Meu nome é Morgana Ávila Bitencourt. Eu moro com meus pais, que sempre me incentivaram a assumir os negócios da família, mas eu não quero isso de jeito nenhum. Eu quero curtir, festas durante o dia, balada durante a noite. Não sobra tempo para essa chatice. Estou tentando convencer o Felipe a viajar comigo pelo mundo para fugir de tudo isso, mas o Felipe é muito medroso para isso. Ele sempre foi o meu melhor amigo; nossos pais estudaram juntos e são grudados até hoje. Somos praticamente irmãos. Ele é todo certinho, implicante, está sempre me criticando. Mas nunca diz não para nada. Quando eu chamo, ele vai sem nem perguntar para onde. Logo eu vou conseguir arrastar ele comigo na minha viagem. Adoro saber que sempre posso contar com ele. E sempre vou estar ao lado dele também. Somos inseparáveis.
Meu pai é um empresário importante. Nossa família é dona da maior empresa de tecnologia do país; produzimos desde eletrônicos até carros. É uma verdadeira dinastia, passada de geração em geração. Mas eu não me interesso por nada disso. Ficar trancada num escritório enquanto a vida passa não é o que eu pretendo fazer. Eu quero viver e me divertir. Meu pai até tentou me colocar na linha, mas não deu certo. Eu estudei só para enrolar ele, confesso.
Hoje é a festa de centenário da empresa. Meu pai aproveitará para anunciar sua aposentadoria. Meu primo Bruno será o vice-presidente até que meu pai sinta que ele está pronto para assumir a empresa por completo.
Estou aliviada. Ele sempre gostou dessa chatice toda. Na verdade, ele é um almofadinha chato. Chamei meu melhor amigo para ir com a gente. Ele está com o pai dele no carro atrás do nosso.
O pai dele é o melhor amigo do meu pai; eles são como irmãos também. Eu nunca entendi essa amizade. Eles são tão diferentes. O tio Cláudio é tão descolado e meu pai é tão certinho. Dizem que eles são mafiosos, mas eu acho que isso é preconceito por serem imigrantes italianos ricos. Esse povo só sabe falar mal das pessoas.
— Então, já sabem o que vão fazer agora que o papai vai se aposentar? — perguntei.
— Filha, tem certeza que vai desistir do seu legado? — Edgar perguntou.
— Por que você não tenta, minha filha? — Mnha mãe sugeriu.
Eu apenas respiro fundo para não falar nenhuma besteira para minha mãe. Ela é sensível e chora por tudo e qualquer coisa.
— Pai, sabia que é falta de educação responder uma pergunta com outra? — retruquei.
— É sério, filha. Eu ainda tenho esperança de ver você casada com o Felipe, ocupando o seu lugar nos negócios da família. Eu não desisti de você, por isso o seu primo não está sendo nomeado como presidente hoje — Edgar explicou.
— Credo, pai. Você sabe que o Felipe é como um irmão para mim. E sobre a empresa… O Bruno que fique com essa chatice, ele merece — respondi.
— O Felipe sabe que é seu “irmão”? — Edgar provocou.
— Nem ela acredita nisso — minha mãe disse, rindo.
Meus pais pareciam decididos a me irritar naquela noite. Eu ia responder, mas o carro parou do nada e eu senti um impacto forte vindo da lateral. Um caminhão bateu no nosso carro e não sei como sobrevivemos.
Eu só lembro de um clarão e tudo girando. O carro capotou várias vezes e eu fui jogada para fora. Nunca fui muito fã de cinto de segurança. Fiquei com alguns arranhões, porém nada grave. Meus pais ficaram lá enquanto o carro capotava.
Eu tentei me levantar e ir até eles para tentar fazer alguma coisa, mas minhas pernas não me obedeciam. Era como se eu não tivesse forças para fazer nada além de tremer; meu corpo tremia muito. Eu lembro de ouvir a voz do Felipe me chamando, pedindo para eu não ir para a luz.
“Que luz, Felipe? Nossa, como ele é dramático”, eu pensava.
A voz dele foi ficando cada vez mais distante e tudo escureceu.
Acordei no hospital com o Felipe chorando em cima de mim, segurando a minha mão perto do rosto dele. A minha mão estava toda molhada; não sei se são lágrimas ou ele está babando de tanto chorar. Espero que sejam lágrimas.
