Aaaaaaaaaah.... Nãaaaao! O que começou como um grito de desespero findou como um sussurro, um sinal de uma dor capaz de rasgar qualquer resquício de autocontrole. Tia, por que isso? O que te fiz? Foram só três dias!
- Lis, você sumiu por três dias completos!
- Eu sei, mas depois do funeral, eu fiquei desnorteada, fui até hospitalizada, e só não enlouqueci por que pensei que a senhora me amasse o bastante para cuidar dos meus meninos! E agora, onde eles estão? Responde, tia!
Helô Maia era uma senhora vivaz, gentil e alegre, mas neste momento parecia forçar a sobriedade como que para ocultar o constrangimento diante da única sobrinha.
- Já te disse, eles sumiram...
- Eles são dois garotos gêmeos de Um ano, não fugiram daqui!
Um ano... Não, meus meninos tem agora três anos. E foi esse pensamento que, como sempre a despertou de seu pesadelo, seu loop diário ao inferno.
Levantou e tomou banho, vestiu-se mecanicamente, sem ao menos olhar no espelho, mas não pôde evitar o calendário... Vinte de abril... Dois anos exatos do dia do velório. Pensou que não houvesse dor pior que a de enterrar seu amado Mark. Nunca mais ver o azul de seus olhos, ou ouvir sua risada boba. Até ter alta do hospital e descobrir que seu primo Teo havia dado um sumiço nos seus filhos.
Desde então vivia à base de amargura, foco e sede de vingança.
Cortou seu lindo cabelo, aderiu a roupas e sapatos mais esportivos e simples, além de um estilo de vida econômico e minimalista.
Emagreceu muito, esqueceu o som da própria risada, vendeu a casa de campo, e todos os bens dispendiosos, não por precisar de dinheiro, pois Mark a deixou financeiramente estabilizada, no mínimo, pois possuíam uma série de empresas que adquiriram ao londo de seus cinco anos casados, mas para ter recursos suficientes para resgatar seus filhos de qualquer buraco onde Teo os tenha escondido.
Sim, mesmo após dois anos de intensa busca infrutífera, ela tinha plena certeza que ele os havia escondido, não matado.
Contratou diversos detetives, dispensando a maioria em questão de dias, já que em seus anos de gestão adquiriu a " habilidade" de diferenciar quem se dedicava de quem queria apenas uma forma de ganhar mais dinheiro.
Há três meses foi por indicação a uma pequena agência, de Jacob Silva. Um nome comum, um bairro de classe média-baixa, um jovem atlético, simpático, mas também muito comum, ainda iniciando sua carreira, mas havia algo diferente nele, sei lá, um brilho de genialidade, um ar criativo, uma gentileza visível a olhos nus...
Desde então sua vida se resumia a perturbá-lo algumas vezes ao dia, krav maga duas horas por dia, vagar em busca de pistas, comer algo e desmaiar de exaustão. O único luxo que mantinha era sua funcionária, Eva, que cuidava da cada e dela, mantendo a vida no fluxo com seu jeito debochado. Aquela nordestina fazia tudo como mágica, embora, durante suas crises de depressão e saudades ela parecesse insensível. Ela aparecia na porta do quarto com sua loira cabeleira crespa e aquele olhar felino e berrava com ar de mãe:
- Banho agora! O café tá na mesa!
E por mais que insistisse em ignorar, era tempo perdido, ela sempre vencia essa briga. Ela dizia que por pior que estivesse ruim a situação ficar estagnada piorava tudo.
- Coisas ruins são como uma enchente, dona Elisa, você tem que fazer fluir. Se represar vem o lodo, a cólera, a dengue... Tem que dar vazão, drenar, se livrar, sabe?
