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O Amor Acontece

Capítulo 1 Uma Entrevista

Elise Alves, 21 anos

Observava o trânsito lento em plena Avenida Francisco Morato, na grande São Paulo, dificilmente não ficamos parados nesse trecho. Olhei as horas, provavelmente chegaríamos atrasados. O rádio estava numa estação FM de notícias, sem dar atenção para as "novidades" repetitivas, meus pensamentos divagavam para o pedido de entrevista da minha chefe, com o grande CEO, Bernardo Almeida. Me perguntava o porquê de alguém que já trabalha há dois anos numa empresa precisa de outra entrevista?

O trânsito parou de vez, meu pai colocou seu CD preferido, de músicas sertanejas, mas das antiga, como "Tião Carreiro e Pardinho". A ansiedade acelerou meu coração, e ficar parada na estrada, não me acalmaria em nada. Cantarolei a música a fim de distrair.

O meu pai é funcionário da empresa metalúrgica há mais de dez anos, consegui um estágio na administração, a vantagem é poder ir ao trabalho com ele, pelo menos quando ele está no mesmo horário que eu.

Meu pai é um homem de 44 anos, estatura mediana, usa um bigode preto, como seus cabelos, que nos últimos meses andou ganhando alguns cabelos brancos. Ele é um homem de poucas palavras, não demonstra muito seus sentimentos verbalmente, mas jamais diria que não ama a família pois sempre nos proporcionou boa vida, incentiva eu e minha irmã a estudar e pagou por isso, como minha faculdade de Administração de Empresa, no qual estou no último ano. Temos uma boa casa, um carro, passeamos regularmente... enfim, uma família normal e bem estruturada, se comparar com algumas por aí, não somos ricos, mas somos felizes.

O carro voltou a andar lentamente, suspirei ansiosa, meu estômago revirou, me arrependi de ter ficado sem comer, mas não era fome que sentia, e sim um enjôo de ansiedade. Passei as mãos pelo tecido da minha saia, e tentava distrair meus pensamentos.

Toda minha dificuldade, está na timidez excessiva que sofro desde a infância, além do TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Evito lugares cheios de pessoas, odeio falar em público, nunca namorei, não frequento boates, não vou a bares, não tenho amigos na faculdade, só colegas mais velhos que eu. Sou tão organizada e com mania de limpeza, que chego a ser chata, nem eu me suporto às vezes.

Aí vocês podem se perguntar:"Elise, onde está sua diversão?"

Bom, eu diria que na família, amo ficar na minha casa, na companhia da minha mãe e irmã, assistindo um filme, às vezes uma série ou até novelas, também gosto de sair com elas, o que é bem frequente. Acompanho meus pais na igreja, e participo do grupo de jovens, em saídas de fim de semana, acampamentos em feriados prolongados, programa de sopas para moradores de rua, venda de pastéis para adquirir dinheiro para a juventude... essa é a minha vida, pacata, sem movimentação, e dentro do controle e rotina que preciso manter para minha saúde mental. Talvez alguém pense:"Elise é muito santinha"!

Acredite, estou longe disso!

Só nunca tive interesse em nada que os jovens de hoje gostam.

E não é criação, porque minha irmã é exatamente o meu oposto, pinta e borda na escola, vai em todas as festas, até aquelas que meus pais proíbem, Abigail, sempre acha um jeito de burlar as ordens, e agora que completou 18 anos, se acha a mulher mais livre do mundo. Acho que ela fez os cabelos brancos do meu pai se tornarem presentes ultimamente. Mas é uma boa menina, bem intensa, exuberante e irritante às vezes, mas eu não viveria longe dela.

Quando minhas crises de ansiedade ficam intensas, costumo cantar, me ajuda muito a aliviar a tensão, e é o único momento que não me sinto tímida. Também pratico exercícios físicos regularmente, academia e caminhada, (mesmo morrendo de preguiça), mas se deixou de fazer, as crises acabam piorando, e o médico diz que terei que partir para remédios controlados, então, faço um esforço para minha saúde física e mental.