— Acorda, Momo, você tem que ser forte. Fica comigo — Felipe implorou.
Eu ainda não tinha noção do que estava acontecendo.
— Felipe, eu já disse pra não me chamar assim. É brega! Meu nome é M-O-R-G-A-N-A.
Ele me olha com uma cara fofinha de cachorro que caiu do caminhão da mudança, enxuga as lágrimas e aperta o botão para chamar o médico.
— Tava melhor dormindo, vou pedir para apagarem você de novo.
— Ah, momo, fica comigo — falo imitando o drama todo e ele ri.
— Você é muito chata, sabia?
Rimos um pouco, mas logo eu lembrei do acidente e meu sorriso sumiu.
— Cadê o meu pai?
— Você precisa ser forte, momo. Tenta ficar calma.
— Pedir para alguém ficar calmo só piora as coisas, fala logo!
— Espera o médico vir te examinar, fica… Ah, deixa pra lá.
— Se você não abrir o bico, eu nunca mais falo contigo.
— Tudo bem, chantagista. Depois que você apagou lá no acostamento, a ambulância chegou e você ficou desmaiada por muitas horas. Seu pai passou por uma cirurgia e está em coma. A tia Melissa está dormindo, eu acho. A minha mãe está com ela. Quando o médico chegar, ele explica direito pra você.
Eu não consegui dizer mais nada e fiquei esperando o médico vir me examinar.
— Boa tarde, Morgana! Nós fizemos alguns exames enquanto você estava desacordada e tudo indica que você teve apenas leves escoriações. Amanhã mesmo você pode voltar pra casa.
— Eu quero ver o meu pai. Me leve até ele.
— Ele não pode receber visitas agora. Ele passou por uma cirurgia para a retirada de uma parte do carro que estava presa em seu abdômen. Além disso, houve traumatismo craniano. Ele está em coma induzido agora, não sabemos se e quando ele vai acordar.
— Qual é o estado dele? Ele vai ficar bom logo, não é?
— Infelizmente, alguns órgãos foram perfurados. Fizemos o possível, mas agora temos que esperar ele reagir para saber se o traumatismo deixou sequelas. Mas a sua mãe está bem, pense pelo lado positivo.
Acho que o drama da minha mãe é contagioso porque me deu uma vontade de chorar e eu não consegui segurar.
— Meu pai tá morrendo, Felipe. Eu vou ficar sozinha no mundo, eu só tenho ele — falo chorando desesperadamente. — Meu Deus, não tira o meu pai de mim, por favor. Eu prometo que vou mudar, só não leva o meu pai.
O Felipe me abraça chorando feito um bebê também.
— Eu tô aqui e a sua mãe também. Você não vai ficar sozinha nunca. Seu pai é forte, ele vai sair dessa.
— Me ajuda, Felipe. Eu preciso ver o meu pai. Me ajuda, por favor. Eu deveria ter feito tudo diferente. Ele estava dizendo que não tinha desistido de mim, me incentivando e eu não dei a mínima pra ele. Eu só queria dizer que eu o amo e agradecer por tudo.
— Você vai poder dizer tudo isso. Ele vai acordar e vocês vão poder conversar. Fica calma, momo.
Enquanto o Felipe segurava a minha mão, uma enfermeira entrou no quarto, aplicou alguma coisa no soro e eu apaguei novamente.
Dois dias depois, eu recebi alta. Fiquei um dia a mais em observação por conta da minha pressão arterial. Ficamos na casa do Felipe. O tio Claudio achou melhor assim e a minha mãe concordou. Foi bom pra ela ter a melhor amiga por perto.
Eu visitava o meu pai todos os dias. Eles estão se “divorciando”, mas nem parece. Ela diz que meu pai sempre foi casado com a empresa e ela era apenas a amante. O mundo todo sabe que esse divórcio não vai sair. Ele estava até deixando a empresa para não perdê-la.
Seis meses depois…
O tio Claudio e o Felipe me ajudaram a transferir o meu pai para casa. Transformamos um dos quartos em uma UTI. Hoje um investigador vem aqui. Ele disse que precisa falar comigo e o assunto é urgente. Pedi para eles participarem, pois somos família, mesmo que não seja de sangue. A família do meu pai nem se deu ao trabalho de visitá-lo. É nessas horas que a gente vê quem é quem.