Era difícil discutir com ela, pois sempre tinha a cicatriz no pescoço pra mostrar que ela tinha vivência no assunto... A única coisa que ela disse sobre aquela marca, é que seu padrasto tentou vendê-la para prostituição ainda adolescente, na ausência de sua mãe, quando ela ameaçou denunciar, ele cortou seu pescoço e fugiu achando que estava morta. Engano dele, ela era uma sobrevivente, e fez o que melhor sabia, sobreviveu. Assim que teve alta, na primeira oportunidade fugiu do seu estado de origem, pois a mãe pareceu não acreditar que a culpa fosse do seu marido, "um homem tão bom" dizia ela entre lágrimas! Anos depois sua mãe apareceu no jornal, presa por matar seu marido com um sorvete envenenado. Ao ser questionada, afirmou que, sua única tristeza foi não notar antes a ruindade daquele infeliz. Eva, é claro pagava o advogado e já tinha ido ao presídio visitá-la algumas vezes, a havia perdoado totalmente há anos.
Teo Maia sempre foi conhecido por ser mimado e agressivo, mesmo durante a infância. Podia ser um doce quando convinha, mas não sustentava a fachada, qualquer mínima contrariedade resultava em um rompante de fúria descabida.
Sua mãe, uma elegante e jovem viúva, e ele, foram morar na casa ao lado da casa de sua irmã Cris, seu marido Felipe, e sua filha, a bebê Elisa quando ele tinha sete anos, e todos passaram a elogiar a mudança de comportamento do garoto, que parou de torturar seus pets e bater em outras crianças para se dedicar a proteger sua prima.
Todos imaginaram que a "fase cruel" tinha acabado, e ficaram felizes pois aquele jovenzinho amadureceu tanto devido ao convívio com a prima!
No decorrer dos anos, aquele amor foi crescendo com eles, para Elisa, Teo era o herói, o irmão mais velho e o melhor amigo, para Teo, aos catorze anos, Elisa era o projeto, seu objetivo, sua posse.
Porém ela era pequena, e, para ele, estava tudo certo, ele deveria esperar que ela tivesse idade para ser sua.
A coisa começou a azedar quando ela começou a se interessar por garotos, aos treze anos, nesse ponto ele tinha vinte, mas surtou ao presenciar seu primeiro beijo, um selinho, na verdade.
Quando contou aos pais dela, rangeu os dentes ante os "ai, que fofo!" E os "relaxa, é só um namorico..." para ele não era tão simples, esperava por ela há anos.
Aos dezessete, ele já tinha se adaptado aos flertes ocasionais dela, seus namoros relâmpago, mas aí veio o Mark, sério, tinha que ser um bom moço por natureza? Moreno de olhos azuis? Esse combo era complicado de superar, e os suspiros que arrancava dela dizimavam seu coração e detonaram sua paciência.
Mas ele sabia, ao menos esperava que ele fosse descartável como os outros. Triste engano. Pagou prostitutas para tentarem seduzi-lo, bad-boys para o ameaçarem, tentou até sequestrá-lo todos os dias da semana anterior ao casamento. Até a despedida de solteiro ele dispensou, afirmava ser virgem, cristão e que preferia esperar o casamento... Até parece. Tanta perfeição, nem se fosse o próprio Clark Kent.
Mas ele venceu, casou com Elisa, a despeito de seus esforços para impedir...
Então se seguiram anos de tentativas de sequestro, atentados mal sucedidos...
Em um deles, tudo deu tão errado, que acabou matando os pais de Elisa acidentalmente, e isso realmente não estava nos planos, pois ela acabou optando por vender a casa de seus pais, já que não conseguia mais frequentá-la.
E então ele decidiu acabar com qualquer esperança de que as coisas fossem voltar ao que deveriam ser, engravidou sua amada.
Nesse ponto, Teo não suportava mais e desistiu do trabalho, começou a descontar toda frustração na própria mãe, agora idosa e indefesa.
Ela nunca denunciou por dois motivos, o primeiro era o medo da solidão, já que abdicou à sua vida amorosa para cuidar do filho; mas o segundo, e mais forte, era a culpa. Culpa por ter sido negligente na imposição de limites, culpa por não ter ouvido seus professores e médicos que aconselhavam frequentemente a tratá-lo com acompanhamento psicológico e terapias... Para ela seu menino era perfeito, a sociedade era cruel e não assimilava suas qualidades, agora, devia pagar o preço da sua teimosia.
