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Emília

Minha infância

“Manhãs de dezembro em salvador quer dizer calor, porém com clima natalino. os muros das ruas são pintados de branco. É como um anúncio dizendo logo (Bem vindo ano novo)”.

“Crianças brincam nas ruas vazias com suas bicicletas, bolas, bonecas. Neste momento do ano boa parte da vizinhança viajou, o que resta para os que ficam é o silêncio que somente será interrompido pela algazarra infantil.”

Vivíamos em uma casinha simples com seis vãos apertados, eu, minha mãe Cléo, meu pai Eduardo, minha irmã Mirela, e o Fábio meu irmão mais velho.

Nesta época eu tinha 10 anos, media quase 1,50 de altura e era magra. lembro como andava por aí quase vestida como os meninos da minha idade. nós somos uma família preta e periférica, morávamos em um bairro não muito perigoso na época chamado Alto do Cabrito.

Era dezembro e em Salvador fazia muito calor, mas era a minha época favorita do ano, não tinha aula e eu podia brincar com meus amigos até as 20 horas da noite sem minha mãe brigar comigo.

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Acordei sendo chamada por Décio um menino que eu gostava, ele veio chegando com a cara dele de otário, vestindo uma bermuda tactel azul e sandálias kenner. Eu nesse dia vestia uma camiseta branca, shorts de algodão bege e sandália havaiana de dedos.

- Emília, bora lá jogar bola na quadra que meu pai liberou e os meninos já estão lá na jogando. - disse Décio colocando a cara pela minha janela e me olhando com cara de quem tem segredo para contar.

- Peraí, vou perguntar pra Mainha se pode. – Respondo já sabendo que ia ter que carregar o time nas costas esse dia.

Fui até minha mãe que estava na cozinha lavando os pratos do café da manhã enquanto conversava com Fabio, e assistia a TV que ficava fixada na parede acima da mesa da cozinha.

– mainha, posso ir lá jogar bola com os meninos? Já varri a casa e arrumei a cama. – Pergunto dando a desculpa que não tinha mais nada para fazer.

– pode ir, mas volte pra almoçar. – Responde sem dar muita atenção.

– a senhora vai deixar ela ficar indo se esfregar nesses meninos aí da rua? – Pergunta Fábio com cara feia para mim.

– Emília se eu ficar sabendo de alguma coisa você não vai ver mais rua nenhuma até acabarem suas férias! – Mainha fala de modo seco.

– Mas eu não fiz nada mainha. – Respondo com as mãos em rendição.

Até esse momento eu não sentia maldade e minha mãe devia achar que ele só queria me proteger, como todo o irmão mais velho que sabe das intenções dos meninos nessa idade.

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Como minha mãe liberou eu fui junto com Décio, para a quadra de futebol a duas ruas dali, no caminho ele foi conversando comigo e falando como eu era bonita e que os amigos dele estavam falando disso, eu só conseguia rir, nunca me achei bonita e nem tinha pensado nisso antes, apenas estava vivendo.

Chegamos na quadra estavam todos lá, suados, ofegantes e correndo. pelo o que consegui ver ninguém havia feito nem sequer um mísero gol.

Décio já chegou falando que eu ia ficar no time dele e nada de negócio de baba quebra, que ele ia me defender e minha mãe brigar.

Times decididos, começamos o jogo e nesse dia fiz três gols pelo meu time o Cabrito. No final do jogo já eram 12hrs e eu fui andando com Décio, para casa ele me contava como eu tinha jogado bem e que se algum dos meninos me quebrasse ele ia brigar, já chegando na porta de casa Décio, me olhou nos olhos e falou.

– eu gosto de você, e não sei se você gosta de mim, mas eu quero me casar com você um dia quando você for uma grande jogadora e eu um grande jogador também. - Disse Décio me encarando.

Eu não estava esperando por isso, e ele me deu um beijo na testa fiquei atônita olhando ele fugir.

Quando ia abrir o portão reparei que Fábio estava sentado na escada me observando.

Entrei em casa. Logo senti o cheiro do que seria o almoço eu entendi que a comida de hoje só sairia as 18hrs, era meu pai quem cozinhava nesse dia e dia de (Cozido) era sagrado, parecia missa só saia as 18hr.

- pai, o senhor quer que eu vá no mercado comprar um guaraná? - Pergunto na esperança de sair um pouco é curtir mais a rua já que ainda não tinha comida pronta.

