Naty
Ela tinha tudo e eu muitas vezes pensava que eu não tinha nada.
Ela me escrevia cartas mesmo no mundo tão conectado que vivemos. Dizia que era para eu desacelerar enquanto lia o que ela queria dizer no papel. Tenho que confessar que eu gostava de receber suas cartas e ler as longas histórias que ela me contava.
Carla e eu nos conhecemos no ensino médio, no inicio acho que até nos odiávamos, pois éramos muito diferentes uma da outra. Enquanto eu estava focada em aprender tudo, ela aprendia o que precisava, enquanto eu pensava em estudar, era queria se divertir, enquanto eu tinha medo do amor, ela queria amar, enquanto eu tinha uma família vazia ela tinha uma família cheia de amor. Ela implicava comigo e quando percebi, sua a implicância tinha virando amizade, e eu descobri que no fundo a sua implicância era uma forma de dizer que eu precisava aproveitar um pouco mais a vida, e isso era o que ela mais tinha, vida e vontade de viver.
Carla estava feliz ao lado do seu grande amor Leo, como ela costumava chamar o Leonardo, e todo mundo passou a chamá-lo assim desde então. Foi amor a primeira vista e em menos de três meses eles já estava morando juntos e como fruto desse amor tiveram a Dulce, tão doce quanto o nome, aquela pequena e fofa criança que eu ainda não conhecia pessoalmente, mas sempre recebia fotografias junto com as cartas e através delas, eu sabia que ela era uma criança doce. Mas tudo ruiu no acidente de carro que vitimou a Carla e Leo. Eu fiquei desesperada pois estava do outro lado do mundo a trabalho e não consegui chegar a São Paulo a tempo de dar o meu último adeus a minha amiga e o seu amado. A pequena Dulce era prova viva desse amor, ela é tão nova e perdeu os pais. Em breve eu sei que ela vai fazer dois de idade, e eu quero comemorar com ela. Pelo que fiquei sabendo, Dulce está sendo cuidada pelo irmão mais velho do Léo e pelos seus avos paternos. O irmão do Léo se chamam Arthur e se não me engano tem 28 anos. Em algumas de suas cartas, Carla me contou um pouco sobre ele. Dizia que ele era gentil, divertido, amável e um pedaço de mal caminho, no bom sentido pois estava pensando nele para mim. Essa descrição me fazia rir pois ficava imaginando como ele seria. Carla dizia que se ele não fosse comprometido, Arthur seria perfeito para mim, e eu pensava como um homem desses reagiria a uma mulher que cresceu com medo de se envolver com o sexo oposto, uma virgem de quase vinte cinco anos... quem pode acredita nisso, né? Uma virgem de vinte e cinco anos, será que ele acreditaria? Não sei. Na sua ultima carta, Carla me contou que ele estava solteiro e queria porque queria fazer um encontro entre nós dois. Mas ela não teve tempo... Depois de um mês da sua morte eu vou poder me despedir. Devia ter a escutado mais, desacelerado um pouco a correria da minha vida, melhorado minha inteligência emocional e quem sabe ter tido um relacionamento amoroso de verdade. Talvez conseguiria evitar a vergonha que passei no trabalho, aff, mas isso é uma história que quero esquecer, mas sei que está na boca de todos da empresa, inclusive de outras filiais. Maldito Marco, não gostaria de vê-lo nunca mais, mas se não me engano, ele foi transferido para São Paulo, não quero nem pensar nesse reencontro, quando a hora chegar espero que possa me controlar.
Pensando no passado, lembro da minha mãe que morreu quando eu tinha quatro anos e que eu fui praticamente criada pelo meu pai, com muita disciplina... ele dizia que eu seria sua substituta a frente das empresas da família. Fui influenciada por ele a levar essa vida regrada e cheia de compromissos, fui treinada desde cedo para ser forte, a melhor, a mais inteligente… sem tempo para brincar, se divertir... Quando eu tinha 8 anos ele se casou de novo e teve um filho como ele mesmo diz “um filho homem”. Pouco a pouco eu fui sendo deixada de lado, seus planos mudaram em relação a mim. Quando eu completei 14 anos, e meu irmãozinho já tinha seis, nosso pai passou a falar que seu império ficaria sob o comando dele, do seu "filho homem". Com 18 anos ele não me quis mais em casa, claro que ele também foi influenciado pela minha madrasta que adorava fazer da minha vida um inferno desde o primeiro dia que ela pisou na nossa casa. Resolvi sair sem olhar para trás. O que importava todo o dinheiro que ele tinha se eu não tinha o seu amor de pai? Amor que eu via transbordar quando se tratava do tal "filho homem", e eu a “filha mulher” tive que partir. O bom de ter estudado bastante foi conseguir estudar em uma universidade pública, não precisei me preocupar com dinheiro para as mensalidades e tenho três primos lindos por parte de mãe que me acolheram com muito carinho e amor. Diego e os gêmeos Daniel e Alice eram como irmãos que eu nunca tive, pois o meu irmãozinho não podia chegar perto de mim pois a sua mãe não deixava. Com os meu primos, eu aprendi um pouco mais da vida, mesmo com muito receio de arriscar e sofrer. Foi nessa época que aprendi a beijar na boca, e pasmem com mais de dezoito anos.