Minha mãe não sai do lado do meu pai. Eu disse que o divórcio não ia dar em nada. Como sempre, eu tinha razão.
Vou ficar com ele um pouco e tentar fazer a minha mãe comer alguma coisa. Todos os dias é a mesma coisa, se eu não forçar a barra, ela não come.
Antes que eu terminasse de preparar o sanduíche da minha mãe, o Felipe vem me avisar que o investigador chegou. Deixo tudo aqui e vou correndo lá saber, todo esse mistério acaba comigo. O que é tão urgente?
Chegamos no escritório do tio Cláudio e a cara dele não está nada boa, o clima está pesado.
— Acho melhor você sentar — ele diz, puxando uma cadeira.
“Essa curiosidade está me matando, melhor eu fazer logo o que ele diz”, pensei.
O Felipe estava no canto da sala observando tudo sem dizer nada, como sempre.
— Pronto. Tô sentada, desembucha.
— Fizemos uma investigação minuciosa, tudo leva a crer que não foi um acidente e sim um crime premeditado. Havia vários suspeitos, mas minha intuição apontava para uma pessoa próxima ao seu pai, acima de qualquer suspeita. Por isso, a polícia descartou logo essa possibilidade.
Ele abre a maleta e coloca vários documentos na mesa. Eu leio sem acreditar. A minha própria família era responsável pelos piores dias da minha vida e tudo isso por ganância. Parece que ser o vice-presidente não era o suficiente para o Bruno e eles decidiram tirar meu pai do caminho.
— Acreditamos que ele não está sozinho nessa, mas não temos como provar o envolvimento de nenhum cúmplice, até o momento.
O tio Cláudio me olha meio que esperando por uma resposta.
— Meu pai não merecia isso. Ele sempre tratou o Bruno como se fosse filho dele. Eu não fazia questão da empresa, estava até aliviada. Não faz sentido. Ele seria nomeado vice-presidente, logo meu pai passaria o cargo de presidente para ele. Ele só seria vice para sempre se eu tivesse interesse em ser a sucessora do meu pai. E eu sempre deixei claro que não queria nada disso.
— Mas…
— Mas agora, eu quero tudo: a empresa, todos os negócios do meu pai e, principalmente, eu quero devolver todo esse sofrimento que eles me deram de presente. Você me ajuda, tio Cláudio?
— Eu não esperava menos de você. Seu pai ficará muito orgulhoso.
O investigador deixou cópias de todas as provas e se retirou.
Eu precisava colocar tudo o que estava sentindo para fora. Como não gosto de demonstrar nada na frente de ninguém, fui para o meu quarto, tirei minha roupa e fui tomar banho. Deixei as lágrimas rolarem junto com a água do chuveiro. Minha vida passou pela minha cabeça como um filme. Meu pai sempre esteve ao meu lado para me apoiar, mesmo quando eu fazia besteira, ele estava lá por mim. Minha mãe é diferente. Minutos antes do acidente, ele disse que não tinha desistido de mim. Isso não sai da minha cabeça. Agora ele está lá, inconsciente, e eu estou aqui com essa sensação de impotência, enquanto o Bruno está feliz da vida no lugar do meu pai.
Pensar no Bruno sentado na cadeira do meu pai, no escritório dele, sabendo que ele está por trás de tudo, faz o sangue ferver. Eu tenho certeza de que o pai dele está envolvido nessa palhaçada, mas eu vou começar pelo Bruno. Esse falso sempre esteve ao lado do meu pai bajulando, fingindo que gostava dele. Terminei o banho, me vesti como uma executiva e fui até a sala falar com o tio Cláudio.
— Eu vou tirar o Bruno da presidência nem que seja no tapa.
— Eu também quero ele fora daquele escritório, mas não é assim que resolvemos esse tipo de coisa.
— Você acha que eu vou deixar tudo como está?
— Momo, deixa o meu pai falar, ele sabe o que está fazendo. Você vai ver.
— Sorte sua que não estou com cabeça para resolver essa coisa do apelido agora. Fala, tio Cláudio
— No dia do acidente, eu dei ordens para a minha equipe comprar ações da sua empresa em nome de empresas fantasmas, para não levantar suspeitas. Também já falei com os outros acionistas. Vamos fazer uma reunião de emergência hoje às 16h e você pode ir representando o seu pai. Ele tem 55% das ações. Seu tio, o pai do Bruno, tem apenas 10%. Vou assumir a presidência até que você esteja pronta. O Felipe vai assumir os meus negócios — disse Cláudio.