- já comprei Emília, fica aí que daqui a pouco a comida tá pronta.

Fala meu pai sem me dar muito assunto.

As 18hrs mais ou menos o almoço estava pronto e sentamos para comer, esse é um dos meu prato favorito.

Pratos colocados sobre a mesa e o cheiro da comida era de dar água na boca.

*carne-seca cortada em cubos grandes, peito bovino cortado em cubos grandes, linguiça calabresa, bacon, batata, batata-doce, mandioca, inhame, chuchu, bananas-da-terra, cenoura, cebolas, tomate, jilós, abóbora, pimentão verde, folhas de couve, folhas de louro e dentes de alho*

Comemos tudo e fui tomar meu banho para poder assistir a novela antes de dormir.

Saindo do banheiro, notei a porta do quarto dos meus pais fechada o que não era costume já que meus pais só iriam dormir depois da novela também, uns minutos depois eu reparei quem saiu de lá, minha mãe e Fábio que me olhava com cara de raiva, senti um frio na espinha. Minha mãe chamou pra falar comigo dentro do quarto a sós.

- você tava se pegando com Décio? Fala a verdade.

Amores apressados.

não mainha, a gente só foi jogar bola e nada demais eu juro de pé junt..

Não deu muito tempo de falar mais nada, senti o tapa na minha cara e as lágrimas caíram fazendo arder mais ainda. como ela podia não acreditar em mim e ainda por cima bater dessa forma no meu rosto?

- vá pro seu quarto, amanhã você não vai pra lugar nenhum, eu não tô criando filha pra sair passando de mão em mão.

Fui para o meu quarto calada, e lá encontrei Mirela e lendo os gibis da Mônica.

– foi o Fábio quem contou. – diz Mirela me encarando com um olhar piedoso.

Ela se faz um gesto para que eu sente ao seu lado na cama.

– mas eu não fiz nada juro...

- escuta bem. Não fica perto dele sozinha eu vi como ele te olha.

Na manhã seguinte fui acordada pela minha mãe que me pedia para limpar a casa e avisar que iria sair e eu ia ficar com Fábio já que eu estava desobediente.

Não vi mal, limpei a casa e fui assistir meus desenhos. Fábio que até então só me observava, sentou ao meu lado.

– desculpa por ontem, eu vi e achei melhor contar para mainha, você não ver o que os meninos falam de você por aí. – Fábio pondo a mão em meu joelho.

 – Não quero falar com você, me deixe em PAZ!!

- desculpa, eu fiquei com raiva, não quero que ninguém te machuque, eu te amo.

Neste momento ele tenta dar um beijo em minha boca, eu me afasto, mas ele insiste e consegue beijar minha boca. Foi ali que começaram os abusos de alguém que deveria me proteger, não chegou a tirar minha virgindade, mas que diferença faria eu ser virgem se eu já estava tão machucada?.

Contei para a minha mãe que acabou reclamando comigo e agindo como se eu fosse culpada, meu pai nunca ficou sabendo dessa história, porém parecia ter raiva de Fábio a todo o tempo.

...----------------...

7 anos depois.

 – Emília, quando você for na escola hoje, pega o boletim que eu preciso assinar. – diz minha mãe antes de eu sair para o colégio.

– tá bom, posso passar lá na quadra hoje?

 – só não demora muito, ainda vou no mercado hoje é preciso que fique em casa pra quando seu irmão chegar ele não dar de cara com o portão sem chave. –  Minha mãe fala isso com tom ser leveza.

Porém ouvir me dá arrepio... hoje é meu aniversário de 17 anos e ninguém lembrou, mas não importa já me sinto tão sem vida que nem sei como cheguei tão longe. Vou para a escola e vejo alguns colegas comentando sobre algo da internet, eu não entendo muito disso, porém me interesso.

– sim, aí você coloca aqui a foto de perfil para todo mundo ver que é você.

 Fala meu colega como se fosse a coisa mais simples do mundo.

Eu era muito tímida na época e senti vergonha que outras pessoas vissem minha cara na tal da internet.

Michael começou a me explicar como usar o Facebook e eu gostei muito.

 Alguns meses depois eu estava craque em usar a rede social e participava de vários grupos. eu era muito tímida, mas existia lugar para todos. Acabei conhecendo um cara pela internet.

