vida foi uma total desgraça. Abandonada pelos pais biológicos, rejeitada pelos meus pais adotivos, abusos físicos e psicológicos. Assim seguiu sendo aquilo que eu um dia eu chamei de vida.
Mirai, a única coisa que recebi das pessoas que me abandonaram foi esse nome. Talvez meus pais fossem japoneses? Apesar de eu não aparentar ter tais origens, sempre me perguntava se era realmente isso, ou tinha algo a mais. Apesar de tudo, eu já não pensava mais tanto neles, já que eu não tinha tempo para me importar com algo tão insignificante quando a minha vida era ameaçada todos os dias.
-Morra, sua idiota estupida! Eu não aceito dividir minha herança com uma bastarda como você!
Nem ao menos sabemos suas origens, como posso aceitar seu sangue sujo nesta casa?
Assim era a minha vida… A cada novo dia, as agressões pioravam, meu corpo já não podia mais suportar tanta dor. Por um momento, eu pensei que poderia apenas morrer, que ficaria tudo bem, mas por que entregar minha vida em vão por pessoas assim?
-O que vocês estão fazendo com a Mirai? Saiam, agora!
Havia apenas uma pessoa que me defendia nessa casa, ou pelos menos era o que eu pensei a princípio, antes de suas atitudes mudarem com o tempo.
-Elas não tem jeito, eu já avisei que ninguém deve te tocar além de mim. Uma pena que não fui eu que fiz essas marcas no seu corpo. Eu poderia simplesmente te deixar com novas marcas? Não, talvez seja melhor depois, sinto que eu brincasse com você agora, poderia se quebrar. E você sabe que eu não suportaria viver sem a minha amada boneca. Eu te amo, Mirai. Espere por mim, que logo será eu que te deixarei assim. -Ele me dá um beijo.
Nojo, era tudo que eu conseguia sentir dessa família. Meu pai foi quem tomou a decisão de me adotar, mesmo que no começo ele fosse um bom pai, com o tempo, ele virou as costas para mim. Meu irmão era doce, e sempre me protegia dos maus-tratos da minha mãe e irmã. Mas depois, ele começou a me olhar diferente, não como irmã, mas como sua propriedade exclusiva, que só ele poderia tocar.
Apesar das ordens dele de ninguém mais colocar um dedo em mim, eu ainda era maltratada em segredo, claro que no final ele descobria e surtava, mas isso era algo que até esse psicopata não tinha controle. Na escola, se algum garoto se aproximasse de mim, ele me ameaçava e me batia. Chegou um tempo em que ele não suportou o seu ciúmes doentio e obrigou o meu pai a me tirar da escola.
Enquanto passei três anos da minha vida trancada naquela casa, descobri uma habilidade. Eu podia curar todas as minhas feridas, mas claro, eu não poderia usá-la corretamente, pois se alguém soubesse, não sei quais consequências teria. Tudo que pude fazer por mim foi somente amenizar minha dor, assim eu não sofreria tanto.
Foi errado esperar que milagrosamente uma solução aparecesse para mim? Tudo que eu queria era apenas viver livremente, sem dor. Mas nem sempre devemos nos agarrar a algo repentino.
Minha escolha foi… Ruim?
De algum jeito, hoje devo me sentar à mesa com aquelas pessoas, ou devo dizer, “família”? Os olhares de desprezo endereçados a mim já nem me afetam tanto. Posso ver claramente o que se passa na cabeça de todos aqui.
-Como está, Mirai? -Holland pergunta o óbvio.
-Estou bem, pai. -Nem ao menos olho nos seus olhos.
A atmosfera é tão sufocante que me faz sentir enjoo, já que não consigo me acostumar a estar perto deles.
-Papai, por que essa coisa está aqui? Já estou perdendo o apetite só de olhar para ela. -Alice me olha com nojo, como se nem ao menos me considerasse humana.
-Lice, por favor, não é o momento! -Holland não está fazendo isso para me defender, mas por que tem algo importante para falar. -Momentaneamente, Mirai voltará para a escola com vocês.
-Pai, qual o motivo dessa decisão repentina? Mirai não pode voltar para lá, o senhor sabe que ela sofreria bullying outra vez. -Alexander bate na mesa com toda a força, mostrando claramente seu descontentamento.
(Mentiroso, era por sua causa que todos me tratavam mal).
-É verdade pai, ela só envergonha o nome da nossa família. -Estella me olha com desdém.
