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A Nuvem Que Fala

Prólogo

^^^Dois meses depois do acontecido^^^

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Como saber se alguém diz a verdade? Olhando nos seus olhos e descobrindo uma fraqueza através das suas pupilas? Ou esperando que a mentira vem à tona sobre as suas expectativas?

Conto-me a mim mesmo as falhas que tive que suportar e as evidências de uma traição verbal. Algo que jamais se passou por minha cabeça que enfrentaria. Devo afastar-me ou sofrer quieto?

O amor atinge pessoas de diferentes formas. Ora conduzindo para a luz no fim no túnel ou para provações inusitadas e cheias de farpas envenenadas. Acredito que nada vem na surpresa de um anoitecer sem a simplicidade de uma dor que se despede, mas que tudo renasce ao amanhecer de um novo dia.

Fui atingido das duas maneiras, colidindo-me ao precipício de uma indecisão amarga e fere mais que qualquer coisa. Agora pergunto-me novamente: Devo afastar-me ou sofrer quieto?

O mundo não é um lugar cor de rosa. Se abrirmos bem os olhos, o cinza irá desmanchar os seus sonhos.

Eu costumava ter o céu diante dos meus pés, a maré deslizava ao meu encontro como uma necessidade brusca de me tocar. Tocava violão como arpa diante de Deus, todos adoravam.

Hill Valley City era mais bonita antigamente, cercada de crianças correndo pelas calçadas e as praças sempre cheias de vida e alegria. E talvez seja até hoje, mas jamais seria igual.

Eu, por outro lado, era o mais feliz entre eles. O mar sabia disso e digo esta verdade chorando, olhando para o céu escuro e deitado na grama verde, sozinho.

— Bullock?

Alguém apareceu e virei o rosto, sentindo as pontas das gramas arrastarem na minha bochecha esquerda, causando pequenas agulhadas irritantes. Mas não me importei, queria ver quem me chamaria a esta hora, num lugar tão escondido que mal davam para me ouvir de longe. Apesar de a cidade ser tão pequena, não tínhamos o costume de explorar o lugar, por mais belo que fosse um dia.

Estava escuro, mas graças a lua pude identificar o corpo de uma mulher. Estavam com as mãos para frente, com o propósito de impedir que a ventania forte arremessasse o seu cabelo diante dos seus olhos, tentativas quase em vão. Toda a sua cabeleireira estavam diante do seu rosto, e mesmo estando escuro pude vê-la se irritar com isso.

— Eric, estão o procurando à horas. — Voltou a dizer e virei o meu rosto para o céu, observando parte das nuvens tamparem as estrelas, já sabendo de quem era a voz fina.

— E como sabia que eu estava aqui, Audrey? — Questionei a sentir alguns pingos de água sobre a minha testa, logo depois nas minhas bochechas.

— Vem quando quer fugir, disse-me uma vez.

Respondeu, ouvindo seu caminhar se aproximando e não movi o meu rosto.

— Se sabe que venho até aqui para me esconder, ou fugir como relatou, porque pensa que ainda não saí? — Fui rude, mas era disso que eu necessitava há muito tempo e continuei-me enganando.

— Ela está aqui. — Falou num tom calmo, mas para mim, foi como farpas rasgando o meu intestino de uma forma tão violenta que pude senti-las por dentro. — Não perca essa oportunidade novamente, é o melhor para você e sabe disso. Ela não teve culpa...

— Por que julga que sabe o que é o melhor para mim? — Ergui o meu corpo numa única velocidade, passando as mãos sobre a minha camiseta preta e levantando-me, ficando de pé junto a ela.

Audrey tinha os cabelos avermelhados, cor de fogo. E mesmo com o escuro na espreita dos nossos corpos, pude vê-lo com clareza. Vestia uma longa saia (jeans) que descia até abaixo dos seus joelhos morenos. Estava com uma blusa branca e um casaco de pano sobre ela, enquanto o seu cabelo gigante voava com o intuído de querer fugir da sua cabeça com o vento forte. A lua estava sobre a sua cabeça. Iluminava o seu rosto quando caminhava na minha direção, mostrando os seus lábios grossos coberto pelo batom vermelho-púrpura.

Eu, por outro lado, mantinha-me firme e reto. Sem nenhum passo a mais ou a menos, simplesmente quieto como uma estátua na espera que ela fosse desistir da sua busca por mim e voltasse para o restante do pessoal.

— Precisa superar, Eric...