— Todos eles, pai? Tem certeza?
Felipe começa a andar de um lado para o outro, resmungando. Eu nunca tinha visto ele reclamar de uma ordem do tio Cláudio, pelo menos não na cara dele.
— Eu não lembro de ter lhe dado opção, Felipe. Se eu disse que você vai, você vai e está decidido.
— Não é isso, eu só não sei se estou pronto.
— Você é meu filho, está no seu sangue.
Felipe me olha e eu sei que ele não quer ir. Nós temos tanta afinidade que podemos entender o outro só pelo olhar, sempre foi assim.
Eu deixo os dois conversando e vou ver meu pai. Minha mãe estava dormindo sentada ao lado dele.
— Mãe, vai descansar um pouco, eu fico aqui com ele.
— Eu só vou tomar um banho e descansar um pouquinho, volto logo.
Ela dá um beijo na testa do meu pai e outro no meu rosto e sai.
Eu conto tudo para o meu pai e prometo ser uma filha digna de orgulho.
— Eu posso falar com você? — disse Felipe.
— Quer me matar de susto, garoto?
— Vamos conversar em outro lugar, por favor.
Ele estava sério, então peço para a enfermeira ficar com o meu pai e fomos conversar no corredor.
— Você vai fugir? Se for, conte comigo.
— Não, sua doida, amanhã vou para a Itália. Meu pai disse para eu cuidar de tudo por lá. Desculpa por não poder ficar do seu lado nesse momento difícil.
Nesse momento, eu senti um aperto no peito. Eu queria fazer um escândalo implorando para ele não ir, mas não quero causar problemas entre eles, então eu respirei fundo e fiz o que eu achei certo: apoiei o meu amigo.
— Eu entendo que você precisa ajudar o seu pai. Ele está deixando os negócios de lado para me ajudar. Não posso ser egoísta pedindo para você não ir.
— Você quer pedir para eu ficar?
Eu e essa minha língua… Aposto que ele ficou se achando a última coca do deserto.
— Eu não disse isso. As nossas vidas mudaram. Eu sou uma mulher de negócios agora — falo tentando mostrar animação.
— Quem é você e o que fez com a minha amiga?
— Vou mudar na força do ódio.
— Eu não queria sair pelo mundo sem rumo mesmo.
— Bom saber que você está feliz por se livrar de mim, seu ingrato.
Eu faço uma cena de drama digna de uma novela mexicana, fingindo que estou chorando com as mãos no rosto. Ele tenta tirar as minhas mãos e eu senti uma coisa estranha, parece um choque, sei lá. No susto, eu tirei as mãos e ele estava tão perto que eu consegui me ver refletida nos olhos dele. Surpreendendo o total de zero pessoas, o Felipe estava chorando. Eu limpei as lágrimas do rosto dele e ficamos nos olhando sem dizer mais nada. É estranho ficar sem saber o que dizer perto dele.
Definitivamente são tempos estranhos, eu me sinto estranha. Devo ter batido a cabeça.
— Quer dizer que para viajar comigo o senhor ficou com medo, mas foi só o papai mandar que o bonito cai correndo pra Itália? Muito bonito, seu Felipe — eu disse a primeira coisa que me veio à mente para cortar o silêncio.
Ele abre um sorriso lindo, dá um beijo na minha testa e me abraça de um jeito que nunca tinha feito antes. Eu senti seu coração bater junto ao meu. Era como se todos os problemas não existissem mais. Foi o único momento de paz que eu tive depois do “acidente”.
— Ah, que gracinha… — minha mãe disse suspirando. Ela nunca foi discreta spbre suas intenções de casar a gente.
Me soltei do Felipe como se a minha vida dependesse disso.
— Até você, mãe? Não posso abraçar meu irmão?
— Irmão? Quem disse que eu quero uma pirralha chata como irmã?
Felipe disse que era cinco anos mais velho e que eu era uma pirralha.
— Você é velho e estranho, retiro o que eu disse, não serve nem para ser meu irmão.
— Você me ama, que eu sei.
— Coitado de você, iludido.
— Tampinha.
Minha mãe chamou Regina para ver como éramos fofinhos juntos.
— Ninguém merece — falamos juntos.