 – oi tudo bom?

 Me mandou mensagem no Chat um tal de Matheus depois que respondi em uma publicação sobre estar solteira.

– sim e você como está? –  Respondi muito interessada após ver algumas fotos do perfil dele.

E logo teve todo aquele papo que você já conhece, no fim do dia ele já jurava me amar e queria vir conhecer meus pais. Eu ia completar 18 e ele 23.

Sobre o Décio, eu achei que ele iria ser o meu amor de infância e que iríamos realmente nos casar, mas ele preferiu ficar aos beijos com minha prima na porta da minha casa quando minha mãe não me deixou sair para passar a tarde com ele. Minha prima era mais velha e já beijava na boca e ele queria essas coisas.

Eu e Matheus começamos um relacionamento apressado, e eu acreditava ser amada e dava todo o meu amor para ele. Contei sobre o que aconteceu com meu irmão, mas ele não queria essa responsabilidade.

Fábio morria de ciúmes de Matheus e visse e versa... tive minha primeira vez com Matheus que foi horrível, ele me levou para a casa da mãe dele, que nem mesmo pensou em limpar e como eu só queria ser amada aceitei. Transamos e fazíamos isso quase todo o dia fugindo do colégio e nos finas de semana.

Chamada on:

– nego, queria falar um negócio. – Falei acanhada com medo, pois ele já tinha mostrado ser violento comigo.

– fala aí.

– é que eu queria pedir pra você comprar um teste de gravidez, minha menstruação tá atrasada, você compra e eu faço aí na sua casa amanhã.

– hahahahaha você é doida mesmo, claro que você não tá grávida, não inventa esse negócio de filho não que eu não quero viu.

– Eu sei amor... mas queria fazer o teste.

Chamada off.

Na manhã seguinte, me arrumei e fui para o ponto de ônibus esperar o sinal que ele faria com o braço pela janela pra eu saber em qual ele estava.

 – comprei o que você pediu, o que eu ganho com isso? – fala Matheus assim que entro no ônibus e sento ao seu lado.

– o que você quiser amor, sabe que eu te amo?

– lá vem você com isso.

Chegamos na casa dele e lá estavam minha sogra e o seu irmão mais velho o Miguel que me olhavam de um jeito preocupado.

– filha, o que você tem? Tá tão pálida. – Minha sogra fala assim em que bate os olhos em mim.

– nada não, só tá muito calor hoje, vou subir lá pro quarto e arrumar as coisas pra Matheus trabalhar amanhã.

O fatídico dia.

Matheus é partideiro um ótimo partideiro junto aos seus quatro colegas eles formam o Bate Coração. Tocam todo o tipo de samba nós partidos que são convidados em salvador, as festas são longas e as vezes ele faz várias de vez, então vive cansado e eu tento ajudar com algumas coisas básicas, ainda não fui em uma festa que ele estivesse tocando porque meus pais não deixam.

Depois de um tempo namorando o Matheus meus pais não ligaram mais para minhas saídas e posso ficar mais tempo fora.

Subi as escadas para o segundo andar que era só de Matheus, a parte de cima era de telha de eternit e fazia muito calor por conta disso, Matheus ficou lá embaixo ouvindo a mãe falar sobre a primeira viagem para a ilha que iria levar a sobrinha Talita uma adolescente que tinha sido apadrinhada após a morte do pai e não tinha muito apoio para fazer esse tipo de passeio já que a mãe dela não quis cuidar e deixou ela a sozinha apenas com os cuidados dos vizinhos da família. Dona Rosa convidou a mim e o Matheus que se eu pudesse seria ótimo.

Dona Rosa minha sogrinha, muito forte criou 3 filhos sozinha e se formou em enfermagem aos 45 anos tenho ela como exemplo, imaginando como é difícil. Tenho orgulho dela.

Fiquei sozinha lá encima com o teste na mão e um copo de água na outra, encarando o meu divisor de águas, talvez ele aceitasse o nosso fruto de amor.

Eu estava mais do que pronta para fazer o teste de gravidez, entro no banheiro que é pequeno, mas aconchegante e faço tudo o que fala na caixinha, nunca fiquei tão preocupada e animada, se estivesse grávida, mesmo que jovem daria todo o amor do mundo ao meu bebê que, e já imaginava o barrigão, a casa e a família linda que nasceria junto com meu bebê.