Algo que aprendi a fazer desde cedo, era o que fazer para ganhar dinheiro, tanto que no ensino médio me apelidaram de menina da grana, pois conseguia arrumar dinheiro para qualquer coisa que a turma queria fazer, se era uma viagem ou um passeio, eu pensava em algo que que rendesse o dinheiro necessário, se era uma festa, lá estava eu planejando tudo para que a festa acontecesse com o dinheiro que eles tinham e se faltasse, eu sempre conseguia arrumar o restante, e no fim, eu pouco aproveitava desses eventos, estava focada nos estudos, e só os ajudava a lidar com o dinheiro já que administrar sempre foi a minha área. Que burra eu fui, tantas festas ficaram para trás, tantas viagens e passeios que não fiz. Infelizmente o tempo não volta
Eu estava trabalhando na sede da empresa que fica em Porto Alegre e hoje, enfim estou voltando para a minha cidade natal, depois de dois anos, estou voltando para São Paulo, e dessa vez para ficar. Pedi transferência para a filial que fica na capital paulista e vou aproveitar as minha férias para arrumar um lugar para morar, visitar o tumulo da minha amiga para me despedir dela e conhecer a Dulce. Sei que a Carla gostaria que eu acompanhasse o crescimento da sua filha e é isso que eu pretendo fazer.
Cheguei ao aeroporto já passava do meio dia, olhei no app e estava tudo certo com a reserva do apartamento que eu tinha feito. Estava com fome, mas precisa que ir ao apartamento onde iria ficar nos primeiros dias, até que eu conseguisse comprar um para mim, guardar as quatro malas que eu estava carregando, pois foram somente elas que eu trouxe na mudança. Assim que cheguei no edifício, fiz o check in com o porteiro e já estou instalada. Não quis incomodar os meu primos dessa vez, depois de morar mais de dois anos sozinha, acostumei e até gosto, e às vezes, costumo ficar somente de lingerie em casa e não daria certo fazer isso na casa deles.
Diego é consultor financeiro, e Daniel e Alice são chefes de cozinha e tem um restaurante que fica próximo ao edifício onde vou trabalhar. Já me imagino almoçando todos os dias no restaurante deles, hummm, vou até engordar pois são excelentes cozinheiros. Infelizmente não pude ir almoçar lá, pedi comida pelo app pois quero ir a casa dos sogros da Carla. Pelo que me lembro, ela morava com eles, quero informações e se possível conhecer a Dulce hoje mesmo. Separei as cartas que Carla me enviava, as fotos que tenho com ela para que eles não pensem que sou uma louca já que vou aparecer sem avisar e eles não me conhecem. Após almoçar pedi um carro pelo app, admito, sou dependente de apps, e fui ao endereço que constava nas cartas que ela me enviava, espero que seja o endereço dos pais do Leo, pois é a única informação que tenho para encontrar a Dulce.
_Uau. Foi o que eu disse ao descer em frente do endereço, uma verdadeira mansão. Toquei o interfone e expliquei para a pessoa que atendeu que eu sou. Fiquei aguardando um tempo do lado de fora, pensando que eles não me deixariam entrar.
_ Devem pensar que sou uma golpista, será? Ate ri da minha constatação. Não demorou muito e uma senhora aparentando ter menos de cinquenta anos, apareceu e veio conversar comigo sem abrir o portão.
_ Boa tarde. Ela me cumprimentou._ Em que posso ajudar. Ela me olhava como se estivesse me reconhecendo
_ Boa tarde. Meu nome é Natália, eu era amiga da Carla, talvez eu não me expressei bem quando falei ao interfone. Falei tentando ser clara dessa vez. Tirei as cartas da bolsa junto com as fotos e entreguei para a senhora que veio me atender, para que pudesse deixar tudo esclarecido.
_ Então você é a amiga para quem a Carla escrevia as cartas. Falou abrindo o portão e me recebendo com um abraço. Que senhora simpática, pensei . _ Eu me chamo Cecilia e sou a mãe do Leo. Falou ela. Então eu estava no lugar certo. Comemorei internamente.
_ Eu sinto muito, eu conheci seu filho e sei como ele era uma pessoa incrível, imagino o quanto deve estar sendo difícil. Ela me olhou consternada.