Se a minha mãe queria me constranger, ela conseguiu lindamente.
— Mãe, foco. O que você veio fazer aqui?
— Ah, é mesmo, o Cláudio está esperando para vocês irem na empresa.
— Me desejem sorte.
Saí correndo antes que eles pudessem responder ou a tia Regina aparecesse para ajudar a minha mãe.
No caminho, o tio Cláudio foi me dando força e me ajudando a pensar no que eu deveria dizer na reunião. Chegamos com 20 minutos de antecedência, todos foram gentis comigo, meu tio não estava. Eu só teria que me segurar para não fazer alguma coisa com o Bruno. Minha vontade era esganar ele e jogar pela janela do último andar. Eu já tinha pensado em várias formas de acabar com ele.
— E se eu jogar ele pela janela?
Eu falei sério, mas até o motorista estava rindo.
— Às vezes parece que você é a minha filha e o Felipe é filho do seu pai.
— Você é um segundo pai para mim, fico muito feliz por achar que somos parecidos.
— Sempre considerei você como uma filha, seu pai é o irmão que eu escolhi ter. Nós prometemos proteger a família do outro se algo acontecesse.
— Eu sei que um dia você será a mãe dos meus netos.
— Até você? O Felipe não me vê desse jeito, nem eu o vejo também. Crescemos juntos, somos praticamente irmãos.
— Se você está dizendo…
— Desisto.
Nada a ver eu e o Felipe, ele é todo certinho, vive me criticando e eu não o vejo como um cara com quem eu ficaria. Isso deve ser algum surto coletivo, preciso ter uma conversa com minha mãe, o tio Claudio e meu pai também, quando ele acordar. Eu sei que ele vai acordar.
Não disse mais nada para o tio Claudio não voltar com essa conversa estranha de casamento, meu rosto fica quente só de pensar. Depois de passar muita vergonha, chegamos na empresa do meu pai. Saí do carro confiante, muitos fotógrafos estavam lá nos esperando cheios de perguntas, não quis responder nada e o tio Claudio também não. Entramos na empresa e fomos bem recebidos por todos, subimos direto para a sala da presidência. Tem uma mesa enorme para reuniões lá, eu já estava tremendo de raiva só de pensar no Bruno, mas quando eu o vi, senti o meu sangue ferver. Pensei em várias maneiras de tirar esse sorriso falso da cara dele, o tio Claudio segurou a minha mão e eu voltei à realidade.
— Prima, que bom te ver. Como você está?
“Nota de três reais, falso, eu vou acabar com você”, eu pensava enquanto olhava para ele.
— Vamos logo com isso, afinal tempo é dinheiro — disse Claudio.
— Como todos vocês sabem, o Edgar é o presidente dessa empresa, o Bruno não foi nomeado oficialmente para o cargo.
— Mas, era a vontade do titio.
— Era? Meu pai não morreu, anta.
— Bruno, você ainda é diretor financeiro, não é presidente, nem vice. Até poderia ser a vontade do Edgar antes do acidente, mas agora eu aposto que ele vai mudar de ideia.
— Do que você está falando, tio Claudio?
— Eu não sou seu tio.
— Mas…
— Sem noção, o que o MEU TIO quer dizer é que eu vou fazer a vontade do meu pai. Vou assumir o meu lugar como presidente.
O falso do Bruno ficou sem reação e os acionistas não paravam de falar entre eles.
— Mas você não tem experiência, Morgana. Seu pai não teve tempo de te preparar.
Eles começaram a falar novamente, os outros concordaram e o Bruno estava adorando isso.
— Senhores, eu gostaria de lembrá-los que tenho 20% das ações dessa empresa, o Edgar tem 55%. Eu vou ocupar esse cargo provisoriamente enquanto preparo a Morgana para assumir a presidência. Estamos comunicando a nossa decisão apenas Estamos comunicando a nossa decisão apenas como cortesia. Isso é tudo, foi um prazer vê-los.
Todos ficam em silêncio por um momento, depois se despedem e vão embora. Apenas a nota de três reais ficou na sala com aquela cara de sonso.
— Tá fazendo o que aí? Precisa de ajuda para sair?
— Eu acho que vocês estão se precipitando.
— Bruno, você tem até amanhã para retirar as suas coisas dessa sala.
