Carlos já estava exausto depois de tantas horas de cirurgia. Era desgastante lidar com a pressão de salvar a vida de um paciente, especialmente tendo que compartilhar a sala de cirurgia com seu ex-namorado, Lucas, que estava ao lado de seu novo parceiro.
Carlos era um excelente médico e cirurgião. Ele havia tentado várias vezes mudar de hospital para evitar encontrar Lucas, que também era médico e se exibia pelos corredores com seu novo namorado, também médico. No entanto, Carlos sempre acabava desistindo da mudança quando seus colegas imploravam para que ele ficasse.
Após várias horas, a cirurgia finalmente terminou.
— Finalize, por favor — pediu Carlos a um assistente.
Carlos entregou a parte de sutura a um membro da equipe e desejou sair dali o mais rápido possível. Ele saiu da sala de cirurgia, encontrando os familiares do paciente.
— Correu tudo bem com a cirurgia. Ele será mantido na UTI por aproximadamente vinte e quatro horas e depois será encaminhado ao quarto — explicou ele aos familiares.
Enquanto se despedia da família do paciente, Carlos viu Lucas e seu namorado saindo da sala também. Ele acenou educadamente para os familiares do paciente e, em seguida, dirigiu-se a outra sala para trocar de roupa.
Carlos seguiu atrás dos dois, observando discretamente os sorrisos que trocavam e os toques ocasionais no braço um do outro. Ele se perguntava por que se torturava tanto.
— Fica observando aquilo por quê? Você é masoquista? — A voz de sua amiga enfermeira, Nina, o tirou de seus pensamentos.
Carlos, confuso, respondeu:
— O quê?
Nina se aproximou e explicou, sorrindo:
— Você parece masoquista, por que fica observando aqueles dois?
Carlos suspirou.
— Não sei, Nina. Não consigo evitar.
— Se você não fosse gay, eu me candidataria a fazer você esquecê-lo. Sabe o que você precisa? Arrumar um homem musculoso, bem… você sabe o que, para esquecer esse idiota rapidinho.
Carlos riu levemente, apreciando o esforço de Nina em tentar animá-lo.
— Quem sabe, Nina? Talvez você esteja certa — respondeu ele, sentindo-se um pouco mais leve com a conversa.
Nina não tinha papas na língua e havia tentado de todas as formas fazer seu amigo superar seu ex. Carlos balançou a cabeça sorrindo e, mais uma vez, olhou para os dois que dobraram o corredor, relembrando as palavras de Lucas.
“Eu tentei, mas você é passivo demais para mim. Não estou falando de nossas posições, mas você é obediente demais, não se arrisca, não faz nada impulsivo. Sou diferente, quero alguém que tenha pulso firme, que seja mais agressivo, por assim dizer. Você é um ótimo homem, mas não é o tipo de homem que procuro. Não adianta ficar com você só para não te fazer sofrer terminando. Mas tenho que pensar em mim também. Me desculpe.”
As palavras que Lucas disse antes de sair de sua casa, após Carlos descobrir a traição, continuavam ecoando em sua mente. Seria ele tão previsível assim? Obediente demais e talvez monótono na cama? Não gostar de correr riscos e preferir manter tudo sob controle era realmente algo ruim?
Carlos refletia sobre isso enquanto observava Lucas e seu namorado. Ele se perguntou se realmente precisava mudar sua personalidade para agradar alguém, ou se deveria buscar alguém que o aceitasse exatamente como ele era.
Carlos estava ansioso para trocar de roupa e voltar para casa; seu turno havia terminado, e ele só desejava tomar um banho relaxante. Despediu-se de Nina e foi para o vestiário, onde trocou de roupa. Depois, voltou ao seu escritório para pegar seus pertences antes de sair. Já era meia-noite e ele havia realizado várias cirurgias naquele dia. Ao se dirigir para a recepção, percebeu uma movimentação estranha.
Carlos ouviu gritos e notou que homens armados haviam entrado no local, trazendo consigo três homens baleados. Eles apontaram uma arma para Nina e perguntaram onde o médico estava. Carlos percebeu que sua tranquila noite estava arruinada.
— Eu sou médico — disse ele, chamando a atenção dos homens e afastando-os de sua amiga. Estava apreensivo, mas não podia demonstrar seu medo.
Nina lançou um olhar preocupado para Carlos, mas ele manteve a calma e se aproximou dos feridos. Os homens armados estavam claramente nervosos, e Carlos sabia que qualquer movimento em falso poderia ser perigoso.