— Não me venha com superação. Por que eu nunca, em hipótese alguma irei esquecê-la. — Esbravejei-me num sobressalto, ela esquivou para trás e assentiu preocupada. — Você não tem ideia do que passo, não sabe o quanto... dói, o quanto me fere e destrói-me.

— Não é para esquecê-la, é apenas superar. Sabe as nossas regras, feita por suas ordens para estabelecer uma boa relação nesta cidade...

— Ela se foi, Audrey. E FOI CULPA DELA!

— Eu sei...

— NÃO! — Berrei. — Você não sabe. Mentiu pra mim como todos ao meu redor! Fez-me de idiota.

— Eric...

— GRACE MORREU POR CULPA DELA!

Gritei sentindo a raiva presa ganhar liberdade para fora, quase arrancando tudo que sobrou dentro de mim e a mágoa voltou de uma forma maior e mais dolorida.

— Vá embora daqui, Audrey. — Ordenei magoado.

— Eric... Errei em esconder de você, me desculpe. Por favor. — Tentou argumentar. — Eric...

— Vá embora de uma vez e me deixe em paz! — Berrei frustrado virandome e voltando a se sentar no chão, sentindo os pingos da água aumentar em meu corpo e ignorando os olhos dela assustada.

Voltei a me deitar, agora com a chuva virando numa tempestade diante de mim. Fechei os olhos com a ardência que a água causava e esperei o trovão cessar o volume alto que transcendia do céu. Ignorando o fato de Audrey não me deixar em paz.

Cada parte do meu corpo entendia que, apesar de tudo, foi oque Grace sempre quis de verdade: proteger alguém. Sempre a espreita de uma chance para ser a heroína, alguém que pudesse sentir orgulho ou talvez até que seja lembrada de uma forma diferente. Era tão perspicaz, sagaz e altruísta que me dava arrepios. Ajudava quem estava a sua volta e não importava, de modo algum, se a machucava de alguma maneira.

Foi oque a matou. 

Protegeu quem a deixou para morrer dentro daquele carro.

E serviu de quê tanta bondade? Tanto heroísmo, valentia? Isso não a salvou, a destruiu num segundo apenas sem a chance de dizer adeus ou se era mesmo isso que imaginara um dia.

E mesmo com o fato de ter escolhido uma pessoa desconhecida, ao invés de mim, eu a amava tanto que parte de todo meu organismo estava praticamente morto quando a vi naquele estado deplorável. Era ingênua demais para entender a humanidade, que por sinal não merecia a vida de uma pessoa tão boa quanto a de Grace.

— ERIC! Por favor… — Ouvi a voz fina.

— Vá embora, Audrey. — Sussurrei com os olhos fechados e sentindo meu corpo molhado.

 — Espero que consiga encontrar o que procura observando o céu tão vazio quanto você.

Capítulo 1

^^^Dois Meses antes^^^

 

           Haviam dois prédios na cidade, um perto do outro. O lugar é divido em três zonas, o sul, o norte e leste, todos na mesma proporção de tamanhos. Casas bonitas, grandes, geométricas e paralelas uma com as outras. Todas seguiam num tom claro, limpas e rodeadas de árvores verdes com as belíssimas plantas cultivadas.

          Minha casa ficava centralizada entre as divisões da cidade. Era bonita, grande e aconchegante, mas nada diferente das outras. Tinha a cor comum da cidade, com duas arvores na frente e a grama bem cortada. Sem mencionar o cachorro peludo que havia adotado quando filhote, Bobby.

          Naquela manhã eu havia recebido dezesseis ligações nas quais todas foram ignoradas. Tudo oque fiz, além das rotinas matinais, foi vestir um terno limpo, dar um beijo na cara peluda de Bobby e tirar o carro da garagem dirigindo até o segundo prédio da cidade, do lado sul. Enquanto segurava o volante com uma das mãos, passei a outra livre sobre o banco à procura do café no copo descartável, o agarrei assim que encontrei e levei o canudo até a boca sugando o café gelado. Assim que aquele líquido amarelado chegou em minha garganta, percebi que estava mais estragado do que poderia aguentar beber e voltei a jogar dentro do copo. Foi a primeira vez que havia jogado um lixo na rua, sem ao menos pensar se seria o correto ou não. Talvez nem ele mesmo tenha percebido o ato que fez.

Estacionei o carro depois de quinze minutos dirigindo e desci do automóvel vermelho, caminhando até a porta do prédio e entrando calmamente.

— Bom dia, Sra. Sherman! 