No dia que Mark morreu, Teo comemorou loucamente, até descobrir que Lis estava com ele. Como soube? Sua mãe ficou com os gêmeos para que os pais fossem a um ponto turístico para um bate-volta de fim de semana.
Mas logo ela teve alta, e, no funeral ele tentou uma aproximação mais clara, afinal o empecilho não existia mais...
- Lis, sinto por sua perda...(Lembrou-se de condoer) Mas, olha pelo lado bom, agora podemos casar! Mandamos o Gael e o Logan para um internato e em meses começamos nossa família.
- Comequeé? Sibilou Elisa de fúria e dor. Meu marido acabou de morrer! Tá louco? Abandonar os meus filhos? SAI DAQUI AGORA! VOCÊ NÃO TEM O DIREITO... Berrou em prantos.
Apesar de Mark ser um homem discreto, era muito amado e admirado então o velório estava lotado. Teo pegou firme no braço de Elisa, mais do que o desejado, na verdade, e tentou puxá-la para longe do caixão.
- Escuta, Lis, me expressei mal, deixa eu me explicar! Você sabe que eu te amo, desde criança, né?
- Eu achava que sim, mas não desse jeito, credo! Me deixa! Respondeu dando um tranco com o braço para se soltar enquanto lhe dirigia um olhar de nojo. Alguém, por favor, tira ele daqui!
Nossa, ainda doía lembrar. Ela partiu seu coração? Ele destruiria o dela!
Nossa, ainda ardia o peito de lembrar, mas dava um orgulho imenso da velocidade de seu raciocínio...
Pagar aquela ex presidiária para se passar por babá e "dar fim" nos meninos... Até hoje a sua priminha sofria por ter rejeitado seu amor. De toda forma, ele lhe ofereceu a justa compensação, lhe daria filhos seus, caso ela aceitasse, mas nãaaao, agora ela queria dar uma de assexuada...
Como sempre, malhar esvaziava sua mente, fazendo-a vagar para um dia comum, no passado. Quer dizer, a guinada do seu escritório de detetives.
Como sempre, Lily estava à postos na recepção, fazendo vezes de secretária e adm, Jean limpava e ele, Jacob, acompanhava notícias na web.
Nenhum dos três tinha pressa, não havia clientes sérios, apenas curiosos e pessoas interessadas em serviços gratuitos, ou seja, em no máximo dois meses viria a falência, a menos que conseguisse prolongar o PAItrocínio. Também, com o advento das redes sociais, todo mundo achava que era detetive, hoje em dia.
Mas neste dia, não. Para seu espanto, o interfone tocou, e não era a Lily tentando seus joguinhos confusos de sedução novamente... Ela era persistente, sem dúvidas... Começou com micro saias, ele a repreendeu, aquele não era um visual apropriado, então vieram os decotes, mas embora tivesse belos seios juvenis, novamente proibiu... Então começou o rodízio de doces "feitos por mim" ela dizia, até o dia que ele a viu chegar com o pacotinho de uma doceira famosa, caríssima, então esse jogo perdeu o sentido para ela. A última tentativa foi a bebida. Certeza que ela pôs algum afrodisíaco no copo, ou nem aquele beijo teria rolado, pois nos seus dez anos de kung-fu e meditação o que mais treinou foi o autocontrole.
Bem, dessa vez a voz, embora educada, estava visivelmente contrariada.
- Sr Jacob, há uma cliente aguardando para vê-lo.
Pelo tom de voz, ou era linda, ou visivelmente pobre, sem condições de pagar pelos serviços, mas vamos lá, pensou.
- Deixe-a entrar.
Embora sem clientes, nunca seria pego desalinhado ou mal vestido na própria sala, então, em contraste com a pele escura e os cabelos lisos e negros vestia um terno cinza, bem marcado e de alta costura. Sua cliente, entretanto contrastava com a sobriedade da sala, observou.