Chegamos na empresa "Metalúrgica Almeida Ltda, Usinagem de Precisão". Desci do carro rapidamente, ajeitei minha saia justa e me equilibrei no salto alto do scarpin preto. Peguei minha bolsa e andei correndo pelo amplo estacionamento aberto, o quanto meu salto permitia.

— Boa sorte, filha!— Meu pai exclamou, mas já está á uma distância considerável.

Mandei um beijo e acenei para meu pai, que andando tranquilamente, se encaminhou para o barracão de produção, onde é encarregado de um setor. Peguei meu crachá na bolsa, e "piquei o cartão" com dois minutos de atraso na entrada. O prédio possui muitos andares, cada ala administrativa, é responsável por uma parte da produção da empresa, o setor que trabalho, é uns dos menores, onde lidamos com a parte burocrática da produção de peças para instrumentos cirúrgicos e de utilidade da medicina, tudo gira em torno da aprovação e selo da Anvisa.

Entrei no departamento de trabalho, cheguei a minha mesa e como de costume, peguei um paninho na gaveta, o álcool e borrifei, limpando tudo.

— Nossa encarregada estava te procurando, a chefe quer falar contigo. É pra você ligar.— Jacqueline, minha colega de trabalho, falou sentando na minha mesa.— Chegou atrasada... trânsito?— perguntou pegando um enfeite da minha mesa.

— O trânsito estava mais lento que o normal... vou ligar para Luana e dizer que cheguei, deve ser a entrevista...— falei pegando meu cachorrinho de vidro da mão dela.— Pode sair de cima da minha mesa?

Ela revirou os olhos.

— Boa sorte, amiga! — Saiu impaciente.

Peguei o telefone e liguei direto para a diretoria, onde Luana tinha linha direta. Ela atendeu e me pediu para subir.

Agarrei minha bolsa e fui até o elevador, entrei na caixa metálica e me olhei no espelho. Cabelos soltos e cachos alinhados. Maquiagem bem feita, mas nada muito estrondoso, roupa no lugar...

O apitar do elevador me fez virar em direção a porta, que logo abriu. Saí do elevador observando uma ampla sala, com sofás, mesas de centro, dois vasos grandes de plantas ornamentais, e dois corredores que davam para muitas portas, provavelmente de diversos escritórios. Uma loira tingida, maquiagem marcante, estava sentada no sofá, ela me olhou de cima a baixo com superioridade. Deveria ser uns cinco anos mais velha do que eu, vestia um vestido tão justo, parecia que as costuras estourariam a qualquer momento, tão curto que as coxas bem torneadas ficavam à vista, e o decote estava longe de ser recatado. Olhei minha blusa de manga longa na cor goiaba, larguinha no corpo, com um laço no decote, por dentro de uma saia midi preta. Estava exatamente o oposto da loira.

— Elise?— a voz de Luana me chamou atenção.

— Oi...— murmurei voltando minha atenção à ela.

— Pode se sentar, depois da Jéssica, será a sua vez.— Luana falou com um sorriso.

Assenti e me sentei do lado oposto da tal Jéssica, não gostava do jeito que ela me olhava.

Luana saiu apressada, ela é uma morena de olhos castanhos, cabelo num corte chanel, e a barriguinha que sobressaiu nos últimos dias, denunciou a gravidez.

Uma mulher, alta e de cabelos negros, vestida tão ousada quanto a loira, veio do corredor direito, deu uma piscada para a loira e se encaminhou até o elevador de nariz empinado.

— Jéssica Oliveira? Pode vir.— Luana chamou a loira, encaminhando até a sala do grande CEO.

O tempo de espera só fazia minha ansiedade crescer, pareceu ser horas, mas sempre que olhava no celular, só tinha alguns minutos. Vinte minutos mais tarde, a loira saiu rebolando e me olhando com desdém, apertou o botão de descer do elevador.

— Elise Alves? Me acompanhe.— Luana me chamou.