Cumprimento a idosa sentada do outro lado do balcão que se levantou o mais rápido que sua coluna permitiu e virando-se para mim. Era cedo demais e ela sabia que nunca chegaria a esse horário, porque apesar de ser um ótimo vendedor tecnológico e dono de tudo aquilo, chegava sempre quase duas horas do horário agendado.

Era um cara legal, mas era péssimo com horários.

Dorothéa Sherman apenas assentiu em repetidas vezes e ergueu dois papéis em minha direção. "Um cara bonito para mim", deve ter pensando após abrir o sorriso simbolizando tal pensamento.

— Bom dia, Sr. Bullock. — Respondeu graciosa abrindo mais um sorriso. — Chegou mais papeladas hoje de manhã, creio que deveria pelo menos ler desta vez. — Sugeriu.

— Está bonita hoje. — Disse piscando de um olho e dando de ombros. — Calada fica ainda mais. — Agarrei os papéis e virei as costas para o mulher com os olhos arregalados, provavelmente imaginando seus galãs dos livros eróticos que costumava ler às escondidas na recepção. — Diga ao Mike para cancelar as reuniões de hoje, estarei ocupado demais.

Claro, era uma das mentiras que deveria contar outra vez. O que estava quase fazendo parte da rotina ultimamente, mentir. A verdade, é que eu estava farto de dizer as mesmas coisas repetidas vezes para grupos diferentes de pessoas. Mesmo que meu discurso ganhe noventa por cento de todos que escutam, precisava de mais tempo para pronunciar cada palavra gravada.

Antes de entrar no elevador, embolei os papéis nas mãos e os joguei na lixeira ao lado da porta que se abriu quando apertei o botão do último andar. Entrei e esperei subir, até entrar na sala vazia que estava o escritório. Da mesma forma que havia deixado ontem, com mais um copo de café sobre a mesa, o mesmo que havia jogado na rua mais cedo e as canetas bagunçadas.

Assim que sentei na cadeira confortável, peguei meu celular e esperei que alguém ligasse, porque dessa vez atenderia. Esperei assim por longos minutos antes de alguém bater na porta e entrar antes mesmo de dizer alguma coisa.

— Como assim cancelar as reuniões? — Meu amigo perguntou num berro irritante. Ele segurava mais papéis em suas mãos e uma pasta marrom. — Eric, não! Precisamos subir os orçamentos, você cancelou sete reuniões apenas nessa semana sem ao menos pensar.

— Bom dia pra você também. 

— Não vou cancelar as reuniões, você as fará e nos dará vinte por cento das ações dos Gunter. Como combinado. —  A ordem fez-me pensar e levantei o rosto para ele com uma grande indiferença. — E precisa assinar as drogas dos papéis, por mais que machuque.

Assim que a papelada foi colocada sobre a mesa, as agarrei nas mãos e li as primeiras linhas, mas nas primeiras palavras senti meu corpo reagir de uma forma que nem mesmo saberia explicar. Quando meus olhos bateram sobre o nome dela foi como se meu coração tivesse sido arrancado do peito.

Cada canto daquelas palavras eram tudo oque eu não precisava ver, nem ao menos ter tocado. Joguei os papéis na mesa e fechei os olhos abrindo-os rapidamente.

— Parker. — Quase gritei batendo as mãos sobre a mesa, agarrando os papéis nas mãos e segurando para não rasgá-lo de uma vez por todas.

Em questão de instantes, o homem magrelo com seu enorme bigode debaixo do nariz caminhou para trás com o susto

— Eric. 

— Mike, já conversamos sobre a papelada. —  Passei as mãos no rosto com desdém. — Disse que não irei assinar ainda.

— Faz quatro anos, Eric. — Disse relembrando. — Já está na hora de seguir e você sabe disso mais do que qualquer outra pessoa. A cidade espera sua resposta, são nossas regras.

— Regras que eu mesma criei. — Me levantei da cadeira revoltado.

Ele sabia a respeito, Grace Bullock Pierce perdera a irmã quando mais jovem e recorreu a mim desesperada sem saber oque fazer. A forma mais exata naquele momento, agida por puro impulso, foi vender a propriedade que tanto lhe causava lembranças dolorosas. De início, a mãe Margareth Pierce não havia suportado a ideia de vender algo tão valioso para a família que trazia tantas lembranças boas de sua infância, mas com o passar dos dias percebera que era o melhor a se fazer.