Quando voltamos para casa, o Felipe já não estava mais lá. Eu já não tinha meu pai, meu melhor amigo, e não sobrava tempo para diversão. O tio Cláudio pegava pesado no treinamento de CEO e eu me dediquei ao máximo. Acordava e dormia estudando e falando sobre isso com ele, não sei como ele me aguenta ainda. Até que eu levo jeito, acho que nasci pra isso. Meu pai ficaria orgulhoso, se eu tivesse deixado ele me treinar. Eu queria tanto poder voltar no tempo e fazer tudo diferente. Eu me arrependo todos os dias.
A saudade que eu sentia do Felipe só não era maior que a falta que eu sentia do meu pai. Ele estava na mesma e eu comecei a perder as esperanças. O Felipe também estava se dedicando muito aos negócios na Itália. Eu estava feliz por ele. Nós conversávamos por mensagem, às vezes ele me ligava, mas estávamos sempre muito ocupados para conversar de verdade. Minha mãe decidiu levar o meu pai para fazer um tratamento na Suíça, lá ele vai passar por outras cirurgias e estamos otimistas. Estou trabalhando na empresa durante o dia e fazendo pós-graduação à noite, só assim eu consigo esquecer tudo isso. Eu conheci uma garota na faculdade tão doida quanto eu era antes de ser forçada a mudar pra essa versão robótica. O nome dela é Bárbara, ela já está avisada que agora o nome dela é Baby.
O Bruno continua trabalhando na empresa do meu pai, infelizmente tenho que vê-lo todos os dias. Isso só aumenta a raiva que sinto dele, estou aproveitando para observá-lo. Quero conhecer melhor o inimigo, é como dizem: “mantenha os amigos perto e os inimigos mais perto ainda”. As provas que meu investigador apresentou não são suficientes para que ele seja preso por muito tempo, então decidi fazer a minha própria justiça. Ele continua falso e dissimulado e eu ainda sinto vontade de acabar com ele com as minhas próprias mãos. Eu não vou desistir nunca. Vou tirar tudo o que ele ama assim como ele fez comigo.
Um ano depois…
Amanhã o tio Cláudio vai para a Itália resolver algumas coisas, aposto que ele quer ver como o Bruno está se saindo pessoalmente. Depois ele vai passar uns tempos com os meus pais, a esposa dele já está com a minha mãe. Será um tipo de teste, ele quer saber se eu já posso cuidar de tudo sozinha. Eu vou provar que nasci pronta, sinto que fui feita pra isso. Falando nisso… Acho melhor eu avisar que a fera está chegando, se o meu treinamento foi pesado, imagino como o tio Cláudio seja com o Felipe, que é filho dele.
Pego o meu celular, respiro fundo e ligo para ele.
— Oi — tentei disfarçar a animação, mas falhei miseravelmente.
— Quem é?
— Acho que foi engano, desculpe — quando eu estava prestes a desligar, ouço o Felipe falando com a tal mulher.
— Por que você atendeu? — Perguntou ele.
— Não parava de tocar e eu não vejo nenhum problema em atender o celular do MEU NAMORADO. Quem é essa aí? — Ela respondeu ao gritos.
Eu já estava tremendo de raiva, não sei por quê, então eu desliguei. E pensar que torci para o tio Cláudio ficar lá e mandar o Felipe voltar. Que morra por lá com essa namoradinha dele.
O celular não para de tocar, o Felipe está ligando e mandando mensagens. Não vou atender. Ele que se vire, se estiver fazendo coisas erradas e o pai dele pegar em flagrante é problema deles.
Hoje é sexta-feira, já são 16h e eu não almocei ainda. Tenho muitas coisas para resolver.
Finalmente o expediente acabou, consegui resolver tudo, estou prestes a fechar uma parceria muito importante para a nossa empresa. Estou atrasada para a aula, pedi para o Miguel pisar fundo. Cheguei na faculdade e a Baby estava me esperando, ela é muito atenciosa comigo, não sei como aguentaria tudo isso sem ela para me dar força.
— Amiga, já estava desistindo.
— Hoje foi puxado na empresa, perdi a hora.
— Você precisa relaxar um pouco, você vive tremendo. Isso é perigoso.
— Quando o meu pai acordar, eu vou conseguir trabalhar menos.
— Amiga, eu não quero te desanimar, é que talvez isso demore. Que tal a gente passar o dia no shopping amanhã?