Me levantei atordoada, respirei fundo e consegui firmar as pernas trêmulas. Aceitar essa entrevista já foi um desafio, imaginem passar pela entrevista?

Estava lutando com todas minhas forças para vencer a timidez. Como é difícil!

Andei atrás de Luana pelo corredor, até chegar na última porta, onde a placa dizia: "Bernardo Almeida CEO". Respirei fundo, já havia visto o Bernardo de longe, em algumas revistas de fofoca, o seguia no Instagram, mas ele não era de postar vida pessoal, apenas sua avó e às vezes um irmão. Mas nada muito explícito.

Luana abriu a porta e colocou a cabeça para dentro.

— Beny? A última candidata. Elise Alves. — Luana anunciou.

— Ela pode entrar.— Uma voz grave soou da sala.

Luana abriu totalmente a porta. Com as vistas baixas, observei o carpete escuro do chão. Era uma sala comprida, andei a passos curtos e lentos, na minha direita tinha um sofá de couro na cor cinza, uma mesinha com um pequeno armário de bebidas. A esquerda uma estante, que deveria estar cheia de livros, mas apesar de ter algumas literaturas, o que mais tinha era pilha de papéis desorganizados.

— Srta. Elise Alves...— Bernardo balbuciou sem levantar os olhos do notebook.

— Sim...— respondi me obrigando a encará-lo.

Mas só consegui olhar a grande janela de vidro que ficava no fundo, nas costas do CEO.

— Sente-se!— Bernardo finalmente olhou para mim.

— Com licença...— respondi me sentando na cadeira que ele apontava.

Houve um instante de silêncio, podia sentir os olhos dele me analisando, mas não era capaz de levantar os olhos e fitá-lo. Mexi nos cantos da minha unha, passei a mão pelo tecido da saia um tanto nervosa. O silêncio estava cada vez mais constrangedor, precisava olhá-lo. Respirei fundo e levantei os olhos, dando de cara com um par de olhos verdes, que olhava a tela do notebook atentamente.

⚠️ Aviso da Autora ⚠️

Esse livro está em revisão, os comentários podem não bater no decorrer dos capítulos, pois algumas coisas foram mudadas, e ainda está em processo de atualização. Tudo para uma leitura mais convidativa, atraente e gostosa de se ler.

Pode conter erros de digitação, se encontrar, pode me avisar nos comentários, que eu corrijo. Faço tudo sozinha, então algumas coisas podem passar despercebidas, mesmo com a revisão.

Agradeço a compreensão ☺️

Capítulo 2 Uma Assistente

Elise

— Bom, aqui diz que está no último ano da faculdade de Administração, trabalha na empresa há quase dois anos, começou como estagiária e há um ano foi efetivada por bom desempenho. Verifiquei seu histórico na faculdade, e vejo que tem ótimas notas desde o início do curso. Resumindo, um excelente currículo para uma garota de apenas 21 anos! — Ele fechou o notebook e olhou nos meus olhos.—  Me diz uma coisa, gosta de trabalhar aqui? Quais suas ambições?

Ele se inclinou e apoiou os cotovelos na mesa, aguardando minha resposta.

Aquele par de olhos penetrantes me consumiram, a presença dele era marcante e me impactou. Cantarolei mentalmente, era agora ou nunca! Ou enfrentava a timidez, ou ela roubaria minha vida.

Puxei o ar para os pulmões, retomei o controle das minhas ações, e voltei a fitar os olhos que me olhavam com interesse.

— Gosto muito de trabalhar aqui, ao contrário do que as pessoas dizem sobre achar tedioso organizar documentos, revisar contratos... eu gosto muito de fazer isso, digitar emails, agendar reuniões... Gosto de ter um "quebra cabeça" nas mãos, e aos poucos ir encaixando cada peça, com paciência e minuciosidade, até que tudo esteja encaixado perfeitamente. Trabalhar com organização, não me incomoda, gosto de dar atenção aos detalhes, e confesso, que as vezes fico um pouco "obcecada" em ver um resultado perfeito. Bom... eu quero crescer mais nessa área, aprender, adquirir experiência...— falei sem me reconhecer, mas não deixei de sentir meu rosto queimar.