A cidade inteira concordou com isso, com a melhora de Margareth perceberam que deixar oque te fere para trás era a melhor solução. Eu e Grace então decretamos junto ao prefeito Adam Miller, a regra dos lados da cidade, deixar para trás oque tanto te feria. Mesmo que hoje ele não seja mais o prefeito da cidade, ainda tínhamos uma regra.

Uma forma justa, mas todos estavam deixando de lado suas lembranças e se afastando de tudo que já fizeram um dia, mas não seriam eles que iriam perceber esse lado da história

— Exatamente. Você mais do que ninguém deveria saber a importância disso para todos nós. — Mike indagou e pegou os papéis da mesa, levantando o olhar. — Temos uma fortuna dada pela casa, aceite-a. Sei que é difícil, não foi só você que a perdeu...

— Ela era minha esposa! — Gritei com os olhos lacrimejados.

Não gostava de falar dela ou nada que lembrasse. Não era só por amor, ou o ressentimento que tenha ficado. Por mais que a cidade fosse tão unida e parte da família, ela era minha melhor amiga também. A amei demais desde sempre, nos três anos de casados percebi que não tinha nada depois de sua partida. Nada além de Bobby.

Falar em voz alta parecia doer mais do que esperado. Era tão jovem fadado a sofrer tanto?

— Grace era nossa amiga. — Mike corrigiu, levantou os ombros e apontou para o papel em minha direção. — Faz quatro anos que ela se foi. Quatro anos, Eric. Bastante tempo para pensar.

— Preciso ficar sozinho. — Voltei a sentar, sentindo-me derrotado por mínimos minutos que fora aquela conversa.

Mike, por sua vez, parecia sentir mais pena do que raiva. Talvez sentia falta do homem que fui à quatro anos atrás e por mais que ele tentasse mudar meu humor perdido, nunca conseguiria. A cidade tentou, os amigos tentaram, meu pai tentou e ninguém conseguiu. De fato, era um bom momento para desistir, mas ele parecia não querer isso com o melhor amigo que tratou como irmão toda a sua vida. E eu sentia pena nessa parte.

Audrey deveria ter me convencido, já que era próxima de Grace. Mas nem ela, quanto qualquer outra pessoa, não conseguiu sequer que eu lesse mais de cinco linhas do papel de venda.

— Já está sozinho à quatro anos, do quanto mais precisa? —  Mike perguntou num tom magoado, tristonho e penoso. 

— Do bastante. — Sussurrei sem ao  menos levantar o rosto, observando as pontas dos dedos.

— Certo. As reuniões começam em menos de duas horas.

Virou as costas e saiu. Me encostei na poltrona e ouvi o celular tocar por cima da mesa, vibrando em repetidas vezes. Segurei o aparelho na mão, observando a foto de Grace, Bobby filhote e eu num dia qualquer no parque da cidade. Os cabelos loiros dela estavam soltos, com o sorriso tão alegre que mal sabia se aquela mulher já havia sofrido alguma vez. Observei até atender.

Ficava imaginando as vezes se ela fora tão feliz mesmo, não era possível que uma pessoa não tivesse alguma dor escondida. Eu, por outro lado, não tinha. Mas a que carrego hoje, é maior que qualquer outra dor possível. E saber que jamais seria feliz novamente, perceberia o quão as mulheres são tão diferentes uma da outra, porque eu sabia que jamais iria encontrar outra.

Pelo menos não nessa vida.

— Bullock... Eric Bullock? — A voz do outro lado era feminina, fina e calma demais. Uma das pessoas que não me chama de Pierce, algo raro de se acontecer menos depois de tanto tempo sem o nome.

— Sou eu. Quem é? — Pergunto já entediado.

— Até que enfim, você não é fácil de se encontrar.

— Quem é? — Repeti mais uma vez.

— Creio que não me conheça pessoalmente. Faz alguns anos que proponho um negócio com o senhor e...

Desliguei no mesmo momento, guardando o celular no bolo. Sabia exatamente quem era aquela mulher e não tinha ideia de como havia conseguido meu número pessoal. Passei as mãos no rosto, sentindo os fios finos da barba mal feita rasparem na palma da mão, então me levantei e decidi ir até a cafeteira na frente do prédio.

Não é a primeira vez que aquela mulher ligava e me incomodava em relação a venda da casa, dizia que seu avô era o dono da propriedade antes de vender e ir para Califórnia. Outro assunto que não entendia, ela pagaria o dobro do que foi oferecido pelo lugar. Seu interesse pelo canto era muito para quem não queria ao menos vender. Nunca a vi e a odiava, sentia que ela queria roubar tudo oque sobrou de Grace de algum modo.