Um dos homens se aproximou, apontou a arma para Carlos e ordenou que salvasse a vida do homem diante dele. Carlos lutava para manter a calma. O homem à sua frente pediu que chamassem outros médicos. Nesse momento, Lucas e seu namorado também apareceram na recepção, atraídos pelos barulhos, e tiveram armas apontadas para suas cabeças.
Carlos não queria falar com eles, mas não tinha escolha.
— Cuidem desses dois pacientes, que eu vou atender a este — disse ele para Lucas e o namorado. Em seguida, voltou-se para o homem armado: — Levem os outros dois para onde os médicos indicarem e você me siga.
Carlos agiu rapidamente, sem esperar por perguntas do homem à sua frente. Virou-se e começou a caminhar, percebendo que o homem o seguia de perto. Enquanto caminhava, ele tentou pensar em um plano para garantir a segurança de todos.
— Coloque-o na maca — ordenou Carlos assim que entrou na sala de emergência, pegando luvas para examinar o paciente, enquanto dois outros homens armados na sala observavam atentamente.
Carlos abriu a camisa do homem deitado na maca. Era jovem, provavelmente da mesma idade que ele, e seu corpo estava coberto de tatuagens. O paciente estava consciente e demonstrava estar com muita dor.
— A bala não atravessou, preciso removê-la. Seria melhor levá-lo para a sala de cirurgia.
O homem na maca olhou Carlos de forma estranha e respondeu imediatamente:
— Doutor, não vai me deixar inconsciente. Apenas tire essa droga de bala do meu ombro aqui mesmo. Não é a primeira vez, eu aguento.
Carlos ficou surpreso ao ouvir o que o homem disse. Havia realmente alguém corajoso o suficiente para não querer ser anestesiado em um hospital e passar por um procedimento doloroso consciente?
— Isso vai doer muito. — Carlos ainda tentou convencê-lo.
O homem armado que estava próximo a ele se aproximou mais e foi direto:
— Não podemos correr o risco de alguém nos procurar e ele estar inconsciente. Você não tem ideia de quem está à sua frente, doutor. Então, apenas faça o seu trabalho e retire a bala, e não se atreva a deixá-lo morrer — ele disse, terminando a frase bem próximo ao ouvido de Carlos.
Carlos havia jurado salvar vidas, e não importava se era de um criminoso; ainda era uma vida. Ele pegou uma toalha e deu ao homem para morder quando a dor se tornasse insuportável.
— Morda isto quando a dor se tornar intensa — disse Carlos, entregando a toalha ao paciente.
Carlos reuniu tudo o que precisava, cortou a camisa do homem e começou a limpar a ferida para tentar localizar a bala. Em seguida, usou uma pinça para tentar remover o projétil, que estava alojado no ombro direito e não havia atingido nada perigoso.
— Segure-o para não atrapalhar o procedimento — disse Carlos ao brutamontes que o havia trazido.
Carlos continuou o procedimento por alguns minutos até conseguir extrair a bala. Fez todos os procedimentos necessários e instruiu sobre os curativos. O homem na maca, com a ajuda de seu subordinado, sentou-se de frente para Carlos e levou uma mão ao rosto do médico.
— Não vou esquecer o que fez hoje, doutor, e não vou esquecer esse rosto bonito.
O homem deu um sorriso de canto, embora estivesse claramente sentindo dor. Em seguida, ele se levantou com ajuda, perguntou onde poderia encontrar os outros dois homens baleados e saiu da sala, deixando Carlos paralisado pelo medo.
Carlos ficou parado por um momento, processando o que havia acontecido. Sentia um misto de alívio por ter salvado o paciente e de medo pelas implicações do que havia ouvido.
“Por favor, esqueça, não precisa se lembrar do meu rosto”, pensou Carlos.
Carlos tirou as luvas e a máscara, tentando acalmar seus batimentos cardíacos já acelerados pela adrenalina. Ele não sabia o que estava acontecendo na outra sala e estava preocupado com as outras pessoas no hospital. Embora não quisesse admitir, sua maior preocupação era Lucas.
Ele saiu da sala e se dirigiu na direção de onde os outros estavam. Ouvia vozes alteradas, e o homem, que anteriormente apontava uma arma para ele, segurava o namorado de Lucas pelo colarinho. Carlos imaginou que o outro homem não havia resistido. Lucas tentava intervir, mas foi empurrado por um dos outros homens armados.