— Então senhorita Elise, quero contratar uma assistente pessoal, para aliviar um pouco da minha carga e também da minha secretária, que como já deve saber, está gestante. Estaria interessada? — perguntou sério.

— Com certeza! Muito interessada, é uma ótima oportunidade!— exclamei com um tom empolgado na voz.

Ele deixou um meio sorriso desenhar o rosto. Agora o encarando de perto, não tinha como não ficar impressionada com o rosto de galã de cinema. Maxilar perfeitamente desenhado, cabelos escuros e fartos, olhos de uma profundidade que me tirava o fôlego.

— Certo senhorita Elise, eu vou analisar as três candidatas. Até o fim da semana, anuncio minha escolha.— falou sem tirar os olhos dos meus.

— Certo senhor. Obrigado pela oportunidade, mesmo que eu não seja a contratada, estou feliz de ter sido uma das candidatas selecionadas.— falei me levantando.

Observei ele procurar algo na mesa, debaixo de pastas, papéis espalhados, uma bagunça que atiçou toda minha ansiedade, e tive que usar todo meu auto controle para não começar organizar a mesa. Minhas mãos já passavam na saia sem parar.

Maldito TOC! Só conseguia enxergar a bagunça!

Frustrado, ele se levanta, revelando a grande altura, e o terno perfeitamente alinhado, escondendo um corpo muito forte, ombros largos e o peito estufados sob as peças de roupa.

— Não precisa agradecer, é um prazer dar oportunidades para funcionários esforçados e com seriedade no serviço.— Ele estendeu a mão para cumprimentar.— Tenha um bom dia, srta. Elise!

Aceitei o cumprimento, ele deu um aperto suave e firme, com um sorriso encantador.

— Bom dia, senhor!— exclamei sorrindo timidamente.

Sem olhar para trás, desci ligeiramente para a minha seção, só quando cheguei na mesa que trabalho, soltei o ar, que nem sei porque prendi, consigo respirar mais calma, mas um sentimento estranho toma conta do meu ser... a voz grave e decidida, o aperto firme da mão... tão alto, forte, lindo... As vezes que o vi de longe, não me deu nenhuma dica do que seria olhá-lo de perto. A postura máscula e marcante, tira o fôlego de qualquer mulher. Jacqueline, na mesa ao lado, me tira dos meus devaneios, batendo na minha mesa com sua caneta.

—  E aí Elise como foi? O que o chefão queria? — Ela perguntou curiosa.

— Você é muito curiosa Jackie! — exclamei me sentando na cadeira.

Jackie me olha com olhinhos de cachorrinho "pidão", juntando as mãos. Reviro os olhos. Pensa numa garota insistente. Mas é uma boa pessoa.

— Ele quer contratar uma assistente pessoal. Fui uma das candidatas selecionada.

— Ooooh!!! Garota de sorte você! — Jackie falou admirada.

— Não se empolgue demais...— respondi olhando a pilha de papéis acumulados na minha mesa.— Ele ainda não decidiu quem vai contratar...Vamos trabalhar!

A manhã toda fiquei me perguntando, se realmente eu estaria pronta para um cargo como esse. Muitas perguntas na minha mente, inseguranças, mudanças... Tristes mudanças!

Estaria pronta para um cargo onde seria mais vista, e mudaria minha vida de norte para sul?

Estava acostumada a ficar quietinha, no meu canto. Ser uma assistente de um CEO, não seria nada pacato e tranquilo.

Por outro lado, é a chance da minha carreira alavancar.

Lembrei das outras duas mulheres na entrevista, eram mais velhas, e deviam ser do maior departamento, o de peças automotivas. Mais experientes, belas e sedutoras.

Agora eu... o que eu tinha?

Uma doença emocional que usava para benefícios no trabalho?