— Sei lá, tô meio desanimada. Pensei em passar o dia maratonando uma série e comendo brigadeiro de panela.
— Que bad é essa? Credo.
— Nem eu sei explicar, só estou sentindo vontade de ficar sozinha pensando na minha vida.
— Pensa enquanto faz compras, cabelo e unhas.
Chegamos na aula e eu só conseguia pensar no Felipe namorando com outra, acho que estou com medo de perder o meu amigo, não sei o que está acontecendo.
Fiz um esforço para prestar atenção nas aulas, me despedi da Baby e fui pra casa. Eu voltei para a casa dos meus pais, não fazia sentido ficar na casa do tio Cláudio. No início foi muito estranho ficar aqui sem os meus pais, depois de um tempo eu fui me acostumando. Eu tenho a Joana, que é a governanta da casa desde antes do meu nascimento, e o Miguel, que é o motorista e meu segurança também.
Cheguei da faculdade, disse para o Miguel ir descansar e fui direto para o meu quarto, tomei um banho e dormi.
No dia seguinte, acordei com a Joana me chamando.
— Menina, acorda. Eu trouxe um café da manhã reforçado para você.
— Obrigada, Jô! Eu tô morrendo de fome mesmo.
— Come tudo, você está muito magrinha, minha filha. Estou tão preocupada com você.
— Vou me cuidar mais, pode deixar. Não quero que se preocupe.
Dou um beijo em seu rosto e ela sai fechando a porta. Termino de comer e vou me arrumar para buscar a Baby, acho que vai me fazer bem voltar aos velhos hábitos.
Coloquei uma roupa confortável e elegante, uma calça jeans que se ajusta perfeitamente ao meu corpo, um cropped soltinho e um tênis.
Peguei a minha bolsa e desci, o Miguel já estava me esperando no carro. No caminho, liguei para a Baby avisando que já estava chegando na casa dela. Em poucos minutos chegamos no shopping.
— Quer conversar? Eu sei que tem alguma coisa incomodando você.
— Ah, amiga, eu já te contei a bagunça que a minha vida está. Tô trabalhando muito, estudando e quando estou em casa tento aprender mais sobre os negócios do meu pai. Não é uma empresa só, tá difícil.
— Eu sei que tem mais, somos amigas há pouco tempo, mas eu já te conheço.
— O tio Cláudio está indo para a Itália visitar o filho dele, o meu amigo de infância, lembra?
— Lembro, e o que tem isso?
— Ele é bem rígido com o trabalho e eu liguei para o Felipe para avisar que ele estava chegando, já que eu tenho certeza que o tio Cláudio quer chegar de surpresa para pegar o Felipe em flagrante, mas uma mulher atendeu o celular, foi grossa e disse que é a namorada dele. Eu ouvi os dois discutindo e desliguei.
— Você gosta dele, eu já suspeitava.
— Não inventa, ele é meu amigo desde sempre e eu já perdi tantas coisas na minha vida, não queria perder ele também, só isso.
Falando nele… O Felipe estava me ligando de novo.
Alô - Eu disse quando atendi o telefone tentando manter a voz neutra para disfarçar a raiva e tudo mais e falhando miseravelmente.
Você me ligou. Fala você.
— Não quero falar nada.
— Tá nervosa?
Ele sabe que eu detesto quando fazem esse tipo de pergunta. Se eu já não estivesse, certamente estaria nervosa agora. Respirei fundo, não vou dar moral para esse nerd sem noção.
“Não vale a pena, Morgana”, eu me disse mentalmente, tentando me acalmar. Eu nem sei por que estou incomodada.
— Morgana? Tá aí?
— Felipe, vou resumir pra você entender. Ok?
— Tá nervosa.
— Só escuta. Eu estava com dificuldade para entender uns relatórios, pensei que talvez você pudesse ajudar. Era só isso. Agora estou ocupada. Até outra hora.
— Espera. Não desliga, por favor. Vamos conversar, Momo. Eu sei que você está nervosa.
— Ah, você sabe? Mãe Diná. Então, me conta por que eu estou nervosa? Parece que você sabe mais dos meus sentimentos que eu.
— Olha, a Patrizia é uma amiga, ela ficou com ciúmes. Me desculpe se ela disse algo que te ofendeu.