— Seu amigo perdeu muito sangue. Pelo estado de suas roupas, imagino que não tenha sido apenas uma bala. Se a bala atingiu algum órgão vital, seria difícil salvá-lo — explicou Carlos.
Ele interveio, chamando a atenção do homem que havia atendido anteriormente. O homem se virou para ele e se aproximou.
— Você confia nas habilidades dele, doutor? — O criminoso fez a pergunta e se virou para encarar o homem que ainda estava sendo segurado.
Carlos, internamente, sentiu satisfação ao ver o homem sendo intimidado, mas sabia que não podia permitir que a situação se tornasse perigosa demais. Ele estava ciente de que aqueles homens poderiam matá-lo ali mesmo e não queria ser responsável por isso. Carlos encarou o homem e, em seguida, olhou para Lucas.
— Sim, confio. — Carlos disse com confiança.
O bandido à sua frente o encarou novamente e sorriu.
— Bom, doutor, se você está dizendo, vou considerar isso como uma fatalidade.
Ele se dirigiu aos seus homens, ordenando que soltassem o namorado de Lucas, e instruiu outros a cuidarem do homem falecido e do ferido para levá-los dali. Em seguida, voltou-se novamente para Carlos.
— Meu nome é Andrey Marastrove. Talvez você já tenha ouvido o meu sobrenome. E o seu, doutor?
Carlos engoliu em seco e desviou o olhar.
— Meu nome é Carlos.
Andrey sorriu e se virou, saindo dali com seus homens. Aos poucos, os funcionários e pacientes começaram a se mover. Alguns choravam, outros queriam sair dali o mais rápido possível.
Carlos apertou a testa, sentindo uma leve dor se instalando ali. Precisava voltar para casa e descansar. Pegou suas coisas e, daquela vez, saiu pelos fundos, indo em direção ao estacionamento.
Dirigindo na madrugada, Carlos observava as ruas desertas. Já passavam das duas da manhã, e seu único desejo era chegar em casa rapidamente. Ele pensava no nome mencionado pelo homem no hospital e lembrava-se de já ter ouvido falar do sobrenome Marastrove. Sabia que era uma família de mafiosos poderosa na região. Ele temia que atender o filho do chefe da família Marastrove pudesse trazer problemas.
Carlos chegou em frente ao portão de sua casa e apertou o botão do controle. Antes de mover o carro novamente, ouviu um baque no vidro. Olhou assustado e viu um homem armado.
“O que mais poderia acontecer nessa madrugada? Não bastava o que ocorreu no hospital e agora estou sendo assaltado”, pensou Carlos.
O homem fez um gesto com a arma, indicando que Carlos abaixasse o vidro. Carlos obedeceu, não querendo arriscar fazer algo que pudesse resultar em levar um tiro. Ele notou que a mão do homem estava ensanguentada, e a outra segurava o abdômen.
— Eu preciso entrar em sua casa. Se você cooperar, nada de ruim acontecerá. Entre devagar com o carro e feche o portão — disse o homem armado.
Carlos ficou perplexo. “Pensei que ele quisesse levar o carro. Por que ele precisa entrar na minha casa?” Ele pensou enquanto obedecia e entrava devagar, fechando o portão.
Ele olhou pelo retrovisor e percebeu que o homem havia sido baleado. Carlos pensou que deveria fazer o mesmo que no hospital, não apenas para tentar salvar sua vida, mas também a dele, afinal, era um médico e não podia fugir dessa responsabilidade.
Ele esperou o homem se aproximar do carro com dificuldade.
— Saia. Precisamos entrar. Eu preciso que você me faça um favor.
Carlos imaginou que o homem o mandaria ajudar com o ferimento. Ele saiu do carro, e o homem à sua frente quase caiu. Os reflexos de Carlos foram mais rápidos, e ele segurou o homem, ficando com o rosto próximo ao seu. Carlos não conseguiu manter o olhar nos olhos dele e abaixou o olhar para a barriga do homem.
— Guarde a arma e passe o braço pelo meu pescoço. Sou médico e posso ajudar. Não farei nada contra você. Se essa ferida não for tratada, você pode morrer. Você continua perdendo sangue.