-Se acalmem, como vocês já sabem, Mirai estará completando dezessete anos no próximo mês, e eventualmente se tornará maior de idade no ano que vem. Tem exatamente três anos que ela nem mesmo saiu dessa casa, vejam só como ela está pálida. -Ele aponta para mim e todos os olhares ruins voltam a mim. -Acredito que ela deva pelo menos fazer amigos, e aproveitar esse último ano na escola.
Se alguém olhasse de fora, acreditaria que é somente um pai que se preocupa com a saúde da sua filha, mas por trás daquelas palavras havia algo oculto.
-Querido, acha mesmo que essa garota arrogante merece viver uma vida nor… -Holland interrompe Josephina.
-Estella se tornará a noiva de Mauro em breve, e Alexander já está noivo da filha do prefeito. Não acham que está na hora de Mirai se tornar útil para alguma coisa? Acham mesmo que eu adotaria a filha de dois desconhecidos sem que ela tivesse alguma utilidade? -Ele me olha como se soubesse o meu segredo.
Holland apenas se retira, me deixando à mercê de sua família.
-Não sei o que o papai está planejando, mas espero que seja uma maneira dolorosa de se livrar de uma praga igual a você. -Estella joga suco em mim. -É melhor você não aparecer no meu campo de visão.
Estella, Josephina e Alice saem me olhando feio, agora só resta Alexander.
-O que você está olhando? Achou mesmo que eu ia te defender? Estou com muita raiva agora por sua culpa! É melhor você não se aproximar de nenhum homem, caso o contrário, esqueça a sua liberdade, pois eu vou te levar para bem longe. -Ele saiu pisando alto.
Esse foi o começo da dos piores dias da minha vida.
Voltar para a escola poderia parecer um sonho para alguém que ficou presa em casa por tanto tempo, mas quando eu sei que o mesmo vai se repetir, me parece mais ser um pesadelo.
-Não esqueça do que eu te disse, esse será meu último aviso, Mirai, não ouse me trair. Se você olhar para outro homem, não irei me segurar. -Ele acaricia minha bochecha enquanto fala essas palavras horríveis.
Ele nem mesmo se importou que havia pessoas nos observando nos corredores da escola.
-Vejo você mais tarde, minha linda Mirai. -Alexander sai, me deixando atordoada.
Assim que Alexander saiu, vi uma silhueta escondida perto dos armários da escola, não consegui ver seu rosto.
Seguindo até a sala, meu maior medo era estar na mesma turma que Alexander, já que eu seria vigiada a cada segundo por ele.
-Turma, essa é a nova aluna, Mirai Amber. Ela é a filha do meio da família Amber, que são uma das famílias investidoras da escola, por isso, sejam gentis com ela.
(Como se isso fosse resolver alguma coisa).
-Mirai, só temos um lugar disponível na sala, então espero que se dê bem com seu colega de carteira.
(Isso é ruim, se Alexander vir que eu estou sentando perto de um garoto, ele pode me matar).
-Senhorita Amber?
-Eu poderia… Trocar de lugar? -Minha voz está trêmula.
-Tem algum problema com seu colega?
-Não, não é isso…
-Então por favor, se sente.
Eu não respondi mais nada e apenas fui até lá.
(O que devo fazer? Preciso dar um jeito antes que Alexander veja).
-Por acaso minha companhia dá medo? -Eu tremo, com medo de respondê-lo.
Ele me passa um papel.
“Evitar falar com as pessoas não vai resolver seu problema.”
Eu o ignoro até o final da aula.
Eu não percebi em que momento Alexander nos viu, mesmo eu não tendo culpa, acabei sendo agredida.
No dia seguinte, eu já previa que aconteceria, todos os olhares estavam em mim. E eu sabia que era culpa de Estella, já que repetidas vezes, ela colocou todos contra mim.
-Saí da frente, sua esquisita. -Uma garota esbarra propositalmente em mim.
-Eu sinto muito… -Mesmo eu sabendo que me desculpar não iria adiantar nada.
-Acha que só desculpas resolvem? Quem você pensa que é para ao menos encostar em mim. Não adianta tentar nos enganar, todos aqui já sabem que você é adotada, ninguém sabe quem foram as bestas que te deram a vida. -Ela começa a me empurrar.
(Por que? Por que isso acontece comigo? Eu tenho mesmo que sofrer tanto?).
Minhas lágrimas começaram a rolar.
"Tudo sempre é igual, sou eu contra o mundo, tenho que viver sozinha para sempre?”.
Foi isso que eu pensei naquele momento.