— Acha que estou nervosa por isso? Felipe, você não cuida nem da sua vida e acha que entende a minha. Se orienta, garoto. Espero que você seja feliz com a sua namoradinha.
— Se não é isso, que bicho te mordeu?
— Vai perturbar a Paula, ela é sua namorada, tem obrigação de aturar você.
— É Patrizia, e não é minha namorada.
— Você acha que eu me importo?
— Conseguiu entender os relatórios?
— Felipe, tchau.
Desliguei para não prolongar essa conversa sem pé nem cabeça.
A Baby estava rindo muito, isso só me irrita mais. O Felipe está tirando o pouco de paz que me restou.
— Amiga, o que foi isso? — ela disse, tentando segurar o riso.
— Nada, não foi nada.
— Miga, você está vermelha como um pimentão.
— O Felipe teve a audácia de ligar para dizer que estou com ciúmes da namorada dele. Ridículo.
— E não está?
— Obviamente não estou. Só estou chateada por ele fazer piada disso tudo, as coisas mudaram muito. Eu sinto que todos estão progredindo e eu não. Até o nerd está namorando.
— Ah, amiga. Não fica assim. Você é ótima em tudo o que faz. Está progredindo também. Só precisa perceber isso.
“Acho que ela está com pena, detesto isso.”
— Olha, que bolsa linda…
Saí em direção à loja, deixando a Bárbara e o assunto todo para trás. Eu nunca tive um namorado, não sei se estou com ciúmes do Felipe como homem ou se é só medo de perder o meu amigo para essa sei lá quem.
Foi difícil me concentrar em alguma coisa depois de tudo isso, mas compramos muitas coisas. Eu precisava dessa “terapia” e de um guarda-roupa de CEO completo. Eu estava usando o que eu tinha, trabalhei durante meses para me preparar e só parava para dormir. Se alguém me contasse que esse seria o meu futuro… Nossa! E o pior é que eu gosto.
Voltamos para casa, a Baby fez questão de dormir aqui. Fizemos brigadeiro de panela, maratonamos uma série e destruímos um pote de sorvete. É bom voltar a fazer coisas típicas de garotas da minha idade. Consegui não pensar no Felipe e na namoradinha dele por um tempo. Provavelmente o tio Cláudio já está lá fiscalizando tudo e botando ordem na casa. Provavelmente meus planos de ver o Felipe foram por água abaixo, duvido que a namoradinha vai largar o osso. Me pergunto se o tio Cláudio vai gostar dela.
São 5h e eu já não consigo mais dormir. Decidi tomar um banho, vestir um conjunto de fitness e correr um pouco. Preciso colocar tudo isso pra fora de algum jeito, eu não sei o que está acontecendo comigo. Antes de sair, deixei um bilhete para o Miguel levar a Baby pra casa quando ela acordar. Depois de duas horas correndo, parece que meus pensamentos estão claros.
Eu sei de duas coisas:
Primeira: Eu não devo me importar com mais ninguém.
Segunda: Preciso focar em algo, me dedicar de verdade.
Todos esses meses de trabalho têm que valer de alguma coisa. Chega de tio Cláudio dizendo o que eu devo fazer, chega de me lamentar pelo meu pai, chega de pensar no Felipe. Foco no que eu posso fazer.
Vou começar pela empresa. Eu não sou funcionária. Devo me comportar como dona e vou fazer os dinossauros do conselho aceitarem isso. Outra coisa, o Bruno está tranquilo pensando que ninguém sabe o que ele fez. Essa é a melhor hora para começar a minha vingança.
Vou tirar tudo o que ele mais gosta, começando pelas empresas das quais ele é sócio.
Eu jurei que a Morgana boazinha morreu no acidente. Está na hora de enterrá-la.
Me perdi nos meus planos de vingança, mas fui obrigada a voltar à realidade rapidamente. Sinto que estou sendo seguida.
“Ótimo! O Bruno foi mais rápido”, pensei enquanto tentava correr mais rápido até chegar em algum lugar do condomínio com alguma movimentação. Talvez com pessoas por perto eu ficasse segura, só que não deu tempo.
Os passos atrás de mim ficaram cada vez mais próximos. Não tem como fugir, certamente são muitos. Então fiz o que qualquer pessoa com um pouco de coragem e muita loucura faria. Parei de correr e me virei para o meu perseguidor.
“Eu já vi esse rosto antes.”
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