O homem olhou para Carlos incrédulo, provavelmente pensando em quanta sorte teve ao abordar um médico. Com cuidado, ele abriu a porta de trás e pegou sua maleta no banco traseiro, sob o olhar atento do homem de pé ao seu lado. Em seguida, caminhou em direção à porta, e ouviu um gemido vindo do homem.
Carlos se virou e percebeu que o homem estava prestes a desmaiar. Agiu rapidamente, segurando-o e passando o braço ao redor dele. Com esse movimento, Carlos não pôde evitar que seus rostos ficassem bem próximos novamente.
Ambos se olharam, mas Carlos não conseguiu manter o contato visual com aqueles olhos. Ele desviou o olhar e continuou segurando o homem.
— Você tem olhos lindos — disse o homem, chamando a atenção de Carlos mais uma vez.
— Vamos entrar. Você está ficando fraco. — Carlos respondeu, ajustando o corpo do homem próximo ao seu e conduzindo-o em direção à porta.
O sofá na sala teria que servir. Carlos não colocaria aquele homem ensanguentado em sua cama; o sofá de couro seria mais fácil de limpar. Não foi fácil apoiá-lo até ali e em nenhum momento ele soltou a arma de sua mão.
— Deite-se, pegarei todas as coisas necessárias para cuidar de sua ferida.
Como alguém que desejava ter as coisas sob controle, Carlos tinha tudo do que iria precisar em sua casa, desde anestesia até bolsa de sangue. Suas medidas preventivas eram taxadas como paranoicas, mas naquele momento, só confirmou que estava certo em ter tudo isso em sua casa.
Carlos pegou tudo que precisava, tirou algumas coisas do caminho e forrou um plástico próximo ao sofá, caso respingasse sangue do ferido no chão. Esterilizou tudo e começou.
— Vou abrir sua camisa, tente não se mexer mais a partir de agora.
O homem fez um movimento com os olhos, como em confirmação. Ele não tinha mais força. Havia perdido muito sangue e precisava de uma transfusão imediata. A mão na qual precisaria colocar o sangue ainda segurava a arma.
— Posso guardar sua arma? Precisarei fazer uma transfusão improvisada e você não pode ficar com ela na mão. Se não confia em mim, então troque de mão, por favor.
Carlos pedia com gentileza e amigavelmente. Não era idiota de enfrentar aquele moribundo armado. O homem o olhou quase fechando os olhos e entregou a arma para Carlos. Ele pegou a arma de maneira desajeitada e a colocou no chão. O homem tentou dizer algo, mas desmaiou antes; ele tinha que se apressar, a pressão estava caindo e aquilo não era bom.
— Você precisa aguentar — falou, mesmo sem o outro ouvir.
O suor já escorria em seu rosto. Naquela posição e sem toda a aparelhagem necessária, era ainda mais tenso fazer aquilo. Ele já estava na segunda bolsa de sangue. Seu próprio sangue era O-, então sabia que era doador universal, mas o sangue era em parte seu, tinha guardado para seu uso, caso precisasse. Naquele momento não tinha como conseguir outro e nem poderia ser mesquinho naquele ponto, mesmo sabendo que provavelmente era um criminoso, ou sabe-se lá o que.
Depois de suturar, cobrir a ferida e verificar novamente sua pressão, foi então que Carlos pôde parar para observar aquele homem. Seus músculos abdominais eram bem definidos, alguns fios de cabelo começando a crescer em seu peitoral. Seu rosto era bonito, algumas mechas de cabelo caíam sobre sua testa, e ele tinha uma cicatriz em sua sobrancelha esquerda.
A cicatriz ali até lhe deu um certo charme. Carlos passou a observar os detalhes daquele homem lindo e viril em seu sofá. Mordia o canto dos lábios sem perceber, até se dar conta do que estava fazendo.
— Não deixe sua abstinência falar mais alto, foco, Carlos, foco.
Ele falava consigo mesmo para tentar se concentrar. Começou a pensar o que faria com aquele homem ali e para quem poderia ligar. Alguém deveria estar o procurando, a família, ou um chefe, alguém. Vasculhou seu bolso em busca de um telefone e encontrou, mas estava sem bateria.
Carlos estava cansado. Depois de conferir novamente o paciente, colocou o celular para carregar e foi tomar um banho. Aquela madrugada havia sido cansativa, toda sua rotina bagunçada por uma briga de gangues: primeiro gente armada no hospital, depois em sua casa.