Calçava um par de tênis novos e limpos, mas comuns, vestia um moletom ocre com a blusa amarrada na cintura e uma blusinha verde oliva com costas de nadador.(aparentemente ela se sentia perseguida) Usava em seu pescoço uma joia daquelas antiquadas, onde se guardam fotos, como se chamava mesmo? Relicário... Isso mesmo, aparentemente de Ouro Branco, que ele viu numa vitrine de uma loja super luxo no shopping, mas era caríssimo! Aquele colar, sozinho bancária um semestre de suas despesas! E, mesmo a imitação não era barata. Ela tinha belos traços, não usava maquiagem, e seus olhos da cor do mar do Caribe pareciam janelas para o vácuo, tamanha desolação e tristeza aparentavam. O cabelo estava muito curto, castanho claro, sem tintura ou adereços, sua voz, embora firme, soava levemente insegura. Era tanta dor acumulada,que quase mascarada sua beleza, mas só... Quase. Outra coisa, ele tinha certeza de já conhecê-la de algum lugar, mas, de onde?
- Bom dia, sr Jacob, sou Elisa Ruy e preciso dos seus serviços. Estendeu-lhe a mão direita, enquanto na esquerda já trazia uma pasta, provavelmente um dossiê das suas necessidades.
- Bom dia, sra Elisa, sente-se por favor. Apontou para a cadeira confortável em frente à sua mesa, que ela ignorou, sentando-se no tapete com graça e equilíbrio felinos. Esse seria seu oitavo detetive, mas não podia se dar ao luxo de desistir. Todos achavam que estava louca, ou em negação, mas a questão era o que ela sentia. Seu coração não acreditava que eles estivessem mortos, e dessa vez a investigação seria do seu jeito. Ele não questionou, sentou ao seu lado e ouviu atentamente enquanto ela ilustrava ideias e argumentos com documentos, fotos e recortes de jornal. Já conhecia vagamente a história, dos jornais e tabloides, que a exploraram por todo o primeiro ano, até o assunto parar de dar ibope, aí então todos alegaram que as crianças estavam mortas e desistiram do caso. Mas ele sempre soube que nem tudo foi revelado. Ela o encarou curiosa.
- Concorda com essa teoria? Questionou apontando um recorte de 'A folha da tarde', ele não havia ouvido os últimos minutos, mas por sorte conhecia bem a matéria.
- Não, essa imprensa marrom é um vexame. Claro que não foi trafico humano! Nesses casos, eles raptar crianças pobres.
- Discutiram recortes por quase duas horas, até que chegou o horário do almoço, mas ele fingiu não notar... Eram três e meia quando seu estômago se rebelou fazendo um ruído impossível de ignorar.
Pelo ao menos ela riu, uma bela gargalhada estilo adolescente.
- Parabéns, você me superou! Meu estômago soa como uma fera, o seu como um ogro! Eu estava esperando você solicitar pausa para comer, mas é educado demais, né? Então te convido para um almoço tardio. Topa? Falou reorganizando os papéis na pasta.
- Meu estômago diz sim. Respondeu sorrindo genuinamente, o que a fez lembrar Mark, embora nada tivessem em comum excetoa alturae os dentes perfeitos. Mark era branquinho e musculoso, Moreno de olhos azuis e cachos rebeldes dos quais vivia reclamando, alémde lábiosdelineados e finos, esse rapaz parecia um índio, com a pele chocolate e olhos cor de avelã, um cabelo muito liso fixado à base de muito gel, labios carnudos e chamativos, atlético como um capoeirista, com sua musculatura bem definida e sequinha, é provavelmente um belo tanquinho... Opa, desde o velório, era a primeira vez que se permitia sorrir, e admirar a beleza masculina, mas não podia... Ia deturpar o foco. Rapidamente voltou ao estado de alerta.
- Então, vamos? Confia em mim?
- Claro! Que lucro você teria em me causar algum contratempo? Seria a continuação dessa conversa no tapete? Perguntou erguendo a sobrancelha direita numa pose charmosa, que mexia com a concentração de Elisa a ponto de fazer seus nervos vibrarem.
- Então, não confio em ninguém, por razões óbvias, e, como pode imaginar, só posso expor tudo sobre o caso, e até mesmo fazer qualquer proposta onde me sinta segura. Vamos?
Ele nem ao menos respondeu, apenas levantou-se de forma ágil e lhe estendeu a mão para oferecer apoio.
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