_ Pelo menos eles nos deixaram a Dulce, eles eram tão felizes... Com certeza ela ainda sofria muito pela perda do filho.
_ Eu sei, fiquei arrasada quando soube do acidente, Carla era minha melhor amiga, a que sabia tudo sobre mim e sempre me fazia sentir bem com sua companhia, ela tinha esse dom.
_ Carla era uma mulher maravilhosa, imagino que também tenha sido difícil para você. Disse fazendo um carinho no meu braço.
_ Muito. Suspirei tentando não me emocionar demais.
_ Garanto que está aqui para conhecer a Dulce, acertei? Perguntou Cecilia e eu tenho que admitir, eu gostei da Cecília, pois ela é gentil e está sendo muito atenciosa comigo.
_ Sim eu vim conhecer a Dulce, ela está morando com a senhora?
_ Aaaaah, Não me chame de senhora, me chame apenas de você.
_ Claro, Cecília. Corrigi.
_ Me sinto melhor sendo chamada assim, me sinto até mais jovem. Falou com um sorriso tímido.
_ Mas a senhora, quer dizer, você é linda e muito jovem. Eu quis elogia-la, e estou dizendo apenas a verdade.
_ Você que é linda, mais do que eu imaginava quando a Carla falava sobre você e pelas fotos que ela me mostrou.
_ Ela falava de mim? Fiquei surpresa com essa informação, e as fotos que ela mostrou, prefiro não comentar pois só aprendi a me vestir bem quando fui morar com os meus primos e a Alice me ajudou, até meu cabelo era um horror no ensino médio. Sorri lembrando como eu era estranha
_ Ela falava muito sobre você. Disse Cecilia me tirando dos meus pensamentos. _ Acho que ela não chegou a te fazer o convite, né? Quando Cecilia falou de um convite que eu não sabia, eu fiquei curiosa. Quantas surpresas ainda vou ter? Além de falar sobre mim, existia um convite.
_ Qual seria esse convite? Eu quis saber.
_ Ela estava esperando encontrar com você pessoalmente, queria convidá-la para ser madrinha da Dulce. Meu olhos marejaram na hora. _ E eu sinto que é meu dever te fazer esse convite por ela, te convidar para ser madrinha da Dulce, assim como a Carla queria fazer. Falou Cecília enxugando minhas lágrimas que caíram sem a minha permissão.
_ Obrigada, eu me sinto muito honrada com o convite. Falei dando um abraço em Cecilia.
_ Então vamos entrar para conhecer a sua afilhada. Convidou Cecília.
_ Claro, estou louca para conhecer a minha menina. Ela mora com a senhora? Insiste com essa pergunta que ela ainda não havia me respondido
_ Eu cuido dela enquanto o Arthur está no trabalho, ele assumiu a responsabilidade de pai da Dulce. Como ele é o padrinho dela, quer fazer de tudo para que a minha neta seja feliz.
_ E como ela está? Vi que Cecília ficou séria com essa pergunta.
_ Apesar de ser muito pequena para entender o que aconteceu, ela sente muita falta dos pais, principalmente da mãe. Tenho achado ela mais quieta e prostrada.
_ Carla era muito alegre, imagino que a Dulce sente falta da alegria que a mãe emanava. Espero poder ajudar um pouco, pois não sou nem de longe tão especial quanto a Carla era. Falei entrando na sala vendo aquela criança linda brincando sob os cuidados de uma senhora. Ao perceber a nossa entrada, Dulce parou de brincar e ficou me encarando.
Dulce tinha os olhos iguais ao da Carla, era tão linda. Não sei porque ela ficou me olhando daquela forma. De repente, ela correu em minha direção estendendo os bracinhos para que eu pegasse. Como eu podia negar qualquer coisa aquela menina fofa estava na minha frente? Eu a peguei no meu colo e ela sorriu para mim. Meu coração se encheu de amor, nunca pensei em ter um filho, além de ser muito nova, tenho medo de amar, e já está provado que não tenho muita sorte no amor, Marco me provou isso.
Oi Dulce. Comecei a falar com ela. Eu sou a sua madrinha e me chamo Natalia, mas os meus amigos me chamam de Naty, quando você crescer pode me chamar de Madrinha Naty, o que você acha? Madrinha é muito boba, sabe que você ainda não pode responder a essa pergunta, mas espero que sinta que eu já te amo muito, e eu vou cuidar de você com muito amor.
Ela gostou de você. Falou Cecília. Ela não estava gostando que ninguém a pegasse no colo assim. Somente o Arthur e eu.
_ Que bom. Posso brincar com ela um pouquinho? Perguntei louca para que Cecilia dissesse sim.