Ele terminou aquele banho mais que merecido e olhou a carga da bateria para ver quanto já tinha atingido. Ligou o celular na esperança de que alguém ligasse para ele.
Carlos continuou enxugando seu cabelo e foi verificar a pressão do paciente novamente. Não tinha os aparelhos para deixá-lo conectado, então teria que verificar constantemente. A transfusão já havia terminado, mas o soro ainda estava com ele. Tinha analgésicos e anti-inflamatórios naquele soro, o que ajudaria bastante.
O sangue do corpo do ferido já tinha sido limpo, e todas as coisas recolhidas da sala. Carlos se sentou em uma almofada próxima ao desconhecido e quando chegasse a hora da nova inspeção, já estaria perto.
O cansaço falou mais alto e Carlos caiu no sono ali mesmo. Estava com o braço no sofá e a cabeça apoiada nele. O homem ao seu lado despertou, tentando reconhecer onde estava e toda a situação. Ao ver Carlos ali dormindo ao seu lado, se lembrou e levantou um pouco a cabeça. Viu que seu ferimento estava tratado e com curativo, não estava morto e era graça àquele homem ali na sua frente.
O sono de Carlos era tão profundo que não acordou com ele se mexendo no sofá. O homem o encarou, ali deitado de mal jeito. Tirou a mecha de cabelo de sua testa e registrou em sua mente os traços delicados daquele homem que salvou sua vida. O roupão que ele usava estava um pouco aberto na parte de cima, revelando uma pele branca e delicada. Estava o achando muito sexy.
O homem voltou a cabeça para o lugar e olhou para o teto, imaginando que aquela pele ficaria linda, um pouco avermelhada de mordidas e chupadas. Negou com a cabeça e respirou fundo. Aquele não era o momento para pensar besteira. Pensou que provavelmente o médico era hétero, e sua recente experiência com o amor é que tinha o deixado naquela situação. Havia coisas mais urgentes para resolver naquele momento. Tinha que lidar com a traição que sofreu e precisava contatar seus homens.
Ele procurou em seu bolso, mas o celular não estava ali. Se ele estivesse desligado, seus homens não poderiam encontrar sua localização; imaginei que, provavelmente, aquele homem o tirou do seu bolso. Tentou fazer um esforço para levantar, mas sentiu dor. Se tentasse se virar para apoiar, provavelmente o acordaria; ele parecia estar cansado e ele ali dormindo estava muito fofo.
Enquanto pensava em como levantar sem o acordar, ouviu a campainha tocando. Fechou os olhos, fingindo ainda estar dormindo. Sentiu os movimentos do homem no sofá, o barulho da companhia havia o despertado. Ele abriu os olhos lentamente e o viu indo em direção à porta.
Carlos olhou no relógio e já eram cinco e quinze da manhã. “Quem poderia ser a essa hora?”, ficou pensando. Olhou no painel eletrônico e viu alguns homens de terno do lado de fora do portão. Carlos ficou apreensivo e apertou o interfone.
— Sim, quem é?
Um homem que estava mais à frente se aproximou do interfone.
— Viemos buscar nosso chefe.
Carlos se perguntou como eles sabiam que aquele homem estava ali, mas se lembrou de que ligou o celular na esperança de que alguém ligasse, o que poderia ter permitido que seguissem a localização.
Carlos não sabia se poderia confiar e abrir a porta. E se não fossem os homens dele? Se fossem os caras que atiraram nele? E se matassem ele ali? Um monte de perguntas passou por sua cabeça e ele teve um sobressalto quando ouviu uma voz forte e firme próximo ao seu ouvido.
— São meus homens.
Carlos se assustou e se virou rapidamente, encostando na parede próximo ao painel do interfone. Seus batimentos se aceleraram ao ver aquele homem de pé na sua frente e tão perto. O homem aproximou o rosto um pouco mais perto e olhou novamente o painel. Seu rosto estava bem perto de Carlos, que olhava ainda sem saber o que fazer.
O homem encarou Carlos e voltou a falar.
— É, realmente são meus homens. Você poderia abrir o portão, por gentileza?
Carlos estava meio paralisado com aqueles olhos negros o encarando. Pigarreou a garganta, olhou para o outro lado e confirmou com a cabeça. Em seguida, se virou, e o homem se afastou um pouco, permitindo que ele mexesse no interfone.
Carlos apertou um botão, e o portão se abriu. Ele retornou o olhar, encarando o homem diante de si. O homem se aproximou de Carlos, levando as duas mãos em seu roupão, puxando para fechar direito, tampando seu peito ainda exposto.