Meu olhar cruzou com o de alguém, ele não me olhava feio, nem mesmo tinha nojo.
-Você deveria tomar mais cuidado. -Eu ia cair, mas ele me segurou.
Algo inesperado aconteceu, a atenção se foi para ele, que dizia algo no ouvido da garota. O rosto dela mudou completamente de expressão, ela correu apavorada.
-Obriga… -Eu nem pude agradecer, já que Alexander simplesmente apareceu e começou a me arrastar.
Ele me leva até uma sala vazia.
-O que você pensou que ia fazer? Por que deixou ele te tocar? -Alexander me sacode.
Nesse momento, eu explodo.
-Sério, você queria que eu fizesse o que? Eu deveria ter caído e me machucado somente por que você quer?
Ele me dá um tapa.
-Mirai, eu te avisei. Você vai pagar pela raiva que me fez passar.
Ele coloca a mão no meu rosto e começa a se aproximar. Eu viro para evitar, mas ele me obriga a olhar diretamente nos seus olhos. Então ele me beija, eu sinto a repulsa subindo e a vontade de fugir, sinto meu sangue gelar de medo. Aquilo nem deve ser considerado um beijo, mas sim um ato horrendo.
-Mirai, entenda que você é minha! -Assim que ele terminou de falar, de repente ele desmaiou.
Eu desabo de alívio. Um som de folhas mexendo soa claramente para mim pela janela.
-Que estranho, nem está ventando forte. Ah, que seja, preciso sair daqui antes que ele acorde.
E foi assim que começou, depois daquilo, parecia ter algo, ou alguém me salvando sempre que eu precisava. Só não esperava que a verdade fosse mais complicada do que pensei.
Meu coração estava batendo tão rápido, a adrenalina e o medo de tudo que aconteceu me fez ficar inquieta.
-Acabei matando aula sem perceber. -Enquanto eu caminhava, nem sabia direito para onde eu estava indo.
Perdida nos meus pensamentos, acabei em um beco sem saída.
-Aff… O que eu faço? Preciso ir para algum lugar.
De repente, ouço som de asas batendo, sinto um leve vento batendo sobre a minha pele.
Antes que eu pudesse me virar, braços fortes me agarraram por trás. Não foi bruto, e nem doloroso igual ao de Alexander.
-Me solta por favor! -Tento esconder meu medo, mas depois da situação com Alexander não consigo me controlar.
-Por favor, só me deixe ficar assim por mais alguns minutos. Não acredito que tenho que passar por isso outra vez, te ver sofrer assim me faz querer destruir tudo. -Ele diz após suspirar.
-Quem é você?
-Tudo que você precisa saber é que eu vou mudar o nosso futuro. Te prometo que dessa vez será diferente, eu não deixarei que ninguém a toque, não importa quantas vezes eu tenha que voltar, nem que eu precise apenas te vigiar de longe, prometo que te protegerei, Mirai. -Uma voz gentil e calorosa, como se já me conhecesse.
-Mirai, eu sinto tanto a sua falta. -Ele beija o meu ombro e depois desaparece.
Ainda consigo sentir o calor dos seus braços em mim, por alguma razão, me parece familiar. Quando me viro, vejo duas penas escuras um pouco grandes no chão.
-[...]
Naquele mesmo dia, meu momento de paz só durou aquele instante. Eu voltei de novo para o meu lugar de tormento, de onde não posso fugir, a minha prisão da qual não posso me livrar.
Só havia algo diferente naquele dia, meu pai. Pela primeira vez, foi ele quem me agrediu. A pessoa que simplesmente olhava e fingia que nada acontecia, resolveu agir, e foi a pessoa que mais me trouxe dor.
-Onde você esteve, Mirai? Por que fugiu da escola? -Ele me olhava com ódio evidente.
Eu sabia que se eu me explicasse ele ignoraria, minha palavra nesta casa não tem vez, até mesmo os empregados desfazem de mim.
-[...]
-Eu cansei de você, sua coisa nojenta. Eu apenas te aceitei aqui para te manter longe dele, mas você é tão imunda que já está contaminada.
(Dele?).
Holland agarra meus cabelos e começa a me bater com a bengala dele.
-Inútil, você deveria agradecer por eu ter te dado tudo. A partir de agora, você não sairá mais dessa casa, ele não pode te encontrar, não posso permitir, não outra vez. Haha…
(Dói tanto…).
Meus olhos começam a se fechar lentamente, e assim sinto minha consciência indo embora.
-Você não está animada demais? -O desconhecido acaricia gentilmente minha cabeça.