Claro, eu vou ajudar a Neide a começar a preparar o jantar. Falou e me apresentou a senhora que cuidava da Dulce quando entramos. _ E claro, quero que você fique para o jantar e conheça o meu filho Arthur. Ela me fez o convite e eu estava tentada a aceitar, apesar de estar muito cansada da viagem.
_ Não quero incomodar.
_ Deixa de besteira. Vou considerar que aceitou. Falou indo para a cozinha acompanhando Neide.
Dulce me mostrou os seus brinquedos e continuamos a interagir. Esperava que ela estivesse falando algumas palavras, estava muito calada mas parecia feliz ao meu lado, o som da sua risada mostrava isso. Passado um tempo, Cecília voltou trazendo uma cadeira para Dulce.
_ Olha o que a vovó trouxe. Disse Cecília mostrando a mamadeira para ela que ficou olhando, deve estar com fome. Cecilia tentou pegá-la no colo para dar a mamadeira mas ela correu para o meu lado.
_ Ela não consegue tomar sozinha? Perguntei, pois não entendo nada de crianças.
_ Ainda tenho que segurar para ela não deixar cair quando a mamadeira está cheia como agora.
_ Eu posso tentar? Perguntei querendo ajudar já que Dulce estava ao meu lado.
_ Claro.
_ Se eu estiver fazendo errado, por favor corrija. Falei pegando Dulce no colo, sentei no sofá e aconcheguei ela nos meu braços. Cecilia me passou a mamadeira e eu ofereci para ela. Com aquelas mãozinhas fofas ela guiou a mamadeira até a boca. Ajudei a segurar e ela foi sugando o leite com rapidez. Dulce realmente estava com fome. Olhei para Cecília e ela sorriu e senti que estava fazendo tudo certo.
_ Que bom, minha netinha tomou tudo. Falou Cecília passando a mão na cabeça de Dulce.
_ Ela não come comida?
_ Pouca coisa, está na fase transição, aprendendo a comer novos alimentos.
_ Entendi. Dulce quis descer do meu colo e queria que eu a acompanhasse até os brinquedos para continuarmos nossa brincadeira e Cecília se juntou a nós. Dulce brincou bastante até que ficou sonolenta e me pediu colo e eu não neguei, e ela acabou adormecendo nos meu braços. Cecília falou para levá-la para o berço, mas eu pedi para deixá-la comigo, estava tão linda, e eu sentia algo diferente um sentimento bom ao tê-la em meus braços. Sentei no sofá. Enquanto ela dormia, conversava com Cecília e o tempo passou voando e começava a escurecer. Dulce acordou e logo sorriu para mim.
_ Ela é tão linda. Não pude deixar de dizer mais uma vez.
Sim, e precisa de um banho, né Dulce. Falou Cecília e ela virou o rosto. Ixi, não quis ir com a Cecilia. Você gosta tanto de tomar banho, vem com a vovó. Insistiu Cecilia e Dulce se agarrou ao meu pescoço como se tivesse medo de sair do meu colo. Cecília parecia desconfortável com a situação.
Deixa eu te ajudar com o banho dela. Falei Claro preciso de ajuda pois não sei fazer isso.
_ E fácil, você vai ver. Vamos até o quarto dela. Acompanhei Cecília e o quarto de Dulce era digno de uma princesa.
_ Que quarto lindo. Fiquei encantada, com certeza gostaria de ter tido um quarto assim quando criança, mas meu pai não entendia que esses detalhes iam me fazer feliz. Cecília preparou a banheira para o banho de Dulce que logo animou e ficou feliz brincando com a água e deixou que a avó lhe desse banho. Agora ela estava ainda mais cheirosa e com uma roupa mais quentinha pois a noite estava mais fria que a tarde. Estávamos descendo a escada quando viu um homem bonito, e coloca bonito nisso, entrando na sala. Ele me olhou torto como se perguntasse o que eu estava fazendo ali.
_ Boa noite mãe. Falou dando um beijo em Cecilia e deduzi que ele é o Arthur, Carla não mentiu que ele é um pedaço de mal caminho, melhor ele é todo o caminho. Credo... meu coração começou a bater de forma acelerada com aquele olhar sobre mim.
Boa noite filho. Deixa eu te apresentar, essa é a Natalia, amiga da Carla. Cecilia nos apresentou. Natalia, esse é o meu filho Arthur.
_ Boa noite. Falou de forma formal, ainda me analisando.
_ Boa noite, prazer em te conhecer. Falei quase gaguejando. Ele se aproximou de mim para pegar Dulce, mas ela se virou e suas mãos se envolveram no meu pescoço e ele me olhou com certa raiva. Que culpa eu tinha da menina estar apegada a mim em tão pouco tempo.
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