O nervosismo, me fez alinhar os papéis sobre minha mesa e quando me dei conta, já havia lido metade, antes mesmo de dar o horário do almoço.

No horário do almoço, depois de comer no restaurante da empresa, sentada no banco no exterior do prédio de administração, onde fica o estacionamento e uma praça arborizada, descanso mexendo no celular. A semana está apenas começando, leio algumas mensagens de um grupo de colegas da faculdade, combinando um dia e horário para fazer um trabalho em grupo. Uns minutos antes de dar o horário de voltar do almoço, passo no banheiro, e acabo ouvindo duas funcionárias conversando.

— Tenho certeza que o Bernardo vai me contratar!

— Como você sabe, miga?

— Joguei todo meu charme, querida, ele não vai resistir!

— Você é fogo, hein?!

— Sou fogo puro, linda! É uma chance perfeita de conquistar o coração do homem solteiro, além de mostrar meu excelente trabalho, e como bônus ser rica no futuro!— a loira diz piscando para ruiva e retocando uma maquiagem ousada.

Olhei de rabo de olho, a mesma loira que entrou antes de mim para a entrevista.

Se beleza contar, não tenho a menor chance. Mas o que Bernardo está procurando?

Posso dar meu trabalho dedicado e profissionalismo, mas me oferecer assim? Jamais! Tenho minha dignidade e princípios!

Saio dos meus pensamentos com o toque do sinal, avisando o término do horário de almoço.

Volto para minha mesa e como trabalho só até as 15h, o tempo passa rapidamente.

Encerrando meu expediente, organizo minha mesa, e espero meu pai no estacionamento. Encosto no carro, que está estacionado debaixo de uma árvore magrela, e fecho os olhos pensativa. Metade do ano passou, até o fim do ano, terei terminado minha faculdade, mas o que seria da minha vida?

Qual seria o meu futuro?

Gostaria de estar realizada profissionalmente, ter um bom emprego... mas e minha vida pessoal?

E o sonho de casar, ter filhos, um marido que me ame, e uma família completa?

Parecia tão distante! E quanto mais eu estudo, quanto mais eu trabalho, mais distante esse sonho fica...

É tudo que tenho por enquanto, e devia agradecer por isso, não lamentar, afinal, quantos não podem nem trabalhar? Não tinha um marido e filhos, mas tinha meus pais e minha irmã, já é a família que preciso.

Sonhar com príncipes encantados, é para as novelas que assisto. Se um dia tiver um homem que me ame, e me trate com respeito, já terei encontrado um tesouro.

Esse medo da solidão, me acomete às vezes, nunca me apaixonei por ninguém. E, acho que minha timidez e falta de dar oportunidades para aos rapazes, acabou me afastando de achar alguém que pudesse gostar.

— Srta. Elise?

A voz grave que me lembrava bem, me fez abrir os olhos, e dar um pulo de susto.

— Hã?!— meus olhos foram diretos ao homem com o celular na mão, me olhando preocupado.

— Desculpe... está tudo bem?— ele perguntou colocando o celular no bolso da calça.

— Sim... estou esperando meu pai...— balbuciei.

— Ele vem te buscar?— perguntou se aproximando mais.

— Não exatamente... ele trabalha aqui... mas sempre acaba atrasando...— respondi desviando o olhar.

— É mesmo? Onde?— perguntou interessado.

— Encarregado de seção, na produção de peças automotivas.

— Qual o nome?

— Geraldo Alves...— respondi voltando a criar coragem para encará-lo.

— Ah! Eu conheço! Não sabia que era seu pai... um excelente funcionário! Resolve tudo! Muito inteligente.— Bernardo falou com um sorriso.

— É... esse é meu pai...— respondi com um sorriso.

— Desculpe por assustá-la, é que passei por aqui, e te vi encostada no carro com os olhos fechados, pensei que estava passando mal... ou estava em algum problema...— falou me olhando com os verdes penetrantes.

— Está tudo bem... é só meu jeito de pensar sobre a vida...— falei com um sorriso tímido, sentindo minhas bochechas esquentar, certamente estavam vermelhas!