-Claro que não, eu só me sinto que pela primeira vez sou livre de verdade… -Eu encosto minha cabeça em seu ombro.
E tudo muda.
-Você não deve confiar nele, Mirai. Eu sei que vocês já fizeram o contrato, mas eu posso ajudar a quebrá-lo. -A pessoa desesperadamente tenta me convencer.
-Não, Louis. Eu não quero quebrar o contrato, me apaixonei por ele, e se ele quiser o mundo, eu o darei.
Os sonhos parecem tão reais, ao ponto de me causarem grande nostalgia.
-Mirai… Por favor, fica comigo… -Eu enxugo suas lágrimas.
-Não chore por mim, eu te dei o que você precisava, e não me arrependo de ter perdido a vida por isso. Eu não te disse que se você quisesse o mundo eu lhe daria?
-Fui eu quem te disse isso primeiro, sua boba. -Ele sorri rapidamente lembrando do passado. -Eu não posso perder você, eu prometo que voltarei quantas vezes forem necessárias para te salvar, minha bela flor.
Aquela nostalgia que senti, foi como se tudo aquilo tivesse sido real. Eu poderia dizer que tinha relação com o futuro, mas depois que o encontrei, tive a certeza de que não era só uma simples visão.
(Meu corpo inteiro dói, preciso me curar).
Eu estava tão machucada que nem ao menos conseguia erguer as mãos, minhas lágrimas começaram a descer, e o medo da vida que eu levava me enchia completamente.
-Não, eu preciso… Curar.
______
Após dizer aquilo, ela desmaiou outra vez. Nem mesmo tinha forças para usar seus poderes de cura.
-Quanto tempo eu tenho que te ver sofrer assim? -Suavemente, ele acariciou-a.
Naquela casa, ela corria perigo. Eu não me importei de ser descoberto, apenas agi. Esse provavelmente foi o meu maior erro.
-Eu sabia… Não sinto que ela tenha feito o contrato com você, mas de alguma maneira você possui traços dos poderes dela. O que você fez, demônio maldito? -Alexander aparece do nada.
-Eu te avisei, não foi? E não foi apenas uma vez. Eu te disse para ficar longe do que é meu, e isso inclui a Mirai. -Alister se levanta.
-Hahaha, por que voltou? Você queria os poderes dela, assim como eu.
-Não é algo que você precise saber.
-Pfff, que engraçado. -Alexander ri maniacamente. - Alister, um demônio sem coração, que apenas queria destruir Saulo, se apaixonou pela filha dele? Interessante.
O olhar de Alexander para mim mostrava claramente as intenções dele. Uma provocação evidente, pois para ele, aquilo não passava de um jogo.
-Não dirá nada? Seu pai ficará tão decepcionado quando souber que você perdeu o que tinha em mãos apenas por um sentimento bobo. -Alexander sabia a verdade, exatamente por ser quem ele era.
-Você chegou tão baixo. Tudo que tinha que fazer era proteger ela, mas sua obsessão pelos poderes de cura dela se tornou tão… Nojento! -Alister provoca.
-O que eu posso fazer se é tão fofo vê-la desesperadamente tentar aliviar a própria dor. -Alexander chega perto dela.
-Um anjo que foi corrompido, seu cheiro é mais ruim do que o de um demônio.
Eu tinha me cansado completamente de deixar ele toca-lá. Mesmo eu sentia repulsa por ela, minha vontade naquele momento foi de matá-lo, mas havia uma força maior que tentaria interferir.
Eu me precipitei e agarrei o braço dele.
-Ah, ciúmes? Acho que já percebeu que você cometeu um erro voltando, não tem como salvar essa garota. Seja pelo bem, ou seja pelo mal, a morte dela já está escrita, você pode voltar milhões de vezes, tentar o quanto quiser, mas ela sempre irá morrer diante dos seus olhos. -Alexander sorri de canto.
Aquelas palavras fizeram o ódio dentro de mim ferver desesperadamente. Ele sabia a minha fraqueza, até mesmo o que fiz milhares de vezes,
-Eu te aconselho a desistir, eu sinto um futuro sombrio para ela. Acredito que eu já tenha lhe dito isso da última vez, não é?
Sim, eu ouvi isso todas as vezes. A cada vez que eu voltava, em um dado momento, ele me dizia que um futuro sombrio esperava por ela. E em todos os finais, ela morria diante dos meus olhos, eu segui sendo incapaz de proteger a pessoa que amo inúmeras vezes.
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