Descendo pelo elevador, fiz questão de ignorar a idosa lendo seu livro erótico e caminhei até a saída. Desci os pequenos degraus com a mão no bolso e enxerguei a cafeteria do outro lado da rua. Assim que vi o homem de costas, vestido de branco e conversando com os clientes sentados na mesas de fora no lugar, abri um sorriso sentindo o cheiro confortante do morno em seu nariz.

— Bom dia, Luke. — Disse e o homem com os cabelos encaracolados se virou.

Estava com um avental branco com um desenho de uma xicara de café e a fumaça cinza sobre ela. O rosto fino, os olhos claros como a lua junto ao sol e a pele lisa como a de um bebê. Me perguntava como ele conseguia não deixar a barba nascer, ou se ele realmente tinha algum fio de pelo naquele queixo assustadoramente alinhado.

Bom dia, homem dos negócios. — Respondeu com a bandeja na mão e dois cafés sobre ela. — Já irei pedir que prepare seu café especial.

— Sinto o cheiro dele em especial daqui. — Sorri puxando a cadeira ao seu lado para se sentar. — Fiquei sabendo que se inscreveu para o concurso de chefe na Califórnia.

— Mike. —  Luke revirou os olhos sorrindo. — Aquele homem não aquieta a língua um segundo apenas. — Colocou o café na mesa ao lado e a mulher agradeceu com um sorriso aberto para o dono no local. — Se inscrever não quer dizer nada. São poucas as vagas.

— Você tem talento, todos sabemos disso. — Falei sincero se sentando na cadeira. — Boa sorte, Luke.

— Obrigado, Eric. —  Assenti feliz. — Será o primeiro a saber. 

— Eric? — A mulher se ergueu da cadeira e balançou a cabeça desacreditada. —  Eric Bullock?

Assim que a mulher terminou de falar, me levantei surpreso e reconheci a voz de mais cedo. Fina, calma e irritante. A mulher que estava odiando sem ao menos conhecer, e mesmo estando errado eu sabia que ela iria vir aqui em algum momento e não imaginaria que fosse tão cedo, querendo sua bela e tão querida casa.

— Sou Nora Olsen. — Ergueu a mão direita, com as unhas finas pintadas de um rosa tão claro que estavam aparentes.

Abaixei o olhar para a mulher dos olhos azuis, que era um pouco mais baixa que eu. Tinha a maquiagem bem feita, os cílios grandes, um par de brinco brilhantes e o cordão de cristais em volta do pescoço. A pele parecia tão bem cuidada que sentia medo até de tocar. Parecia muito as prostitutas que costumava visitar, com vestes diferentes, a pele menos oleosa e uma índole mais ainda.

Ergui os ombros e a observei abaixar a mão desajeitada e com vergonha. Percebi a diferença entre os dois bruscamente, então fechei o rosto e me mantive reto. Era apenas uma mulher da cidade grande e por mais que se vestisse com ternos caros, nunca seria como um homem nobre de Califórnia como esta em sua frente. Em pé, chique, cheirando uma loção que valia seu carro antigo e a pele limpa como a de um bebê. Lembrava-lhe Luke, com cuidados femininos tão aparentes que duvidada de sua heterossexualidade.

E duvidaria sempre se não o visse visitando as mesmas mulheres que eu.

Em instantes, a moça abriu um sorriso mostrando os dentes brancos retos e deu um passo para trás.

— Educado como no telefone. — Ela disse num tom animador e permaneci calado, erguendo ainda mais o corpo e virando as costas. — Não irei mordê-lo, Sr. Bullock. — Quase gritou desajeitada e dei de ombros.

— E o café? — Luke perguntou num berro, virei o rosto observando os dois me encarando de pé.

— Peça ao Mike que leve até mim. — Pedi e meu amigo assentiu, olhei uma última vez para Nora e voltei a caminhar em direção ao prédio.

Distanciando-me dela o mais urgente possível.

Capítulo 2

Ela estava na cidade, estava sem dúvidas nenhuma querendo comprar tudo oque restara de Grace. Sentia repulsa só de imaginar um mundo sem ter que se sentar em sua cama e sentir a presença de minha esposa que um dia tinha sido tão real quanto.

 

 Só de tentar pensar que pudesse seguir em frente, sentia que estava a abandonando naquele lugar sozinha com uma total estranha de cidade grande. 