Bernardo fitou meu rosto e sorriu de lado.

Ia abrir a boca para dizer algo, mas meu pai o interrompeu.

— Boa tarde, Sr. Bernardo!

— Boa tarde, Sr. Geraldo! Não sabia que tinha uma filha que trabalha na empresa também. Muito grato pelo trabalho de vocês! Até amanhã! — sorriu gentilmente e saiu a passos largos em direção ao prédio da administração.

— Como foi a entrevista? — meu pai perguntou destravando o carro.

— Acho que bem... ele quer uma assistente pessoal, fui escolhida com uma das candidatas. — respondi entrando no carro.

— Interessante... acho que tem chance, mas é o que quer? — meu pai arqueou a sobrancelha.

— Por enquanto, acho que sim... é para isso que estou estudando, não é mesmo? — respondi encolhendo os ombros.

— Um grande passo. Acha que dá conta? Você sabe... esse problema que tem de controlar tudo, organizar... a vida de um CEO é agitada e cheia de imprevistos. Pode acabar mais ansiosa do que já é. — meu pai ponderou dando partida no Chevrolet Spin.

— Eu sei... mas não é certeza, ele ainda vai analisar... tenho que tentar... não posso deixar esses problemas me controlar a vida...— murmurei.

— Te acho totalmente competente para o serviço. Só tenho medo de se envolver intensamente e acabar surtando. Não vai conseguir controlar tudo o que acontece na vida de um CEO.

— Eu sei... vou me policiar...— balbuciei olhando o portão se abrir para sairmos.

Daria conta?

A pergunta que não quer calar.

Capítulo 3 Contratada

Bernardo Almeida, 34 anos

Assim que cheguei na empresa, fui direto para meu escritório, depois do dia de ontem, não tirava da cabeça a garota tímida na minha frente, por várias vezes me perguntei o que ela tinha que me chamava tanto atenção.

Sentei na cadeira e encarando a bagunça da minha mesa, não tinha porque esperar na decisão. Elise era exatamente a assistente que precisava, profissional, nada de insinuações, se vestia como uma executiva e podia ver a sinceridade nela enquanto falava, além de conhecer o pai que era muito competente. Ela tinha um rosto tão angelical, que chegava a aparentar inocência. Os olhos mal me encaravam, era surpreendente ver a timidez da garota. Mal podia crer que ainda existisse vergonha em uma moça.

Peguei o telefone e liguei direto para Luana.

— Fala, Beny!

— Chama a srta. Elise Alves no meu escritório, já tomei minha decisão. Pode entrar com a promoção, e me trazer os contratos.

— Certo, vou deixar tudo certinho e depois eu chamo ela.

— Okay!— desliguei o telefone.

Encarei os dois diplomas emoldurados na parede, meu sucesso se resumia a esses dois pedaços de papel. Foi ainda na faculdade que desenvolvi um método único para fabricar peças de automóveis, e a partir dali, cresci sem parar, até os dias de hoje.

A foto dos meus pais abraçados, sempre me fazia bater aquela saudade, tinha apenas 14 anos quando os perdi num trágico acidente de ônibus. Junto dos meus avós paternos, ajudei a criar os meus irmãos mais novos, Renato foi para o Japão num intercâmbio aos 16 anos, e nunca mais voltou, já meu irmão caçula, ficou comigo até recentemente. Peguei o retrato na minha mesa, o mais recente que tinha, o que sobrou da família, há cinco anos atrás, eu, meu irmão Carlos, minha vó e meu vô, antes de sofrer um derrame fulminante e me deixar incumbido de cuidar da minha avó, que hoje, com o Alzheimer em estágio avançado, não me reconhece, nem mesmo fala comigo há dois anos, mas ainda assim, a visito quase todos os dias.