Enquanto arrumava, fez questão de deixar seu dedo encostar na pele macia, sendo tampada. Carlos teve um pequeno tremor ao sentir o dedo do outro deslizando por sua pele. Ele o encarou novamente e o homem à sua frente devolveu a encarada, sorrindo de lado, e falou.
— Não quero que meus homens vejam você assim. Esse foi um deslumbre somente meu.
Carlos o olhou ainda mais incrédulo com o que havia acabado de ouvir.
Carlos abriu a porta, permitindo que os homens lá fora entrassem. Todos eles estavam com armas em punho, sem saber o que encontrariam lá dentro. Carlos permaneceu perto da porta, ao lado daquele homem.
— O que você pensa que está fazendo, Paulo? — disse o homem — Baixem as armas. Não há nenhum inimigo aqui.
O homem repreendeu seus subordinados, fazendo com que todos abaixassem suas armas. Carlos estava com um braço abraçando seu próprio corpo e com o outro segurava a gola do roupão, incapaz de negar que estava assustado. Diferente do hospital, na sua casa, ele estava sozinho e ninguém veria caso o matassem ali.
— Me desculpe, meus homens precisam de melhores modos — pediu desculpas tentando deixar Carlos tranquilo.
Carlos fez um gesto com a cabeça, aceitando suas desculpas.
— Vi bolsas de sangue jogadas ali. Você fez uma transfusão em mim? — o homem perguntou intrigado.
— Você perdeu muito sangue e precisava disso. Eu tinha o meu sangue guardado para emergências, então tive que usar. — Carlos respondeu, preocupado que o homem se sentisse ofendido por ter utilizado seu sangue nele.
O homem se aproximou mais de Carlos, levantando uma sobrancelha.
— Então, agora tem o seu sangue correndo nas minhas veias, doutor? Podemos dizer que estamos ligados pelo sangue? — terminou de falar e deu um sorriso de canto.
Carlos engoliu em seco e desviou o olhar do homem. Eles se afastaram da porta e foram em direção ao sofá. O homem perguntou por sua arma e Carlos indicou a mesa no canto. Paulo pegou a arma e guardou. O homem calçou os sapatos e olhou novamente para Carlos.
— Quanto às despesas médicas, gostaria que me passasse a sua conta para depositar o valor — disse o homem, apalpando sua calça em busca do celular.
— O senhor não me deve nada. Não fiz isso por honorários. Sou um médico e jurei salvar vidas, independentemente de quem seja. E se está procurando o seu celular, ele está carregando logo ali na frente. — Carlos respondeu firmemente, encarando o homem.
Ele não queria ter nada a ver com eles, então claramente não queria receber pagamento deles.
— Bem, então, como posso agradecer, doutor… não fomos devidamente apresentados. Sou Alberto, Alberto Castelhano — disse, estendendo a mão para Carlos.
Carlos não pôde deixar de apertar a mão de Alberto e em seguida ele se apresentou:
— Sou Carlos. O sobrenome não importa.
Naquele momento, ele estava preocupado. Em uma única madrugada, conheceu dois mafiosos das duas famílias mais perigosas da cidade. Se não era azar, não sabia o que era.
Alberto pediu um cartão a Paulo e entregou a Carlos
— Esse é o meu cartão, Carlos. Me ligue caso precise de algo. Você salvou a minha vida, então a partir de hoje tenho uma dívida com você.
Carlos pegou o cartão, olhando para o número. Ele não tinha intenção de ligar, mas era melhor não dizer isso. Só queria que Alberto fosse embora o mais rápido possível.
Alberto mandou seus homens saírem e aguardarem no carro. Todos saíram imediatamente e Alberto se aproximou de Carlos. Ele olhou nos olhos de Carlos e falou de forma satisfatória
— Obrigado. Quero que saiba que o que falei foi verdade. Tenho uma dívida com você. Não deixe de me ligar se precisar de alguma coisa. Se alguém te ameaçar, seja pelo que for, eu virei imediatamente.
Alberto pegou a mão de Carlos e a beijou. Ele sorriu de lado e se virou para sair da casa. Carlos sentiu seu coração acelerar enquanto Alberto falava aquilo olhando em seus olhos e beijando sua mão daquela forma.