 

Entrei na sala rapidamente, ignorando os homens conversando com a idosa de espírito de jovem e subi até minha sala. Mike já estava lá, com papéis sobre o rosto e lendo como um bibliotecário nerd. O homem com o cabelo cacheado levantou o olhar e observou minha expressão séria, que estava tão mórbida desde a última vez.

 

— A reunião já irá começar. — disse rapidamente, quase como um grito de guerra.

 

— Não era mais tarde? — Mike perguntou curioso encarando o relógio de pulso.

 

— “Era”. — Repeti e caminhei até o outro lado da sala, abrindo a primeira gaveta e pegando a pasta marrom onde continha todas as anotações tão decoradas como a canção dos Beatles, Something.

 

Mike me seguiu de imediato. Caminhando pelo corredor central  da corporação Bullock Tec., garantindo antes de acontecer mais uma vitória da semana. Estava cansado de mandar naquilo tudo, herdei de meu pai tudo oque não queria. Por mais que amo toda a evolução que garantiu todos esses anos, estava farto de ter uma rotina tão repetida como esta.

 

Enquanto entravamos na sala de reunião, senti meu celular vibrar no bolso esquerdo da calça social e enfiei a mão direita o pegando. Talvez seja a mulher, Nora Olsen novamente. Não havia um nome salvo, mas sabia que era aquela mulher. Rejeitei no mesmo instante, mas antes de colocar no bolso novamente começou a vibrar outra vez.

 

Mike me olhou desconfiado e virei as costas levando o celular até o ouvido e atendendo de uma vez.

 

 

 

— O que você quer? — Perguntei num sobressalto, irritado e impaciente.

 

— Sou uma mulher insistente, Sr. Bullock. — Explicou-se do outro lado da linha com a mesma voz calma e fina como da última vez. — Tenho uma proposta para você e já devo informar que sempre consigo oque quero.

 

— Estou ocupado no momento.

 

— Eu sei que anda muito ocupado nos últimos quatro anos. — Indagou. — Mas creio que precisa me ouvir antes de fazer uma grande besteira.

 

— Do que está falando? — Perguntei ainda mais irritado.

 

— As ações dos Gunter não é a mesma. Rejeitou muitas reuniões para quem ganhava tão bem numa cidade pequena.

 

Impulsionei o corpo para trás e pude ouvir a risada dela do outro lado da linha, num tom ainda calmo e raso. Me irritava demais, uma calmaria desnecessária. Me virei para meu amigo que passava os dedos no bigode e enrolava as pontas, Mike deu de ombros se levantando quando ouviu as três batidas na porta grande da sala.

 

Impaciente, virei-me para as cortinas brancas do prédio e respirei fundo.

 

— Como sabe de meus negócios? — Questionei para o telefone num tom mais bruto, nada amigável de minha parte. — Vá embora imediatamente desta cidade, não irei assinar nenhum papel...

 

A porta foi aberta e desligo o celular guardando no bolso e soltando a respiração que havia prendido. Respirei mais algumas vezes, controlando a raiva que sentia inexplicável por alguém que mal conhecia. Uma estranha com a oportunidade de entrar na cidade que tanto amo e se infiltrar junto a meu povo.

 

Lembrava de cada nome que andava por essas ruas. Sabia muito mais que o Prefeito Adam e o novo, a quem não tive a oportunidade de uma bela conversa a sós para resolver os assuntos da empresa com um filho que nunca havia visto na vida, um cara que viaja tanto e que parecia manter a cidade da mesma forma que encontrou, um lado que eu não reclamaria dado as circunstâncias. Mas esta mulher, em si, não parecia confiável e muito menos compatível com o restante do pessoal. Um queixo reto sempre seria um problema para mim e o povo das regiões.

 

— Creio que isso não seja possível. —  A voz fina de Nora ecoou pela sala de reunião que me fez virar num sobressalto observando a moça dos olhos azuis e o cabelo negro jogados para trás.

 

Cerrei as mãos com a raiva se intensificando por minhas veias, sentindo a obrigação de jogá-la pelas paredes de vidro. Se não fosse tão leal com sua humanidade, ou se ela não fosse uma dama, talvez isso não passasse de uma imaginação insana e faria de uma só vez.

 

— O que...

 

— Onde está Brad Gunter? — Mike perguntou tudo oque eu queria saber, mas que não iria abrir a boca para questionar.