O vazio se tornou parte da minha vida, primeiro meu avô, depois meu irmão que casou e se mudou para o Rio Grande do Sul, gerenciar uma concessionária de carros. Minha vó precisei internar numa clínica especial. O peso de uma vida cheia de mulheres, os compromissos sérios que levei, todos faltavam o amor, e o interesse das minhas namoradas, eram em algo material, não em quem sou. Toda solidão que a riqueza me proporcionou, caiu nos meus ombros ultimamente, e estou desacreditado do amor, de ainda ter a chance de encontrar alguém que complete minha vida, para constituir uma família.

Ter desejo, não é o mesmo que ter esperanças de encontrar sua alma gêmea, se é que isso ainda exista. Trinta e quatro anos, e ainda um solteirão que não sabe o que é amar verdadeiramente.

Encaro as minhas conquistas na parede, e sempre me pergunto, do que adiantou? Se no fim todo dinheiro e riqueza que adquiri, só me trouxeram solidão e prazer temporário.

Não que não me orgulhasse da posição que cheguei, vim do nada, filhos de um casal simples que vieram do interior do Paraná, avô e pai pedreiro, avó e mãe diarista... mas que eram felizes, desfrutavam de um amor profundo e genuíno, e não ter muito dinheiro nunca foi um problema, tinham a família. Agora eu acabei no oposto, com riquezas que meus pais jamais sonharam, e totalmente sozinho, porque até as mulheres que costumava ter na minha vida, abandonei frustrado. Hoje, tudo que tenho de amizade verdadeira, é Rogério, meu melhor amigo que faz parte da diretoria da minha empresa, e estamos juntos desde a faculdade. Também sua esposa, a Luana, que trabalha como chefe da administração, o filho deles, o Daniel, que o tenho como meu sobrinho de sangue, e já estou doido para saber qual será o próximo.

Uns minutos de ligações, outros perdidos procurando determinados contratos, olhar emails, ver minha agenda semanal... parte do que faço nos meus dias. Isso quando não surgem uns imprevistos na produção, na qual não tenho paciência de esperar os técnicos, e acabo me envolvendo com a mecânica, que é a minha verdadeira paixão.

Perdido na minha própria bagunça, Luana abre a porta anunciando a srta. Elise.

— Pode entrar! — falo tentando dar uma arrumada, pelo menos na minha mesa, mas não adiantou muito.

Levantei os olhos, e lá estava a garota mais tímida que vi na minha vida, olhos baixos, postura ereta e esbelta, talvez fosse os salto altos que calçava, cabelos cacheados divinamente caídos sobre os ombros, perfeitamente alinhados, vestia uma saia midi verde militar, uma camisa creme, totalmente profissional, uma executiva perfeita!

A maquiagem suave e discreta, não escondia o rubor de suas bochechas, as mãos brincavam uma com a outra e pareciam trêmulas. Seria eu, o causador de todo esse temor dela? Será que aparento ser um homem muito frio e arrogante?

Me levantei.

— Bom dia, srta. Elise!— me aproximei e estendi a mão.

— Bom dia...— ela respondeu tímida, aceitando meu cumprimento.

Apertar sua mão só confirmou o que vi, a mão tão delicada e pequena se perdeu na minha, estava suada e trêmula, como imaginei. Ela me transmitia uma energia boa, que fez meu coração acelerar no peito.

Senti os dedos de Elise mexendo na minha mão, então me dei conta do tempo que segurava sua mão e a soltei, voltando ao meu lugar.

— Sente-se, senhorita.— falei mostrando a cadeira na minha frente.

Graciosamente ela se sentou. Olhei o meu notebook, Luana havia enviado todos contratos, e digitado minha proposta. De soslaio, observei ela olhando para minha mesa, enquanto com as mãos pousadas sobre seu colo, batia os indicadores um no outro freneticamente.

— Quero te oferecer uma proposta. Aceitaria o cargo de assistente?— Os olhos dela finalmente encontrou os meus, meu coração errou as batidas com a intensidade daquele olhar de mel que brilhava. — Bom, eu te chamei por que resolvi contratar você como minha assistente. Mas para não ser precipitado, eu vou primeiro fazer um contrato de três meses, para ver como você se sai.