Ninguém nunca havia dito algo parecido, que viria imediatamente se ele precisasse. Carlos balançou a cabeça, recobrando seus sentidos. Não poderia se deixar levar pela carência. Por mais que aquele homem fosse atraente, sedutor e muito poderoso, aquela oferta era apenas por gratidão.
Carlos correu até a porta, fechando-a e olhando pelo visor para ter certeza de que eles tinham realmente ido embora. Estavam terminando de entrar no carro. Carlos apertou o botão, fechando novamente o portão antes que pudessem mudar de ideia e voltar.
Ele estava exausto, mal percebeu que havia adormecido daquele jeito próximo a Alberto. Carlos foi em direção ao quarto para dormir. Fechou as cortinas e se jogou na cama, só queria dormir e esquecer a pior madrugada de sua vida.
Enquanto ele queria esquecer o que havia passado, Alberto tinha uma ideia diferente. Alberto entrou no carro seguido por Paulo e antes mesmo que a porta fosse fechada por completo, ele deu ordens.
— Entre em contato com Michael. Quero todas as informações sobre Carlos, desde a conta bancária até com quem ele sai. Não deixe passar nada, quero isso o mais rápido possível.
Alberto deu aquela ordem e percebeu que Paulo olhou um pouco intrigado, mas fez um sinal indicando que faria aquilo.
— Quero que coloque alguém vigiando-o. Se os Marastrove souberem que fui salvo por ele, podem querer machucá-lo. Se virem alguém o espreitando, seja na casa dele ou no trabalho, me avisem.
Alberto cerrou os dentes, e um semblante de ódio se seguiu por seu rosto ao se lembrar de Andrey e de como foi traído por Pablo.
— Encontre o desgraçado do Pablo e me traga ele vivo. A traição dele não ficará impune.
Paulo e outro homem se entreolharam. Sabiam que Alberto era leal, odiava traições e enganos, e imaginavam que ele estava furioso, não sabiam o que ele poderia fazer quando se encontrasse novamente com Pablo.
Alberto havia conhecido Pablo em uma de suas boates. Pablo parecia ser do tipo ingênuo e inexperiente. Lentamente, ganhou a confiança de Alberto, até chegar à sua cama.
Ele cuidava e protegia Pablo, pois este relatou que só teve um namorado em sua vida e que era um relacionamento abusivo. No entanto, depois de um ano, acabou sendo apunhalado por Pablo, que armou uma emboscada com Andrey para matá-lo.
Naquele dia, Alberto ainda descobriu que Pablo estava tendo um caso com Andrey, e que tudo não passou de fingimento para enganar Alberto. Pablo foi baleado na troca de tiros e ele não sabia se estava vivo ou não, mas, se estivesse, não seria por muito tempo. Alberto definitivamente iria matá-lo.
Andrey estava impaciente para saber notícias de Alberto.
— Encontrem aquele bastardo, descubram em qual hospital ele está, ou em qual viela ele morreu. Só o encontrem, droga! Se ele estiver vivo, deve estar fraco, pois perdeu muito sangue. Será mais fácil terminar o serviço. Não deixem Pablo sozinho na clínica. Por mais que seja nossa, não podemos arriscar.
Andrey queria provar ao pai que podia cuidar dos negócios. Essa tarefa tinha que ser terminada logo e com sucesso. Ele tocou seu ombro onde foi atingido por aquela bala.
Ele lembrava de Alberto e do ódio entre eles, mas, ao mesmo tempo, lembrou de Carlos enquanto fazia o tratamento. Andrey deu um sorriso de lado e chamou seu subordinado.
— Descubra mais sobre aquele médico, os dias em que ele trabalha, onde mora. Quero um relatório completo. Aqueles olhos não saem da minha cabeça.
Carlos acordou bem depois do meio-dia e ainda se sentia cansado. Talvez toda aquela mudança em sua rotina o tivesse estressado além da conta. Ele tomou um banho e decidiu comer fora, precisava respirar ar fresco e sair um pouco dali. Sempre que passava pela sala, podia ver Alberto deitado no sofá. Queria esquecer toda aquela experiência do hospital, bem como sua própria casa.
Carlos olhou pelo visor do interfone e pelas câmeras externas para ter certeza de que não tinha ninguém esperando ali. Trancou as portas, entrou no carro e abriu o portão, ainda com o coração acelerado. Saiu em direção à avenida e não percebeu que havia uma moto parada próxima à sua casa. Assim que Carlos saiu, a moto começou a segui-lo de longe.