 

— Talvez fumando um charuto e lendo uma revistinha para homens na nova instalação arquitetada por mim, no centro de Califórnia. — Nora respondeu e percebi que tinha orgulho do que estava pronunciando. Independente do que significava.

 

— Brad não é mais o dono da empresa Gunter? — Mike voltou a perguntar encarando os homens em sua frente e fiquei feliz com as perguntas feitas sem eu mesmo ter que questioná-las. — Sentem-se, por favor.

 

Mike virou apontando para as cadeiras nas laterais das mesas e os homens se acomodaram em seus lugares, enquanto Nora sentou-se ao lado da cadeira frontal que seria o lugar do homem de uma bigode tão grande quando a de Charlie Chaplin, mas com dois montes de cabelo dos lados.

 

Eu, em meio a esse encontro desagradável, estava na mesma posição claramente alarmado pela surpresa desse segundo.

 

— Comprei suas ações faz algumas semanas, não foi difícil convencê-lo já que estavam falindo. — Nora explicou se acomodando ao meu lado que me sentei sem querer dizer nada sobre o lugar me meu amigo, que agora era entre outros homens que sorriu causando dúvida na moça ao seu lado.

 

— Imagino. — Bufei levantando os ombros e abrindo a pasta marrom.

 

— Convença-me a vender e assinar o contrato que dura tão pouco quanto os lucros associados a esta empresa. — Nora aumentou a voz quando percebeu o tom de deboche de minha palavra.

 

— Se eu usasse uma cintura mais fina e os olhos mais bonitos, também teria conseguido a compra. — Bradei baixo sem olhar para ela.

 

— Obrigada pelo elogio. — Ela disse. — Mas está insinuando o quê, Sr. Bullock?

 

Mike limpou a garganta desconfortável e eu, junto a Nora, olhamos para ele assentindo. Inquieto, mas sabia oque tinha que fazer como todas as vezes que fiz durante oito anos completos. 

 

Não seria uma mulher de uma cidade grande que iria estragar meus planos, por mais que ela tente.

 

Então, observando todos da sala me encarar esperando alguma coisa sair, levantou-me passando as mãos no terno e limpando a garganta. Antes de dizer, olhei de canto para a mulher com cheiro horrivelmente bom e voltei a atenção para o restante.

 

As veias pularam para fora como vírus.

 

Não sei o motivo, mas foi a primeira vez que não tinha ideia de como começar a reunião que fiz quase todos os dias durante tantos anos. Fiquei encarando o homem, de olhos puxados e de origem japonesa, que fazia o mesmo.

 

Era este o futuro que escolhi a viver para o resto de minha vida? Ter que suportar pessoas fúteis?

 

Levantei os ombros e pisquei duas vezes antes de tentar começar.

 

— Bom, bom... — Respirei fundo sem querer olhar para Nora e observar seu sorriso satisfeito por minha pequena tentativa de falar, que tinha a certeza que ela estaria.— Então, são integrantes novos em meus negócios e fico feliz em dizer que estão fazendo uma ótima escolha. Meu pai, Johan Bullock, ao contrário de mim, chutaria cada um daqui já que ele odeia a Califórnia. É como ouvir a gritaria daqui.

 

Antes de continuar, olhei para Nora que prestava atenção em minhas palavras e com um sorriso nos lábios por minha colocação da história de meu pai, mas ainda não pareceu atingi-la do modo que desejei.

 

— Venho propor 15% dos lucros desta tecnologia nova que projetamos nos últimos anos. Serão efetuados assim que adquiridos nas primeiras semanas. O intuito desse projeto é a liberdade mais ampla da assessoria dos aparelhos celulares, que vem ganhando mais visibilidade nessa nova geração...

 

— Sabe o percentual dos lucros adquiridos nesse período? — Um homem, de pele negra, perguntou ao lado do japonês que escrevia algo em seu tablete e observava meu discurso com atenção, e sabia que pelo olhar entusiasmado parecia estar gostando.

 

— Calculei o triplo do que investi mensalmente. — Respondi. — Por mais que Hill Valley seja pequena, tenho outras empresas em outro país e suponho que o lucro irá se expandir muito mais que o triplo.

 

— Vamos colocar nossas chances num simples “Suponho”, então? — Nora perguntou e soltei a respiração sem querer se virar e olhá-la.

 

— Creio que ganharemos muito mais do que gastaríamos. — Aumentei a voz mesmo tentando manter a calma.