Escuto os passos de Matheus chegado até o banheiro de supetão. Tenho certeza que ele sabe o motivo da minha quietude.

Dava para ver o ódio em seus olhos, mas não conseguia entender o razão afinal de contas nós fizemos esse bebê juntos.

- e aí, deu negativo?

- pode olhar aqui. – digo estendendo a mão e mostrando o nosso divisor de águas olhando em seus olhos.

- você tá brincando né? Vou na farmácia trazer outro teste para você fazer esse aí tá errado. – diz se afastando notando que eu precisava de um abraço.

- sai, não pega em mim agora não.

- Matheus, esse filho é nosso. – tento me aproximar novamente sem esperar que a resposta seria um murro na minha cara.

- ...

Matheus saiu como foguete, passando pela mãe que estava no andar de baixo já almoçando.

– filho, o que aconteceu lá encima? Cadê Emília?

- Pergunta minha a sogra com ar preocupado.

Matheus Nem respondeu nem nada, só seguiu seu percurso.

Ainda jogada no chão sem reação começo a sentir o peso de tudo o que está acontecendo na minha vida, o machucado em meu rosto latejava e nem força para levantar eu tinha.

Sentei no chão aguardando as coisas se encaixarem em minha cabeça.

- menina, vem comer. Sai desse calor dai de cima.

Escuto dona Rosa me chamar no andar de baixo e agradeço a Deus por ela não ter insistido.

Minutos depois.

– desculpa amor, eu fiquei nervoso... Acho que o teste tá errado, faz esse aqui que é diferente e deve ser melhor pra saber. – diz Matheus

Eu não tenho coragem de olhar para a cara dele, me levanto desta mesma forma observando o embrulho em sua mão.

Este teste era mais arrojado com jeito de caro. Entro no banheiro pronta para fazer o segundo teste que apontou o mesmo resultado, tudo o que quero é deitar novamente na cama.

Saiu do banheiro entregando o resultado em suas mãos.

Matheus deu uma olhada no teste sentou na cama desolado.

– você pode voltar pra casa de sua mãe? Preciso pensar um pouco. – diz com um jeito cabisbaixo.

Confesso que fiquei surpresa com o que ele disse, porém acho melhor ir mesmo.

Tava muito calor nesse dia e a ardência em meu rosto era insistente.

O ônibus que eu devia pegar só passaria as 19hr e ainda era 17h queria pegar o ônibus que iria direto para o meu bairro, mas não tinha como pois iria demorar umas 2hrs. decidi então fazer baldeação.

Quase 40 minutos de pé olhando o horizonte sob o sol escaldante, não importa qual o tamanho de sua roupa o mesmo calor é para todos.

Parecia que todo mundo dentro aquele ônibus sabia meu segredo pois a maioria principalmente mulheres já senhoras me observam com cara de dó.

Não tinha lugar para se sentar então permaneci em pé e isso não me incomodava eu apenas estava presa em meus pensamentos.

Faltavam uns 5 pontos para o lugar em que eu iria descer.

Escuto gritos vindos do fundo do ônibus eu estava na parte da frente lotada em pé e com calor.

- Assalto motorista, não para não! Arrasta aí esse ônibus. – falou alto ao lado da cobradora.

Nesta época a gente ainda entrava por trás no ônibus e saia pela frente, devo confessar que assim eu me sentia mais segura.

- passa tudo aí bando de Fela – grita um dos 3 rapazes que faziam parte da trupe.

Meu coração acelera, minhas mãos ficam trêmulas e sinto o ar falhar.

Nunca tinha passado por este tipo de situação, não sei nem como agir e pior ainda tudo o que tenho de valor é o vale transporte.

– é um assalto, passa tudo bando de fela. – repetiu um deles.

Algumas pessoas que estavam dormindo começaram a despertar e fingir dormir novamente.

- aí motorista não para, arrasta esse carro se não quiser morrer hoje. – continuavam cheios de exigências.

- o vagabunda. Na tá ouvindo não ???

Os três eram altos e apenas um estava armado os outros dois apenas facas porém grandes.

Sinto minhas minha pernas falharem um pouco, talvez pela fome ou quem sabe pelo medo...

Apenas deixei a escuridão que vinha em minha vista me abraçar, ainda sinto o impacto das minhas costas contra o chão empoeirado do ônibus e minha cabeça batendo contra o mesmo.

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