— Senhor, o médico saiu de casa — disse o homem na moto.
— Certo, siga-o de longe e não deixe que ele perceba que está sendo seguido. Não se aproxime ou interfira, a menos que seja absolutamente necessário. Se os homens do Marastrove aparecerem, me avise imediatamente.
Alberto encerrou a ligação e voltou sua atenção novamente para o médico à sua frente. Estava em uma clínica particular que era usada por eles quando se feriam. Tinha que se recuperar o mais rápido possível daquele ferimento. O médico afirmou que, mesmo sendo algo improvisado, o trabalho foi bem feito, e ele se recuperou rapidamente, mas não poderia se esforçar demais.
Sem perceber que estava sendo seguido, Carlos se dirigiu ao restaurante que costumava frequentar. Depois de se sentar, viu um casal na mesa da frente e logo se arrependeu de ter ido àquele lugar. Ali foi onde pediu Lucas em namoro e onde sempre iam para comer ou comemorar algo. Precisava encontrar outro lugar que não trouxesse lembranças de seu ex.
Do lado de fora, o homem que o estava seguindo reportou a Alberto onde Carlos estava. Aquele era um dos restaurantes da família Castelhano. Alberto sorriu e disse para que continuasse a segui-lo. Alberto ligou para o restaurante e deu ordens para que não cobrassem a refeição de Carlos, passou toda a sua descrição e pediu que inventassem alguma promoção ou algo semelhante.
Carlos aproveitou a refeição enquanto olhava a vista. Ainda se pegava pensando nos acontecimentos da madrugada, no medo que sentiu no hospital, na forma como Alberto segurou seu roupão para que seus homens não vissem seu peito.
Ao pensar no último acontecimento, seus lábios se ergueram inconscientemente. Percebendo que estava sorrindo, ele limpou a garganta e olhou em volta. Não tinha motivo para sorrir com aquele gesto de Alberto, afinal, não veria aquele homem novamente.
Carlos pediu a conta, e o garçom informou que a conta já estava paga. Como era um cliente regular, ele estava aproveitando uma promoção.
Carlos não achou estranho e agradeceu antes de sair do restaurante. Estava próximo ao shopping e decidiu dar uma passada por lá. Olhou algumas vitrines, comprou algumas coisas e, em seguida, decidiu voltar para casa.
Chegando ao estacionamento, Carlos foi em direção ao seu carro. Viu um carro preto se aproximando e parando próximo a ele.
Carlos se sentiu apreensivo por alguns instantes e viu um homem descer do carro. Estava vestido de forma elegante, com o blazer jogado por cima do ombro, óculos escuros e um cigarro nas mãos.
Andrey se aproximou de Carlos sorrindo, e Carlos deu dois passos para trás.
— Se não é o meu querido Doutor Carlos. Então, doutor, como tem passado?
Carlos olhou ao redor para os outros homens antes de responder. Tentou manter a mesma calma que teve no hospital.
— Estou bem. Vejo que você está se recuperando muito bem.
— Graças ao seu tratamento, doutor. Já que estamos aqui, poderia me acompanhar para um café?
Carlos pensou cuidadosamente antes de responder
— Me desculpe, mas vamos deixar para a próxima. Tenho algumas coisas para resolver antes de voltar ao meu plantão.
Carlos fez um gesto com a cabeça se despedindo e dirigiu-se ao carro. O homem de Andrey, que havia sido agressivo no hospital, deu um passo à frente, mas foi detido por Andrey, que lhe lançou um olhar severo.
— Arisco, hein? Mas pode apostar, doutor, ainda vou conquistar você. — Andrey sorriu e entrou no carro, dirigindo para estacionar em outro lugar.
Carlos entrou no carro e passou a mão pelo rosto, tentando se acalmar. Ficou pensando se seria daquele jeito, ter que se encontrar com mafiosos o tempo todo. Aquela sensação de não estar mais no controle estava o corroendo por dentro.
Em outra parte da cidade, Alberto já tinha recebido a notícia do encontro de Carlos com Andrey, o que o deixou intrigado e preocupado. Será que Andrey havia descoberto que ele o ajudou, ou será que eles já se conheciam? Alberto ligou para Michael novamente.
— Descubra como Andrey conhece o médico que você está investigando. Quero essa informação ainda hoje. — Aquela informação o incomodou de tal forma que ele nem mesmo entendeu o porquê.
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