 

— Não somos uma paróquia para crenças, Sr. Bullock. — Ela falou convicta de suas palavras. — Não vou dar um salto no escuro jogando fora minha única ação empresarial. Gosto de fechar negócios com fatos concretos, não suposições. E espero que entenda meu lado, pois não quero investir em algo que não irá me beneficiar, no fim das contas.

 

Não iria admitir em voz alta, mas a entendia. Não concordava com sua atitude, mas compreendia o medo de se jogar em algo que não conhecia. Então fiquei em silêncio tentando ultrapassar os limites e descobrir oque aquela mulher de uma cidade grande estaria fazendo naquela cidade pequena, querendo comprar uma propriedade e fazer parte de um lugar tão longe e distante de tudo oque ela conhece.

 

Por um lado penso numa parte em que ela queira mais tranquilidade, mas apenas de encará-la de perto percebia que não era isso seus planos. Imagino também que poderia estar fugindo de alguma coisa que quer deixar para trás de uma vez por todas, algo mais aplausível que outra situação. Mas oque esta mulher iria querer deixar para trás? Não parecia também ser o tipo de pessoa que abandona algo ou desiste de enfrentar algum tipo de problema. Então estava pensando em varias possibilidades e nenhuma delas estava combinando com Nora Olsen.

 

Quem era Nora Olsen e oque ela estava fazendo aqui realmente?

 

— Sou bom no que faço, Olsen. — Bradei cortando o silêncio, abaixando o corpo e apoiando minhas duas mãos sobre a mesa, segurando o peso de minha massa muscular. Nora ficou em silêncio me encarando e continuei sem pudor: — Não é a primeira vez que fecho contrato com alguém e nunca falhei, em hipótese nenhuma.

 

Permaneci na mesma posição, com o corpo virado para ela que estava sentada quase ao meu lado, no canto direito da mesa. Não pisquei e Nora fez o mesmo, se manteve reta quase como um confronto entre nós.

 

Tensa. 

 

Vaga.

 

— Comprou os negócios de Brad para negar as melhores de suas propostas? — Perguntei quase num tom ofensivo, sem querer se arrepender do que estava dizendo. — Seu pai ficaria melhor no seu lugar.

 

— Eric! — Mike me advertiu no mesmo instante que minha frase foi terminada.

 

Por um momento, apenas um momento, senti que fui longe demais. Não me dei o trabalho de olhar para Mike quando gritou como uma reprovação, não olhei porque vi os olhos de Nora Olsen lacrimejarem nos primeiros segundos que se passaram. Não consegui dizer nada, nem mesmo para mim mesmo. 

 

O que diria a ela, afinal?

 

Nora se levantou, cortando o olhar que estava fixo em mim e a observei passando as mãos sobre os papéis e a mesma empurrou a pilha de folhas para o alcance das minhas mãos. As folhas tocaram as pontas de meus dedos enquanto ainda não tirava os olhos dela, curioso e talvez até arrependido de suas últimas palavras.

 

Precisava dizer alguma coisa, mas não conseguia nem mesmo abrir a boca. Não gostava de magoar pessoas, muito menos mulheres. E sabia que a magoei de alguma maneira misteriosa e me sentia culpado por isso terrivelmente. Era como se ela esperasse que eu dissesse algo, sentia isso na forma como me olhava desapontada.

 

— Irei assinar o contrato. — Ela disse logo, sem advertências. — Vinte. Vinte por cento das partes distribuídas para Califórnia e todas as empresas envolvidas. Tem exatamente trinta dias para preparar o contrato, eu investi nisso. Passei anos trabalhando e preciso que haja evolução, não suposições.

 

Ela tinha garras nas mãos. Admito isso, mas ainda assim me sentia culpado por tê-la magoado de alguma forma que não conseguia entender nos minutos em silêncio. Tudo oque fiz foi assentir para sua proposta, então ela chamou os outros e virou as costas caminhando para longe. Talvez redenção por minhas palavras, mas precisava disso.

 

— Vinte... vinte por cento? — Mike andou até meu lado rapidamente enquanto os homens de negócios se organizavam para sair e Nora esperando na porta, me encarando com o rosto fechado. — Eric! Eric? Estou falando com você!

 

— O que é? — Abri a boca devagar encarando-a em pé.

 

— Você perdeu o juízo de uma vez agora? — Berrou Mike. — Nunca passamos dos quinze por cento. Perderemos muito nas exportações.

 

— Eu sei. — Comentei me erguendo, tirando as mãos da mesa e observando Nora virar as costas e se retirar da sala. — Eu sei.

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