Ela me encarou atentamente, um sorriso espontâneo surgiu em seus lábios, me fascina e por uns segundos, esqueço do mundo. Piscos os olhos, forçando minha mente a voltar ao planeta terra, o sorriso perfeito, mais parece um sonho meu.

— Ainda tenho que acertar alguns detalhes com você, ok?

— Claro, tudo bem.

Tenho que admitir, ela tem uma aura diferente, que me atrai. Respiro fundo e retomo o controle. Falei sobre os novos horários, horas extras, para não se preocupar com a faculdade caso ela precise sair mais cedo por causa das provas.

— Vou precisar que me acompanhe nas reuniões, eventos e viagens de negócios, mas sempre vai ser antecipadamente informada. Você vai cuidar da minha agenda, cuidar de notas fiscais e emissões de contratos de serviço. Meu celular de trabalho vai ficar nos seus cuidados, terá acesso aos meus e-mails, rede sociais e também as ligações do meu escritório. Vou te ajudar no começo, pode me perguntar qualquer coisa que tiver dúvida. A Luana também vai te ajudar e treinar você, até que se sinta capaz de realizar tudo sozinha.

Elise me olha atentamente e não parece se intimidar com o novo serviço.

— Você vai ser minha primeira assistente, estou aprendendo também. Acredito que sabe o papel de uma assistente, não é mesmo?— disse sorrindo, e dei uma piscada, ela ficou vermelha na hora. Por algum motivo gostei de ver essa reação e deixei escapar um meio sorriso.

Ela assentiu, e sorriu envergonhada. E eu só sabia admirá-la.

O que estou fazendo?

Bernardo se concentra no trabalho! Ela é uma funcionária, como qualquer outra.

Será?

— Vou triplicar seu salário, e quando for efetivada, podemos fazer alguns reajustes. Vai ter um carro a sua disposição, para resolver questões da empresa. Você me disse aquele dia que vêm com seu pai trabalhar, né?

— Sim...

— O horário não vai bater, pode cadastrar o cartão da empresa no seu App de Uber, e vai ser outro benefício que vou te dar. Agora, quero saber o que tem a me responder?— indaguei apoiando as mãos na mesa e me inclinando para encará-la melhor.

Elise tomou uma postura firme e séria, mas não conseguiu esconder o seu jeito delicado e tímido.

— Eu aceito. Espero estar a altura do que o senhor deseja para uma assistente.— respondeu olhando ligeiramente para os meus olhos.

— Ótimo srta. Elise! Mas preciso que comece logo, se possível amanhã. — falei um tanto imperativo.

— Por mim, tudo bem. Trabalho é trabalho. — ela encolheu os ombros.

— Excelente! Preciso que passe no RH, leve os contratos que vou te dar. — falei digitando no notebook e permitindo a impressão do contrato.— Fale para marcarem seus exames médicos para amanhã cedo.— concluí me levantando e pegando os papéis na impressora.

Assinei onde me cabia, e mostrei onde ele assinava. Por incrível que pareça, ela leu tudo, numa velocidade que me surpreendeu.

— Está contratada. Espero que sejamos bons parceiros! — exclamei estendendo a mão.

— Obrigada pela oportunidade! Não vou decepcionar, levo meu trabalho á sério, e com muita responsabilidade.— ela falou enquanto segurava minha mão.

A eletricidade que corria com o toque de nossas mãos, era assustadora e gostosa.

Ela soltou a minha mão e se encaminhou a saída. Observei-a ir até a porta.

O que ela tinha de diferente? Tudo! No entanto, não saberia explicar o quê...

Talvez seja coisa da minha cabeça, já me enganei tantas vezes, mas ela parece inocente, pura...

Com a mão na maçaneta ela se virou, e me olhou timidamente.

— Boa tarde, senhor!

— Boa tarde, srta. Elise.

Suspirei profundamente. Ela tinha exatamente tudo que eu achava não existir mais em uma mulher.

De onde ela veio?

Seria um anjo que caiu do céu?

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